Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3061/15.4T8FAR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
GREVE
SUBSTITUIÇÃO DE TRABALHADOR EM GREVE
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – A greve decretada ao trabalho extraordinário e suplementar, em dia normal de trabalho, descanso semanal obrigatório, semanal complementar e feriados, não pode deixar de considerar-se, embora atípica, uma greve legal.
II – Por isso comete a contra-ordenação prevista nos n.ºs 1 e 3 do artigo 535.º do CT, a arguida que perante a greve ao trabalho suplementar dos trabalhadores de um determinado Centro de Distribuição aí coloca trabalhadores de outro(s) Centro(s) para realizarem o trabalho que não foi realizado por aqueles.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3061/15.4T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB, S.A., devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade Local de Faro) que lhe aplicou:
(i) uma coima no montante de € 12.240,00, por infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 535.º do Código do Trabalho (substituição de grevistas que à data do aviso prévio não trabalhavam no estabelecimento – processo n.º 121 200 839);
(ii) uma coima no montante de € 1530,00, por infracção ao disposto no artigo 213.º, n.º 1, do mesmo diploma legal (violação do período normal de trabalho diário – processo n.º 121 300 460);
(iii) uma coima no montante de € 1.530,00 por infracção ao disposto no n.º 3 do artigo 202.º, ainda do mesmo compêndio legal (falta de registo dos tempos de trabalho visado pelos trabalhadores que prestam trabalho no exterior da empresa – processo n.º 121 300 461).
Em cúmulo jurídico foi a arguida condenada na coima única de € 12.240,00, correspondente a 120 UC.
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Por sentença de 17 de Março de 2016, depositada no dia seguinte, da Comarca de Faro (Faro – Instância Central – 1.ª Secção Trabalho – J2), foi negado provimento à impugnação judicial e mantida a decisão administrativa
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De novo inconformada, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal da Relação, tendo na respectiva motivação formulado as seguintes conclusões:
«Conclusões específicas do processo 121200839
- I – Da inexistência de qualquer ilicitude no comportamento da arguida.
I – Processo 121200839 – Substituição de grevistas.
1 - No que respeita à greve ao trabalho suplementar, a doutrina e alguns pareceres da Procuradoria Geral da República têm entendido que esta forma de greve é legal.
2 - Como pode o trabalho suplementar ser objeto de greve quando, por norma, apenas pode ser prestado quando expressamente solicitado pelo empregador e não por livre iniciativa dos trabalhadores? Como podem os trabalhadores fazer greve a algo que não está, no imediato, na sua disponibilidade nem tão pouco se possa prever previamente?
3 - A greve ao trabalho suplementar, como no caso, para o ano inteiro tem, ainda, um problema acrescido: a considerar-se a sua legalidade, como podem estipular-se serviços mínimos, necessários, adequados e proporcionais se nenhuma das partes (promotores e empregadores) pode prever e/ou configurar, à priori, uma eventual situação de recurso ao trabalho suplementar? Como estipular o número de trabalhadores necessários? Como apurar os serviços mínimos? É importante não esquecer que para além da greve ao trabalho suplementar, a empresa pode ter de contar com outras situações, como sucedeu no ano de 2011, em que foram, ainda, realizadas 2 greves gerais, 4 greves localizadas em CDP e diversos plenários.
4 - Nesse sentido foram requisitadas duas trabalhadoras, uma do CDP da Quarteira, outra do CDP de Loulé – esta tinha, aliás, àquela data, desde 30.04.2010, um pedido de transferência em curso para o CDP de Olhão que apenas se concretizou em 12.01.2012, não obstante a trabalhadora ter começado a prestar trabalho no CDP de Olhão a partir de 21.12.2011.
5- O nº 2 do art.º 535.º do Código do Trabalho, como já se referiu, prevê a possibilidade de a entidade empregadora recorrer a outros trabalhadores, ainda que de fora do estabelecimento, em caso de incumprimento dos serviços mínimos, para satisfazer as necessidades sociais impreteríveis, desde que feita na estrita medida necessária à prestação desses serviços.
6 -No que respeita a este aspecto, tendo em conta que existiram duas greves em simultâneo, antecedidas por um plenário; que à data das greves o CDP de Olhão contava com 20 trabalhadores e que foram requisitadas, apenas, duas trabalhadoras, em regime de trabalho suplementar, para fazer face à correspondência acumulada, parece-nos que a medida tomada pela empresa, para além de legítima, foi igualmente necessária, adequada e proporcional.
II – Processo 121300460 – “Violação dos limites máximos do PNT.”
– Da Inexistência de trabalho suplementar prestado e de correspectivamente não ter sido violado o PNT.
7 - Não existe uma norma que faça presumir a existência de trabalho suplementar sempre que o registo do trabalhador termine depois do horário previsto, sendo que, o auto é omisso quanto à existência de factos que se subsumam no n.º 2 do art.º 268º in fine - “ou realizada de modo a não ser previsível a oposição do empregador. “.
8 - Não existindo trabalho suplementar prestado, não pode ter sido ultrapassado qualquer dos limites impostos pela norma supostamente violada – art. 203º n.º 1 e n.º 5 e º228º do CT de 2009. Partindo das mesmas premissas, só é registado o trabalho suplementar que é efectivamente prestado, o que não se verificou no presente caso, pelo que também não existiu qualquer violação do artº 231º do mesmo diploma, nem qualquer desrespeito pelos limites anuais por trabalhador ou pelo intervalo mínimo de descanso.
9 - Pelos considerandos expostos a arguida não praticou qualquer comportamento susceptível de configurar a prática de uma contra-ordenação, pelo que deverá ser absolvida com as legais consequências.
III – Processo 121300461 – “Falta de registo dos tempos de trabalho visado pelos trabalhadores que prestam trabalho no exterior da empresa.”.
10 Resulta de forma clara da factualidade provada que não existe um único trabalhador que tenha declarado que a hora averbada no registo não correspondeu à hora em que almoçou.
11 - Nos termos do nº3 do art.º202º do Cód. do Trab., “o empregador deve assegurar que o trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa, ou envie o mesmo devidamente visado, de modo que a empresa disponha do registo devidamente visado no prazo de 15 dias a contar da prestação.”
12 - E, foi exactamente no sentido de cumprir as obrigações legais, relativas ao registo de tempo de trabalho, ou seja, o registo com indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho bem como das interrupções ou intervalos nele não compreendidos (no caso o intervalo de descanso) por forma a permitir apurar, em local acessível e através de consulta imediata, o número de horas de trabalho prestadas por trabalhador, por dia e por semana, como estabelecido no art.º 202º do Código do Trabalho, que a Empresa adoptou, relativamente aos trabalhadores Carteiros, no exercício de funções de distribuição (trabalho no exterior da Empresa), os procedimentos de registo rejeitados pela ACT na presente decisão.
13 - Sobre os procedimentos a adotar, a Empresa elaborou e divulgou, nos CDP´S, instruções (juntas na resposta escrita à ACT referida no ponto 1) que se encontram afixadas, junto aos pontógrafos, sendo bem conhecidas dos trabalhadores.
14 - Note-se que, não obstante os “giros” executados pelos Carteiros serem percursos previamente estudados e organizados, com base na área de distribuição e no volume de tráfego de correspondência, e dimensionados à medida do cumprimento do período normal de trabalho diário e respectivo intervalo de descanso de cada trabalhador, poderá admitir-se que, excepcionalmente, se existam alterações.
15 - Em conformidade, no âmbito dos procedimentos atualmente adotados pela Empresa, o registo do período de intervalo de descanso é, efectivamente, feito posteriormente à sua verificação (dentro do limite legal de 15 dias previsto no nº3 do art.º202º CT), e de modo automático mas, sempre, desencadeado por iniciativa do trabalhador e com a finalidade de confirmar o cumprimento do horário de trabalho/intervalos que tem atribuídos no mapa de horários de trabalho.
16 - Sem prejuízo do acima referido, tendo em conta que a questão em causa tem vindo a ser objecto de decisões contra a Empresa (a própria ACT invoca 13 situações, ocorridas entre 2009 e 2014, de infracção aos nº1 e 2 do art.º202º do Código do Trabalho, que cominaram na condenação da Empresa e pagamento de coima - pág. 8 da notificação anexa - embora não identifique que a infracção tenha decorrido do modo de registo do intervalo de descanso) parece dever ponderar-se alguns ajustes nos procedimentos de registo dos tempos de trabalho, relativamente aos trabalhadores que desempenham funções de distribuição/no exterior da Empresa.
17 - Este procedimento poderá efectuar-se semanalmente, relativamente à semana anterior sendo que, sendo que, no dia 5 de cada mês, todos os registos relativos ao mês anterior terão de estar inseridos no Teleponto (à semelhança do indicado no ponto 3.4. das instruções anexas no processo administrativo).
18 – De todo o exposto resulta que a BB, ora arguida, não praticou qualquer infração ao dispositivo relativo, nos termos constantes das notificações supra identificadas.
19 - Pelo que, não se subsumindo tais factos à norma do nº 2, do artigo 202º, do Código do Trabalho, não se consubstancia a prática da infração imputada, não havendo lugar ao levantamento de um processo de contraordenação e consequentemente á aplicação de uma coima.
Pelos considerandos expostos a arguida não praticou qualquer comportamento susceptível de configurar a prática de uma contra-ordenação, pelo que deverá ser absolvida com as legais consequências».
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Por despacho de 27-09-2016, o recurso foi admitido na 1.ª instância, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, atenta a caução prestada.
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Entretanto, ainda na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência, concluindo nos seguintes termos:
« A. A sem razão da recorrente vem largamente demonstrada na decisão administrativa e na sentença.
B. Esta merece total confirmação».
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Tendo os autos subido a este tribunal, aqui recebidos em 20-01-2017, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta neles emitiu parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Conclusos os autos ao relator, após determinar a audição dos intervenientes processuais para, querendo, se pronunciarem sobre a inadmissibilidade do recurso em relação a duas contra-ordenações, foi proferido despacho que, tendo em conta o concreto montante das coimas, não admitiu o recurso em relação às infracções (i) ao disposto no artigo 213.º do CT (violação do período normal de trabalho diário – processo n.º 121 300 460) e (ii) ao disposto no n.º 3 do artigo 202.º, do mesmo compêndio legal (falta de registo dos tempos de trabalho visado pelos trabalhadores que prestam trabalho no exterior da empresa – processo n.º 121 300 461).
Transitado em julgado o referido despacho, foi elaborado projecto de acórdão e, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, que aqui não se colocam [cfr. artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (diploma que estabelece o regime jurídico processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social)], no caso a questão essencial a decidir centra-se em apurar se a recorrente cometeu a contra-ordenação prevista no artigo 535.º, n.º 1, do CT, por substituição de grevistas que à data do aviso prévio não trabalhavam no estabelecimento (Centro de Distribuição Postal de Olhão).
Com vista a tal decisão importa atender à matéria de facto dada como provada na instância recorrida:
A) Em 23.12.2010, o SNTCT entregou na DGERT um pré-aviso de greve ao trabalho extraordinário e suplementar, em dia normal de trabalho, descanso semanal obrigatório, semanal complementar e feriados, a vigorar entre 01.01.2011 e 31.12.2011;
B) No dia 02.11.2011, pelas 10.49 horas, a trabalhadora CC, carteira, admitida em 1996, procedia à distribuição de correspondência no centro urbano da Fuzeta, tendo recolhido a correspondência às 09.00 horas no CDP de Olhão, terminando o trabalho quando finalizasse a distribuição da correspondência no centro urbano da Fuzeta;
C) A trabalhadora CC pertencia ao CDP de Loulé, fazendo normalmente a distribuição da correspondência em S. Brás de Alportel;
D) A trabalhadora CC estava a efectuar o trabalho referido em B) a solicitação de DD, Chefe do CDP de Olhão, devido a acumulação de correspondência naquela CDP;
E) Em 05.11.2011, a trabalhadora CC já havia realizado trabalho no CDP de Olhão, devido a acumulação de correspondência naquela CDP;
F) Para distribuição da correspondência foi disponibilizada a trabalhadora CC a viatura com a matrícula…, pertencente ao DCP de Olhão;
G) Em 12.11.2011, pelas 12.55 horas, EE, carteira, admitida em 2009, estacionava a viatura de matrícula … e marca Kangoo, tendo entrado no interior das instalações do CDP de Olhão, com mala de correspondência e devidamente fardada, tendo iniciado funções pelas 08.00 horas e terminado pelas 13.00 horas, e distribuído correspondência na Avenida dos Bombeiros Municipais e algumas zonas de Olhão;
H) No dia 12.11.2011 (sábado), pelas 13.00 horas, no interior das instalações do CDP de Olhão, encontrava-se afixado o mapa de horário de trabalho, com entrada em vigor em 07.11.2011, o qual previa os dias de sábado e domingo como dias de encerramento ou suspensão laboral;
I) EE pertencia ao CDP de Quarteira, sendo esse o seu local de trabalho;
J) EE tinha dias de descanso ao sábado e ao domingo;
K) EE foi contactada por DD em 11.11.2011 que lhe solicitou que trabalhasse no dia 12.11.2011 no CDP de Olhão a fim de realizar a distribuição de correspondência que estava em atraso;
L) Em 17.11.2011, encontrava-se registado o trabalho suplementar realizados pelos trabalhadores EE e CC, esta última no dia 12.11.2011 entre as 08.00 e as 13.00 horas e as 14.00 e as 16.00 horas;
M) A ordem para realização do trabalho suplementar com, recurso aos trabalhadores supra identificados partiu do responsável directo da arguida pela área de Faro e Vila Real de Santo António, FF;
N) De 07.11 a 11.11.2011 ocorreu uma acumulação de correspondência nalguns giros, como foi o caso do 40, 50, 60 e 110;
O) Todos os trabalhadores do CDP de Olhão à excepção de um rejeitaram a realização de trabalho suplementar no dia 12.11.2011;
P) A arguida pretendeu demonstrar que em dia de greve consegue dar resposta ao serviço que tem para distribuição;
Q) A arguida, agiu em prejuízo dos trabalhadores ao seu serviço, os quais lutavam para verem reconhecidas as suas reivindicações e com tal actuação inviabilizou os efeitos da greve, não actuando com a diligência que lhe era devida e de que era capaz perante a situação de greve decretada;
(…);
EE) O SNTCT enviou à recorrente, a 17.12.2010, o pré-aviso de greve ao trabalho extraordinário e suplementar, a vigorar entre 01.01.2011 e 31.12.2011, tendo o mesmo aviso dado entrada na DGERT em 23.12.2010;
FF) O SNTCT veio a decretar em simultâneo uma greve ao 2º. PNT que vigorou em 31.10.2011 e de 02.11 a 04.11.2011;
GG) Para além destas greves, o SNTCT efectuou um plenário no dia 28.10.2011 com duração entre as 11.45 e as 14.48 horas, o qual registou uma taxa de adesão de 50%, que contribuiu para uma maior acumulação de serviço;
HH) A arguida apresentou em 2010 um volume de negócios de € 87.325.000,00;

A decisão recorrida deu como não provada a seguinte factualidade:
(…)
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III. Fundamentação de direito
A decisão recorrida concluiu que a aqui recorrente violou o disposto no n.º 1 do artigo 535.º do Código do Trabalho, uma vez que terá substituído trabalhadores grevistas do Centro de Distribuição Postal (CDP) de Olhão por trabalhadores afectos ao CDP de Olhão e ao CDP de Loulé.
Para tanto desenvolveu a seguinte fundamentação:
«Da factualidade dada como assente resulta, de forma evidente, que a arguida recorreu, durante a greve, a trabalhadores de outros centros de distribuição, por forma a assegurar o serviço que tinha de ser feito, em substituição dos trabalhadores daquele Centro de Distribuição de Olhão, os quais estavam de greve ao trabalho suplementar.
Para substituição dos trabalhadores grevistas, permaneceram naquele local de trabalho os trabalhadores da arguida que estiveram a executar funções profissionais correspondentes ao conteúdo funcional dos trabalhadores grevistas, designadamente serviço de distribuição.
Alega a recorrente que estes trabalhadores prestavam serviço devido à violação dos serviços mínimos decretados, no entanto, não se provou sequer que tivessem sido decretados serviços mínimos para a greve ao trabalho suplementar em causa.
Os trabalhadores não tinham qualquer ligação ao Centro de Distribuição de Olhão e o alcance da proibição contida no nº. 1 do artigo 535º do Código do Trabalho, proibia a arguida de substituir os grevistas, pois as funções substitutivas executadas visaram inequivocamente neutralizar o efeito da greve»
A recorrente rebela-se contra tal entendimento/conclusão, com dois argumentos essenciais: por um lado, estava em causa uma greve ao trabalho suplementar, prestação acessória e não principal no âmbito da relação jurídica laboral, daqui parecendo concluir que a tal greve, atípica, não poderá ser aplicável a proibição de substituição de grevistas prevista no n.º 1 do artigo 535.º do CT; por outro, existiram duas greves em simultâneo, antecedidas de um plenário, que à data da greve o CDP de Olhão contava com 20 trabalhadores e apenas duas trabalhadoras foram requisitadas para aí prestar a actividade, em regime de trabalho suplementar, para fazer face à correspondência acumulada, pela que a decisão é ajustada, legítima, adequada e proporcional.
Vejamos.

Recordemos, antes de mais, o disposto no n.º 1 do artigo 535.º do CT: «O empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço nem pode, desde essa data, admitir trabalhadores para aquele fim».
É incontroverso o direito fundamental dos trabalhadores à greve (artigo 57.º, da Constituição da República Portuguesa), donde decorre, como fazem notar Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 751), «(…) (a) um direito subjectivo negativo, não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem podendo ser compelidos a pôr termo a uma greve em curso (salvo se ilícita) (b) eficácia externa imediata, em relação a entidades privadas (art. 18º-1), não constituindo o exercício do direito de greve qualquer violação do contrato de trabalho, nem podendo as mesmas entidades neutralizar ou aniquilar praticamente esse direito; (c) eficácia imediata, no sentido de directa aplicabilidade, não podendo o exercício desse direito depender da existência de qualquer lei concretizadora».
Por isso, a lei procura, designadamente através do citado n.º 1 do artigo 535.º, impedir que o empregador encontre formas de neutralização ou de esvaziamento do direito de greve: daí que, em conformidade com tal normativo legal, o empregador está impedido/proibido de durante a greve substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no estabelecimento ou local de trabalho, assim como não pode, desde tal data, admitir trabalhadores para tal fim.
Como de forma assertiva escreve Monteiro Fernandes (A Lei e As Greves, Comentários a Dezasseis artigos do Código do Trabalho, Almedina, pág. 83), «(…) o que a lei quer, no caso, é impedir que uma empresa atingida por uma greve tenha livre acesso, pelo período da duração desta, a meios alternativos de realização do fim económico-produtivo a que conduz o seu processo normal de laboração, anulando assim o efeito prático da greve».
Naturalmente que a greve não se trata de um direito absoluto, na medida em que a própria lei fundamental (n.º 3 do artigo 57.º) prescreve que a lei ordinária definirá as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.
Embora a lei não dê uma definição de greve, tem-se entendido, genericamente, que se trata de uma abstenção colectiva de trabalho, resultante de acordo no seio dum grupo ou categoria de trabalhadores, com vista a forçar o empregador à obtenção de fins comuns daqueles (vide Monteiro Fernandes, obra citada, pág. 22).
Ora, face a tal caracterização, não se vê que aí não se possa incluir a greve, atípica, ao trabalho suplementar.
Neste sentido, assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (obra citada, pág. 753), que a noção constitucional de greve exige dois elementos fundamentais: «(a) uma acção colectiva e concertada de trabalhadores; (b) a paralisação do trabalho (com ou sem abandono dos locais de trabalho) ou qualquer outra forma típica de incumprimento da prestação de trabalho».
E acrescentam logo a seguir: «É evidente que o preceito constitucional não estabelece qualquer restrição quanto às formas de greve ou seus modos de desenvolvimento (desde que não se traduzam em dano de direitos ou bens constitucionalmente protegidos de outrem, para além do resultante da própria paralisação laboral), não sendo por isso legítima qualquer proibição de formas ou modalidades de acção, desde que enquadráveis no conceito de greve (por exemplo, greves contínuas ou greves intermitentes, greves globais ou greves sectoriais, greves totrais ou greves às horas extraordinárias».
Como se escreveu no Parecer da Procuradoria-Geral da República n.º 41/2011, de 30-12-2011 (disponível em www.dgsi.pt) - na senda, de resto, de anteriores Pareceres da mesma Procuradoria-Geral da República aí mencionados –, «deverão considerar-se cobertos pelo direito de greve, constitucionalmente reconhecido e garantido, comportamentos colectivos diversos que evidenciam o denominador comum da recusa colectiva da prestação de trabalho, independentemente da duração, o escalonamento temporal e o número de participantes (…). Não se vislumbra, pois, fundamento para tratar de forma diferente a recusa de prestação de parte do trabalho normal e a recusa de prestação de horas extraordinárias».
E conclui-se no citado Parecer (conclusão 3.ª) que «[u]ma greve ao trabalho extraordinário ou suplementar – comummente designado por horas extraordinárias – implicando, consequentemente, uma abstenção de trabalho total (temporária), configura uma greve legal».
Assim, e regressando ao caso que nos ocupa, a greve decretada, mediante pré-aviso que o SNTCT entregou, ao trabalho extraordinário e suplementar, em dia normal de trabalho, descanso semanal obrigatório, semanal complementar e feriados, a vigorar entre 01-01-2011 e 31-12-2011 não pode deixar de considerar-se, embora atípica, uma greve legal.
Aliás, nas conclusões da motivação de recurso, maxime sob o n.º 1, a própria recorrente, ao afirmar que tal é o entendimento da doutrina e de alguns pareceres da Procuradoria-Geral da República, parece aceitar que tal interpretação é a que melhor se conforma com o direito à greve, se bem que manifeste que tal tipo de greve lhe trouxe graves transtornos na organização e realização da actividade.
Em defesa da sua pretensão a não ver reconhecido o cometimento da contra-ordenação, a recorrente argumenta ainda que existiram duas greves em simultâneo, antecedidas de um plenário, que à data da greve o CDP de Olhão contava com 20 trabalhadores e que apenas duas trabalhadoras foram requisitadas para aí prestar a actividade, em regime de trabalho suplementar, para fazer face à correspondência acumulada, pela que a medida que tomou de recurso a trabalhadores não afectos ao CDP de Olhão para realização do trabalho é ajustada, legítima, adequada e proporcional.
Tal argumentação, ainda que nem toda tenha respaldo na matéria de facto provada – e, como se sabe, este tribunal deve acatar a matéria de facto fixada na 1.ª instância, uma vez que apenas conhece de direito (artigo 51.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14-09) –, afigura-se irrelevante para afastar o cometimento da contra-ordenação em causa: com efeito, como decorre da matéria de facto, tendo a generalidade dos trabalhadores do CDP de Olhão se recusado a prestar trabalho suplementar, na sequência da greve que havia sido decretada ao mesmo, a recorrente recorreu a duas trabalhadores afectas a outros estabelecimentos/local de trabalho, o mesmo é dizer afectas a outros CDP, para realizar a distribuição postal, devido à acumulação de correspondência naquele CDP de Olhão [alíneas E) e N) da matéria de facto], ou até para demonstrar que em dia de greve consegue dar resposta ao serviço que tem para distribuição [ alínea P) da matéria de facto].
Isto é, e dito de modo objectivo: a arguida recorreu a trabalhadores afectos a outros CDP para realizar trabalho que trabalhadores em greve no CDP de Olhão não realizaram, subsumindo-se, por isso, tal conduta ao disposto no n.º 1 do artigo 535.º, do CT, o mesmo é dizer, assim cometendo a contra-ordenação por que foi sancionada.
E não vindo questionado o concreto montante da coima aplicado, mais não resta do que concluir pela improcedência das conclusões da motivação de recurso e, por consequência, pela improcedência deste.
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IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por BB, S.A., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).

Évora, 08 de Junho de 2017
João Luís Nunes (relator)
Moisés Pereira da Silva

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[1] Relator: João Nunes; Adjunto: Moisés Silva.