Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2961/17.1T8PTM.E2
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1 - No âmbito da responsabilidade extracontratual a regra é a de que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, contando-se o prazo a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
2 - Pretendendo o lesado ver-se ressarcido por parte do Estado de danos alegadamente sofridos em virtude de não ter tido possibilidade de usar e fruir veículo de sua propriedade que havia sido furtado e aprendido no âmbito de um processo crime, a contagem do prazo prescricional do direito de ação inicia-se no dia imediatamente a seguir àquele em que ele, munido de documentos emitidos pelas autoridades com vista a que o veículo pudesse retornar à sua posse, vê recusada a entrega do mesmo, por parte de terceiro, que o reteve nas suas instalações.
3 – Tendo a recusa ocorrido em 04/05/2010, sendo reiterada a 07/05/2010, o prazo de prescrição iniciou-se pelo menos em 08/05/2010, pelo que tendo a ação sido instaurada em 13/12/2017 já havia decorrido o prazo prescricional de 3 anos, operando a prescrição.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

bb, intentou em 13/12/2017, ação declarativa de condenação com processo comum, contra o Estado Português,[1] que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 2) pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global de € 110 500,00, referente a danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.
Para sustentar o peticionado alega, em síntese:
- Foi vítima de furto, que teve por objeto o veículo automóvel de marca Mercedes, modelo MB 100 D, de cor branca, com a matrícula …-…-EI, ocorrência que deu origem ao processo criminal n.º 734/10.1PAPTM;
- Nesse processo, no qual se constituiu assistente, foi ordenada a entrega do referido veículo ao respetivo proprietário,
- Em cumprimento dessa determinação, munido da «guia de entrega» do veículo, deslocou-se às instalações da sociedade CC Unipessoal,Lda., onde o mesmo se encontrava, tendo esta entrega sido recusada pela referida entidade;
- O CD Faro, Divisão Policial de Portimão, remeteu à dita sociedade ofício via fax a 04.05.2010, a informar que o veículo deveria ser entregue ao legítimo proprietário;
- Posteriormente, em 7 de Maio de 2010, o Sr. Dr. DD, advogado, em representação da sociedade CC Unipessoal, Lda., comunicou a recusa desta empresa em cumprir a ordem de entrega o veículo identificado;
- Entregou na secretaria do Tribunal requerimentos em 28.05.2010, 19.03.2012 e 14.12.2015 dirigidos ao processo criminal;
- Em 28.10.2016 ainda não tinha a viatura em seu poder;
- Foi proferido, no aludido processo criminal, acórdão, entre o mais, a ordenar a entrega dos bens ainda apreendidos “a quem lograr provar a sua pertença lícita no prazo legal”;
- Em virtude “(…) da demora excessiva em executar a decisão judicial obtida pelo Tribunal (…)” no âmbito do processo crime referido, sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial.
Citado o réu veio contestar por exceção e por impugnação, invocando naquela sede a prescrição do direito do autor e nesta sede impugnou parcialmente os factos, tendo concluído pela procedência da exceção, ou se assim não for entendido, pela total improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.
Tramitado o processo veio a ser proferida sentença cujo dispositivo reza:
Atento o exposto, o Tribunal julga procedente a invocada exceção perentória de prescrição do direito do autor BB e, em consequência, absolve o réu Estado Português dos pedidos.
Custas: pelo A. (art. 527.º n.ºs 1 e 2 NCPC), sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
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Irresignado, veio ao autor interpor recurso tendo apresentado as respetivas alegações, terminando pela formulação das seguintes conclusões que se transcrevem:
I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença na parte em que: − Julgou procedente a exceção perentória de prescrição do direito Autor, ora Apelante, invocada pelo Réu, ora Apelado. − Absolveu o Réu Estado Português dos pedidos contra si formulados.
II. A convicção do Tribunal a quo quanto à factualidade dada como provada resultou essencialmente do acordo das partes e bem assim da prova documental junta aos autos, mormente certidões judiciais.
III. Não pode o Autor, aqui Recorrente, conformar-se com a douta sentença do Tribunal a quo, pois que, salvo devido respeito por opinião diversa, não foi efetuada uma correta aplicação do Direito aos factos em apreço.
IV. Em primeiro lugar, não pode o Apelante concordar com a decisão do Tribunal a quo na parte em que julgou procedente a exceção perentória de prescrição.
V. É certo que, in casu o prazo de prescrição é de 3 (três) anos, conforme resulta da interpretação conjugada do disposto no artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Pública – Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro – e no artigo 498.º do Código Civil.
VI. Prevê o artigo 5.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Pública que “o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”.
VII. Nesse sentido, segundo a lei geral “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”
VIII. Pelo que, é ponto assente que efetivamente o prazo de prescrição é de 3 (três) anos.
IX. Porém, não concorda o Apelante com o momento de início do prazo prescricional.
X. Determinam aquelas disposições legais que o prazo de prescrição começa a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
XI. Ora, apesar de o Apelante ter conhecimento de que o seu veículo se encontrava nas instalações da CC Unipessoal, Lda. desde 04-05-2010, e de que a mesma se recusava a entregar o veículo desde 07-05-2010, não foi nestas datas que teve conhecimento do direito que lhe compete.
XII. Apenas a 18-05-2017, data em que conseguiu recuperar a sua viatura, teve o Apelante conhecimento de que a mesma não se encontrava em condições que permitissem o seu uso normal, por se encontrar bastante degradada.
XIII. Não obstante terem decorrido mais de 7 (sete) anos desde o furto da viatura, só com a recuperação da mesma é que o Apelante teve conhecimento de que o seu direito havia sido violado e, consequentemente, apenas daí por diante poderia vir exercer o seu direito.
XIV. Com o devido respeito, o Tribunal a quo, na douta decisão recorrida, tratou dois factos distintos como se de apenas um se tratasse.
XV. Não se pode confundir o facto de o veículo ter sido furtado com o facto de se encontrar completamente danificado, pois que se tratam de dois factos ilícitos totalmente distintos – ambos merecedores de tutela jurídica.
XVI. Logo, ainda que com conhecimento do furto do veículo desde 04-05-2010, o direito que o ora Apelante pretender ver ressarcido é proveniente dos danos que tornaram o veículo completamente inutilizável, do qual apenas teve conhecimento em 18-05-2017, aquando da recuperação da viatura.
XVII. O facto de o veículo haver sido furtado não implica, de per si, a sua inutilização causada pela degradação extrema do mesmo, da qual apenas teve conhecimento com a recuperação do veículo a 18-05-2017.
XVIII. Pelo que, apenas poderia o Apelante exercer este seu direito, advindo da inutilização do veículo devido aos danos sofridos, após ter conhecimento desses danos e respetivas consequências dos mesmos, o que apenas sucedeu em 18-05- 2017.
XIX. Logo, é a partir dessa data, 18-05-2017, que começa a correr o prazo prescricional de 3 (três) anos.
XX. Assim, tendo o Apelante proposto a ação em 13-12-2017 e sido o Apelado citado em 15-12-2017, não se verifica o decurso do prazo de prescrição, pois que foi interrompido com a citação do Apelado.
XXI. Não se conforma o Apelante que, depois de todos os esforços com vista à recuperação da sua viatura, a mesma se encontre em tal estado de degradação que impossibilite a sua utilização.
XXII. Pelo que, pretende ser ressarcido por tais danos sofridos e que são da responsabilidade do Apelado, considerando que é função jurisdicional dos Tribunais, coadjuvados pelas demais autoridades, mediante a administração da justiça em nome do povo, designadamente, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos – cfr. artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.
XXIII. Face ao supra exposto, não se verifica a exceção perentória de prescrição do direito do Apelante, motivo pelo qual deveria ter sido julgada improcedente pelo Tribunal a quo, na douta sentença recorrida.
XXIV. Com o devido respeito, não tendo decidido pela improcedência da exceção perentória, o Tribunal a quo pugnou pela incorreta aplicação do direito aos factos.
XXV. Pelo que deve ser revogada a douta sentença recorrida na parte em julgou totalmente procedente a exceção perentória de prescrição do direito do Autor, BB, e absolveu o Réu, Estado Português, dos pedidos contra ele formulados, como é de JUSTIÇA!

Foram apresentadas contra alegações, defendendo a manutenção do julgado.

Apreciando e decidindo

O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso (artºs. 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 608º n.º 2 ex vi do art.º 663º n.º 2 todos do CPC).
Assim, a questão nuclear que importa apreciar consiste em saber se operou, ou não, o prazo prescricional do exercício de direito de ação.
*
Na sentença recorrida foi considerado como provado o seguinte quadro factual:
1. No dia 19 de Abril de 2010 o autor apresentou queixa na Divisão Policial de Portimão da Polícia de Segurança Pública/Esquadra de Investigação Criminal de Portimão, comunicando que, entre as 00:00 e as 08:30 horas, desse mesmo dia, desconhecidos, furtaram o veículo automóvel Mercedes, modelo MB 100 D, de cor branca, com a matrícula …-…-EI, que lhe pertencia, e que continha no seu interior duas paletes de loiça de casa de banho, indicando como prejuízo total o montante de € 7200.
2. Esta participação criminal foi integrada no processo-crime com o n.º 734/10.1PAPTM.
3. Localizada a viatura, no dia 4 de Maio de 2010, a Divisão Policial de Portimão da Polícia de Segurança Pública/Esquadra de Investigação Criminal de Portimão emitiu e facultou ao autor uma «guia de entrega» do veículo identificado, com o seguinte conteúdo:
«O veículo deve de imediato ser entregue mediante a apresentação do presente documento, tendo a viatura sido apreendida nas instalações da “CC”, Sítio dos Vales, Algoz, que na altura foi nomeada fiel depositária.
Junto com o veículo, devem ser entregues todos os documentos e bens que se encontravam no seu interior».
4. Nessa mesma data, via Fax, com referência ao veículo automóvel de marca Mercedes, modelo MB 100 D, de cor branca, com a matrícula …-…-EI, a Divisão Policial de Portimão da Polícia de Segurança Pública/Esquadra de Investigação Criminal de Portimão comunicou à sociedade “CC Unipessoal, Lda.” o seguinte:
«(…) ASSUNTO: Entrega de veículo apreendido (Ref.ª NUIPC 734/10.1PAPTM)
Informa-se V.ª Exa.ª que mediante a apresentação nos vossos serviços da Guia de Entrega do veículo acima identificado, deve o mesmo ser de imediato entregue conjuntamente com os pertences e documentos existentes no interior da viatura ao seu legítimo proprietário BB.
Como é do vosso conhecimento, o veículo trata-se de uma viatura furtada, a qual foi apreendida nas instalações da “CC”, Sítio dos Vales, Algoz, que foi nomeada fiel depositária do referido veículo, qualidade essa que cessará de imediato referente ao veículo acima identificado, mediante a sua entrega.».
5. Alega o A. na PI que munido da aludida «guia de entrega» do veículo id. em 1. Se deslocou às instalações da sociedade “CC Unipessoal, Lda.”, e foi-lhe recusada a entrega do mencionado veículo.
6. Posteriormente, em 7 de Maio de 2010, o Senhor Dr. DD, advogado, em representação da sociedade “CC Unipessoal, Lda.” remeteu ao CMP da Divisão Policial de Portimão uma comunicação com o seguinte teor:
«(…)
1. Esta empresa desconhece se o veículo com a matrícula …-…-EI foi furtado;
2. Assim como esta empresa desconhece se foi proferida alguma decisão judicial que se pronuncie pela existência do furto do veículo com a matrícula …-…-EI e nomeadamente a autoria do mesmo;
3. Também nunca V. Ex.ª informou esta empresa de que o veículo com a matrícula …-…-EI terá sido alegadamente furtado;
4. Mas, no entanto, manifesta que todos os produtos existentes nas nossas instalações são adquiridos por transação comercial, nos termos legais;
5. Declara V. Ex.ª que o Sr. BB é o legítimo proprietário do veículo com a matrícula …-…-EI, sem invocar qualquer fundamento;
6. Acontece que esta empresa adquiriu o veículo com a matrícula …-…-EI, não reconhecendo a propriedade da mesma ao Sr. BB, sem mais;
7. É que a posse e propriedade das coisas ainda é regulada pelo direito civil;
8. No entanto, no interesse das partes envolvidas, não pode esta empresa deixar de manifestar que está disponível para apreciar e acordar a possível entrega do veículo com a matrícula …-…-EI ao Sr. Norberto Sebastião;
9. Relativamente á informação e dever transmitido a esta empresa na comunicação de V. Ex.ª “Informa-se V.ª Ex.ª que mediante a apresentação nos vossos serviços da guia de entrega do veículo acima identificado deve o mesmo ser de imediato entregue … ao seu legítimo proprietário BB”;
10. Permitimo-nos considerar tal ofício, apesar do profundo respeito por V. Ex.ª, como uma mera opinião, porquanto;
11. Ao que temos conhecimento, estando a decorrer um inquérito crime NUIPC 734/10.1PAPTM;
12. É competente para dirigir tal inquérito o Ministério Público, artigo 263.º, n.º 1, do CPP;
Pelo exposto, não estão evidenciados os fundamentos legais necessários, ao cumprimento do solicitado por V.Ex.ª. (…)».
7. Em 19 de Março de 2012 o autor comunicou ao processo n.º 374/10.1PAPTM a alteração da sua morada.
8. Em 16 de Setembro de 2013 o autor formulou no processo-crime n.º 734/10.1PAPTM um pedido de indemnização cível, no qual pedia a condenação dos ali arguidos na quantia de € 39 800 (trinta e nove mil e oitocentos euros), pelos danos de privação do uso do veículo e bens que nele se encontravam, impossibilidade por virtude disso de aceitar outros trabalhos, que não foi admitido por extemporâneo.
9. Em 18 de Novembro de 2013 o autor requereu a atribuição da indemnização de € 27 300 (vinte e sete mil e trezentos euros), nos termos do artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, a título de reparação pelos danos sofridos, pretensão que também foi rejeitada.
10. Em 20 de Dezembro de 2013, no processo n.º 734/10.1PAPTM, foi proferido Acórdão, em primeira instância, decidindo, para o que aqui releva:
 Condenar o arguido EE, pela prática de 8 crimes de furto, nas penas parcelares de 1 ano de prisão para cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de, no prazo de 36 meses, depositar nos autos € 3550;
 Condenar o arguido FF, pela prática de 8 crimes de furto, nas penas parcelares de 1 ano e 3 meses de prisão para cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de, no prazo de 36 meses, depositar nos autos € 3550;
 Condenar o arguido GG, pela prática de 8 crimes de furto, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses de prisão para cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão;
 Ordenar a entrega dos bens ainda apreendidos a quem lograr provar a sua pertença licita, no prazo legal.
11. Por Acórdão de 14 de Julho de 2015, que transitou em julgado em 21-12-2015, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou o recurso interposto pelo arguido FF e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido GG, reduzindo para 5 anos a pena única que lhe foi aplicada. No mais, manteve o acórdão recorrido.
12. No dia 14 de Dezembro de 2015 o autor deu entrada no processo n.º 734/10.1PAPTM do seguinte requerimento:
«Cumpre dar a autorização de levantar a minha carrinha Mercedes, modelo MB 100 D que foi roubada desde Abril de 2010 e o caso foi julgado em Novembro de 2014 e até agora nem carrinha nem a indemnização para me pagarem, já lá vão quase 6 anos e ainda não tenho a resposta e a carrinha está a fazer-me muita falta».
13. Em 18 de Maio de 2017 o autor recebeu da sociedade “CC Unipessoal, Lda.” o veículo automóvel Mercedes, modelo MB 100 D, de cor branca, com a matrícula …-…-EI.
14. O A. propôs a presente ação no dia 13/12/2017.


Conhecendo da questão
No tribunal recorrido em face do pedido e causa de pedir, teve-se em consideração, e é aceite pelas partes, que há que considerar o prazo prescricional previsto na Lei 67/2007, de 31/12, na qual estabelece o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
Efetivamente, sobre as questões da responsabilidade civil extracontratual do Estado demais Entidades Públicas rege a Lei 67/2007 de 31/12, que no seu artº 5º (prescrição) dispõe que “o direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição.”
Ou seja, o aludido artº 5º dispõe sobre a prescrição do direito à indemnização por factos de qualquer uma das funções (administrativa, judicial ou politico-legislativa) de forma remissiva, para o artigo 498º do Código Civil, bem assim como para os seus artigos 318º a 322º (no que se refere à suspensão da prescrição) e 323º a 327º (no que concerne à interrupção da prescrição).
No âmbito da responsabilidade extracontratual, nos termos do disposto no artº 498º n.º 1 do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
O prazo prescricional deverá contar-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.[2]
Todas as ocorrências situadas a jusante desse momento poderão ter interesse para outros efeitos, nomeadamente para interrupção ou suspensão do prazo, mas não para o início da contagem do mesmo.[3]
O que releva para o início da contagem do prazo não é o conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, mas, tão só, o conhecimento dos factos constitutivos desse direito, tais como saber que o ato foi praticado e que dessa prática resultaram para si danos,[4] donde, para esse efeito, não releva o conhecimento da evolução da doutrina ou da jurisprudência, das especificidades, da amplitude e das consequências de um determinado regime legal, até porque o início da contagem do prazo não é impedido pela ignorância da existência do direito ou da sua titularidade.[5]
O Julgador a quo perante a factualidade supra descrita, tendo em conta o prazo consignado no n.º 1 do artº 498º n.º 1 do CC, concluiu que o autor veio tardiamente, intentar ação, por já ter decorrido mais de três anos sobre a data em que teve conhecimento do direito a ser indemnizado pelo Estado dos alegados danos que diz terem resultado do “exercício da sua função jurisdicional, ainda que por atos lícitos, … dado que a Administração lesou direitos e interesses legalmente protegidos do particular, fora dos limites consentidos pelo ordenamento jurídico.”
Salienta o Julgador a quo:
… atenta a factualidade dada por provada, que pelo menos desde 04.05.2010 o A. tem conhecimento de que o veículo se encontrava nas instalações da CC Unipessoal, Lda., bem sabendo que, pelo menos de 07.05.2010, aquela entidade se recusara à sua entrega, conforme alegou.
Nem se diga que o A. apenas teve conhecimento dos prejuízos e da “pessoa do responsável” com o trânsito em julgado do processo crime em 21.12.2015, pois que logo no processo crime procurou, embora sem sucesso, deduzir pedido de indemnização civil que abarcava os danos cujo ressarcimento pretende agora alcançar, imputando-os agora à falta de decisão em prazo razoável.
Sucede que, não se vê que ao A. se impusesse aguardar pelo trânsito em julgado do acórdão condenatório em processo crime para fazer valer os direitos de que se arroga titular.
Na verdade, sequer o A. alega que no dito processo fosse suscitada por qualquer sujeito a questão respeitante à propriedade do veículo, não dependendo pois o A. de tal decisão para ver declarado o seu direito de propriedade sobre o mesmo, do qual resultassem então os direitos com fundamento nos quais ora vem demandar o R..
Aliás, tanto assim é, que o Acórdão de 1.ª instância apenas se refere afinal aos bens que ainda se encontravam apreendidos à ordem dos autos, excluindo, por isso, entende-se, aqueles relativamente aos quais, como o do A., já haviam sido objeto de ordem de entrega, com emissão da competente guia.
Se o A. se conformou com a recusa e nada fez, sibi imputet.
Acrescendo apenas que somente veio dar nota da não entrega já em Dezembro de 2015, dias antes do trânsito em julgado do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação e do qual certamente o A. já havia sido notificado.
Sendo, conforme já supra explanado, de três anos o prazo de prescrição respeitante à obrigação de indemnização que o A. pretende fazer valer nos autos contra o R. e que o mesmo começa a correr quando o direito do A. pudesse ser exercido, temos para nós que tal ocorreu no dia imediatamente a seguir àquele em que o A. vê recusada a entrega do veículo pela Reciprémio (art. 279.º al. b) CC).
Pelo que, tendo a recusa tido lugar a 04.05.2010, reiterada a 07.05.2010, o prazo de prescrição iniciou-se pelo menos a 08.05.2010, terminando pelo menos a 07.05.2013.
Assim, de todo o modo, aquando da propositura da ação, 13.12.2017, há muito se encontrava prescrito o direito que o A. aqui pretende fazer valer contra o R., prescrição essa que o R alegou em sede de contestação.
O autor, ora recorrente, embora não ponha em causa que o prazo de prescrição é de 3 anos, sustenta, ao invés, que o início de tal prazo se conta a partir do momento em que o veículo lhe foi efetivamente entregue, o que sucedeu em 18/05/2017, pois só a partir dessa data é que teve a perceção do verdadeiro estado do mesmo.
Não obstante a posição do autor, em face dos princípios supra enunciados e tal como o autor configura a pretensão não podemos deixar de estar em consonância com a posição assumida pelo Julgador a quo alicerçada na fundamentação que se transcreveu.
Na verdade, o artº498º do Código Civil, estabelece que “O prazo começa a contar desde a data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, o que significa que o prazo se conta a partir do momento em que o lesado ficou a conhecer a existência dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, os factos que, no fundo, representam para si a violação do seu direito e que são geradores de responsabilidade civil.
Aliás, o próprio autor não pode sustentar que só a partir maio de 2017 é que estava em condições de poder exercer o respetivo direito indemnizatório, uma vez que, como emerge do facto provado no ponto 8, o mesmo logo em Setembro de 2013, formulou pedido de indemnização civil no âmbito do aludido processo crime, contra os ali arguidos, o qual não foi admitido com fundamento em extemporaneidade, tendo peticionado o pagamento da quantia de € 39.800,00, a título de indemnização (em moldes semelhantes aos peticionados na ação ora interposta), e que, já nessa ocasião, discriminou da seguinte forma:
a) € 100,00 (cem euros) a título de danos patrimoniais sofridos, com o pedido de emissão de certificado de habilitações;
b) € 1.600,00 (mil e seiscentos euros) a título de danos patrimoniais sofridos pela perda de duas paletes com loiças de casa de banho, torneiras em inox;
c) € 5.600,00 (cinco mil e seiscentos euros) a título de danos patrimoniais sofridos, relativos ao valor estimado da viatura da marca “MERCEDES”, modelo “MB 100D”, e a matrícula …-…-EI;
d) € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), a título de indemnização compensatória pelo dano da privação do uso;
e) € 500,00 (quinhentos euros) por danos não patrimoniais.
Também, desta realidade emerge que o autor teve conhecimento dos factos, que constituem fundamentos da sua pretensão, em momento muito anterior ao que agora vem defender como sendo aquele em que se deve iniciar a contagem do prazo prescricional.
Como se escreve no Acórdão do STJ, de 18/04/2002,[6]O lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor «o início da contagem do prazo especial de 3 anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.
E “sendo relevante o conhecimento do lesado concreto, significa isso que esse conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado ato que lhe provocou danos, e que esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu. Assim, tal conhecimento do direito não terá de coincidir, nem exige, qualquer reconhecimento judicial de algum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos[7]
Não se invocando, nem demonstrando, qualquer facto que impedisse o exercício do direito, temos que o início do prazo, como se salientou tem de considerar-se como sendo o dia imediatamente a seguir àquele em que o ora recorrente, munido de documentos emitidos pelas autoridades para o efeito, vê recusada a entrega do veículo por parte da sociedade que o reteve nas suas instalações.
Do exposto, em face de não se verificarem quaisquer circunstâncias que pudessem suspender ou interromper a contagem do prazo prescricional, desde a data em que o autor teve conhecimento do respetivo direito e a data em que instaurou a ação, resulta ter operado a prescrição do direito que se pretende fazer valer com a propositura da presente ação.
Irrelevam as conclusões do recorrente, sendo de julgar improcedente a apelação e de confirmar a sentença recorrida.
*
DECISÂO
Pelo exposto, decide-se, julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, atendendo a que recorrente beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de preparos e custas (artº 10º n.º 1, 13º n.ºs 1 a 3, 16º n.º 1, alínea a), da lei 34/2008, de 29 de julho).

Évora, 26 de setembro de 2019
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Maria da Graça Araújo
__________________________________________________
[1] - Embora, incorretamente, tenha referido na petição inicial como parte demandada, a “República Portuguesa”
[2] - v. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 2ª edição, vol. I, 503; Ac. STJ de 06/10/83 in BMJ 330º, 495.
[3] - v. Ac. do STA in BMJ 355º, 190.
[4] - v. Ac. STJ de 18/04/2002 in Col. Jur., Tomo 2º, 35.
[5] - v. Vaz Serra in Prescrição extintiva e caducidade, BMJ, 105º, 198-199.
[6] - No processo 02B950 disponível em www.dgsi.pt.
[7] - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 10/08/2010, disponível em www.dgsi.pt.