Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2364/09.1TBSTR.E1
Relator: ROSA BARROSO
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
EXERCÍCIO CONJUNTO DE RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÃNCIA NA VIDA DO MENOR
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1- Fazer depender do pai o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança, seria prejudicial aos seus interesses, dada a impossibilidade de contactar com o mesmo e o facto de ser desconhecido o seu paradeiro.
2- Estamos perante um caso em que o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, se viria a revelar sério obstáculo ao saudável desenvolvimento da criança, pelo que o superior interesse da mesma impõe o exercício unilateral dessas responsabilidades pela mãe, com quem vive.
3- Justifica-se, no caso concreto, o afastamento do regime regra, de exercício comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha, face à ausência do progenitor, falta de contactos com a criança desde 2008 e total desconhecimento do seu paradeiro, nos termos do estatuído no artigo 1903.º, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:




Recurso de Apelação n.º 2364/09.1TBSTR.E1

Acordam neste Tribunal da Relação de Évora

1 – Relatório
O Ministério Público intentou em 07 de Outubro de 2009, a presente acção de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativas a Mat.............., nascida a 07 de Janeiro de 2005, filha de Maria .............. .............. e de Pa............. ...............
Alegou, para o efeito e, em síntese, o seguinte:
Os requeridos viveram em comunhão de mesa e habitação e estão separados desde Março de 2007.
Os Requeridos não estão de acordo sobre a forma de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
A criança reside com a mãe.
Não foi possível obter acordo na conferência de pais, por falta do pai que não foi possível contactar, desconhecendo-se o seu paradeiro.
Realizou-se inquérito e foi apresentado relatório às condições de vida da criança e da sua progenitora.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o exercício das responsabilidades parentais ser atribuído apenas à mãe, serem fixadas visitas ao pai sempre que este quiser, desde que avise a mãe com 48 de antecedência e respeite os horários escolares e de descanso e a fixação de uma pensão de alimentos a favor da M...........
Foi proferida sentença no dia 26 de Janeiro de 2011, tendo sido decidido, além do mais, o seguinte:
“a) Deverá a residência habitual da menor ser fixada com a requerida, cabendo a ambos os progenitores o exercício das responsabilidades parentais sobre as questões de particular importância;
b) O pai visitará a filha sempre que quiser, contactando para o efeito a mãe com 48 horas de antecedência, indo buscar a filha à escola no termo das aulas e nunca antes das 15h30, ou a casa da mãe, nos dias em que não haja aulas, passando com ela o resto da tarde e entregando-a em casa da mãe às 18h 00;”
A Requerida interpôs recurso.
Apresentou alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
«1- O tribunal recorrido atribui o exercício das responsabilidades parentais a ambos os progenitores sobre as questões de particular importância da vida da menor.
2- No entanto, desconhece-se o paradeiro do pai da menor, sendo que esta não tem com aquele qualquer contacto desde Dezembro de 2008.
3- Nos termos do artigo 1906.º, n.º 2, do C. Civil o tribunal deverá decidir sobre o exercício das responsabilidades parentais sempre de harmonia com o interesse do menor.
4- No caso dos autos, não é do interesse da menor fazer depender decisões importantes da sua vida também do pai.
5- O tribunal recorrido deveria ter atribuído exclusivamente à mãe o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida da menor, porque só assim será assegurado o interesse desta.
6- Ao decidir como decidiu (atribuindo a ambos os progenitores o exercício conjunto das responsabilidades parentais) o Tribunal recorrido violou as disposições constantes dos artigos 1906.º, n.º 2 e n.º 7, do artigo 1903.º, todos do C. Civil e ainda os imperativos legais estatuídos no artigo 180.º, da O.T.M.
7- Assim, o exercício das responsabilidades parentais sobre as questões de particular importância da vida da menor deve ser atribuído exclusivamente à mãe.
8- Quanto ao regime de visitas o tribunal recorrido decidiu que” o pai visitará a filha sempre que quiser, contactando para o efeito a mãe com 48 horas de antecedência, indo buscar a filha à escola no termo das aulas e nunca antes das l5h e 30m, ou a casa da mãe, nos dias em que não haja aulas, passando com ela o resto da tarde e entregando-a em casa da mãe às l8 horas”.
9- Contudo, a menor de seis anos de idade, já não vê o pai há mais de dois anos, provavelmente não se recorda dele.
10- Por outro lado, desconhecendo-se quando o pai poderá aparecer para visitar a menor, não faz sentido estabelecer horários de visitas porque os horários que hoje podem ser possíveis daqui a um ano podem não sê-lo atendendo à escola da menor.
11- Assim, e de forma a assegurar o interesse da menor, deverá ser estabelecido um regime de visitas em que o pai poderá visitar a filha menor na presença da mãe, devendo para esse efeito contactar a mãe com antecedência e acordar com esta dia e hora em que poderá visitar a filha.
Termos em que devem V. Excelências revogar a douta decisão recorrida e decidir no sentido alegado, assim se fazendo a já costumada
JUSTIÇA! »
Não foram apresentadas contra alegações.
II – Os Factos
O Tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1 - Mat.............. nasceu no dia 7 de Janeiro de 2005 e é filha de Maria .............. e Pa............. ...............
2 - Os requeridos viveram em condições análogas às dos cônjuges cerca de 5 anos.
3 - Logo após a separação dos pais, M.......... .......... ficou a residir com a mãe, o que se mantém até hoje.
4) Seis meses após a separação, o requerido emigrou para França, onde ainda reside, sendo desconhecido o seu paradeiro exacto naquele país.
5) Maria............. recebe cerca de 550,00 € de vencimento, a que acresce o valor de 91,68 € referentes aos subsídios de férias e Natal que recebe mensalmente e 43,68 € de abono de família.
6) Tem como despesas 275,00 € de prestação de renda de casa, 10,00 € de água, 25,00 € de electricidade e 23,00 € de gás.
7) Desde a separação do casal que é Maria............ quem, em exclusivo, assegura a educação e sustento da filha.
8) A criança frequenta o Jardim Infantil e quando a mãe não a pode ter consigo, por causa do trabalho, ou das aulas que frequenta para obter equivalência ao 12.º ano, recorre ao auxílio de um casal amigo que fica com a filha, ou leva a mesma para o local de trabalho.
9) Desde a separação que Pa........... nunca contribuiu para as despesas da filha e desde Dezembro de 2008 que não tem contacto com esta.
III – O Direito
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso – artigos 684.º, n.º 3, 685.º A e 660.º, n.º 2, in fine, todos do Código de Processo Civil.
As questões a decidir na apelação consistem em apreciar se deve o exercício das responsabilidades parentais relativo às questões de particular importância da vida da criança ser atribuído exclusivamente à mãe ou, como se decidiu, ser atribuído em conjunto a ambos os pais e se deve o regime de visitas ser alterado?
Vejamos:
1
Entende a recorrente que, sendo desconhecido o paradeiro do pai que não tem contacto com a filha desde Dezembro de 2008, pensando no interesse da criança, deve ser apenas a mãe a decidir as questões de particular importância da vida da filha.
Neste sentido foi o parecer do Ministério Público.
As responsabilidades parentais são um conjunto de poderes e deveres que compete aos pais relativamente à pessoa e aos bens dos filhos menores e não emancipados.
Numa tentativa de causar o mínimo de danos possível à criança que não pode viver a tempo inteiro com ambos os pais, o nosso sistema tem vindo a evoluir no sentido de o regime regra ser o exercício conjunto do poder paternal (como antes se designava), e só subsidiariamente o exercício unilateral ou singular (vd. Lei n.º 59/99, de 30/06 que deu nova redacção ao artigo 1906.º do Código Civil).
Actualmente, com a entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31/10, que alterou o regime das hoje designadas responsabilidades parentais, temos como regra que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em conjunto por ambos os progenitores, conforme o determina o artigo 1906.º, do Código Civil.
Pretende-se desta forma que o divórcio ou separação dos pais não o seja também com os filhos.
Estamos perante progenitores que viveram, um com o outro, tendo cessado a coabitação. Tal separação não é razão para que pai e mãe não tenham idêntico papel relativamente às questões de particular importância para a vida do filho. Competirá ao progenitor com quem a criança fique a viver habitualmente o exercício das responsabilidades parentais respeitantes aos actos correntes da vida do filho.
Estatui, no entanto, o artigo 1903.º do mesmo diploma:
“Quando um dos pais não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal, caberá esse exercício unicamente ao outro progenitor ou, no impedimento deste, a alguém da família de qualquer deles, desde que haja um acordo prévio e com validação legal”.
Escreveu-se a este propósito no Acórdão do T.R.C de 01/02/11, P. n.º 90/08.8TBCNT-D.C1, in http://www.dgsi.pt/jstj:
“As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores, nos termos em que vigoravam na constância do matrimónio, salvo se tal for contrário aos interesses do menor.
Se as circunstâncias desaconselharem o exercício em comum, a guarda do menor deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as necessidades do menor e que tem com este uma relação afectiva mais profunda. “
Como sempre nestes processos a decisão a proferir não é contra os pais mas terá que ser sempre a favor da criança.
Qual o superior interesse da M.......... neste caso?
Como sabemos o legislador não definiu este conceito de superior interesse (nem o poderia fazer cremos), pois só assim será possível encontrá-lo relativamente a cada criança, a cada família e a cada situação em concreto.
No caso concreto temos um pai ausente.
Desde a separação do casal que é Maria.......... quem, em exclusivo, assegura a educação e sustento da filha.
Desde a separação que Pa .......... nunca contribuiu para as despesas da filha e desde Dezembro de 2008 que não tem contacto com esta.
Na decisão recorrida defendeu-se que vivendo a criança com a mãe desde a separação dos pais, que o pai desde essa separação não manteve contacto regular com a filha, não sendo sequer conhecida a sua residência é de manter a residência junto da mãe, como forma de não prejudicar o seu desenvolvimento.
Estamos de acordo.
Mas a final veio a determinar-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância.
Aqui não podemos concordar, acompanhando os argumentos da recorrente.
O pai ausente, voluntária ou involuntariamente, não está disponível para acompanhar a filha, nem nas questões da vida corrente nem nas questões de particular importância.
Emigrou para França. Deixou de contactar a filha. Não é seguramente pelo facto de ter emigrado que está impossibilitado de contactar a filha quando estamos no tempo das fáceis comunicações, das mensagens, dos telefones, da internet.
Quantos emigram e estão presentes na vida dos filhos?
O crescimento, o saudável desenvolvimento da M.........., não é compatível com tamanha ausência.
Estão decorridos quase três anos sem que o pai contacte com a filha.
O Exercício das Responsabilidades Parentais importa para os pais estarem presentes, revelarem interesse, decidir o melhor caminho para os filhos, muitas vezes hesitar nas decisões a tomar e sempre acompanhar.
A presença até pode não ser física, mas não pode é ser vista como abandono.
Desde a separação que o pai não contribui para as despesas da filha.
Porque não pode, porque não quer?
Fazer depender tais questões (de particular importância), de decisão deste pai poderia significar um forte obstáculo que, seguramente, não se pretende.
Ainda que não definido este conceito, de saber exactamente o que são questões de particular importância, consideramos que aqui devem ser incluídas decisões tais como a saída da criança para o estrangeiro com algum carácter duradouro, escolha de tipo de ensino, educação religiosa, decisões sobre intervenções cirúrgicas mesmo que estéticas, práticas de actividades desportivas que comportem risco, ausências prolongadas em passeios escolares, entre outras.
A M.......... tem seis anos de idade. Vai começar a sua vida escolar.
Ora, não podem tais questões ficar dependentes de alguém que não se consegue localizar, mesmo sendo o pai e, em especial, sendo o pai.
Na verdade esta criança tem o direito a saber do seu pai, a poder contactá-lo, a tê-lo na sua vida.
Não sabemos as razões da ausência do pai mas não pode a criança ser prejudicada pela mesma. Existe um impedimento por parte do pai, voluntário ou não, que não lhe permite cumprir com os seus deveres, conforme resulta do artigo 1903.º, do Código Civil.
Supondo idêntico comportamento por parte da mãe esta criança estaria em perigo, necessitando de providência que acautelasse os seus interesses. Estaria posto em causa, por inexistente, o conteúdo das responsabilidades parentais, como são configuradas no artigo 1978.º do mesmo diploma.
Na verdade está aqui inviabilizada a intenção do legislador de co-responsabilizar os pais no projecto de vida do filho, com todas as cedências, sacrifícios e opções que tal significa.
Logo que o pai da M.......... demonstre vontade e ou possibilidade de fazer parte da vida da mesma a decisão que agora se toma pode e deve ser alterada.
Permitir, neste momento, que a vida desta criança dependa de escolhas conjuntas da mãe e do pai, poderia ser prejudicial aos seus interesses, dada a impossibilidade de contactar com o progenitor.
Estamos perante um caso em que o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, se viria a revelar sério obstáculo ao saudável desenvolvimento da criança, pelo que o superior interesse da mesma impõe o exercício unilateral dessas responsabilidades pela mãe com quem vive.
Justifica-se, no caso concreto, o afastamento do regime regra, de exercício comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha, face à ausência do progenitor e falta de contactos desde 2008 com a criança e total desconhecimento do paradeiro do mesmo.
Por tais razões será alterado o estabelecido a este respeito.
2
Quanto às visitas:
A única questão suscitada nas alegações quanto às visitas diz respeito ao horário fixado e ao pedido de que as visitas do pai à M.......... ocorram na presença da mãe.
Atendendo à ausência de contactos do pai e ao desconhecimento do seu paradeiro não se nos afigura de alterar o regime fixado.
As visitas foram fixadas e de forma exequível, não havendo razões válidas para as alterar.
Na verdade são pequenos períodos que estão fixados e que permitirão uma aproximação gradual do pai à filha e desta ao pai, mas em simultâneo com alguma privacidade que assegure essa aproximação, que se espera venha a acontecer brevemente.
Tais visitas ocorrerão após prévio contacto com a mãe da criança e por poucas horas, estando salvaguardados os períodos de descanso e escolares da criança.
Provavelmente, no princípio, surgirão algumas dificuldades por parte da criança mas que logo serão ultrapassadas, cabendo à mãe o importante papel de lhe falar no pai e na importância de com ele estar. Esse fundamental papel será bem executado por uma boa mãe, pensando no melhor para a sua filha.
O artigo 1906.º, n.º 7 do Código Civil estatui que "O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles".
Tal significa que estão abertas ao pai as portas para cumprir com as suas obrigações, nomeadamente a de estar com a filha.
Ao pai caberá saber respeitar os tempos e o período de adaptação da filha.
Não sabemos qual vai ser a reacção da criança, mas estamos crentes que os pais melhor do que qualquer outro saberão lidar com a situação a bem da filha.
Nada nos autos justifica a presença da mãe nos períodos em que a M.......... venha a estar com o pai, sob pena de mais tarde se vir argumentar que não se estabeleceu relação com o pai.
A decisão proferida relativamente ao regime de visitas não merece qualquer reparo.
Concluindo:
1- Fazer depender do pai o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida da criança, seria prejudicial aos seus interesses, dada a impossibilidade de contactar com o mesmo e o facto de ser desconhecido o seu paradeiro.
2- Estamos perante um caso em que o exercício conjunto das responsabilidades parentais, nas questões de particular importância, se viria a revelar sério obstáculo ao saudável desenvolvimento da criança, pelo que o superior interesse da mesma impõe o exercício unilateral dessas responsabilidades pela mãe, com quem vive.
3- Justifica-se, no caso concreto, o afastamento do regime regra, de exercício comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da filha, face à ausência do progenitor, falta de contactos com a criança desde 2008 e total desconhecimento do seu paradeiro, nos termos do estatuído no artigo 1903.º, do Código Civil.
IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, alterar o regime fixado em a) da sentença que passa a regular-se da seguinte forma:
“A residência habitual de Mat.............. é fixada com a mãe e o Exercício das Responsabilidades Parentais quanto às questões de particular importância da vida da criança cabe unicamente à sua mãe.”
Em tudo o mais mantêm-se a decisão proferida.
Sem custas.
Évora,

Rosa Barroso

Francisco Matos

José Lúcio