Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
43/13.4TTSTB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DENÚNCIA DO CONTRATO
REVOGAÇÃO
RECONHECIMENTO NOTARIAL
Data do Acordão: 02/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- De harmonia com o disposto no artigo 402º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado.
II- O reconhecimento da assinatura é uma exigência do empregador, que, por esta via, impõe a observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precavendo-se contra uma eventual mudança de ideias por parte deste. O reconhecimento da assinatura não é algo que o trabalhador possa recusar ou opor-se. Aliás, o incumprimento desta exigência pelo trabalhador pode ter como consequência a exclusão do direito de revogação da denúncia.
III- Os requisitos exigidos pelo artigo 402º do Código do Trabalho devem estar preenchidos no momento em que a declaração de denúncia se torna eficaz ou se o reconhecimento presencial da assinatura só puder ser feito posteriormente (por questões informáticas, por exemplo), deve o empregador alegar e provar que deu conhecimento ao trabalhador que a pessoa competente (que tem de estar presente no ato da assinatura), irá formalizar o reconhecimento presencial da mesma posteriormente. Se o reconhecimento vier a ser feito por advogado deverá ainda constar no documento assinado, a impossibilidade de acesso ao sistema informático, nos termos previstos pelo nº2 do artigo 4º da Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho.
IV- Tendo a autora escrito e assinado a denúncia do contrato de trabalho na presença do advogado da empresa, nada obstava a que, ainda no mesmo dia, o mesmo munido da cópia do cartão de cidadão disponibilizado pela autora, procedesse ao reconhecimento presencial da assinatura registando o ato no endereço da Ordem dos Advogados.
V- Contudo, a empregadora deveria ter alegado e provado que informou a trabalhadora que iria, posteriormente, formalizar o reconhecimento presencial da sua assinatura, motivo pelo qual iria fotocopiar o seu cartão de cidadão, devendo constar do documento assinado a impossibilidade de aceder ao sistema informático.
VI- Não tendo tal factualidade sido demonstrada, a carta enviada pela trabalhadora a declarar a revogação da denúncia, remetida em prazo, é eficaz.

Sumário da relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
M..., com o NIF …, residente …, veio intentar ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra V..., Lda., com o NIPC … e sede …, pedindo que seja reconhecida a ilicitude do seu despedimento e que a ré seja condenada a pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, com a dedução prevista no artigo 390º, nº2 do Código do Trabalho, que, à data da propositura da ação, ascendia ao valor de € 266,67.
Mais peticiona a condenação da ré a reintegrar a autora ou, em opção, a pagar-lhe uma indemnização a fixar em 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, não podendo a mesma ser inferior a três meses, nos termos do artigo 391º, nº1 do Código do Trabalho, e cujo valor, à data da propositura da ação ascende à quantia líquida de € 3.285,00. Igualmente, peticiona a condenação da ré no pagamento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora, em indemnização no valor de € 7.500,00.
Para tanto, alega sucintamente que foi admitida ao serviço da ré, em 2/5/2011, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer as funções inerentes à categoria de Escriturária.
Sucede que, em 14 /11/2012, foi chamada pela ré ao escritório, onde foi pressionada a despedir-se, acabando por solicitar por escrito a rescisão do seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos. Todavia, nesse mesmo dia, enviou à ré carta registada com a.r., em que revogou o pedido de rescisão do contrato. No dia seguinte, apresentou-se no seu local de trabalho, para trabalhar, mas foi impedida, o que consubstancia um despedimento ilícito.
Em consequência da conduta da ré, sofreu danos morais cujo ressarcimento peticiona.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
A ré contestou, alegando que a carta de rescisão foi redigida e assinada pela autora na presença do advogado da empresa, tendo aquela de imediato disponibilizado ao mesmo o seu cartão de cidadão, com o objetivo de realizar o reconhecimento da sua assinatura, o que veio posteriormente a ocorrer. Assim, o vínculo laboral celebrado entre as partes, cessou em 14/11/2012, por denúncia da autora, com reconhecimento notarial presencial da assinatura desta, pelo que a revogação da denúncia feita pela autora não tem qualquer efeito jurídico. Impugna os alegados danos morais.
A autora ofereceu resposta ao articulado de defesa, impugnando que tenha entregue o seu cartão de cidadão com o intuito de o mesmo servir para reconhecimento da sua assinatura, limitando-se a fornecer o mesmo para ser fotocopiado.
Só com a notificação da contestação, tomou conhecimento que a sua assinatura tinha sido reconhecida. Não obstante, argumenta, o reconhecimento não foi notarial nem presencial, pelo que a carta de revogação da rescisão do contrato é válida e, em 15/11/2012, o contrato de trabalho encontrava-se em vigor.
Ampliou o pedido de indemnização por danos morais para € 15.000,00, em face do teor da defesa apresentada que a ofendeu na sua honra e dignidade, aumentando a tristeza e estado depressivo em que a autora já se encontrava devido ao despedimento.
A ré pronunciou-se pela inadmissibilidade legal de tal ampliação do pedido, para além de impugnar os alegados danos.
A autora respondeu, pronunciando-se pela admissibilidade legal de aludida ampliação do pedido.
Por despacho de fls. 163 (referência nº 883683), foi admitida a ampliação do pedido deduzida.
Procedeu-se ao saneamento do processo. Foi dispensada a seleção dos factos assentes, bem como a organização da base instrutória.
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento. A autora optou pela indemnização por antiguidade, em detrimento da reintegração.
Foi, então, proferida sentença sucinta, nos termos previstos pelo nº 3 do artigo 73º do Código de Processo do Trabalho, cuja parte decisória tem o seguinte teor:
«Destarte, julgo a ação parcialmente procedente, condenando a Ré V…, Lda., no seguinte:

a) reconhecer como ilícito o despedimento operado em 15.11.2012 da A. M...;

b) pagar à A. uma indemnização de antiguidade, no valor de € 1.752,00;

c) pagar à A. a retribuição base mensal e subsídio de turno de € 584,00 + € 146,00, desde 02.01.2013 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, incluindo subsídios de férias e de Natal (o subsídio de Natal a calcular apenas sobre a retribuição base), mas com dedução das importâncias referidas nas als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do CTrabalho, o que será liquidado no incidente a que se referem os arts. 378.º e segs. do CPCivil;

d) pagar à A. a indemnização por danos não patrimoniais de € 750,00;

e) pagar à A. os juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a data de trânsito em julgado da decisão final do processo quanto à quantia supra fixada na al. b), desde a liquidação quanto à que resultar da condenação supra da al. c), e desde a citação quanto à quantia supra fixada na al. d).

No mais, julgo a ação improcedente
Inconformada com tal decisão, veio a ré interpor recurso da mesma, arguindo a nulidade da sentença no requerimento de interposição do recurso e apresentando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1.º A sentença em crise é recorrível nos termos do disposto no artigo 79.°, al. a) do CPT, por estar em causa o despedimento da Recorrida.
2.° Entende a Recorrida que a sentença é nula ao dar como provados factos que não foram alegados pelas partes, que deve ser alterada a matéria de facto provada, que o contrato cessou por denúncia e não por despedimento e que não são tuteláveis quaisquer danos não patrimoniais no presente caso, motivo pelo qual recorre da sentença em crise.
3.° A sentença é nula por excesso de pronúncia, por dar como provados os pontos 7, 13 e 19 da matéria de facto, questões de facto que não foram carreadas aos autos por qualquer das partes no processo.
(…)
40.° A validade do reconhecimento da assinatura nunca foi colocada em causa e o ato respeita as regras constantes do Código do Notariado.
41.° Não se verifica nenhuma das causas de nulidade do ato de reconhecimento da assinatura, constantes dos artigos 70.° e 71.º do Código do Notariado ou outras.
42.° Nos termos do disposto no artigo 38.° do Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29 de Março, os advogados têm competência para fazer reconhecimentos presenciais, entre outros atos notariais.
43.° Uma vez que o reconhecimento por advogado tem o mesmo valor que o reconhecimento efetuado por notário, estão preenchidos os pressupostos da impossibilidade de revogação da denúncia, nos termos do artigo 402.°, n.° 1 do CT.
44.° Caso assim não se entendesse, estar-se-ia por um lado a retirar grande parte do conteúdo útil da norma que permite aos Advogados levar a cabo os reconhecimentos e por outro a conferir-lhes a tal título um estatuto de "menoridade" e uma presunção de "desconfiança", incompatíveis, a nosso ver, não só com a intenção do legislador ao atribuir-lhes tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de "colaboradores da justiça" plasmada na Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro (tal como resulta do seu artigo 6°). (cfr. Ac. TRL de 30-06-2011, Proc. 243/09.1TTFUN.L1-4, in www.dgsi.pt)
45.° A interpretação do artigo 402.° do CT no sentido de conferir ao ato praticado por advogado o mesmo efeito que tem o ato praticado por notário não retira ao trabalhador a possibilidade de ponderar devidamente a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho.
46.° Entendimento diverso demonstra ou origina desconfiança sobre a profissão de advogado, o que não é admissível à luz da importância pública e de serviço à justiça de tal profissão.
47.° A expressão "reconhecimento notarial" também não obsta àquela interpretação, na medida em que é utilizada para identificar que se trata aí de um ato notarial, o qual deve ser revestido da respetiva solenidade, sem com isso implicar que o mesmo ato notarial não possa ser praticado por quem não é notário (sendo certo que a própria lei admite que atos notariais podem ser praticados por advogados, entre outros).
48.° O referido reconhecimento da assinatura da Recorrida na comunicação de denúncia do contrato de trabalho é perfeitamente válido e tem os efeitos previstos no artigo 402.° do Código do Trabalho.
49.° O contrato de trabalho cessou por denúncia operada pela Recorrida e não por despedimento operado pela Recorrente, pelo que esta deverá ser absolvida de todos os pedidos.
50.° Mesmo que assim, não se entendesse, a alteração da matéria de facto quanto aos pontos 22 e 23 da matéria de facto provada determina a absolvição da Recorrente no que toca ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
51.° E mesmo que essa impugnação não procedesse, não ficou provado que a tristeza sentida pela Recorrida tenha ido além do que seria normal e expectável na situação em causa (nem especial culpa da Recorrente), pelo que não se verificam danos especialmente graves e que mereçam a tutela do direito.
52.° Sem prejuízo de não se reconhecer fundamento para o dever de indemnizar, também não se pode ignorar que o montante em que a Recorrente foi condenada é totalmente desproporcional relativamente aos danos verificados, pelo que sempre deveria ser reduzida ao justo.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser alterada a Sentença recorrida em conformidade, como é de inteira JUSTIÇA!»
Contra-alegou a recorrida, suscitando como “Questão Prévia”, a inadmissibilidade do recurso atenta a sua intempestividade. Finaliza as suas alegações, com as seguintes conclusões:
«1ªA decisão final proferida nos presentes autos é notificada às partes e seus respetivos mandatários em 12/07/2013, e a R. apenas interpôs recurso em 10/09/2013.
2ª A ações de impugnação da licitude do despedimento tem natureza urgente de acordo com o art. 26º nº1 al.a), pelo que os prazos correm durante as férias judiciais.
3ª Pelo que, há muito que havia decorrido o prazo de interposição, que nos termos do art. 80º nº1 do C.P.T. é de 20 dias, acrescidos de 10 dias, se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, nos termos do art. 80º nº 3 do C.P.T.,
4ª Pelo que, o recurso apresentado pela R. é intempestivo, não devendo por isso o mesmo ser admitido.
5ª O tribunal da Relação de Lisboa, é territorialmente incompetente para a apreciação do presente recurso, de acordo com a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais.
6ª Não existe qualquer nulidade da sentença porquanto os factos considerado como provados 7, 13 e 19 foram alegados pelas partes;
(…)
11ª Assim sendo, e naquelas questões, não assite qualquer razão à recorrente, não existindo por isso qualquer nulidade da sentença, nos termos do art. 615º al.d) do C.P.C.
(…)
28ª O reconhecimento presencial obrigatoriamente tem de ser feito na presença do autor do ato e não posteriormente na sua ausência;
29ª O ato de reconhecimento é parte integrante do documento cuja a assinatura foi reconhecida, pelo que o seu comprovativo obrigatoriamente tem de estar junto a esse documento e ser fornecido às partes, o que também aqui não aconteceu;
30ª A invalidade do reconhecimento foi arguida pela A.
31ª Quem o fez não tinha legitimidade para o fazer, pelo que o reconhecimento é nulo, não produz efeitos.
32ª Não obstante o Decreto - Lei nº 76-A/2006 de 29 de Março, no seu art. 38º ter reconhecido legitimidade aos advogados para realizarem reconhecimentos, tal não tem aplicação aos reconhecimentos previstos no Cód. do Trabalho, nomeadamente o do art. 402º.
33ª Ora se o legislador quisesse alterar a legitimidade para a realização do reconhecimento, tê-lo-ia feito, e o certo é que nas atualizações ao Código do Trabalho posteriores à entrada em vigor do D.L. nº 76-A/2006 de 29/03, foi mantido no art. 402º do C.T., o reconhecimento notarial presencial, pelo que nesta situação em especifico, e de acordo com a legislação em vigor, apenas é permitido o reconhecimento notarial presencial.
34ª A lei ao impor a obrigatoriedade do reconhecimento notarial presencial, mais não faz do que uma proteção ao trabalhador, para que lhe seja assegurado uma vontade livre e esclarecida da decisão que está a tomar.
35ª Neste sentido, Ac. Tribunal da Relação do Porto de 04/07/2011, proferido no processo 1050/08.4TTVNG.P1 que refere : "... A equiparação do art. 389 nº 2 do D.L. n9 76- A/2006 reporta-se a efeitos probatórios e a ratio da exigência do reconhecimento notarial presencial previsto no art. 402º do C.T. extravasa os efeitos meramente probatórios do documento. A ratio do art. 402º do C.T. é da competência ser exclusivamente notarial..."
36ª Assim, conclui muito bem o meretíssimo juiz do tribunal "a quo" ao decidir que a A. mantinha o seu direito de revogar a denuncia do contrato de trabalho por si efetuada, como o fez através de carta registada com A/R recebida pela R.
37ª Pelo que a A. ao ser impedida de retomar ao seu trabalho por determinação da gerência da R., considera-se que a mesma foi despedida ilicitamente;
38ª Assim considerou e muito bem o tribunal "a quo", que ocorreu um despedimento de facto, sendo o mesmo ilícito.
39ª Pelo que deve ser mantida a decisão proferida nos presentes autos de considerar o despedimento da A. ilícito.
40ª Refere por fim a R. que não deve ser condenada ao pagamento de qualquer quantia a titulo dos danos não patrimoniais à A., porquanto, os danos sofridos pela A. não são suficientemente graves ou além do normal e expectável, nem que houve culpa da R. ou um comportamento por parte desta que ultrapasse o aceitável, uma vez que agiu convencida que o contrato trabalho tivesse terminado por denuncia da trabalhadora Autora.
41ª Tal também não corresponde à verdade, os pontos 22 e 23 da matéria de facto provada, foram-no com base no depoimento das testemunhas, que prestaram um depoimento isento e esclarecedor nas circunstâncias pessoais da vida da A. e as consequências que a cessação do contrato de trabalho tiveram na vida familiar da A. e na sua estabilidade emocional.
42ª A R. tinha perfeito conhecimento que a revogação da rescisão da A. era válida, e que o contrato de trabalho mantinha-se em vigor, a A. então lançou mão de expedientes pouco claros, nomeadamente quando engana a A. não lhe dizendo que a sua assinatura iria ser reconhecida e não lhe entregando o documento comprovativo desse mesmo reconhecimento.
43ª A A. sentiu-se humilhada e enganada pela R., ficou sem qualquer meio de subsistência, teve de recorrer a ajuda de familiares e amigos para fazer face às suas despesas, conforme ficou provado na douta decisão (factos 22 e 23), o que provocou danos à A. dignos de tutela jurídica, uma vez que tais factos foram uma ofensa à sua personalidade jurídica em consequência da violação ao direito da A. à estabilidade profissional e patrimonial.
44ª Pelo que decidiu muito bem o meretíssimo juiz do tribunal "a quo" ao decidir condenar a R. a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais, pelo que deve se manter a douta decisão recorrida.
(…)
47ª No mais deve-se manter a douta decisão recorrida, condenado a R. nos termos já decididos, fazendo-se assim,
Veio a recorrente responder à designada “Questão prévia”, sustentando a tempestividade do recurso, por se estar perante um processo comum, de natureza não urgente e não perante uma ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento.
Por despacho de fls. 218 (referência nº 944713), o Meritíssimo Juiz da 1ª instância considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Após subida dos autos ao tribunal da Relação, ordenou-se a remessa do processo à 1ª instância, a fim de ser fixado o valor da causa.
Foi fixado à ação o valor de € 11.051,67.
Após nova subida dos autos e apreciação liminar do recurso, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 87º, nº3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, considerando não se verificar a arguida nulidade da sentença, ser o recurso improcedente quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, dever o mesmo ser rejeitado por falta de indicação das normas jurídicas violadas o que é suscitado a título de “Questão Prévia”, pugnando, ainda, pela sua improcedência, caso seja admitido.
A ré respondeu a tal parecer, argumentando que as normas que se consideraram violadas na decisão posta em crise estão devidamente identificadas, concluindo que, em seu entender e pelos argumentos expostos no recurso, a sentença recorrida deve ser alterada.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso

É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso, que in casu não se vislumbra.
Em função destas premissas, as questões que são suscitadas no recurso são as seguintes:
1ª a arguida nulidade da sentença;
2ª a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
3ª a forma de cessação do contrato de trabalho que vigorava entre as partes;
4ª saber se no caso concreto existem danos morais tuteláveis.
Previamente ao conhecimento das questões suscitadas no recurso, iremos apreciar a designada “questão prévia” suscitada no parecer do Ministério Público, junto deste tribunal, respeitante à defendida rejeição do recurso, por falta de indicação das normas violadas.
Salienta-se, ainda, que a questão da tempestividade do recurso se mostra ultrapassada quer pela prolação do despacho de 1ª instância que admitiu o recurso quer pelo despacho liminar proferido pela Relatora, em que os requisitos de admissibilidade do recurso foram todos apreciados.

*
III. Matéria de facto

O tribunal de 1ª instância, considerou provados os seguintes factos:
1. A Ré dedica-se à exploração de postos de abastecimento de combustível;

2. No dia 02.05.2011, a Ré admitiu a A. ao seu serviço, a fim de exercer as funções de escriturária, mediante contrato de trabalho a termo certo de três meses, renovável;

3. A partir de Abril de 2012, a A. passou a prestar as funções de operadora no posto de abastecimento de combustíveis da … na …, nesta cidade, em regime de turnos rotativos;

4. No âmbito das suas funções, a A. autorizava o abastecimento das viaturas, recebia dos clientes o respetivo pagamento e vendia outros produtos existentes na loja;

5. Ultimamente, a A. auferia a retribuição base mensal de € 584,00, acrescida de subsídio de turno no valor mensal de € 146,00, e subsídio de refeição no valor diário de € 4,20;

6. No dia 14.11.2012, a A. foi chamada a uma reunião no escritório existente no posto de abastecimento, na qual participou o gerente da Ré, as testemunhas “JC”, “AC”, “IC” e “PA”, bem como o advogado da empresa, Dr. “LT”;

7. Nessa reunião, a Ré acusou a A. de ter autorizado o abastecimento de combustível e efetuado a venda de outros produtos, em diversas ocasiões, sem ter dado entrada em caixa do correspondente pagamento;

8. No decorrer dessa reunião, a A. declarou a certa altura que, se estavam a desconfiar dela, o melhor era ir-se embora;

9. Nessa sequência, pelo seu próprio punho, a A. escreveu uma carta dirigida à Ré, declarando rescindir o seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos;

10. Esta carta foi assinada pela A., na presença das pessoas que ali se encontravam presentes, nomeadamente o Dr. “LT”;

11. A Ré solicitou à A. a apresentação do seu cartão de cidadão, tendo esta ido buscar este documento à sua viatura, do qual a testemunha “PA” tirou uma cópia;

12. Após, a reunião foi encerrada, tendo o Dr. “LT” procedido ao reconhecimento presencial da assinatura da A. naquela carta, registando este ato do endereço da Ordem dos Advogados, no próprio dia 14.11.2012;

13. Este reconhecimento não foi efetuado no local onde decorreu a reunião com a A., nem foi efetuado na presença da mesma;

14. Igualmente, não foi entregue à A. qualquer documento comprovativo da efetivação desse reconhecimento;

15. No próprio dia 14.11.2012, a A. procurou o conselho da sua Ilustre Mandatária e, ainda nessa mesma data, enviou à Ré uma carta registada com A/R, declarando revogar o seu pedido de rescisão do contrato de trabalho, afirmando que se encontrava em prazo, não ter sido realizado o reconhecimento da sua assinatura, e que se iria apresentar ao trabalho;

16. Esta carta foi recebida pela Ré no dia 15.11.2012;

17. No dia 15.11.2012, cerca das 22h45m, a A. apresentou-se no seu local de trabalho, fardada e no início do turno que lhe estava distribuído;

18. No entanto, a A. foi impedida de retomar o trabalho pelas funcionárias da Ré que ali se encontravam, tendo estas informado que cumpriam ordens da gerência, por já não ser trabalhadora da empresa;

19. A gerência havia dado ordens para não ser permitido à A. retomar o seu trabalho, por já não ser trabalhadora da empresa;

20. Em 16.11.2012 a A. solicitou à Ré a emissão da declaração de situação de desemprego, tendo esta remetido tal declaração, com a menção do contrato ter cessado por denúncia da trabalhadora;

21. A A. esteve de baixa por doença entre 03.12.2012 e 01.01.2013;

22. A A. é viúva, tem uma filha menor a cargo e, em virtude da cessação do contrato de trabalho, teve dificuldade em pagar as suas despesas de alimentação, de vestuário e de sustento da casa, tendo solicitado ajuda a amigos e familiares;

23. Em consequência da cessação do contrato de trabalho e das imputações feitas pela Ré na reunião de 14.11.2012, a A. ficou sem vontade de sair à rua, permanecendo longos períodos em casa, sofrendo crises de choro, depressiva e dormindo com a ajuda de sedativos. (alterada pelos motivos que infra se indicam)

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IV. Questão prévia suscitada no parecer do Ministério Público
No seu douto parecer, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal, a título de “questão prévia”, suscita a questão da rejeição do recurso, em matéria de direito, por não terem sido indicadas as normas jurídicas violadas e o sentido dessas normas
Cumpre apreciar.
De harmonia com o normativo inserto no artigo 685º-A, nº2 do Código de Processo Civil (na redação anterior), aplicável ex vi do artigo 87º do Código de Processo do Trabalho, versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
Ora, da análise das conclusões de recurso resulta que a apelante considera violado o artigo 402º do Código do Trabalho (cfr. pontos 43º, 45º, 48º das conclusões), manifestando o sentido como o interpreta. No que respeita à discordância quanto ao decidido sobre a indemnização devida por danos não patrimoniais, a posição manifestada é a de que inexiste qualquer responsabilidade da recorrente e os danos provados não são especialmente graves para merecerem a tutela do direito, para além de considerar excessiva a indemnização arbitrada. Assim, neste ponto, visa-se que o tribunal ad quem reaprecie o direito à indemnização reconhecido na sentença posta em crise, bem como a ponderação feita pelo tribunal a quo sobre a gravidade dos danos e sobre a justeza do valor da indemnização. Sobre esta matéria, nas conclusões de recurso, não foi indicada a norma violada, ou seja, não foi dado cumprimento ao preceituado na alínea b) do aludido artigo 685ºA, nº2.
É certo que o nº3 do mencionado preceito legal refere que o relator deve convidar o recorrente a completar as conclusões de recurso quando o recorrente não tenha procedido às especificações do nº2 do normativo.
Contudo, como refere Abrantes Geraldes, na sua obra “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 119, “[a] prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais”.
Ora, não obstante o recorrente não tenha indicado nas conclusões de recurso, a norma ou normas que considera violadas, no que respeita à discordância com o decidido sobre o direito a uma indemnização por danos morais, fez a indicação dos normativos que entendeu desrespeitados nas alegações de recurso. São eles, os artigos 483º e 496º, ambos do Código Civil.
Assim, a maior preocupação que, a nosso ver, o tribunal ad quem deve ter é a de que foi devidamente assegurado o princípio do contraditório, uma vez que foram dadas a conhecer à recorrida quer as razões de facto quer as razões de direito, porque a apelante se insurge contra a sentença da 1ª instância, no que respeita à matéria dos danos não patrimoniais.
Além disso, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pois tem o dever de conhecer a lei.
Conforme refere o Desembargador João Aveiro Pereira, no artigo sob o tema “O ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, disponível em www.trl.mj.pt:
«( …)convém ter presente que a exigência de indicação das normas violadas não tem aqui um significado de revelação do direito ao juiz; trata-se antes de uma metodologia cooperante destinada a melhor e mais rapidamente identificar e circunscrever o objeto concreto do recurso. Contudo, na prática, é aquela presuntiva omnisciência jurídica do juiz que tem feito carreira, entendendo-se que a falta de indicação do direito violado não prejudica a delimitação do objeto do recurso».
Pelo exposto, e considerando a concreta situação dos autos, afigura-se-nos que estando devidamente assegurado o princípio do contraditório, não estando este tribunal vinculado às normas que porventura fossem indicadas nas conclusões de recurso e estando perfeitamente compreensível a questão controversa, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, sendo que esta seria a única consequência prevista na lei para a omissão verificada, de harmonia com o disposto no nº3 do aludido artigo 685º-A e nunca a rejeição do recurso.
Deve assim prevalecer a questão de fundo sobre a forma, não havendo razão para que se atrase a decisão do processo com uma nova peça processual.
Pelo exposto e concluindo, a omissão da especificação prevista na alínea b) do nº2 do artigo 685º-A do Código de Processo Civil, não tem como consequência a rejeição do recurso, mas tão só o convite ao aperfeiçoamento que, no caso concreto, não se considera necessário.
*
V. Da arguida nulidade da sentença
No requerimento de interposição do recurso, a recorrente argui a nulidade da sentença com fundamento no artigo 615º, nº1, al. d) do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, que corresponde ipsis verbis à alínea d) do nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil anterior que, aliás, é a legislação aplicável, de harmonia com o disposto no artigo 7º da Lei nº 41/2013.
Em seu entender, o tribunal a quo ao dar como assentes os factos descritos sob os pontos 7, 13 e 19, pronunciou-se sobre questões de facto que não foram alegadas pelas partes, o que gera a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Sobre a arguida nulidade pronunciou-se o Meritíssimo Juiz a quo entendendo que a mesma não se verifica, quer porque os factos 7, 13 e 19, já constavam dos articulados quer porque o tribunal tem a amplitude de conhecimento da matéria de facto que lhe é concedida pelo artigo 72º, nº1 do Código do Processo do Trabalho.
Uma vez que a arguição da nulidade respeitou o formalismo exigido pelo artigo 77º do Código de Processo do Trabalho, nada impede o seu conhecimento.
As causas de nulidade da sentença mostram-se taxativamente indicadas no nº1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.
Dispõe a alínea d) do nº1 do mencionado normativo que a sentença é nula quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A causa de nulidade prevista nesta alínea está diretamente relacionada com o dispositivo legal contido no nº2 do artigo 660º do mesmo compêndio legal, segundo o qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Proíbe-se, assim, que o juiz se ocupe de questões que as partes não tenham suscitado, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso.
As questões a resolver são todas aquelas relacionadas com o mérito da ação, ou seja, questões que devam conduzir à sua procedência ou improcedência.
E tais questões tanto podem ser de facto como de direito.
Os limites do conhecimento jurisdicional previstos no artigo 660º, nº2 do Código de Processo Civil, articulam-se com o princípio do dispositivo que vigora no direito processual civil e que se mostra consagrado no artigo 264º do referido Código.
Contudo, no âmbito do processo laboral, este princípio vigora de uma forma mitigada, pois torna-se necessário conciliá-lo com o princípio da verdade material que o próprio legislador reconhece ser essencial até pela “natureza dos interesses conflituantes” (cfr. relatório do Decreto-Lei nº480/99, de 9 de novembro, que aprova o Código de Processo do Trabalho em vigor).
Daí que a lei tenha concedido ao juiz poderes-deveres que visam alcançar a descoberta da verdade material.
O artigo 72º, nº1 do Código de Processo do Trabalho consagra um amplo poder do inquisitório, que se traduz no dever de aquisição de matéria factual, através do aditamento de novos quesitos ou artigos, se tiver sido organizada a base instrutória, ou por via da consideração dos factos não articulados pelas partes, sobre os quais tenha incidido discussão e que se mostram relevantes para a boa decisão da causa, na decisão sobre a matéria de facto.
Assim, por força deste normativo, a não articulação de factos pelas partes não é impeditiva do tribunal considerar os factos não alegados, na decisão sobre a matéria de facto, desde que se mostrem preenchidos os requisitos previstos no aludido artigo 72º, nº1.
Ou seja, a própria lei permite o conhecimento de questões de facto não alegadas pelas partes.
Posto isto, passemos à apreciação das razões apresentadas pela recorrente para justificar a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Refere a apelante que os pontos 7, 13 e 19 da factualidade dada como assente, não foram alegados por nenhuma das partes.
É a seguinte a redação do ponto 7:
«Nessa reunião, a Ré acusou a A. de ter autorizado o abastecimento de combustível e efetuado a venda de outros produtos, em diversas ocasiões, sem ter dado entrada em caixa do correspondente pagamento»
Ora, ao contrário do alegado pela recorrente esta matéria factual resulta alegada da conjugação dos artigos 7º da petição inicial com os artigos 8º a 10º, 13º e 14º da contestação. A autora alegou que, em 14 de Novembro foi chamada a uma reunião (cfr. ponto 6 dos factos assentes) e a ré alegou que chamou a autora a essa reunião, na sequência da verificação da listagem de abastecimentos feita no dia anterior, em que tinha verificado que a autora tinha autorizado o abastecimento de gasolina e gasóleo, bem como a compra de tabaco e produtos alimentares os quais não tinham correspondência com qualquer registo de compra ou pagamento, tendo, na reunião, ficado esclarecido que os abastecimentos e compras sem registos de pagamento detetados não poderiam dever-se a qualquer falha informática, pelo que foi referido à autora que não era possível que algum cliente tivesse feito aqueles abastecimentos e compras porque faltavam os respetivos documentos comprovativos.
A factualidade descrita no ponto 7, mostra-se pois devidamente articulada pelas partes, não obstante a maior precisão linguística conferida à mesma pelo Meritíssimo Juiz que presidiu ao julgamento, que, necessariamente, teria de se pronunciar sobre tal matéria, dada a sua relevância para a decisão a proferir sobre o mérito da ação.
Acresce que a sentença posta em crise foi proferida nos termos do artigo 73º, nº3 do Código do Processo do Trabalho. E, neste âmbito, a sentença pode limitar-se à parte decisória, precedida da identificação das partes e da “sucinta fundamentação de facto e de direito”. Ou seja, na fundamentação de facto, o juiz não tem de reproduzir ipsis verbis os factos articulados pelas partes, bastando-lhe decidir de modo resumido ou conciso, em função dos factos alegados.
No que respeita ao ponto 13, o mesmo tem o seguinte teor:
«Este reconhecimento não foi efetuado no local onde decorreu a reunião com a A., nem foi efetuado na presença da mesma».
Também esta factualidade foi devidamente alegada pelas partes no ponto 18º da contestação, em conjugação com os artigos 15º e 16º da resposta da autora. No mencionado artigo 18º, a ré alegou que a autora disponibilizou ao Sr. Dr. “LT”, o seu cartão de cidadão para que este confirmasse a sua identidade, com o objetivo de realizar o reconhecimento da assinatura aposta pela autora no documento que constitui o nº3 junto com a petição inicial (carta de rescisão do contrato de trabalho). Por sua vez, no articulado de resposta, a autora veio alegar que o reconhecimento da assinatura não foi feito na sua presença, só tendo tomado conhecimento do mesmo aquando da notificação da contestação. O facto descrito em 13 é o que resulta da conjugação do alegado pelas partes que é apresentado na sentença recorrida, de uma forma sucinta.
Por fim, em relação ao ponto 19 dos factos assentes, transcreve-se de seguida a sua redação:
«A gerência havia dado ordens para não ser permitido à A. retomar o seu trabalho, por já não ser trabalhadora da empresa».
Ora, esta factualidade encontra-se alegada no artigo 11º da petição inicial. Refere a autora, após alegar que no dia 15/11/2012 se apresentou nas instalações da ré para trabalhar (artigo 10º da p.i.), o seguinte: “[q]uando é impedida pelas funcionárias da R., “AT” e “AB”, que cumpriam ordens da R., de pegar ao trabalho, aliás é impedida de entrar dentro da loja do posto de abastecimento, uma vez que a porta do posto se encontrava fechada à chave”.
Muito embora, a redação do ponto 19 não seja igual à do artigo 11º do articulado inicial, o conteúdo, isto é, o facto relevante descrito é correspondente. Logo, estamos perante factualidade alegada pelas partes, expressa de uma forma sucinta.
Destarte, os pontos 7, 13 e 19 dos factos assentes, correspondem a factualidade alegada pelas partes, não estando sequer em causa a apreciação da verificação dos requisitos previstos no artigo 72º, nº1 do Código de Processo do Trabalho, que como observámos supra, afasta por completo o entendimento manifestado no recurso interposto de que facto não alegado é facto que não pode ser conhecido pelo julgador, no âmbito do processo laboral.
Assim, tendo as questões de facto em apreciação sido suscitadas pelas próprias partes, naturalmente que o juiz tinha o dever de as conhecer e sobre elas decidir, pelo que inexiste o invocado excesso de pronúncia, improcedendo, desta forma, a arguida nulidade da sentença.
*
VI. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
(…)
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VII. Da forma de cessação do contrato de trabalho
Em sede de recurso, insurge-se a apelante contra a circunstância de ser ter entendido, na sentença posta em crise, que o contrato de trabalho que vigorou entre as partes cessou por despedimento da autora, pois, sustenta a recorrente que o vínculo laboral cessou por denúncia da trabalhadora, sendo o reconhecimento da assinatura da mesma na comunicação da denúncia do contrato perfeitamente válido, com a eficácia prevista no artigo 402º do Código do Trabalho.
Cumpre apreciar e decidir.
Resultou provado nos autos que, no dia 14 de novembro de 2012, a autora, pelo seu próprio punho escreveu uma carta dirigida à ré, declarando rescindir o seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos. Esta carta foi assinada pela autora na presença de várias pessoas, entre elas, o advogado da empresa demandada, o Sr. Dr. “LT”.
A ré solicitou à autora a apresentação do seu cartão de cidadão, do qual foi tirada uma cópia.
Após o encerramento da reunião em que autora escreveu e assinou a supra aludida carta, o Sr. Dr. “LT” procedeu ao reconhecimento presencial da assinatura da autora, naquela carta, registando esta ato no endereço da Ordem dos Advogados, no próprio dia 14 de novembro.
O reconhecimento da assinatura da autora não foi efetuado no local onde decorreu a reunião nem na presença da mesma. Também não foi entregue à autora qualquer documento comprovativo da efetivação desse reconhecimento.
No mesmo dia 14, a autora enviou à ré, uma carta registada com a.r., declarando revogar o seu pedido de rescisão do contrato de trabalho, afirmando que se encontrava em prazo e que não havia sido realizado o reconhecimento da sua assinatura, pelo que se iria apresentar ao trabalho.
No dia seguinte, quando a autora se apresentou no seu local de trabalho, fardada e no início do turno que lhe estava distribuído, foi impedida de retomar o trabalho, por ordens dadas pela empresa nesse sentido, uma vez que já não era trabalhadora da empresa.
Esta é, pois, a factualidade relevante que importa enquadrar juridicamente, para que se possa concluir a forma como cessou o vínculo laboral em apreciação nos autos.
Comecemos por apreciar a declaração escrita e assinada pela trabalhadora no dia 14 de novembro de 2012. E, de acordo com circunstancialismo fáctico dado como assente, a autora declarou rescindir o seu contrato de trabalho com efeitos imediatos.
Ora, a denúncia do contrato por iniciativa do trabalhador é uma das modalidades legalmente previstas de cessação da relação laboral [cfr. artigos 340º, alínea h) e 400º e 401º, todos do Código do Trabalho]. Neste âmbito, o trabalhador simplesmente dá conhecimento ao empregador (declaração receptícia) que pretende fazer cessar o contrato de trabalho.
Todavia, pode o trabalhador arrepender-se da vontade unilateral que manifestou, às vezes condicionada por circunstâncias envolventes à manifestação da mesma (v.g. imposição do empregador).
Este direito de arrependimento mostra-se consagrado no artigo 402º do Código do Trabalho.
De harmonia com o preceituado neste normativo, o trabalhador pode revogar a denúncia do contrato, caso a sua assinatura constante desta não tenha reconhecimento notarial presencial, até ao sétimo dia seguinte à data em que a mesma chegar ao poder do empregador, mediante comunicação escrita dirigida a este.
Ora, no caso em apreço nos autos, ficou demonstrado que a assinatura de denúncia do contrato aposta pela autora foi reconhecida pelo Sr. Advogado da entidade empregadora, que observou o ato de assinatura e posteriormente formalizou o reconhecimento, sem a presença da trabalhadora e sem que lhe tivesse sido entregue qualquer documento comprovativo da efetivação desse reconhecimento.
Argumenta a recorrente que este reconhecimento de assinatura é válido, pelo que não se verificariam os pressupostos necessários para a eficácia da revogação da denúncia, manifestada pela autora, por via da carta registada com a.r., a que se referem os pontos 15 e 16 dos factos assentes.
E é esta a questão fulcral que importa apreciar e da qual está dependente o modo como cessou o contrato de trabalho.
Tudo se resume à interpretação da expressão “reconhecimento notarial presencial” inserta no nº1 do artigo 402º do Código do Trabalho.
Pelo que é do nosso conhecimento existem dois acórdãos em sentido oposto que apreciam esta questão. Aliás, a referência a tais acórdãos é feita na sentença recorrida e, também, na motivação do recurso e nas contra-alegações (neste caso, em defesa de cada uma das teses sustentadas). Os acórdãos em causa são: acordão da Relação do Porto, de 7/4/2011, P. 1050/08.4TTVNG.P1 e acordão da Relação de Lisboa, de 30/6/2011, P. 243/09.1TTFUN.L1-4, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
No primeiro, entendeu-se que a controversa expressão “reconhecimento notarial presencial”, embora com referência ao artigo 449º do Código de Trabalho de 2003 (mas com inteira aplicação ao atual artigo 402º), se reporta a ato da exclusiva competência de notário e não a ato de reconhecimento presencial da assinatura feita por advogado, ao abrigo do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29/3.
Nesse acórdão, sustentou-se a seguinte argumentação:
«O reconhecimento notarial da assinatura da denúncia é uma faculdade conferida ao empregador, visando a tutela de um seu interesse, qual seja o de lhe permitir, mediante a imposição da observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precaver-se contra uma eventual mudança de ideias ou de planos por parte deste. Naturalmente que o trabalhador não tem qualquer interesse em formalizar, desse modo, a denúncia do contrato de trabalho, sendo certo que tal lhe irá impedir o exercício do “direito ao arrependimento”.
Mas, precisamente porque está em causa a restrição do exercício desse direito, entendeu também o legislador que a realização da assinatura na presença do notário garante a genuinidade e a atualidade da declaração extintiva proferida pelo trabalhador, evitando práticas fraudulentas por parte do empregador e exigindo do trabalhador uma reflexão acrescida, assim se exigindo esse formalismo reforçado.
É certo que, aquando da publicação do CT/2003, o reconhecimento presencial da letra e/ou assinatura de documentos era exclusivamente um ato notarial. E que, apenas posteriormente, com o DL 76-A/2006, de 29.03, é que veio a ser conferida aos advogados a possibilidade de efetuarem reconhecimentos simples e presenciais, diploma esse cujo artigo 38º (na redação introduzida pelo art. 19º do DL 8/2007, de 17.01), sob a epígrafe de Extensão do regime dos reconhecimentos de assinaturas e da autenticação e tradução de documentos, veio dispor que:
1 – Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei nº 28/2000, de 13 de Março.
2 - Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

3 - Os atos referidos no n.º 1 apenas podem ser validamente praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respetivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
4 – (…)

5 – (…).
6 – (…)
7 – (…)
O nº 3 foi regulamentado pela Portaria 657-B/2006, de 29.06, dispondo os seus arts. 1º, 3º e 4º que:
- A validade dos reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, das autenticações de documentos particulares e da certificação, ou realização e certificação, de traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, efetuados por câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei nº 244/92, de 29 de Outubro, advogados e solicitadores, depende de registo em sistema informático. (art. 1º).
- Relativamente a cada um dos atos referidos no artigo 1º, devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos: a) identificação da natureza e espécie dos atos; b) identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação; c) identificação da pessoa que pratica o ato; d) data e hora de execução do ato; e) número de identificação do ato (art. 3º).
- O registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato. (art. 4º, nº 1).
Sendo, até então, os reconhecimentos presenciais um ato da competência notarial, entendeu o legislador estender tal competência às entidades acima referidas, conferindo aos respetivos documentos a mesma força probatória que teriam se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.

Não obstante, e salvo melhor opinião, não se nos afigura que tanto baste para que, nos termos e para os efeitos do art. 449º, nº 1, do CT/2003, se possa equiparar o reconhecimento presencial feito por advogado ao “reconhecimento notarial presencial” previsto nesse art. 449º.
Na verdade, e pese embora, à data do CT/2003, o reconhecimento presencial fosse um ato notarial, a verdade é que a letra da lei, ainda assim, não dispensou a referência à competência “notarial”. Se se poderia dizer, tal como o entende a Recorrida e pressuposto na sentença, que essa referência decorreria apenas da circunstância de os reconhecimentos presenciais serem atos notariais, poder-se-á, na defesa da tese oposta, argumentar que, então e se assim é, escusado seria o legislador ter feito tal menção (pois se os reconhecimentos presenciais simples eram atos praticados apenas pelo notário para quê dizê-lo?).
O que nos parece é que o legislador, não obstante o regime que, à data da publicação do CT/2003, vigorava em matéria de reconhecimento presencial simples de letra e/ou assinaturas de documentos, pretendeu enfatizar a natureza exclusivamente notarial de tal reconhecimento, propósito este tanto mais evidente quanto se tivermos em conta que o CT/2009, no seu art. 402º, nº 1, manteve a exigência do reconhecimento notarial presencial. Ou seja, quando este foi publicado, em 2009, já estava em vigor o DL 76-A/2006, de 29.03, pelo que o legislador, certamente, não desconhecia que a lei permitia que tais reconhecimentos fossem levados a cabo por advogado. E, ainda assim, o CT/2009, no seu art. 402º, nº 1, ao invés de utilizar uma formulação mais ampla (reportando-se tão-só ao reconhecimento presencial da assinatura) caso a sua intenção tivesse sido a de incluir os reconhecimentos feitos por advogado, manteve a exigência do “reconhecimento notarial presencial”.
Por outro lado, afigura-se-nos que a ratio do art. 449º do CT/2003 (e 402º do CT/2009) aponta no sentido da competência exclusivamente notarial.

Com efeito, a lei consagra o direito do trabalhador (que denuncia o contrato de trabalho) ao arrependimento, o qual pode ser exercido no prazo de 7 dias. Confere-lhe, pois, um prazo em que ele, de forma mais refletida e, designadamente, livre que qualquer eventual constrangimento, possa melhor ponderar a sua decisão.
Todavia, em benefício do empregador, a lei introduz uma restrição a esse direito, ao impedir o seu exercício se a assinatura do trabalhador for objeto de reconhecimento notarial presencial. A exigência da intervenção notarial, face, designadamente, à maior solenidade do ato, ao peso institucional e social que a intervenção notarial reveste e à equidistância relativamente a qualquer interesse particular, foi, precisamente, o meio que a lei entendeu ser de exigir, em contrapartida da restrição do direito, como forma de garantir ao trabalhador a necessária ponderação e consciencialização da importância do ato de denunciar o contrato de trabalho.
Acresce que a equiparação mencionada no art. 38º, nº 2, do DL 76-A/2006 se reporta aos efeitos probatórios. Ora, parece-nos, a ratio da exigência do reconhecimento notarial prevista no art. 449º do CT/2003 extravasa os efeitos meramente probatórios do documento. Tal exigência não visa, apenas, conferir ao empregador a segurança de que, por via do reconhecimento notarial, o trabalhador não venha, mais tarde, a impugnar a sua assinatura. Com efeito, e como decorre do que acima dissemos, essa exigência é estabelecida não apenas no interesse do empregador, mas também no interesse do trabalhador, na medida em que visa, como contrapartida da eliminação do seu direito ao arrependimento, garantir-lhe a possibilidade de uma adequada e atual ponderação da sua decisão.

A terminar, resta apontar o elemento literal da lei que, indiscutivelmente, se reporta ao reconhecimento notarial.».
Já no acórdão da Relação de Lisboa, supra identificado, considerou-se que: «[o] entendimento de que um Advogado se encontra impedido de reconhecer presencialmente a assinatura de uma declaração de rescisão unilateral de um contrato de trabalho de um trabalhador de uma cliente sua afigura-se incompatível não só com a intenção do legislador ao atribuir aos Advogados tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de “colaborador da justiça”».
A nível doutrinário, salientamos a referência feita por Pedro Furtado Martins, in “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição, pág.550, quando aprecia o direito consagrado no artigo 402º do Código do Trabalho:
«Este direito é afastado se a denúncia do contrato for apresentada por escrito e com a assinatura do trabalhador objeto de reconhecimento notarial presencial. Atribui-se ao empregador o direito de exigir o cumprimento dessa formalidade, por força da remissão para o artigo 395º, nº4, constante do artigo 400º, nº5».
Posto isto, passemos a explicar qual a nossa posição sobre a temática que, desde já se adianta, vai no sentido de concordar com o entendimento manifestado no acórdão da Relação de Lisboa.
Para além da argumentação exposta no mesmo, com a qual concordamos em absoluto e para a qual remetemos, acrescentaremos apenas umas breves notas que visam tão só consolidar a solução aí defendida.
Se atentarmos ao texto preambular do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, retiramos do mesmo o seguinte esclarecimento:
«Em 5º lugar, atua-se no domínio da autenticação e do reconhecimento presencial de assinaturas em documentos, permitindo que tanto os notários como os advogados, os solicitadores, as câmaras de comércio e indústria e as conservatórias passem a poder fazê-las. Trata-se de facilitar aos cidadãos e às empresas a prática deste atos junto de entidades que se encontram especialmente aptas para o fazer, tanto por serem entidades de natureza pública ou com especiais deveres de prossecução de fins de utilidade pública como por já hoje poderem fazer reconhecimentos com menções especiais por semelhança e certificar ou fazer e certificar traduções de documentos».
Deste modo, foi intenção do legislador alargar o universo de entidades competentes para fazerem reconhecimentos presenciais de assinaturas.
Neste âmbito, consagrou-se no artigo 38º do diploma que, “sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades (…) os advogados (…) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança (…)”.
Por sua vez o nº 2 do aludido artigo preceitua o seguinte: “[o]s reconhecimentos (…) efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial”.
Dispõe o artigo 35º do Código do Notariado, sob a epígrafe de Espécies de documentos:
«1 - Os documentos lavrados pelo notário, ou em que ele intervém, podem ser autênticos, autenticados ou ter apenas o reconhecimento notarial.
2 - São autênticos os documentos exarados pelo notário nos respetivos livros, ou em instrumentos avulsos, e os certificados, certidões e outros documentos análogos por ele expedidos.
3 - São autenticados os documentos particulares confirmados pelas partes perante notário.
4 - Têm
reconhecimento notarial os documentos particulares cuja letra e assinatura, ou só assinatura, se mostrem reconhecidas por notário.», (realce nosso).
Por sua vez o artigo 153º do mesmo Código preceitua o seguinte, sob a epígrafe Reconhecimentos:
«1 - Os reconhecimentos notariais podem ser simples ou com menções especiais.
2 - O reconhecimento simples respeita à letra e assinatura, ou só à assinatura, do signatário de documento.
3 - O reconhecimento com menções especiais é o que inclui, por exigência da lei ou a pedido dos interessados, a menção de qualquer circunstância especial que se refira a estes, aos signatários ou aos rogantes e que seja conhecida do notário ou por ele verificada em face de documentos exibidos e referenciados no termo.
4 - Os reconhecimentos simples são sempre presenciais; os reconhecimentos com menções especiais podem ser presenciais ou por semelhança.
5 - Designa-se presencial o reconhecimento da letra e assinatura, ou só da assinatura, em documentos escritos e assinados ou apenas assinados, na presença de notários, ou o reconhecimento que é realizado estando o signatário presente ao ato.
6 - Designa-se por semelhança o reconhecimento com a menção especial relativa à qualidade de representante do signatário feito por simples confronto da assinatura deste com a assinatura aposta no bilhete de identidade ou documento equivalente emitidos pela autoridade competente de um dos países da União Europeia ou no passaporte ou com a respetiva reprodução constante de pública-forma extraída por fotocópia.»
Deste modo, no regime dos reconhecimentos de assinaturas previsto e consagrado no Código do Notariado o reconhecimento notarial presencial constitui uma modalidade de reconhecimento simples que é sempre presencial.
Ora, por força do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, este regime foi estendido, conferindo-se aos advogados competência para realizarem reconhecimentos simples presenciais, o que é o mesmo que dizer reconhecimentos notariais presenciais, segundo a terminologia utilizada no específico regime que disciplina tal matéria.
Ou seja, alargou-se a competência para a prática dos atos notariais, por forma a “facilitar aos cidadãos e às empresas a prática destes atos junto de entidades aptas para o fazer” (cfr. diploma preambular do Decreto-Lei nº 76-A/2006).
Ora, na interpretação do artigo 402º do Código do Trabalho, teremos de ter em consideração o consagrado no artigo 9º do Código Civil, isto é, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas deve visar reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (cfr. nº1 do artigo 9º).
Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, de harmonia com o nº2 do normativo.
Por fim, nos termos do nº3 do artigo 9º, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Ora, se atentarmos ao elemento literal, o artigo 402º utiliza uma expressão específica e concreta e não qualquer expressão genérica que a jurisprudência deva concretizar ou especificar. A expressão literal utilizada é “reconhecimento notarial presencial”.
Atendendo agora ao elemento sistemático, a interpretação desta expressão é realizada pelo Código do notariado nos termos supra apreciados.
Considerando os elementos histórico e teleológico, temos uma deliberada opção do legislador pelo alargamento da competência para a prática de atos notariais, por outras entidades idóneas e aptas para os realizar pela formação que possuem. Este elemento extrai-se do preâmbulo do Decreto-Lei 76-A/2006.
E, considerando que o legislador na fixação do sentido e alcance da lei conhece o sistema, integra-o e consagra as soluções mais acertadas, exprimindo o seu pensamento em termos adequados, afigura-se-nos que aquando da aprovação do Código do Trabalho de 2009, o legislador teve em consideração as entidades competentes para a realização do ato de reconhecimento notarial presencial, pelo que apenas pretendeu referir-se ao ato em si e não à entidade que o realiza.
Esta posição, por nós defendida, leva a que consideremos que, de harmonia com o disposto no artigo 402º do Código do Trabalho, o direito ao arrependimento por parte do trabalhador que denunciou o contrato de trabalho fica precludido quando a declaração escrita de denúncia contenha o reconhecimento notarial presencial da assinatura, feita por qualquer entidade competente para tanto, nomeadamente, feita por advogado.
Analisemos agora o específico caso dos autos.
No caso concreto, ficou demonstrado que a assinatura aposta pela autora na carta de denúncia escrita em 14/11/2012, foi reconhecida presencialmente pelo advogado da empresa, Sr. Dr. “LT”, após a ocorrência da reunião em que a autora redigiu e assinou o documento, na ausência desta e sem que à mesma tenha sido entregue qualquer documento comprovativo da efetivação desse reconhecimento. O reconhecimento foi registado do endereço da Ordem dos Advogados.
Dispõe o artigo 36º, nº4 do Código do Notariado que os reconhecimentos são lavrados no próprio documento a que respeitam ou em folha anexa.
Por seu turno, o artigo 153º, nº5 do mesmo compêndio legal dispõe no sentido de que o reconhecimento presencial da assinatura pressupõe obrigatoriamente a presença de quem tem competência para tal ato, no momento da assinatura do documento.
A Portaria nº 657-B/2006, de 29 de junho, que regulamenta o registo informático dos atos praticados por advogados, ao abrigo do disposto no artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, consagra no seu artigo 1º que a validade dos reconhecimentos presenciais feitos por estes profissionais forenses depende de registo em sistema informático, que é desenvolvido e gerido pela Ordem dos Advogados, (cfr. também artigo 2ª da Portaria).
O registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato (cfr. nº1 do artigo 4º da Portaria). Se, em virtude de dificuldades de carácter técnico, não for possível aceder ao sistema no momento da realização do ato, esse facto deve ser expressamente referido no documento que o formaliza, devendo o registo informático ser realizado nas 48 horas seguintes, de harmonia com o disposto no nº2 do artigo 4º do diploma.
Posto isto, e tendo-se concluído que o “reconhecimento notarial presencial” a que alude o artigo 402º do Código do Trabalho, abrange os reconhecimentos presenciais de assinaturas feitos por advogado, nos termos previstos pelo artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de março, analisemos então em que momento os requisitos exigidos para o direito à revogação da denúncia devem estar preenchidos.
E, a nosso ver, os mesmos devem estar preenchidos no momento em que a declaração da denúncia se torna eficaz, isto é, no momento em que a mesma é entregue ao empregador, dado que estamos perante uma declaração receptícia.
O reconhecimento da assinatura é uma exigência do empregador, que, por esta via, impõe a observância de um formalismo reforçado na declaração extintiva do trabalhador, precavendo-se contra uma eventual mudança de ideias por parte deste. O reconhecimento da assinatura não é algo que o trabalhador possa recusar ou opor-se. Aliás, refere Pedro Furtado Martins, na obra supra identificada, a pág. 550, que o incumprimento desta exigência pelo trabalhador deve ter como consequência a exclusão do direito de revogação da denúncia. Todavia, tal exigência tem de ocorrer antes da declaração de denúncia ser entregue ao empregador, pois só desta forma o trabalhador toma a consciência que está impedido, a partir desse momento, de se arrepender e revogar a denúncia.
Poderão, porém, ocorrer situações de falência informática ou de falta de meios informáticos ao dispor, em casos em que se pretende que seja um advogado a realizar o reconhecimento presencial da assinatura. Em tal situação, a própria lei prevê que o advogado que presenciou o ato de assinatura, deve referir no documento assinado tal circunstância e realizar o registo informático no prazo de 48 horas.
Logo, em tais situações terá de constar do documento a impossibilidade e deve a entidade empregadora informar o trabalhador que o reconhecimento presencial da sua assinatura será realizado posteriormente. Pois só deste modo, o trabalhador pode tomar consciência da existência de uma circunstância impeditiva do direito de revogação da denúncia. O ónus de alegação e de prova deste circunstancialismo factual competirá à entidade empregadora, nos termos previstos pelo artigo 342º, nº2 do Código Civil.
Mais se nos afigura que em qualquer uma das situações, é elementar que o trabalhador seja devidamente informado pela entidade competente para o reconhecimento presencial da assinatura sobre as consequências legais da mesma, estendendo-se a estas entidades o dever de esclarecimento previsto no artigo 50º, nº2 do Código do Notariado.
No caso concreto, a entidade empregadora apesar de ter alegado no artigo 18º da contestação que a autora disponibilizou ao Sr. Dr. “LT” o seu cartão de cidadão para que este confirmasse a sua identidade, com o objetivo de realizar o reconhecimento da assinatura aposta pela autora na declaração escrita da denúncia, apenas logrou provar que foi a ré quem solicitou a apresentação do cartão de cidadão à autora, do qual a testemunha “PA” tirou uma cópia.
Ora, tal factualidade é manifestamente insuficiente para se poder concluir que a autora tomou conhecimento ou tinha consciência da impossibilidade momentânea de realização do ato de reconhecimento presencial da sua assinatura, mas que o mesmo seria feito posteriormente.
Logo, não logrou a ré demonstrar a verificação do facto impeditivo do direito de revogação da denúncia contemplado no artigo 402º do Código do Trabalho.
Por conseguinte, a carta registada com a.r., remetida pela trabalhadora no dia 14/11/2012, a revogar a denúncia do seu contrato de trabalho, que chegou ao conhecimento da ré no dia seguinte, isto é, dentro do prazo previsto no aludido artigo 402º, é eficaz para efeitos de revogação da anterior declaração unilateral da trabalhadora.
Pelo que, no dia 15/11/2012, permanecia o vínculo laboral existente entre as partes.
E, nesse dia, quando a autora se apresentou no seu local de trabalho, fardada e no horário do início do turno que lhe estava distribuído, foi impedida de retomar o trabalho pelas funcionárias que ali se encontravam, tendo estas informado que cumpriam ordens da gerência. Efetivamente, a gerência havia dado ordens para não ser permitido à autora retomar o seu trabalho, por não ser já trabalhadora da empresa.
A propósito do designado despedimento de facto, escreveu-se no sumário do Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/12/2002, P. 02S2330, disponível em www.dgsi.pt:
“I-O despedimento de um trabalhador, que é causa de cessação da relação laboral que o vinculava ao empregador, supõe a emissão, por parte da entidade patronal, de uma declaração de vontade receptícia, que, como tal, se torna eficaz logo que a mesma chegue ao poder do trabalhador destinatário, ou é dele conhecida.
II – A declaração de despedimento pode ser expressa – quando seja feita por palavras, escrito ou qualquer meio direto de manifestação da vontade – ou tácita – quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”.
O que importa é que “essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador”, (Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/10/2009, P. 272/09.5YFLSB, disponível no supra referido site).
A inequivocidade de que deve revestir-se a expressão da vontade de despedir visa, não apenas evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, mas, também, obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade empregadora, (Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/10/2008, P. 08S1034, disponível no site já identificado).
No caso dos autos, o comportamento assumido pela empregadora de impedir a autora de prestar o seu trabalho no dia 15/11/2012, com o argumento que a mesma já não era trabalhadora da empresa, constitui, em nosso entender, uma inequívoca declaração de despedimento.
Destarte, em face de todo o exposto, há que concluir que a relação laboral que vigorou entre as partes cessou por despedimento e não por denúncia do contrato pela trabalhadora.
Nenhuma censura nos merece, assim, a sentença recorrida quando conclui nesse sentido, declarando ainda a ilicitude do despedimento por falta de respetivo procedimento, nos termos previstos pelo artigo 381º, alínea c) do Código do Trabalho.
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VIII. Danos morais
Em sede de recurso, a apelante insurge-se contra a parte decisória da sentença que a condenou no pagamento de uma indemnização no valor de € 750,00 por danos de natureza não patrimonial.
Começou por argumentar que deveria ser absolvida por força da alteração dos pontos 22 e 23 da matéria de facto, por si defendida, que originariam que tal condenação não tivesse suporte fáctico.
Ora, tendo este tribunal mantido no conjunto dos factos assentes os referidos pontos, não obstante a alteração do ponto 23, falece em absoluto este primeiro argumento.
Como segunda razão, alega a recorrente que os danos sofridos pela autora não são graves a ponto de merecerem a tutela do direito.
Analisemos.
É consabido que os danos não patrimoniais são aqueles que não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem originar uma compensação material visando, dentro do possível, equilibrar ou atenuar os efeitos produzidos por esses danos.
O artigo 496º, nº1 do Código Civil, admite a indemnização dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Não se concretiza na disposição legal os casos de danos não patrimoniais que justifiquem uma indemnização. Refere-se tão só que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Significa isto que cabe ao tribunal, no caso concreto, dizer se o dano é grave e se merece ou não a tutela do direito.
Conforme refere Bruno Bom Ferreira, num artigo publicado na Verbo Jurídico, sob o tema “A problemática da titularidade da indemnização por danos não patrimoniais em direito civil”, pág. 10:
«A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo (essa apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias do caso concreto), devendo abstrair-se dos fatores subjetivos (“de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”)».
No recente Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/11/2013, P. 877/09.4TTLSB.L1.S1, escreveu-se, com relevo, o seguinte:
«(…) sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita.
Assim, se se verificar que esses danos não patrimoniais não tenham especial relevo por se traduzirem nos que, comummente, se verificam em idênticas situações, como os do desgosto, da angústia e da injustiça, não se legitima a tutela do direito justificadora da condenação por danos não patrimoniais».
No caso em apreço nos autos, resultou demonstrado que a autora é viúva, tem uma filha menor a cargo e, em virtude da cessação do contrato de trabalho teve dificuldade em pagar as suas despesas de alimentação, de vestuário e de sustento da casa, tendo solicitado ajuda a amigos e familiares. Ainda, por força da cessação do contrato de trabalho e das imputações feitas pela ré na reunião do dia 14/11/2012, a autora ficou sem vontade de sair à rua, permanecendo longos períodos em casa, sofrendo crises de choro.
Ora, o que se extrai deste contexto factual é que a autora sofreu danos que estão normalmente associados a situações de despedimento ilícito.
E, considerando o grau de exigência subjacente à caracterização dos danos morais indemnizáveis, afigura-se-nos que os danos sofridos pela trabalhadora não revestem especial gravidade. São danos que comummente se verificam em situações similares à dos presentes autos. Daí que não se legitime a tutela do direito justificadora da indemnização por danos não patrimoniais.
Em jeito de conclusão, o direito à indemnização apenas pode ser reconhecido em lesões de natureza não patrimonial sofridas pelo trabalhador que sejam tão relevantes que o sentido de justiça comum, leve a que se considere que tais lesões devem ser objeto de proteção jurídica, por via da consagração de um específico direito a uma indemnização.
Em suma, consideramos que os danos sofridos pela autora não constituem danos graves merecedores da tutela do direito, pelo que, o recurso se mostra procedente quanto à questão agora analisada, impondo-se a revogação parcial da sentença.

Concluindo, o recurso mostra-se parcialmente procedente.
Custas em ambas as instâncias pelas partes na proporção do respetivo decaimento.
*
IX. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, consequentemente, revogam parcialmente a sentença recorrida na parte em que condenou a ré no pagamento à autora de uma indemnização no valor de € 750,00, por danos morais sofridos, mantendo-se a sentença quanto ao demais decidido.
Custas em ambas as instâncias pelas partes, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Évora, 27 de fevereiro de 2014
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)