Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1169/13.0TBSTR-J.E1
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS PRÓPRIOS
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ATRIBUIÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 12/21/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Não pode ser atribuída a casa de morada de família ao ex-cônjuge que dela é o exclusivo proprietário.

II – Só o ex-cônjuge que pretende que lhe seja atribuída a casa de morada de família pode formular tal pedido.

III – Na ausência de acordo e sendo a casa de morada de família propriedade exclusiva de um dos ex-cônjuges, ao outro apenas pode ser a mesma atribuída através da constituição de uma relação de arrendamento.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

AA propôs contra BB acção especial para atribuição da casa de morada de família.

Alegou, em síntese, que: foi casada com o requerido durante mais de 20 anos e dele teve dois filhos; a família vivia num imóvel propriedade da requerente, até que o casal se separou, tendo o requerido permanecido no imóvel; a requerente e o filho menor – cuja guarda lhe foi atribuída – têm residido em casas cedidas gratuitamente por amigos; essa situação já não pode manter-se; por razões financeiras e de saúde, a requerente necessita que lhe seja atribuída a casa que foi morada de família; o requerido dispõe de outra casa com condições de habitabilidade.

Concluiu, pedindo que lhe seja atribuído o direito a habitar a casa de morada de família ou, subsidiariamente, que seja fixada a renda mensal de 450,00€ a pagar pelo requerido à requerente pela utilização da casa.

Malograda a tentativa de conciliação, veio o requerido contestar, dizendo, em resumo, que: a casa de morada de família é bem comum do casal, tendo sido construída com fundos do casal em terreno pertencente à requerente; foi a requerente que abandonou a casa de morada de família, deixando os dois filhos a viver com o pai; ainda hoje o filho mais velho habita com o requerido e o filho mais novo consigo habitou até inícios de 2018; a partir daí, passa com o requerido períodos diversos; o requerido não tem outra habitação, nem tem meios para comprar ou arrendar casa; o valor de mercado da renda da casa de morada de família é inferior a 125,00€ mensais.

Concluiu pela improcedência do pedido formulado pela requerente e requereu que lhe fosse atribuída a casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal.

Instruída a causa e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que atribuiu a casa de morada de família ao requerido, mediante o pagamento à requerente da compensação mensal de 50,00€ e devendo suportar as despesas com gás, água e electricidade.

A requerente interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Não foram apresentadas contra-alegações.


*

A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:

1. A Requerente e o Requerido foram casados um com o outro, tendo contraído casamento em …1994, sem convenção antenupcial.

2. Posteriormente celebraram casamento católico em …1995, na freguesia de Alcanede, concelho de Santarém.

3. Na constância do casamento nasceram dois filhos: CC, nascido a …1998, na freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém, e DD, nascido a …2006, na freguesia de S. Nicolau, concelho de Santarém.

4. Consta inscrito a favor da Requerente, no estado de casada com o requerido, a aquisição por partilha de herança do prédio misto sito em Valverde, inscrito na matriz predial urbana da freguesa de Alcanede, concelho de Santarém sob o artigo …, constante de casa de rés-do-chão com dependências e logradouro destinada à habitação, e inscrita na matriz predial rústica sob o artigo … da dita freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ….

5. Sobre o prédio referido em 4. consta averbada a constituição de hipoteca, para garantia de contrato de mútuo com o valor de capital de € 25.000,00, a favor do Banco BPI, S.A., Ap. 5 de …2002.

6. Requerente e Requerido celebraram no dia 16-09-2002 com o Banco BPI, S.A. contrato de mútuo com hipoteca, no valor de € 25.000,00, para obras de beneficiação da parte urbana do prédio anteriormente referido, o qual destinaram a habitação própria permanente.

7. Requerente e Requerido, enquanto casados, fixaram residência no imóvel identificado em 4. e aí viveram com os dois filhos até à separação, em …2013.

8. O casamento foi dissolvido por sentença proferida a …2015, tendo o Requerido permanecido a residir na habitação.

9. Desde a separação em 30-03-2013 o menor DD esteve à guarda e cuidados do requerido, fixada a residência com o pai por sentença de …2014, no apenso A, determinando o pagamento de pensão de alimentos pela requerente mãe da quantia de € 75,00 mensais para cada menor, DD e CC, e contribuiria no pagamento de metade das despesas médicas, medicamentosas e escolares destes.

10. O exercício das responsabilidades parentais relativo ao filho menor foi alterado no apenso de alteração, por acordo dos progenitores, homologado por sentença datada de …2018, transitada em julgado, Apenso F, no âmbito do qual o menor DD passou a ficar à guarda e a residir com a mãe, fixando uma pensão de alimentos ao pai no valor de € 50,00.

11. Ficou ainda estipulado que o menor estaria os fins-de-semana com o pai, exceto no primeiro fim-de-semana que passaria com a mãe, e estaria a primeira quarta-feira de cada mês com o pai, onde jantaria e pernoitaria em casa do pai.

12. O filho CC permanece a viver com o pai.

13. A Requerente vive com o companheiro e o filho menor numa casa sita na Rua …, Alcanede, propriedade de ….

14. Vive nesta casa por empréstimo do seu proprietário, não pagando renda.

15. O proprietário comunicou à Requerente que necessita da casa e falou com a Requerente e com o seu companheiro, …, para saírem.

16. A Requerente paga as prestações mensais referentes à amortização do empréstimo contraído, em 16-09-2002, para obras de remodelação na casa de morada de família.

17. A Requerente paga todos os encargos/despesas associados ao referido empréstimo, como os seguros e paga também o IMI.

18. O Requerido vive com reforma de invalidez, auferindo a quantia mensal de €297,00.

19. O Requerido é titular da herança indivisa de:

a. Da herança de …, progenitor do requerido, constam:

i. O prédio urbano, sito na freguesia das Viegas, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da dita freguesia, pertença da herança de …, falecido pai do Requerido, Rua …, residência e casa de morada de família de seu irmão …, há mais de quarenta anos.

ii. Este prédio é contíguo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da aludida freguesia de Viegas, pertença da herança de …, Rua …, onde reside atualmente a mãe do Requerido – … - e seu irmão …, solteiro, com 56 anos idade e desempregado de longa duração.

iii. Dois prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos … e …, freguesia de Alcanede.

b. Da herança de …, avó paterno do requerido, consta:

i. Prédio urbano, sito na Rua …, em Viegas, em ruínas, cujo artigo matricial se desconhece (o falecido pai do Requerido teve oito irmãos, alguns deles já também falecidos).

c. Da herança dos avós maternos do requerido, consta:

i. Casa em …, em ruínas, construída em terreno camarário.

20. A Requerente é titular da herança indivisa de …, progenitor da requerente, conjuntamente com o irmão, de onde constam:

a. Dezassete prédios rústicos, inscritos na matriz sob os artigos: …, todos da freguesia de Alcanede;

b. Um prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo … da freguesia de Alcanede, concelho de Santarém;

c. Depósitos bancários no valor total de € 16.054,35;

d. Outros valores mobiliários no valor de € 10.191,89.

21. O prédio urbano referido em 20.b corresponde à casa onde residia o pai da requerente e pertence ao seu irmão. A requerente ficou com o imóvel objeto dos autos que fazia parte da herança aberta por óbito de seu avô materno …, conforme escritura já junta aos autos e ficou acordado que a casa onde residia o pai de ambos ficaria para o seu irmão, o que aconteceu, embora ainda não tenha sido realizada escritura.

22. Por escritura pública de 25-10-2021, a Requerente e o irmão venderam o prédio rústico artigo … da freguesia de Alcanede-Santarém, pelo valor de €62.730,00.

23. A Requerente encontra-se de baixa médica vai fazer cinco anos em abril de 2023, e aufere de subsídio €806,00.

24. Quando se encontra ao serviço aufere o salário bruto no montante de €913,00.

25. O companheiro aufere €400,00 de pensão de reforma.

26. Têm um caprino que é de estimação.

27. Tem dívidas a particulares, contraídas depois do ano de 2013 não sabendo precisar o montante em dívida.

28. Comprou um carro há menos de 5 anos faltando pagar cerca de €3.000,00.

O 1º grau entendeu que não se provou que:

i. O Requerido tem em … uma casa, deixada por óbito de seu pai, que se encontra devoluta e em boas condições de habitabilidade.

ii. A Requerente tem três cabras, coelhos e galinhas e, como a casa que habita não tem espaços destinados aos animais, tem-nos na propriedade de um amigo em ….

iii. A Requerente é dona e legítima proprietária do prédio sito em …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia …, concelho de Santarém sob o artigo …, afeto a habitação, com entrada pela Rua … e inscrita na matriz predial rústica sob o artigo … da dita freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº … e aí inscrito a favor da Requerente.

iv. A Requerente tem três cabras, coelhos e galinhas e, como a casa que habita não tem espaços destinados aos animais, tem-nos na propriedade de um amigo em Pé da Pedreira.

v. O pai da Requerente vive em …, próximo da casa referida supra em 3º, é pessoa que, embora resida ainda sozinho, é doente, sentindo a Requerente a obrigação de lhe prestar cuidados que a obrigam a deslocar-se quase diariamente de … a ….

vi. O Requerido usa e utiliza não só a casa como todo o terreno, os currais, o telheiro e colhe todos os frutos.

vii. O valor da renda de uma casa com o mesmo número de divisões da casa onde reside o Requerido, com a área de terreno envolvente e com todas as utilidades e frutos que se podem retirar ascende a, pelo menos, 450,00 €.

viii. Atento à pensão de alimentos que a mãe entregava ao pai, foi acordado verbalmente entre ambos que o valor do empréstimo mensal atualmente em € 94,92, acrescido de juros, o que totaliza o montante de € 122,77, nos termos do contrato de mútuo contraído junto do B.P.I. com vista a construção da casa morada de família seria paga apenas pela Requerida, bem como o competente imposto municipal sobre imóveis.


*

I – A primeira questão a tratar respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A) Pretende a apelante que ao ponto 4. dos factos provados se acrescente a menção do regime de bens do casamento de requerente e requerido.

Já resultava do ponto 1. dos factos provados e do disposto no artigo 1717º do Cód. Civ. que requerente e requerido eram casados no regime da comunhão de adquiridos.

Em todo o caso, consta efectivamente da certidão do registo predial (fls. 11 e 12) que fundamentou a prova do ponto 4. dos factos provados o regime de bens do casamento. O rigor aconselha, assim, a alteração pretendida pela apelante.

Pelo que o ponto 4 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

4. Consta inscrito a favor da Requerente, no estado de casada com o requerido no regime de comunhão de adquiridos, a aquisição por partilha de herança do prédio misto sito em …, concelho de Santarém sob o artigo .., constante de casa de rés-do-chão com dependências e logradouro destinada à habitação, e inscrita na matriz predial rústica sob o artigo … da dita freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº ….”.

B) Considera a apelante que a alínea iii) dos factos não provados deve, antes, ser tida por provada, mercê da presunção contemplada no artigo 7º do Cód. Reg. Predial e da inscrição a que alude o ponto 4. dos factos provados.

Sucede que a alínea em causa traduz matéria jurídico-conclusiva, como desde logo aponta a fundamentação exposta pela apelante com o objectivo de alterar a decisão sobre a matéria de facto.

No ordenamento processual pretérito, o juiz selecionava, de entre os factos alegados pelas partes, os que se mostrassem relevantes para a decisão da causa (segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito) e considerava-os como assentes ou controvertidos, consoante se achassem ou não dispensados de prova (artigos 264º nº 1 e 511º nº 1 do Cód. Proc. Civ.). A instrução incidiria sobre os factos controvertidos e a final decidiria o juiz quais os que considerava provados ou não provados (artigos 513º e 653º nº 2 do Cód. Proc. Civ.).

Quando, em vez de factos, o juiz submetia à prova juízos conclusivos ou de valor – e na ausência de preceito que directamente estabelecesse a respectiva consequência – devia considerar-se não escrita a resposta que incidia sobre aqueles juízos por aplicação analógica do disposto no nº 4 do artigo 646º do Cód. Proc. Civ. - cfr. a propósito numerosa jurisprudência, de que se cita, a título exemplificativo, Ac. STJ de 9.10.03, in http://www.dgsi.pt.JSTJ000, Proc. nº 03B1816 e Ac. STJ de 15.1.04, in http://www.dgsi.pt.JSTJ000, Proc. nº 03B1816.

Não obstante inexistir no actual Código de Processo Civil disposição de conteúdo idêntico ao referido nº 4 do artigo 646º, a solução do problema continua a mesma.

Com efeito: subsiste a distinção entre matéria de facto e matéria de direito (artigo 5º do Cód. Proc. Civ.), são os factos que continuam a constituir o objecto da instrução (artigos 341º do Cód. Civ. e 410º do Cód. Proc. Civ.) e, consequentemente, apenas eles podem ser considerados provados ou não provados, sendo sobre o conjunto dos primeiros que a sentença aplicará as pertinentes normas jurídicas (artigo 607º do Cód. Proc. Civ.).

No sentido exposto, vd. os Ac. STJ de 14.1.16 e de 13.11.14, in http://www.dgsi.pt, respectivamente, Proc. nº 1391/13.9TTCBR.C1.S1 e 444/12.5TVLSB.L1.S1.

Consequentemente, a questão da titularidade do direito de propriedade sobre o imóvel não pode ser considerada provada ou não provada, tendo o seu assento na análise jurídica da causa.

Declaramos, pois, não escrita a alínea iii) dos factos não provados.

C) Importaria prosseguir com a reapreciação do ponto 9 dos factos provados e com as alíneas vi) e vii) dos factos não provados, não fosse a inutilidade de tal reapreciação.

É que, como adiante demonstraremos, à solução jurídica do presente procedimento são indiferentes as alterações da matéria de facto pretendidas pela apelante.

E, assim, a reapreciação do julgamento de facto que o tribunal a quo levou a cabo quanto aos referidos pontos revela-se inútil e, consequentemente, prejudicada (artigo 608º nº 2 do Cód. Proc. Civ., aplicável ex vi do disposto no artigo 663º nº 2 do mesmo diploma).

Neste sentido, Ac. STJ de 27.1.05, RP de 19.5.14 e RC de 18.3.14, 21.1.14 e 24.4.12, in http://www.dgsi.pt, respectivamente, Proc. nºs 04B3832, 2344/12.TBVNG-A.P1, 1157/10.8TJCBR.C1, 1117/09.1T2AVR.C1 e 219/10.6T2VGS.C1.

II – A segunda questão a resolver prende-se com o mérito da causa.

A) Sem prejuízo dos acordos que os cônjuges/ex-cônjuges (por facilidade de expressão, passaremos a mencionar apenas a expressão “cônjuges”) entendam fazer quanto à designada atribuição da casa de morada de família, só existem duas formas de proceder judicialmente a tal atribuição: as previstas nos artigos 1105º e 1793º do Cód. Civ..

Na primeira, em que a casa de morada de família foi arrendada por um ou ambos os cônjuges, antes ou depois do matrimónio, a posição de arrendatário sedimenta-se num deles, por concentração ou transmissão, consoante se trate do cônjuge arrendatário ou do cônjuge não arrendatário.

Na segunda situação, em que – considerando as hipóteses de longe mais comuns - a casa de morada de família é própria de um dos cônjuges, compropriedade de ambos ou faz parte do património conjugal ainda não partilhado, a atribuição daquela ocorre mediante a constituição de um arrendamento a favor do cônjuge não proprietário, no primeiro caso, ou a favor de qualquer um dos cônjuges, nos restantes.

B) Não sendo a casa de morada de família destes autos arrendada, importa saber se é propriedade da requerente, como esta defende, ou bem comum do ex-casal, como pretende o requerido.

Não foi celebrada convenção antenupcial (ponto 1. dos factos provados), pelo que o regime de bens do casamento entre as partes é o da comunhão de adquiridos (artigo 1721º do Cód. Civ.). O imóvel que constituiu a casa de morada da família foi adquirido pela requerente na constância do casamento por via sucessória, pelo que está excluído da comunhão conjugal (ponto 4. dos factos provados e artigo 1722º nº 1-b) do Cód. Civ.).

A aquisição do prédio está inscrita a favor da requerente (ponto 4. dos factos provados), gozando esta da presunção constante do artigo 7º do Cód. Reg. Predial

Alegava o requerido que a casa de morada de família tinha sido construída de raiz com o produto do empréstimo a que alude o ponto 6. dos factos provados no prédio identificado no ponto 4.. Mas não o demonstrou, provando-se antes que a quantia emprestada se destinou a obras de remodelação da parte urbana do prédio (referido ponto 6.) e sendo certo que – conforme informação do Serviço de Finanças de Santarém – desde 1963 que não foi requerida a “alteração da composição ou das áreas do imóvel”.

Assim sendo – e ainda que possa o requerido ter direito a algum crédito por benfeitorias - a casa de morada de família é bem próprio da requerente.

C) Mercê da precedente conclusão, resulta evidente que à requerente não pode ser atribuída a casa de morada de família. Com efeito, não é concebível que o tribunal constituísse uma relação de arrendamento entre a requerente e… a requerente. Por isso se prevê, no artigo 1793º do Cód. Civ., que o tribunal possa dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges a casa de morada de família que seja própria do outro.

No mesmo sentido, Ac. RE de 7.6.18, in http://www.dgsi.pt, Proc. nº 2830/16.2T8STR.E1.

Já quanto ao pedido subsidiário, carece a requerente de legitimidade face ao disposto no nº 1 do artigo 1793º do Cód. Civ. e no nº 1 do artigo 30º do Cód. Proc. Civ.. Aliás, bem se compreende que um dos cônjuges não possa impor ao outro a vinculação a um arrendamento que este não deseje.

D) Ao requerido assistiria, em abstracto, a faculdade de pedir que lhe fosse atribuída a casa de morada de família, necessariamente, como vimos, através da constituição de um arrendamento.

Sucede que não é isso o que pretende o requerido, nem é esse o pedido que formula. Com efeito, o requerido pede que lhe seja atribuída a casa de morada de família até à partilha dos bens comuns do casal. Não referindo expressamente a que título haveria de ser feita tal atribuição, percebe-se, contudo, que deseja habitar a casa a título gratuito, dado que alega não deter rendimentos para arrendar casa. Ou seja, o requerido pretende que lhe seja concedido o direito de habitação da casa de morada de família (artigo 1484º do Cód. Civ.).

Mas a lei não acoberta tal desiderato. É que a constituição do direito real de habitação teria de assentar em contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei (artigos 1485º e 1440º do Cód. Civ.), sendo certo que nenhuma dessas fontes existe no caso sub judice.

Resta dizer que também está vedado ao tribunal atribuir ao requerido a casa de morada de família através da constituição de um arrendamento, por este não ter sido peticionado pelo próprio (artigos 609º nº 1 do Cód. Proc. Civ. e 1793º nº 1 do Cód. Civ.).

Neste sentido, Ac. RE de 30.3.23, in http://www.dgsi.pt, Proc. nº 354/21.5T8BJA-A.E1.

E) Não assistindo a qualquer das partes o direito que cada uma pretendeu fazer valer, queda prejudicada a apreciação dos demais aspectos suscitados.


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Por todo o exposto, acordamos em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência:

A) Revogamos a sentença recorrida, ora se absolvendo a requerente do pedido formulado pelo requerido;

B) Absolvemos o requerido do pedido principal formulado pela requerente;

C) Absolvemos o requerido da instância quanto ao pedido subsidiário formulado pela requerente.

Custas, em ambas as instâncias, em partes iguais.

Évora, 21 de Dezembro de 2023


Maria da Graça Araújo

Maria José Cortes

Ana Isabel Pessoa