Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1360/14.IT9STB.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
JUÍZO DE PROBABILIDADE
CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1 - O princípio in dubio pro reo é habitualmente usado para nele integrar três realidades distintas, gerando alguma indeterminação de conceitos. As regras de apreciação de concretos meios de prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. e o standard probatório necessário à condenação são conceitos que se não confundem com aquele princípio. São três conceitos distintos.
2 - Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Aqui não há metodo dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução.
3 - Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto.
4 - Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de deteminada forma, não de outra.
5 - Isto é, o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:
- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;
- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;
- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 1360/14.IT9STB
Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial de Setúbal - Juizo local Criminal de Setúbal- Juiz 4 - correu termos o processo comum singular supra numerado no qual foi julgado o arguido BB, filho de (…), nascido em 29 de Outubro de 1998, solteiro, estudante, a quem foi imputada a prática, em autoria material, e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n. 1 do Código Penal.

CC e DD constituíram-se assistentes nos autos e formularam pedido de indemnização civil.

A final - por sentença lavrada a 6 de Setembro de 2017 - veio a decidir o Tribunal recorrido:

a) - Condenar o arguido BB como autor material, sob a forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n. 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

b) - Suspender a execução da pena indicada em a) pelo período de 1 (um) ano, condicionando-se a suspensão a regime de prova, a delinear pela DGRSP, no entanto visando assegurar a sua inserção em plano escolar e/ou laboral e, caso assim se julgue por pertinente, a manutenção do seu acompanhamento em domínio da psicologia (ainda se consignando a aplicabilidade do Regime Especial para Jovens, aprovado pelo DL n. 401/82, de 23 de Setembro);

c) - Determinar a procedência parcial, por provado, do pedido de indemnização civil formulado por DD e CC e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar àqueles a importância de 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais (dano morte/vida) e, a cada um daqueles, 15.000,00 € (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, num total de 67.500,00 € (sessenta e sete mil e quinhentos euros), improcedendo, no demais, o peticionado;

d) Condenar o arguido no pagamento das custas e encargos do processo, compreendendo estes os encargos com a concessão de apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) U.C.'s (cfr. artigos 513º, n. 1, 514º, n. 1 e 524° do Código de Processo Penal e 8º, n. 5 e 16° do Regulamento das Custas Processuais);

e) condenar nas custas cíveis demandantes e demandado, na proporção do respetivo decaimento.


***

O arguido, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Da matéria de facto assente como provada e não provada que decorre do texto da douta sentença em crise entende o recorrente que:

2. S. M. O., o Aresto recorrido padece de algumas inultrapassáveis e relevantes insuficiências quanto ao tratamento jurídico e valoração da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento.

3. O arguido foi condenado pelo crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art. o 137º, n. 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução sem que, contudo, tenha sido provado o nexo psicológico entre o agente e o facto que é consequência da violacão do dever de diligência.

4. De facto, para o preenchimento do tipo de crime, na formulação do juízo de culpabilidade da negligência, as capacidades do agente terão de ser aferidas a partir das características do tipo de homem em que o agente se insere, homem que tanto pode ser superior como inferior ao homem médio.

5. Só assim ganha sentido o juízo de culpa, uma vez que só se justifica a imputação do facto se este se tiver ficado a dever a uma omissão de cuidado que o ordenamento jurídico exija, na concreta situação fáctica, das pessoas conscienciosas e judiciosas, pertencentes ao tipo de homem a que o agente também pertence.

6. Ora, estamos perante um jovem de 16 anos de idade que, conforme é dado como provado na Douta Sentença, actuou de forma semelhante em diversas ocasiões sem qualquer consequência.

7. Não se provou, pois, o estabelecimento de um nexo psicológico entre a actuação deste e o facto que é consequência da violação do dever de diligência.

8. Nem da prova produzida resultou que o recorrente, depois de vários toques mútuos no ombro, tivesse actuado de forma diversa à forma como qualquer outro adolescente actuaria, perante a situação concreta, donde, para determinar a culpa na negligência terá se se considerar as "características do tipo de homem em que o agente se insere".

9. Resulta, ainda, da prova que arguido não representou ou previu o perigo que da conduta poderia advir para o bem jurídico tutelado já que comportamento idêntico assumido em momento anterior não havia produzido qualquer resultado, isto é, o desequilíbrio ou a queda do Diogo.

10. Donde, e sendo certo que "A violação do dever objectivo de cuidado conexionado com um determinado resultado não implica assim necessariamente a imputação ao agente do crime negligente respectivo", há que considerar, no caso concreto que o arguido agiu sem culpa - no entendimento da violação do cuidado de que o agente é capaz segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais.

11. Pelo que, o Douto tribunal incorreu em Erro na Subsunção dos Factos Provados ao Direito, o que, se não tivesse ocorrido, resultaria na absolvição do arguido, o que ora se requer. Sem conceder

12. Incorreu o Douto Tribunal, em Erro de Julgamento uma vez que a Decisão recorrida julgou incorrectamente provados os factos constantes nos art.vs n.os 8, no segmento que refere "que o fez desequilibrar-se para trás; ", 15°, 16°, 17°, no segmento "e consequentemente a queda que, necessariamente e em virtude da altura, lhe causaria a morte, como causou;" e 18° da Douta Sentença.

13. Isto porque, apesar de na sentença ser referido que a Decisão se sustentou na prova testemunhal e documental junta aos autos o que pressuporia uma corroboração entre estes dois meios de prova, certo é que, SMO, tal não se verifica.

14. De facto, da visualização da prova documental, vídeo e fotogramas, resulta que a queda da malograda vitima ocorre, não imediatamente na sequência de qualquer toque produzido pelo recorrente mas em consequência deste deixar cair as costas para trás, esticando as pernas para a frente e não esboçando qualquer esforço de se agarrar ao corrimão, o que seria mais natural, atentas as regras da experiência.

15. Aliás, este movimento também causou estranheza ao Tribunal que o justificou com a surpresa da vítima perante o toque previamente dado pelo arguido.

16. Ora, não se alcança a razão da surpresa já que a própria Sentença admite a existência de "toques" anteriores, sendo, por isso, mais um toque uma situação expectável que imporia outras cautelas à vítima, nomeadamente através de reacção a um eventual desequilíbrio causado.

17. Desconsiderou, assim, o Tribunal a circunstância de que a queda da vitima ocorre praticamente no final das escadas, perto do piso onde estas terminam e a circunstância da vitima não ter a percepção da altura a que se encontrava.

18. Com o devido respeito, também não sopesou o Tribunal, como deveria, o depoimento da testemunha EE, que ouvida na sessão do dia 24/05/2017 entre as 10.30.28 e as 10.41.59, do minuto 01.53 ao minuto 9.57, explicou a personalidade temerária, audaciosa e até imprudente da vitima.

19. Depoimento que foi corroborado por FF, ouvido como testemunha na sessão do dia 24/05/2017 entre as 10.42.48 e as 10.53.15, do minuto 0.03 ao minto 10.20, que confirmou que a vitima actuava sem consciência do perigo, colocando-se voluntariamente em situações de risco.

20. A análise dos depoimentos ora transcritos, concatenada com as imagens que constam dos autos, autorizaria a convicção de que, atento o tempo decorrido entre o toque produzido pelo arguido, a queda da malograda vítima e a forma como tal queda se processa, exigiria uma actuação voluntária do GG, explicável pela sua personalidade temerária, audaciosa e imprudente.

21. Atentas as concretas provas produzidas em Audiência de Discussão e Julgamento e que se indicam, não poderia, pois, a sentença em crise dar como provado que o arguido praticou um crime, impondo-se, pois, prolação de Decisão diversa:

22. Em conformidade, devia o Tribunal apenas dar como assente que o vertido sob os n.s 8, no segmento que refere "que o fez desequilibrar-se para trás; 15°, 16°, 17°, no segmento "e consequentemente a queda que, necessariamente e em virtude da altura, lhe causaria a morte, como causou;" e 18° da Douta Sentença, integrariam o elenco dos factos não provados.

23. Ao não tê-lo feito, o Douto Tribunal "a quo" incorreu em Erro de Julgamento, o que expressamente se argui e que V. Exas., Venerandos Desembargadores suprirão.

24. Donde, e em consequência, e porque a prova produzida não é suficiente para sustentar e justificar a condenação do ora recorrente, por violação do art. 127° do CPP, e o principio da presunção de inocência, deve o arguido ser absolvido do crime por que foi condenado, o que ora se requer. Sem prescindir

25. Fazendo uso de toda a argumentação expendida em sede reexame da matéria de facto dada como provada, que se reproduz e, por mera economia, se dá por reproduzida, deveria ter criado no Douto Tribunal a dúvida quanto à forma como a queda da vítima ocorre.

26. O Principio do in dúbio pro reo pode ser aplicado, enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.° do CPP.

27. Assim, o tribunal deveria razoavelmente ter permanecido em dúvida quanto à verificação dos factos que deu como provados.

28. SMO, do nosso ponto de vista, tal dúvida é insanável e impossível de remover pelos meios de prova valorados em audiência ou por outros de que ainda pudesse lançar mão, com vista a remover tais dúvidas ou a atingir a plena e justificada convicção de que tais dúvidas eram definitivamente inultrapassáveis.

29. Ao assim não entender, e demonstrando-se a existência de dúvidas, como se demonstrou supra, tal deveria ter beneficiado o arguido o que não aconteceu, mostrando-se, assim violado o principio do in dúbio pro reo.

30. Assim, e nesta confluência, não restará a V. Exas., Venerandos Desembargadores, senão concluir pela violação do princípio do in dúbio pro reo e concluir, também, pela existência de dúvida razoável de que o arguido terá praticado os factos por que foi condenado, tendo, por isso que ser absolvido.

Caso assim se não entenda

31. O quadro acima descrito em matéria de culpa, reflectir-se-á, necessariamente, na determinação da medida concreta da pena e modo de execução dessa mesma pena.

32. A aplicação de penas, conforme dispõe o art. 40º do CP, visa não só a protecção de bens jurídicos mas também a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que estamos perante um jovem de 18 anos, sem antecedentes criminais, estudante, considerado pacato e calmo, incapaz de qualquer comportamento agressivo.

33. O Douto Tribunal, a manter-se a condenação nos seus exactos termos, deveria ter dado prevalência à aplicação de uma pena de multa ao invés de uma pena de prisão, sempre estigmatizante e psicologicamente marcante, SMO, desadequada, in casu.

34. Não poderá, como foi, sopesada a vertente mediática do caso em apreço, situação que não foi originada pelo arguido, manifestamente provocada com o intuito de "condenar o arguido na praça pública".

35. Atento o exposto, e o que melhor resulta da Motivação supra a aplicação de uma pena de multa, adequada à sua situação económico-financeira, preserva eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva - contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora - como da prevenção especial de integração - e obrigará a genuína reflexão, através de real sacrifício.

36. Revogando-se a Douta Sentença no segmento que condena o arguido em pena de prisão suspensa na sua execução, e condenando o arguido em pena de multa, tudo isto, atentas as circunstâncias concretas in casu, que V. Exas. suprirão e que ora se requer.

Por fim,

37. Quanto ao pedido de indemnização civil, e caso se não entenda pela absolvição do recorrente, o montante arbitrado é claramente desproporcional, atentos os critérios definidos na Lei Civil.

38. O dano da morte é indemnizável, assim como os danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, nos termos do disposto nos ns 1 e 2 do artigo 496° do Código Civil.

39. Na impossibilidade de se apurar o valor exacto desses danos, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (artigos 496° n 4 e, 566° n 3 do artigo do Código Civil), com apelo a " ... todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida"

40. O Douto Tribunal desconsiderou as circunstâncias de vida do arguido, violando o princípio da equidade.

41. Quanto ao dano morte, e SMO, atentos os critérios definidos jurisprudencialmente, o montante da indemnização a arbitrar não deverá exceder os 60.000,00 €, atento grau de culpabilidade do agente, dos meios financeiros de que dispõe e, no caso, à dada como provada contribuição da vítima na produção do resultado.

42. Por último, e no que concerne aos danos morais, não foi sopesado, como deveria, o depoimento da psiquiatra que assistiu o demandante e assiste a demandante.

43. De facto, a Dra. …, ouvida na sessão do dia 05/05/2017 entre 16.14.14 e as 16.23.51, do minuto 0.47 ao minuto 9.36, explicou que a demandante já padecia de doença do foro psiquiátrico, já estava impedida de exercer a sua actividade profissional por causas físicas e que o ocorrido não é determinante para a situação clinica da demandante.

44. Quanto ao demandado, resultou deste depoimento que apenas teve necessidade de intervenção médica por uma única vez, por dificuldades em conciliar o sono.

45. É um facto que o desgosto da perda de um filho é incomensurável, mas, não obstante a dor e sofrimento sentidos com a sua morte, revelam-se adequados à finalidade compensatória deste tipo de indemnização e consentâneos com a jurisprudência os valores de 15.000,00 € para a demandante e 10.000,00€ para o demandante, num total de 25.000,00 C, na proporção de metade, a suportar pelo demandado.

46. Assim, e em conclusão, por via repartição de culpas e contributos no sinistro passível de desencadear o dever de indemnizar, a cifrar em 50% para cada um dos intervenientes (arguido e ofendido), e sendo certo que a responsabilidade do demandado deverá refletir tal proporcional, devem os valores indemnizatórios a arbitrar cercear a metade (refletindo os mencionados 50%), cifrando-se a indemnização a arbitrar:

47. A título de danos patrimoniais (dano vida/morte), em €30.000,00 (trinta mil euros) e,

48. A título de danos não patrimoniais, em €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a favor da demandante e €5.000,00 (cinco mil euros) a favor do demandante,

49. Sendo assim o valor total da indemnização a cifrar em € 42.500,00 (quarenta e dois e quinhentos euros), o que ora se requer.

50. Ao assim não decidir, o Douto Tribunal violou o disposto nos art. 494°, 496°, n. 4 e 566° do CC e, afastada que seja a violação de tais normativos, V. Exas. decidirão como peticionado, o que também se requer.

51. Mostram-se assim, no total, violados os art. 40°,70°,71°,347, n. 2 do CP e 127° e, ocorrendo errada interpretação da matéria de facto, o 365° e segs. do CPP.

52. Afastada que fosse a violação destes normativos o Douto Acórdão Decidiria conforme ora se peticiona.

Tendo em consideração todo o exposto, sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser apreciado em conformidade, merecer provimento, e

Revogar-se a Douta Sentença sob censura, e Decidindo-se pelo Erro na Subsunção dos Factos ao Direito, absolver o arguido por ausência do nexo psicológico entre o agente e o facto que é consequência da violação do dever de diligência.

Ou apreciar a prova efectivamente produzida em Julgamento, decidir-se pelo erro de julgamento nos factos dados como provados nos art. n. 8, no segmento que refere "que o fez desequilibrar-se para trás;", 15°, 16°, 17°, no segmento "e consequentemente a queda que, necessariamente e em virtude da altura, lhe causaria a morte, como causou;" e 18° da Douta Sentença.do Aresto e concluir-se pela sua inclusão no acervo de factos não provados, absolvendo-se o recorrente do crime por que foi condenado, ou

Decidir-se pela dúvida quanto aos factos dados como provados quanto aos crimes, absolvendo-se o arguido por aplicação do princípio do in dúbio pro reo, ou

Condenar o arguido numa pena de multa e condenar o arguido ao pagamento num total de 42.500,00 €, a titulo de danos não patrimoniais


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A Digna magistrada do Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, concluindo:

Em suma, entende o Ministério Público que deve ser de manter a pena concreta aplicada - 6 meses de prisão suspensa na sua execução, pelo prazo de um anos subordinada a regime de prova, porque a mesma é adequada, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas - art. 18.°, n. 2, da CRP -, nem as regras da experiência comum, antes é equilibrada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.

Mais se entende que a decisão recorrida não está afectada do vício de erro notório na apreciação da prova, nem violou o princípio in dubio pro reo, fez uma correcta subsunção dos factos ao direito e aplicou ao arguido uma pena adequada e proporcional, pelo que não merece censura e deve ser mantido.

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CC e DD, assistentes e demandantes civis responderam com as seguintes conclusões:

(i) À qualificação da conduta como negligente na modalidade inconsciente acolhida na sentença é indiferente que o agente não tenha representado o perigo que aquela causava ao bem jurídico tutelado, a vida, no caso do homicídio negligente, desde que, atentas as circunstâncias concretas do caso, pudesse e devesse prever o perigo que a conduta representava para o bem jurídico ofendido, o que quer dizer que a censurabilidade da conduta não depende da representação pelo agente do resultado, mas de lhe ser em concreto exigível que o previsse.

(ii) A não verificação do resultado num comportamento idêntico anterior não retira o perigo a uma conduta que, por força das circunstâncias, importa o risco de causar a lesão de um bem jurídico tutelado, bastando que as circunstâncias em que a prática dessa conduta ocorre sejam reconhecidas por um homem médio como aptas a produzi-las.

(iii) Encontrando-se a malograda vitima em equilíbrio precário no corrimão da escada rolante, não é sustentável que o arguido não pudesse prever que um contacto como o corpo daquele não o pudesse desequilibrar e fazer tombar e que esta queda potencialmente pudesse causar, no mínimo, dano grave à integridade física ou mesmo a morte à vítima como de facto sucedeu.

(iv) O que serve de critério para aferir da violação do dever de cuidado exigível ao agente, definido como a omissão de acção apta a produzir um resultado antijurídico, para efeitos do artigo 15.º, CP, é a não correspondência do comportamento do agente àquele que, em idêntica situação, teria um homem munido dos mesmos conhecimentos do agente, fiel aos valores protegidos, prudente e consciencioso (juízo objectivo e normativo do conceito de cuidado).

{v} É, por isso, insustentável que o arguido, que não se define por ser particularmente atrevido, por ter 16 anos não tenha capacidade de perceber o perigo que representa desferir um empurrão no amigo que está sentado num corrimão estreito, sem os pés apoiados e com o peso do corpo a pender para um vazio, com altura suficiente para causar dano grave.

(vi) Por tudo, é perfeitamente lícita a conclusão subjacente à decisão que era exigível ao arguido, mesmo considerando as circunstâncias que o caracterizam, um dever objectivo de cuidado dei não desferir um empurrão em quem se encontrava na posição da vítima e a previsão que o mesmo pudesse ter como efeito o resultado típico.

(vii) Alegando erro de julgamento da matéria de facto, o arguido sugere (indignamente, na, nossa opinião) que a valoração de alguns meios de prova (o auto de visionamento e fotogramas de fls. 79 a 90 e os depoimentos das testemunhas EE e FF) permite a conclusão de que a queda se deu a um acto voluntário da vitima, insinuando que na queda fatal do GG não houve contribuição sua, mas sim que aquele se teria deixado cair para trás!

(viii) Contudo, o arguido não analisa as provas que convoca e muito menos esclarece de que forma elas sustentam aquela conclusão, pelo que o tribunal ad quem não poderá sindicar um pretenso erro se quem o invoca não explica onde reside o erro alicerçado na evidência das provas a que apela.

(ix) Qualquer que seja a explicação para a forma como a queda se dá - sem que o Diogo esbraceje ou esboce outros movimentos -, que o tribunal entende que se deve a ter sido surpreendido pelo segundo empurrão do arguido, a verdade insofismável é que o facto causal da queda é o segundo "toque" que o arguido desfere no corpo do GG inexistindo o erro de julgamento alegado pelo arguido.

(x) Invocando violação do princípio in dúbio pro reo o arguido entende que o tribunal deveria ter permanecido na dúvida se o "toque" desferido pelo arguido teria causado a queda, porque aí Diogo não esbracejou quando tombou para trás e porque era aventureiro, afirmações que" contudo, não permitem razoavelmente uma dúvida inultrapassável ao julgador, dado que nenhuma prova sustenta a tese do acto voluntário da vítima.

(xi) Ao invés, a ponderação da prova - imagens, depoimentos, declarações e exame ao local -, que tomou em consideração todos os elementos releva ntes, inclusive a posição "a nómala" e incorrecta em que a vítima se colocou, impõe a conclusão que a queda se deveu ao segundo toque desferido pelo arguido: como constata o tribunal, pese embora a posição de risco em que se colocou a vítima, o desequilíbrio só ocorre quando se dá a acção do arguido (o segundo "toque").

(xii) Perante a força probatória das imagens do vídeo que permitiram ao julgador analisar detalhadamente a queda de que resultou a morte da vítima nenhuma dúvida razoável se Ihel impunha, pelo contrário sustentam plenamente a convicção a que chegou.

(xiii) A afirmação do arguido que a queda se dá por se tratar de uma manobra de saída do corrimão esquece-se que o GG não esboçou gesto algum que pudesse ser interpretado dessa maneira, além de que o patamar não estava a escassos centímetros mas a metros do ponto da queda e era impossivel que a vítima, na posição em que estava, não tivesse uma percepção da altura a que estava o piso onde veio a embater.

(xiv) Ao contrário do que pretende o arguido, que na determinação da medida concreta da pena, que pretende excessiva, o tribunal sobrevalorizou o impacto social do caso, a decisão mencional o impacto social como uma das circunstâncias que exacerbam as exigências de prevenção geral e especial a par da violência das consequências da acção do arguido (morte) e a idade da vítima (17 anos), aplicando a pena de prisão em detrimento á de multa face à gravidade da situação.

(xv) Relativamente ao julgamento na praça pública decorrente da divulgação do vídeo e entrevistas de "familiares" da vítima, insinuado pelo arguido, a verdade é que os assistentes nunca falaram publicamente acerca da morte do filho, remetendo-se ao silêncio, não deram entrevistas, nem são responsáveis pela divulgação do vídeo, à qual são totalmente alheios.

(xvi) Aceitando-se que as necessidades de prevenção especial sejam mais moderadas do que as de prevenção geral, não deixa de ser desajustada uma pena de substituição para uma conduta que contribui decisivamente para a ofensa ao bem supremo tutelado pelo ordenamento jurídico-penal: a vida humana.

(xvii) Sendo certo que a pena de prisão será a única capaz de expressar o juízo de censura imposto pela gravidade da consequência, é em sede de fixação do quantum concreto que o tribunal pode temperar aquela adequando-a às circunstâncias do caso, pelo que se justifica a medida concreta da pena de seis meses de prisão situada no sexto inferior da moldura penal abstracta que prevê até três anos de prisão, suspensa na sua execução em atenção às circunstâncias pessoais do arguido, pelo que, além de mitigada, se mostra justa e adequada às circunstâncias do caso concreto, devendo ser mantida.

(xviii) Na fixação da indemnização do dano morte, o tribunal não tem que atender à existência de repartição de culpas, que só revelará para efeitos da condenação a proferir a final, devendo tão-somente valorar a lesão sofrida, o que se concretiza pela atribuição de um valor patrimonial adequado ao valor vida.

(xix) Concretizando o valor adequado, o tribunal recorrido atendeu à circunstância pessoal do falecido (idade e consequente expectativa de vida e inserção familiar e social) valorada num juízo equitativo que se traduziu numa quantia monetária achada num intervalo de valores mínimos e máximos ("baliza") decorrentes da jurisprudência mais recente, prevenindo a ideia que o valor indemnizatário correspondeu ao livre arbítrio do julgador.

(xx) A afirmação do arguido de que os danos não patrimoniais dos demandantes são excessivos e devem ser diferenciados é suportada apenas pela transcrição do depoimento da testemunha médica, acompanhada de considerações genéricas, sem contudo, explicar quais os aspectos do depoimento dos quais decorre ser excessiva a indemnização, nem concretizando qualquer raciocinio que suporte aquela conclusão, de que por esta ou aquela razão o valor é excessivo e deve ser diferenciado quanto a cada um dos demandantes.

(xxí) A refutação de valores indemnizatórios fixados pelo tribunal tem que passa pela citação da jurisprudência que, em casos semelhantes, indemnize com valores próximos dos pretendidos, impugnar a matéria provada ou alegar que não permite sustentar tais valores, dizer que estes excedem o permitido por critérios legais, ou qualquer outro argumento atendível, o que o arguido não fez, aliás, diz que os valores que reclama são consentâneas com a jurisprudência, mas não cita um único acórdão.

(xxii) Na fixação das indemnizações peticionadas pelos demandantes, o tribunal apoiou-se na matéria assente a este respeito constante dos factos provados 19 a 57 que atestam o elevado grau sofrimento psíquico causado aos demandantes pela morte do filho, a modificação da sua experiência vivencial decorrente daquele óbito, alterações de personalidade consequentes do facto, e todos os outros elementos atinentes à vida e pessoa dos demandantes consubstanciadores do dano e que justificam o direito dos demandados a serem indemnizados.

(xxiii) Tais fundamentos de facto foram valorados pelo tribunal à luz dos critérios legais a observar na fixação de indemnização por danos não materiais, achando a justa medida do valor a arbitrar aos demandantes mostrando-se, assim, a indemnização fixada na sentença adequada ao caso concreto.

TERMOS EM QUE deve ser confirmada e mantida na íntegra a decisão recorrida por ser adequada e conforme à lei.


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A Exmª Procuradora-geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer concordante com o dito pela magistrada junto do tribunal recorrido.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:


Da acusação pública/decisão instrutória:

1) No dia 16 de Dezembro de 2014, cercadas 17h25m, o arguido encontrava-se no Centro Comercial … em Setúbal, na companhia de GG, seu amigo;

2) Dirigiam-se ambos para o piso em que se situa o supermercado Jumbo que ali existe (piso 1), sendo provenientes do piso cimeiro daquele centro comercial (piso 2), tendo, para o efeito tomado as escadas rolantes junto à zona da restauração;

3) GG sentou-se no corrimão da escada rolante de que servia para descer, colocando as costas viradas para o vão da escada e ficando assim virado para o respetivo interior e colocando os pés na placa lateral da escada;

4) Desta forma GG efetuava a descida sem ter os pés assentes nos degraus, sentado no corrimão e com as costas voltadas para trás, segurando-se no corrimão com as mãos;

5) O arguido, sempre acompanhando GG, colocou-se em pé nos degraus e numa posição oblíqua em que podia ver o fim das escadas e o momento em que teria que as abandonar e a cara de GG com quem conversava;

6) Ambos desciam as escadas como se uma brincadeira se tratasse e, nesse contexto, empurravam-se um ao outro com ligeiros toques no ombro;

7) O arguido desferiu um primeiro empurrão no GG sem qualquer consequência, continuando ambos a efetuar a descida nos moldes já descritos;

8) Imediatamente em seguida, o arguido desfere novo empurrão no GG que o fez desequilibrar-se para trás;

9) Nesse plano, o tronco de GG inclinou-se para trás, fazendo-o levantar as pernas e retirar os pés da placa lateral das escadas;

10) O arguido, ao perceber que GG estava em desequilíbrio tentou ainda agarrá-lo, primeiro por um braço e quando o mesmo já estava totalmente de cabeça para baixo, com as pernas completamente esticadas, por uma das pernas, sem sucesso;

11) GG caiu no vão das escadas, embatendo no solo, no piso - 1 da citada superficie comercial;

12) GG foi transportado ainda com vida ao Hospital de São Bernardo em Setúbal, onde deu entrada pelas 18h33m;

13) Em virtude da queda descrita Diogo Montenegro sofreu várias lesões, melhor descritas no relatório de autópsia médico-legal, designadamente: a) Aponevrose epicraniana muito infiltrada por sangue na região occipital direita coexistente com ferida contusa de bordos ligeiramente afastados, oblíqua para baixo e para fora, medindo 5 cm de comprimento com infiltração hemorrágica vizinha; b) Laceração traumática da dura-máter - a nível da sutura lambdática direita, da escama direita do occipital e da fossa cerebelosa direita dirigindo-se para o andar médio direito da base do crânio acompanhando traço de fratura - hematoma sub-dural fronto-temporo-parietal esquerdo; c) Inúmeros focos de contusão no encéfalo, do tamanho de bicos e cabeças de alfinete a nível do córtex do lobo frontal esquerdo, do lobo temporal e do lobo cerebeloso ambos á direita, hematoma intra-cerebeloso esquerdo e inundação sanguínea dos ventrículos; d) Fratura da base do crânio com início a nível da sutura lambdática direita envolvendo a escama direita do occipital, dirigindo-se para a fossa cerebelosa direita e para o andar médio direito da base do crânio, depois de atravessar o buraco lácero posterior até atingir o rochedo direito e terminando no buraco grande redondo do mesmo lado coexistindo com ruturas traumáticas múltiplas da dura-má ter e hemorragia meníngea global; e) Fraturas múltiplas nas clavículas e arcos costais, com rutura da pleura visceral e laceração do lobo inferior do pulmão direito; f) Rutura da pleura parietal e visceral esquerda e direita com grande infiltração hemorrágica; g) Laceração traumática da face posterior do fígado medindo 3 x 1 cm; h) Fratura cominutiva do osso coxal direito envolvendo a fossa ilíaca, a linha inominada, a superfície articular com o sacro e ainda o ramo esquiático do mesmo lado com cominuição da articulação sacro-ilíaca direita cuja identificação de estruturas ósseas envolventes se perdeu em virtude da ascensão em bloco, da vertente ilíaca, que cursou com rutura do rolo vasculo-nervoso integrante da articulação sacro-ilíaca do mesmo lado e também das estruturas osteo-articulares, ligamentares e musculares pélvicas acessórias, tudo com grande infiltração hemorrágica vizinha e de vasto hematoma retroperitoneal inerente; e i) Fraturas cominutivas, com grande infiltração hemorrágica vizinha, das apófises transversas distais lombares direitas;

14) As referidas foram causa direta e necessária da morte de GG que ocorreu pelas 22hlOm do dia 16 de Dezembro de 2014;

15) Ao desferir empurrões em GG, quando este se encontrava sentado no corrimão da escada rolante, o arguido não atuou com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz;

16) Com efeito, o arguido tinha condições para avaliar a situação em que se encontrava GG e o perigo de queda que os empurrões criavam;

17) Apesar disso, o arguido não previu essa possibilidade e não colocou a hipótese de os referidos empurrões causarem o desequilíbrio de GG e consequentemente a queda que, necessariamente e em virtude da altura, lhe causaria a morte, como causou;

18) A falta de cuidado do arguido, do qual o mesmo era capaz, ao atuar do modo descrito contribuiu de forma decisiva, sendo causal, da queda de GG e, em consequência, da sua morte;


Factos retirados do pedido civil:

19) O falecido GG, nascido em 28/12/1996, filho dos ora assistentes DD e CC, tinha, à data da sua morte, 17 anos;

20) Era solteiro e vivia com os pais na residência destes, na Rua…

21) Havia terminado, em outubro de 2014, no ATEC - Academia de Formação (O Centro de Formação profissional da Autoeuropa e Siemens), um curso de formação profissional, em automação, controlo e instrumentação (ACI), um dos mais difíceis e conceituados cursos ministrados naquela academia;

22) Tinha planeado continuar os seus estudos na Escola Superior Tecnológica do Instituto Politécnico de Setúbal, onde pretendia matricular-se no curso 2015/2016;

23) Sendo esses planos coartados por via da sua morte;

24) Era um jovem alegre e extrovertido, sempre sorridente, fazendo amigos com facilidade, sendo procurado por amigos para a resolução de problemas;

25) Gostava de conviver e sair com os amigos, tendo de se dividir entre os diversos grupos de amigos, indo para um festival de música com uns e para o Algarve com outros;

26) Desde sempre foi um rapaz saudável, que gostava de desporto e atividade física, praticando designadamente futebol e BTT;

27) O seu falecimento deixou marcas profundas e uma dor incalculável e impossível de ultrapassar em toda a família;

28) Motivando, na família mais próxima (pais e irmão), e em especial nos progenitores profunda transformação de caráter e personalidade;

29) Na noite do falecimento, os pais e o irmão do GG foram diretamente do Hospital de Setúbal para a Policlínica …, para uma consulta de emergência com a médica homeopática que seguia a mãe, Dra. …, que nessa data começou também a seguir ambos os assistentes, os quais iniciaram medicação por efeito da morte do filho;

30) A assistente mãe, que tinha acabado de recuperar de um estrado depressivo, caiu em depressão profunda;

31) Durante as primeiras semanas após o falecimento do GG, a mãe não se levantou da cama, não reagindo a nada, não falando e praticamente não comendo, sofrendo de ataques de pânico várias vezes por dia, obrigando a uma vigilância permanente;

32) O estado da mãe era de tal forma preocupante e de tal forma evidente a incapacidade do pai a auxiliar nesse momento, que o filho mais velho do casal, HH, e a mulher, II, foram obrigados a mudar-se para a casa dos pais daquele durante algum tempo para prestar o necessário auxílio e apoio à mãe;

33) Por várias vezes, disse ao filho mais velho que ele era agora a única coisa importante que ela tinha, mas que com a morte do menor GG a sua própria vida havia já acabado nesse momento;

34) Em consequência deste quadro, por conselho médico, a assistente mãe, em data não concretamente apurada, regressou ao trabalho, de forma a manter-se ocupada e não permanecer isolada;

35) Porém, trabalhava com muitas limitações, visto que estava permanentemente medicada;

36) Durante o período em que esteve a trabalhar, voltou a ter muitas crises depressivas, sentindo que não estava capaz de trabalhar, tendo frequentemente momentos de desatenção, necessitando constantemente de ajuda de colegas para desempenhar a sua função profissional, coisa que nunca sucedeu em 10 anos de trabalho;

37) Durante o horário de trabalho, e perante as colegas, a assistente visivelmente esforçava-se por conter o choro e esconder a tristeza, o que muitas vezes não conseguia;

38) Para mais, quando o pai ainda trabalhava, ao chegar a casa do trabalho, a assistente era confrontada com uma casa vazia, em particular com o quarto do GG, bem sabendo que o filho não mais lá estaria, como acontecia antes da morte;

39) Em resultado de tudo isso, o estado depressivo da assistente foi-se agravando, complicado com as crises de ansiedade que a acometiam, quando estava sozinha em casa, pelo que foi então aconselhada a deixar novamente de trabalhar;

40) Por estar a tornar urna medicação extremamente forte, a assistente também deixou de conduzir depois de ter sofrido dois acidentes de viação;

41) Esta mesma medicação, continua hoje a causar perturbação à assistente, que alterna fases em que se sente com mais força para encarar a vida, com outras em que fica completamente abatida, sem reação a nada, querendo apenas passar dias inteiros na cama;

42) A mãe, que antes saía com amigas para lanchar ou passear, deixou de o fazer, assim como também deixou de frequentar o ginásio, onde participava em aulas de grupo várias vezes por semana, onde se divertia e convivia com pessoas com quem deixou de ter qualquer contacto;

43) O sofrimento do assistente pai, próprio da sua forma de ser, foi muito em silêncio, mas caiu num estado de melancolia e tristeza profunda e, mais tarde, desespero, quando se forçou a encarar a realidade;

44) No primeiro mês após a morte do GG, isolou-se muito de todos os familiares e amigos e passava dias inteiros no quarto do menor, onde foi já surpreendido a chorar;

45) Tal como a mãe, durante o seu horário de trabalho, tentava ocultar o seu sofrimento "colocando uma máscara" que caía mal chegada a casa e era confrontado com a realidade da ausência do filho, muitas vezes indo para o quarto do filho a chorar convulsivamente;

46) Pouco depois da mulher ter novamente deixado de trabalhar, e sentindo-se psicologicamente incapaz de, simultaneamente, enfrentar os sentimentos de dor e de perda e prestar auxílio permanente à mulher, viu-se obrigado a deixar de trabalhar, estando em casa desde novembro de 2015, após ter negociado a sua saída com a empresa em que trabalhava;

47) Porém, passa os dias em que está em casa no quarto do GG, que utiliza como escritório, mas mantendo tudo como o GG tinha;

48) A mãe, ao invés, afasta-se do quarto o mais que pode, evitando lá entrar, por não poder ver lá o GG;

49) Desde a morte do filho, os assistentes passam os dias sozinhos em casa, sem qualquer força ou motivação para empreenderem alguma atividade, excetuando a ida todos os dias, pelo menos uma vez, ao cemitério onde o GG foi enterrado, para rezarem;

50) Quando antes tinham prazer em estar com amigos e família, os assistentes praticamente deixaram de conviver, afastando-se de todos aqueles, excetuando do filho mais velho e da mulher deste, isolando-se das pessoas com quem antes se davam regularmente;

51) Deixaram de ser sócios do Clube Desportivo da … (empresa onde trabalhava a assistente), por não conseguirem participar nas atividades de grupo, festas com colegas de trabalho e outros eventos organizados por aquele;

52) Nunca se conseguiram desfazer das roupas e outros pertences pessoais do filho que guardam como forma de o manterem próximo;

53) Os sentimentos vivenciados pelos assistentes, acima relatados - letargia, melancolia, tristeza e desespero profundos agravam-se nas épocas festivas, alturas verdadeiramente penosas para a toda a família;

54) O Natal, bem como a passagem de ano, que eram alturas de alegria e convívio familiar, assombrados pelo falecimento, deixaram de ser celebrados, e deram lugar a uma profunda tristeza, à qual não é estranho o facto do dia da morte (16/12) e dia de aniversário do Diogo (28/12), se situarem nessa época;

55) Não só nas alturas festivas e naqueles dias, mas durante todo o mês de dezembro (e janeiro), aumenta o isolamento dos assistentes, que se recusam a sair de casa para não serem confrontados com a alegria própria da época, agravando-se os sintomas depressivos daqueles;

56) O Natal é passado a quatro, com o seu filho Hugo e com a mulher deste que, para além de darem todo o apoio possível àqueles, deixaram de festejar o Natal com outros familiares, juntando-se aos assistentes num frugal jantar e almoço de família, onde inevitavelmente surgem momentos de choro, mesmo quando se consegue evitar qualquer menção ao falecimento do GG;

57) Tudo o atrás relatado foi ocasionado ou potenciado pelo falecimento do GG;


Do enquadramento vivencial e aspetos de personalidade do arguido:

58) O arguido é estudante, encontrando-se a frequentar o 11.º ano de escolaridade;

59) Não assume qualquer rendimento ou património em seu nome;

60) Vive com os pais, em casa própria destes;

61) Os progenitores do arguido encontram-se ambos desempregados;

62) O arguido é visto por familiares e amigos como indivíduo introvertido, calmo e pacato;


Do passado criminal do arguido:

63) Do CRC do arguido nada consta.

***

B.1.2 - Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos:

(…)


*

B.1.3 - E apresentou como motivação da decisão de facto os seguintes considerandos:

(…)


***

Cumpre conhecer.

Sabe-se que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

O arguido no seu recurso suscita as seguintes questões:

a) Erro na subsunção dos factos provados ao direito – conclusões 3ª a 11ª;

b) Erro de julgamento quanto aos factos 8, 15, 16, 17 e 18, que devem ser dados como não provados – conclusões 12ª a 24ª;

c) Violação do princípio do in dubio pro reo – conclusões 25ª a 30ª;

d) Escolha do tipo de pena e seu regime de execução – conclusões 31ª a 36ª;

e) A quantificação dos danos cíveis – conclusões 37ª a 50ª.

O conhecimento destes pontos é ordenado, por exigências metodológicas, com início em b), seguindo-se c), a), d) e e).


*

B.2 - O recorrente cumpriu os ónus processuais referidos pelo artigo 412º, nsº 3 e 4 do C.P.P., designadamente: a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (factos provados 8º, 15º a 18º); a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (depoimentos de EE e FF); e a indicação por transcrição das concretas passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364).

A isto acresce a argumentação quanto ao visionamento do video do ocorrido.

É sabido que, cumpridos estes ónus de carácter processual, o recorrente terá que indicar as razões que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto e não apenas que permitam uma diversa apreciação da matéria de facto. A razão é clara: o recurso não é um novo julgamento, sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada.

Ora, este requisito substantivo da impugnação da matéria de facto não se mostra minimamente cumprido.

É que uma verdade se impõe: as testemunhas indicadas nada sabem porquanto não assistiram aos factos.

Limitaram-se as testemunhas a referir um mesmo episódio ocorrido anteriormente na vinda de um festival MEO-Sudoeste em que o GG se terá sentado num muro à beira de um penhasco litorânio em localidade não indicada, daí retirando que o mesmo teria uma personalidade “mais afoita”.

Muito pouco para se admitir – e apenas – que outra versão seria possível. A imposição de uma outra apreciação probatória torna-se, desta forma, algo de inalcançável.

O que se confirma pelo simples visionamento dos fotogramas e do video do ocorrido, no qual a imputação do facto “desiquilibrio” causador da queda é patente, sendo as afirmações do recorrente nas suas conclusões sobre o “toque”, a brincadeira e as sugestões sobre comportamento adolescente, “culpa da vítima” por se “deixar cair (conclusão 14) e que a mesma deveria ter “reacção a eventual desiquilibrio” (conclusão 16), mera construção teórica – para dizer o mínimo - sem ligação ao real pertinente: o GG caiu porquanto o arguido o desequilibrou; tal queda causou-lhe a morte.

Resulta do disposto no art. 431º, b), do Código de Processo Penal, que havendo documentação da prova, como no caso se verifica, a decisão do Tribunal de 1ª instância só pode ser modificada se esta tiver sido impugnada, nos termos do art. 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Tal impugnação ocorreu no caso em apreço mas a substância da pretensão é claramente improcedente. E tal ocorre quer nas conclusões, quer nas motivações que as suportam.

É, pois, improcedeente este motivo de inconformidade do recurso.


*

B.3 – A violação do princípio do princípio in dubio pro reo.

A invocação do recorrente assenta na ideia de que ocorre violação do princípio na medida em que entende que o tribunal deveria ter permanecido em dúvida quanto à imputação dos factos ao arguido.

É de louvar a clareza do recurso do arguido quando afirma – conclusão 26ª - que “O Principio do in dúbio pro reo pode ser aplicado, enquanto regra de apreciação da prova no âmbito do dispositivo do art. 127.° do Código de Processo Penal”.

É sabido que neste ponto é costume da praxis judicial portuguesa usar o princípio in dubio pro reo para nele integrar três realidades quando se invoca este princípio: confundir o princípio com uma regra de apreciação de concretos meios de prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P.; confundir o princípio com o standard probatório necessário à condenação.

Essas duas, a que acresce a plena - mas restritiva, face a esta visão - operatividade do princípio, são três coisas distintas.

Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum. Aqui não há metodo dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução.

A final do labor anteriormente referido, o princípio in dubio pro reo impõe ao tribunal que, na dúvida, favoreça o arguido quando formula uma apreciação racional sobre o acontecer naturalístico, no caso de se não ter a certeza sobre esse acontecer.

O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997. Essa «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal». Ac. STJ de 25-10-2007, in proc. 07P3170, relator Cons. Carmona da Mota, citando a autora anteriormente citada.

Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe, assim, um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto.

Por fim, quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de deteminada forma, não de outra.

Isto é, e neste breve e superficial excurso sobre o tema, o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:

- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;

- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;

- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados.

A diferenciação destas situações provoca na praxis judicial, ao que parece, alguma perplexidade. O que não é de espantar já que a matéria do standard probatório da convicção judicial não é matéria que preocupe sobremaneira a doutrina e a jurisprudência portuguesas e alastrou a ideia de que o princípio in dubio pro reo é o “abre-te Sésamo” do processo penal.

No fundo, a essência da insatisfação do recorrente é: será o juízo obtido pelo tribunal recorrido suficiente para uma condenação penal? O que centra a discussão no que seja a certeza judicial exigível para uma condenação penal.

E ela é expressa em duas frases que se entendem não permitirem melhor explanação, a continental europeia “probabilidade que roça a certeza” e a anglo-saxónica “beyond reasonable doubt”, ambas expressando idêntica realidade, o mais exigente standard de prova.

Ambas exigem a formulação de um juízo que deve assentar em elementos concretos, objectivos, existentes no processo e que conduzam a um elevado grau de probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e não de outra.

Ora, no caso nem há dúvidas sobre o real acontecido nem sobre o juízo de certeza judicial a formular sobre a imputação do facto, sobre a ideia de que foi uma acção do arguido que provocou a morte do Diogo, o provocar-lhe o desequilíbrio que levou à queda.

Assim, naufraga este fundamento de inconformidade.


*

B.4 – O Erro na subsunção dos factos provados ao direito.

O arguido foi condenado como autor material e sob a forma consumada de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n. 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

Afirma o recorrente de que há erro de subsunção ao direito.

A base da sua afirmação assenta na ideia de que o arguido não representou ou previu o perigo que da sua conduta poderia advir já que comportamento idêntico assumido anteriormente (toque) não havia produzido qualquer resultado, ou seja, a queda do GG. Mais invoca que se não demonstra que tivesse actuado de forma diversa à forma como qualquer outro adolescente actuaria. Teria, pois, agido sem culpa.

É sabido que a adolescência se caracteriza pelo comportamento dito adolescente, querendo com tal significar-se um comportamento imprevisível e imaturo. Mas é também sabido que a imprevisibilidade e imaturidade comportamental não é causa de exclusão da culpa.

E a ordem jurídica portuguesa estabeleceu a imputabilidade penal aos 16 anos, confirmação de que assume como correcto que um cidadão aos 16 anos tem livre arbítrio é responsável pelas suas acções. Portanto, tendo o arguido 16 anos à data dos factos é imputável e consciente das responsabilidades dos seus actos.

E já afirmava Aristóteles que todos somos livres de atirar a pedra e que deixamos de o ser depois de a atirarmos. Que é como quem diz, somos donos do nosso comportamento e responsáveis pelas suas consequências. E tanto assim é que as imagens video do ocorrido são bastante claras quanto à consciência que o arguido teve quando viu o GG caído: no imediato, abandonou o local – como bem referido pelo tribunal recorrido. Isto demonstra a consciência e a previsibilidade. E o tal nexo psicológico.

Mas nem tal seria necessário pois que é do conhecimento – e da consciência – de qualquer um, que um corpo em desiquilibrio cai. E a “brincadeira adolescente” estava precisamente aí: o provocar o desiquilíbrio para provocar a queda.

É também do conhecimento de qualquer um que uma queda desamparada de uma dada altura pode provocar a morte. Assim como nem necessita de demonstração a ideia de que quem provoca um desequilíbrio pretende a queda. Assim, o ter havido mais do que um toque – houve dois como decidido pelo tribunal recorrido com confirmação video e não uma sucessão de toques indeterminada ou plúrima, como sugerido pelo recorrente - nem é causa de exclusão, nem de atenuante: é a agravante geral de quem persistiu na intenção de causação de um resultado perigoso, a queda.

O nº 1 do artigo 137º, dispõe que, “Quem, por negligência, causar a morte de outrem será punido com prisão até 2 anos”. Revela-se-nos, com tal normativo, um crime negligente comum e material, com ocorrência do resultado típico, a morte de outrem. E ocorreu uma violação de um dever objectivo de cuidado e, ao menos, mera previsibilidade do tipo (possibilidade de prever) - negligência inconsciente – tal como decidido pelo tribunal recorrido.

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B.5 – A Escolha do tipo de pena e seu regime de execução.

Recordemos que o recorrente foi condenado como autor material, sob a forma consumada, de 1 crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137°, n. 1 do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1, sujeita a regime de prova, “ainda se consignando a aplicabilidade do Regime Especial para Jovens, aprovado pelo DL n. 401/82, de 23 de Setembro”.

O recorrente insurge-se contra tal e propõe em alternativa – nas suas conclusões 33ª a 35ª - uma pena de multa «ao invés de uma pena de prisão, sempre estigmatizante e psicologicamente marcante, SMO, desadequada, in casu», asseverando que «não poderá, como foi, sopesada a vertente mediática do caso em apreço, situação que não foi originada pelo arguido, manifestamente provocada com o intuito de "condenar o arguido na praça pública», argumentando ainda com a necessidade de contrariar «a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora».

O que está em causa no entender do recorrente é, pois e apenas, a opção pela pena de prisão e não pela pena de multa. Verificamos que a pena imposta se situa no sexto da moldura abstracta, apenas 5 meses acima do mínimo e muito longe dos 36 meses de máximo abstracto.

Em bom rigor o recorrente não junta argumentação a partir da pena aplicada no sentido da racionalidade da alteração da pena escolhida pelo tribunal recorrido ou irracionalidade dos critérios seguidos, para além de que a mesma é estigmatizante e psicologicamente marcante, características de qualquer pena, para mais quando a mesma não é executada e se determina um regime de suspensão muito marcado pela situação do próprio recorrente, com um regime de prova virado para o seu acompanhamento psicológico.

Ora, o tribunal recorrido sustentou-se, em sede de prevenção especial de socialização, nos seguintes critérios:

- Enquanto atenuantes gerais: na idade do arguido, à data dos factos (16 anos); o contexto da sua atuação do arguido (em quadro de "brincadeira" em que também intervinha o ofendido); na repartição de culpas face à posição do ofendido; na postura de sofrimento evidenciada pelo arguido após os factos; no quadro de inserção social, familiar e académico do arguido; na ausência de passado criminal. Enquanto circunstâncias agravantes gerais: na gravidade das consequências ocasionadas pela sua atuação; na ausência de plena confissão dos factos.

- E quanto às exigências de prevenção geral e especial ponderou a “violência das consequências da ação do arguido e idade do falecido, o impacto social que os factos mereceram (sendo divulgados em vários meios de difusão comunicacional), considerando a multa, “insuficiente face à gravidade da situação, fazendo-se impor a aplicação de pena de prisão”.

Estes critérios – com excepção de um deles - são intocáveis no seu acerto e demonstram mais uma preocupação com o recorrente e menos uma reacção, com gravame, em função do peso mediático dos factos. Dito de outra forma: trata-se de pena tolerante, onde o impacto psicológico é esperado no sentido da consciencialização do erro, mas onde a vertente psicológica é acautelada pelo acompanhamento imposto.

Afirma o recorrente que a sociedade tem «a percepção … de que a sanção pecuniária não é dissuasora». É uma verdade insofismável que não podemos negar e, por isso, tem que ser encarada como critério inultrapassável.

O único critério que não pode funcionar, menos ainda como agravante, é o de ausência de confissão. Percebemos o tribunal recorrido, mas a redacção dada ao critério não se pode sustentar. A considerar tal isso revelaria uma violação do privilégio contra a auto-incriminação. Ou o silêncio – quanto à assunção dos factos como próprios – a assumir uma tonalidade agravante.

Nós concordamos com uma leitura diversa e provavelmente terá sido isso que motivou a afirmação: a de que a confissão integral e sem reservas pelo arguido teria funcionado como uma atenuante de relevo. Mas essa ideia não permite a ideia contrária, que a ausência de confissão deva ser critério adequado quanto à escolha e medida da pena.

Terá isto reflexo na medida concreta da pena? Entendemos que não pois que a pena imposta é por si tolerante e os factos e os critérios expostos pelo tribunal recorrido demonstram que a pena aplicada se contém na culpa do arguido, ora recorrente.


*

B.6 – A quantificação dos danos cíveis.

O pedido cível deduzido foi considerado procedente parcialmente e foi condenado o arguido/demandado a pagar aos ofendidos «a importância de 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais (dano morte/vida) e, a cada um daqueles, 15.000,00 € (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, num total de 67.500,00 € (sessenta e sete mil e quinhentos euros)…».

Para chegar a tais valores considerou o tribunal o dano morte no valor de 75.000,00 € e quanto aos danos não patrimoniais o valor indemnizatório de 30.000 € (trinta mil euros) para cada um dos demandantes (num total de €60.000,00). Mas, tendo ocorrido repartição de culpas no sinistro quantificável em 50% para cada um dos intervenientes quantificou a indemnização a título de danos patrimoniais (dano vida/morte), em 37.500,00 € (trinta e sete mil e quinhentos euros) e, a título de danos não patrimoniais, em 15.000,00 € (quinze mil euros) em favor de cada um dos demandantes, sendo assim o valor total da indemnização a cifrar em 67.500,00 € (sessenta e sete mil e quinhentos euros).

Já o recorrente entende nas suas conclusões 41ª a 49ª que quanto ao dano morte, o montante da indemnização a arbitrar não deverá exceder os 60.000,00 €, no que concerne aos danos morais os valores de 15.000,00 € para a demandante e 10.000,00€ para o demandante, num total de 25.000,00 €, na proporção de metade, a suportar pelo demandado. Operando a repartição de culpas, a título de danos patrimoniais (dano vida/morte), em €30.000,00 (trinta mil euros) e, a título de danos não patrimoniais, em €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a favor da demandante e €5.000,00 (cinco mil euros) a favor do demandante, num valor total da indemnização a cifrar em € 42.500,00 (quarenta e dois e quinhentos euros).

Já este tribunal entende que a corrente jurisprudência sobre a quantificação do dano perda de vida é manifestamente pobre pois que substancialmente inferior à quantificação existente antes da vigência do euro para os casos de acidentes de viação e, hoje, tal dano em iguais circunstâncias - isto é, em presença de companhias de seguros, notoriamente capazes de suportar indemnizações justas para os lesados – nunca deve ser inferior a 100.000,00 €, mesmo assim em valor inferior ao habitualmente arbitrado em vigência do escudo, cujos valores já eram superiores ao dobro do indicado valor.

No caso concreto, em que temos de ponderar a situação económica de ambos os intervenientes, o valor arbitrado apenas se pode qualificar como equilibrado. E não há razão para o baixar.

O mesmo se diga quanto aos danos não patrimoniais já que o valor arbitrado também atendeu à dita jurisprudência reducionista pós euro, já que o dano foi quantificado pelo tribunal recorrido em 30.000,00 € por cada lesado (um valor correspondente aos anteriores 6.000 contos), aceitável precisamente pela sittuação económica do lesante, para ressarcir um dano que um progenitor pode valorizar mais que a sua própria vida.

E aqui vale dizer que não se descortina qualquer razão para diferenciar valores ressarcíveis a cada um dos progenitores, nem qualquer facto resultou provado que indicie sequer o alheamento de qualquer deles do sofrimento causado pela morte de um filho.

Resta acrescentar que a argumentação do recorrente não é aceitável quanto ao valor do dano perda de vida pois que o mesmo opera por duas vezes o mesmo critério quantitativo de repartição de culpas, desde logo na quantificação do dano onde afirma que «quanto ao dano morte, o montante da indemnização a arbitrar não deverá exceder os 60.000,00 €, atento grau de culpabilidade do agente, dos meios financeiros de que dispõe e, no caso, à dada como provada contribuição da vítima na produção do resultado

Após a quantificação de todos os danos o recorrente volta a operar a repartição de culpas de 50%, o que nos parece inaceitável.

Quanto aos danos não patrimoniais invoca o recorrente que «não foi sopesado, como deveria, o depoimento da psiquiatra que assistiu o demandante e assiste a demandante» pois que a demandante “já padecia de doença do foro psiquiátrico, já estava impedida de exercer a sua actividade profissional por causas físicas e que o ocorrido não é determinante para a situação clinica da demandante” e relativamente ao demandado “resultou deste depoimento que apenas teve necessidade de intervenção médica por uma única vez, por dificuldades em conciliar o sono”.

Quer-nos parecer que, no caso da demandante, estamos a tratar de coisas diversas pois que uma coisa é uma doença do foro psiquiátrico e suas causas, diferente é o sofrimento pela morte de um filho. A existência da doença não impede o sofrimento, nem se demonstra que não exista sofrimento devido à doença, o que só ocorreria se a doença provocasse a inconsciência ou a inabilidade para a demandante se aperceber da realidade.

E quanto ao demandante impõe-se recordar que o sofrimento não se mede em horas de insónia. Percebe-se a argumentação do recorrente, mas o sofrimento é coisa íntima, na esfera da privacidade mais profunda, o homem consigo próprio, tanto que a sua existência se presume, não havendo – como não há – factos que demonstrem a indiferença pela sorte do filho.

Improcedentes, pois, as razões de inconformidade recursal.


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C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 08 de Março de 2018
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso