Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | PARTILHA DE BENS DO CASAL CONSTRUÇÕES URBANAS TERRENO ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA | ||
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Data do Acordão: | 05/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | i) na partilha subsequente à cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, estes recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património; ii) as compensações verificam-se entre o património comum e o património próprio de cada um dos cônjuges; os créditos entre cônjuges afetam os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, sem impacto no património comum; iii) a verba monetária recebida pelo cônjuge em herança de seus pais constitui, no regime da comunhão de adquiridos, bem próprio dele; iv) desconhecendo-se o destino dado a essa verba, inexiste fundamento para lançar um crédito do cônjuge herdeiro na liquidação do património comum; v) a edificação de moradia à custa do património comum em terreno que pertencia aos pais do cônjuge marido, implicando na convolação do prédio em prédio urbano (unidade jurídica indivisível que integra a moradia), subsume-se ao instituto da acessão industrial imobiliária; vi) o prédio urbano, que entretanto o cônjuge marido adquiriu por sucessão hereditária de seus pais, será bem comum caso o valor que a edificação tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, ficando o património comum devedor junto do cônjuge marido (na qualidade de sucessor do direito que cabia a seus pais) do valor que o prédio tinha antes da realização da obra; vii) já se o valor acrescentado for menor, a moradia passa a pertencer ao dono do terreno, ou seja, passa a integrar o património próprio do cônjuge marido, com a obrigação de indemnizar o património comum do valor que a moradia tinha ao tempo da incorporação. (Sumário da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Interessado/ Cabeça-de-casal: (…) Recorrida / Interessada: (…) No presente processo de inventário procede-se à partilha dos bens do dissolvido casal. O cabeça-de-casal apresentou a relação de bens. Notificada, veio a interessada apresentar reclamação contra a relação de bens, sustentando que: 1 - deve ser eliminada a verba 1, pois à data do trânsito em julgado da sentença de divórcio, 03/02/2020, aquele saldo bancário não existia, tendo o seu valor sido utilizado pela interessada em despesas comuns do casal (alimentação, água, IMI, eletricidade, telefone, etc.); 2 - o valor monetário descrito na verba 2 como crédito do cabeça-de-casal contra si é um bem comum do casal, depositado na conta bancária do casal, tendo sido levantado o valor de € 40.000,00 de tal conta; 3 - os valores atribuídos aos bens descritos nas verbas 3, 4, 5, 7, 10, 14, 15, 16, 17 a 29, 30 pecam por excesso; 4 - os bens descritos nas verbas 6 (frigorífico), 11 (bicicleta de ginástica) e 12 (duas camas de solteiro) são propriedade da filha do casal; 5 - a máquina de costura (verba 9) foi oferecida à interessada pelo seu filho; 6 - deve ser aditado à relação de bens: - prédio urbano, destinado a habitação, sito em Rua de (…), n.º 115, lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Fafe, tipo T3, com área de implantação de 121 m2 e total de 4.084m2, com o valor patrimonial € 55.730,00 (cinquenta e cinco mil e setecentos e trinta euros), construído a expensas do casal em terreno do pai do cabeça-de-casal, oferecido verbalmente ao casal para ali construir a casa de morada de família; - atrelado ligeiro, de 350 kg., marca Toniauto, valor de € 600,00; 7 – as verbas 1 e 2 do passivo devem ser excluídas, pois reportam-se a despesas efetuadas após o divórcio, referentes ao uso que o cabeça-de-casal fez dos veículos automóveis; 8 – a verba 3 do passivo reporta-se a consumos de água posteriores ao divórcio, não devendo ser considerados como despesas comuns do casal; 9 – a verba 4 do passivo reporta-se ao pagamento da inspeção dos veículos adquiridos pelo cabeça-de-casal depois de decretado o divórcio, devendo ser eliminada; 10 - o valor da verba 5 do passivo foi contraído no âmbito do casamento, não sendo de relacionar; 11 - a verba 6 do passivo reporta-se a dívidas contraídas após o divórcio, pelo que deve ser eliminada. O Cabeça-de-casal, em resposta, alegou o seguinte: - todos os bens devem ser objeto de avaliação a fim de se apurar o valor dos mesmos; - o valor descrito na verba 1 foi levantado por si da conta comum, antes do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio; - o montante de € 40.000,00 foi por si recebido na sequência de herança de seus pais, por isso é bem próprio, apesar de estar numa conta comum do casal; - inexiste atrelado a relacionar; - o prédio urbano, sito em (…), não é bem comum do casal, apesar de nele terem vivido, tendo sido herdado de seus pais, impugnando o teor da escritura de partilha na qual consta que o prédio urbano foi construído “… totalmente e a expensas ...” do ex-casal; - o passivo deve manter-se, por se tratarem de despesas de bens comuns do extinto casal. II – O Objeto do Recurso Decorridos os trâmites processuais documentados nos autos, foi proferida sentença julgando a reclamação parcialmente procedente determinando, em consequência: a) excluir da relação de bens as verbas n.ºs 1 e 2 do ativo; b) manter as verbas n.ºs 6, 11 e 12 do ativo; c) excluir as verbas 3 e 5 do passivo; d) manter a verba 6 do passivo, retificando o valor que passa a ser de “€ 880,54 – oitocentos e oitenta euros e cinquenta e quatro cêntimos”; e) aditar à relação de bens o prédio urbano, destinado a habitação, sito em Rua de (…), n.º 115, lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Fafe, tipo T3, com área de implantação de 121 m2 e total de 4.084m2, com o valor patrimonial € 55.730,00 (cinquenta e cinco mil e setecentos e trinta euros); f) não tomar conhecimento, por ora, da questão do valor dos bens descritos nas verbas 3, 4, 5, 7, 10, 14, 15, 16, 17 a 29 e 30 do ativo, relegando o seu conhecimento para a sede própria, ou seja, para a conferência de interessados; g) manter relacionadas todas as restantes verbas (ativo e passivo), desde logo, a verba 9 do ativo. Inconformado, o cabeça-de-casal apresentou-se a recorrer, pugnando pela parcial revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que mantenha na relação de bens a verba n.º 2 do ativo e que exclua dela o prédio urbano sito em (…), Fafe. As conclusões da alegação do recurso são as seguintes: «a. A decisão ora em crise, decidiu julgar a reclamação à relação de bens apresentada pelo aqui Recorrente, parcialmente procedente e, em consequência e entre outros: “excluir a Verba dois do Activo e aditar à relação de bens o prédio urbano, destinado a habitação, sito em Rua de (…), n.º 115, lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Fafe, tipo T3, com área de implantação de 121 m2 e total de 4 084m2, com o valor patrimonial € 55.730,00 (cinquenta e cinco mil e setecentos e trinta euros)”. b. Ora, conforme resultou provado no ponto 7 dos factos provados, a Verba um da escritura pública de “Retificação e Partilha” lavrada em 22/01/2018, foi adjudicada, por herança dos seus pais ao aqui Apelante, casado que foi sob o regime da comunhão de adquiridos com a ora Recorrida. c. A referida verba um é composta por “prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e andar com a área coberta de cento e vinte e um metros quadrados e logradouro com a área de três mil novecentos e sessenta e três metros quadrados.” d. Consta da referida escritura “que a casa de habitação constante da verba um, apesar de se encontrar inscrita em nome dos falecidos”. e. O terreno onde se encontra edificado o prédio urbano referido em a) supra, foi comprado pelos pais do aqui Recorrente e era de sua propriedade. f. A benfeitoria construída sobre o prédio referido em a) e e) supra foi construída a expensas dos pais do aqui apelante. g. A quantia de € 40.000,00 melhor descrita na Verba dois do Activo, era proveniente da herança dos pais do apelante, logo, bem próprio do apelante, uma vez que este foi casado sob o regime da comunhão de adquiridos com a apelada. h. A quantia de € 40.000,00 acabou por se juntar ao património do aqui ex-casal – conforme resulta dos factos provados – não deixando, contudo, de ser um bem próprio do Recorrente que, por via dessa integração, deve ser considerado para efeitos de partilha e não excluído. i. Tal situação traduz enriquecimento (sem causa) por banda da Interessada e ora Recorrida, em detrimento e empobrecimento do aqui Recorrente. j. Em sede de partilha, cada cônjuge deve receber na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património (artigo 1689.º, n.º 1, do Código Civil – que se mostra violado). k. O cônjuge devedor deve compensar nesse momento da partilha, o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum – o que mandando excluir a verba dos € 40.000,00 da relação de bens, de que a Interessada e ora Recorrida claramente beneficiou e beneficia, exclui-se assim a possibilidade de se efetuar tal compensação. l. Verifica-se um enriquecimento do património próprio da Interessada em detrimento do património do Recorrente, pelo deverá haver lugar a compensações entre essas massas patrimoniais, o que só será possível caso o valor relacionado naquela Verba n.º dois se mantenha a integrar a Relação de bens. m. A verba agora decidida aditar, composta por uma casa de habitação em (…), encontra-se implantada num terreno que foi propriedade dos pais do aqui Recorrente, o que constitui um bem próprio deste e não pode agora ser considerado para os efeitos pretendidos. n. A alegada declaração constante da escritura de partilha apenas se reporta à construção da casa de família e não ao terreno onde a mesma foi implantada, salvaguardando-se sempre que o dinheiro utilizado para a construção da mesma foi proveniente da dos pais do apelante – cfr. depoimento da testemunha (…). o. O que faz com que a totalidade da verba a aditar (terreno + construção) seja bem próprio do apelante, não podendo por isso ser aditada à relação de bens do presente processo de inventário de partilha por divórcio entre as aqui partes. p. Andou mal o tribunal a quo quando mandou aditar à relação de bens “o prédio urbano, destinado à habitação, sito em Rua de (…), n.º 115, Lugar de (…), freguesia de (…), concelho de Fafe, tipo T3, com área de implantação de 121m2 e total de 4084m2, com o valor patrimonial de € 55.730,00 (cinquenta e cinco mil, setecentos e trinta euros)”. q. Não podemos de todo aceitar tal conclusão violadora dos direitos e propriedade (bens próprios) do apelante, que se impugna. r. O tribunal a quo concluiu, considerando como provada a quantia utilizada para as obras como proveniente da herança dos pais do apelante, o que claramente constitui um bem próprio do recorrente e não o contrário. s. Mal, andou o tribunal a quo, quando sustenta a sua decisão no facto de que em resposta à reclamação não foi impugnado o conteúdo documento, já que se pode ler na resposta à reclamação, no seu artigo 10, não só é impugnado todo o articulado vertido nos pontos 19º a 31º da reclamação, como todos os documentos juntos de suporte. t. À contrário da sentença ora em crise, o apelante (CC) no articulado de resposta à reclamação, impugna o documento, por não corresponder à verdade. u. Ora impugnado o documento, a declaração extrajudicial não poderia jamais ter sido validada pelo Tribunal, e muito menos ampliada, como foi, incorporando 4084m2, no que mais se assemelha a uma atribuição de licitude a um ato em tudo ilícito. v. Sendo certo que: “V - Por sua vez, a prova da veracidade do facto material objeto de declaração confessória constante de documento autêntico tem se ser aferida em sede da eficácia probatória da confissão extrajudicial estabelecida no artigo 358.º, n.º 2 e 4, do Código Civil. VI - Tratando-se de confissão extrajudicial contida em documento autêntico feita pelo declarante à parte contrária, sobre ela recai força probatória legal plena nos termos do n.º 2 do artigo 358.º do Código Civil. VII - Ainda assim, esta força probatória plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto objeto da declaração confessória, com exclusão da prova por presunção judicial e da prova testemunhal, como decorre da conjugação do preceituado nos artigos 347.º, 351.º, 393.º e 394.º do Código Civil” (in www.dgsi.pt, Acórdão do STJ de 07/10/2020, proc. n.º 291/06.3TBPTG-M.E3.S2). w. Também andou mal o Tribunal a quo ao dar merecimento (apenas) ao testemunho de (…), filho de casal, que à data tinha dez anos e que agora até está de mal com o pai, ora Recorrente, que não sendo acompanhadas de qualquer outra prova, mereceu convicção, apesar da clara contradição com o facto provado em 12 e 13, de que a quantia utilizada para as obras foi proveniente do quantia herdada pelo apelante, e por sua vez desconsiderou as declarações de (…) por não terem sido acompanhadas de qualquer outra prova que as sustentasse – contradição grosseira. As provas nos autos, quer a escritura, quer o extrato bancário, quer os factos dados como provados em 12 e 13, sustentam e bem as declarações proferidas. x. Não se compreende como pode o Tribunal, desconsiderar, como desconsiderou, as declarações de (…) e validar apenas as de (…). y. Mostra-se violado o princípio da livre apreciação da prova, bem como o disposto no artigo 466.º, n.º 3, do NCPC e artigo 615.º, n.º 1, c), 2ª parte, do CPC. z. Inexistem dados probatórios objetivos apontados na motivação para a convicção e desconsideração do Tribunal em relação os testemunhos de (…) e (…), respetivamente. Apresenta-se ininteligível a convicção formada pelo Tribunal. aa. Face à prova dada como provada, do ponto 5 ao 13, torna-se inequívoco que é devida convicção em sentido diverso, e à luz das regras da experiência e da análise da prova, não se vislumbra possível consentir a decisão tomada. bb. Face às regras da experiência comum é inadmissível a atribuição de credibilidade ao testemunho de (…), que à data dos factos tinha dez anos e, por outro lado, descredibilizar as declarações de (…), que inclusive participou em idade adulta da própria escritura e termos da partilha (factos provados 5, 6 e 7). cc. Mostra-se violado o disposto nos artigos 940.º, 948.º, n.º 1, 947.º, n.º 1 e 1732.º todos do Código Civil já que o pai do Recorrente, ainda que verdade fosse que tivesse doado o terreno às aqui partes, nunca o poderia fazer sozinho, isto é, sendo aquele casado sob o regime da comunhão geral de bens, apenas o casal poderia ter doado o terreno, o que tampouco logrou suceder. dd. A escritura de doação de bem imóvel só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado, o que no caso não houve lugar, pelo que tal doação é nula – cfr. n.º 1 do artigo 947.º do Código Civil.» A Recorrida apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida, já que está de acordo com a prova produzida e com o regime legal aplicável. Cumpre conhecer das seguintes questões: i) do direito de crédito de € 40.000,00 do Recorrente contra a Recorrida; ii) do relacionamento do prédio urbano sito em (…), Fafe, como bem comum. III – Fundamentos A – Os factos provados em 1.ª Instância 1- O cabeça-de-casal (…) e a interessada (…) contraíram casamento entre si, no dia 16 de junho de 1979, sem convenção antenupcial, no regime da comunhão de adquiridos. 2- Por sentença proferida na data de 19/12/2019, no âmbito do processo de divórcio n.º 1509/19.8T8PTM – TFM – J2, transitada em julgado em 03/02/2020, foi decretado o divórcio entre ambos. 3- A ação de divórcio foi proposta neste Tribunal de Família e Menores de Portimão, em 13/06/2019. 4- Os bens descritos nas verbas 6, 11 e 13 (ativo), respetivamente, um frigorífico, uma bicicleta de ginástica e duas camas de solteiro, foram dadas a ambos pela filha, (…), quando ainda estavam casados. 5- Por escritura pública de “Retificação e Partilha”, lavrada em 22-01-2018, perante a Notária (…) do Cartório Notarial sito em Fafe, na Rua (…), n.º 37, r/c, esquerdo, exarada a folhas 34 a folhas 36 verso, do Livro (…), compareceram como primeiros outorgantes (…) e sua mulher (…), e como segundo outorgante (…), viúva, tendo (…) e (…) declarado: “Que, por escritura lavrada hoje neste Cartório e neste livro imediatamente anterior a esta, procedeu-se às habilitações por óbito de (…) e esposa (…), falecidos, sem testamento ou outra disposição de última vontade, respetivamente, em doze de Junho de dois mil e dezasseis e vinte e cinco de Fevereiro de dois mil e dezassete, ele no estado de casado sob o regime da comunhão geral de bens e em primeiras núpcias de ambos com ela, e ela no estado de viúva dele, tendo-lhes sucedido como únicos herdeiros: A ele, o cônjuge sobrevivo, a referida (…) e dois filhos, (…) e (…), atrás devidamente identificados; A ela, seus dois filhos, aqueles (…) e (…). Que, sendo assim eles outorgantes os únicos interessados acordam em proceder por esta escritura à partilha dos seguintes bens imóveis, que fazem parte da herança do casal falecido, a saber: Bens Imóveis situados na freguesia de (…), do concelho de Fafe: VERBA UM: Prédio urbano composto por casa de habitação de rés-do-chão e andar com a área coberta de cento e vinte e um metros quadrados e logradouro com a área de três mil novecentos e sessenta e três metros quadrados, situado na Rua de (…), n.º 115, a confrontar de norte com proprietários, de sul com (…), de nascente com (…)e de poente com Rua do (…), não descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, pendente de atualização matricial tendo sido apresentada no Serviço de Finanças de Fafe em dezassete de Janeiro de dois mil e dezoito a declaração modelo um do IMI, tendo-lhe sido atribuído o artigo provisório (…) que proveio do artigo urbano (…) da mesma freguesia, com o valor atribuído de quinhentos euros. VERBA DOIS: Prédio rústico denominado "Coutada de (…)", situado no lugar de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º (…)- (…), definitivamente registado a favor dos autores da herança pela inscrição Ap. (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo (…), com o valor patrimonial de € 28,41 e o valor atribuído de quinhentos euros”. 6- Mais foi declarado por (…) e (…) e ficou a constar da referida escritura pública: “Que eles, outorgantes, na dita qualidade de únicos interessados, efetuaram um levantamento topográfico ao prédio rústico identificado sob a Verba dois e verificaram que as suas áreas, por simples erro de medição, não correspondem às constantes das aludidas descrições prediais, já que a área correta desse prédio da verba dois é, e como sempre foi, de quatro mil e oitenta e quatro metros quadrados; Que a área correta deste prédio foi já participada à respetiva matriz, conforme se verifica do duplicado do pedido de retificação que ora apresentam. Que, assim, ao abrigo do disposto no artigo 28.º-C do Código do Registo Predial, e em virtude de o mesmo não ter sofrido alterações na sua configuração, rectificam a área do aludido prédio, passando o mesmo a ter mais exatamente a seguinte composição: Prédio rústico denominado "Coutada de (…)", com a área de quatro mil e oitenta e quatro metros quadrados, situado no lugar de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º (…) – (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, com o valor patrimonial de € 28,41, pendente de retificação matricial quanto à sua área que é a indicada. 7- Na escritura pública mencionada foi declarado pelos outorgantes (…) e (…): “Que, para efeitos desta retificação juntam uma planta topográfica, devidamente elaborada e assinada pelo técnico habilitado (…), técnico de topografia, carteira profissional no (…) do CICCOPN, e com a declaração feita por eles titulares de que não ocorreu qualquer alteração na configuração do identificado prédio. Que a herança daquela (…), falecida em último lugar, tem o número de identificação fiscal (…). Que, como já se disse, sendo eles outorgantes acordam em proceder à partilha dos dois imóveis supra indicados. Que atribuem aos indicados bens o valor global de mil euros, valor em que convieram, para efeitos da subsequente partilha a que vão proceder. OPERAÇÕES Que, daquele valor atribuído de mil euros, pertence a cada um dos filhos, de quinhão, a importância de quinhentos euros. PAGAMENTOS: Que, partilhando os ditos imóveis, adjudicam-nos pela forma a seguir indicada: Ao herdeiro (…), aqui primeiro outorgante, fica adjudicada a verba um, no valor atribuído de quinhentos euros, que é quanto lhe pertence, como declarou. À herdeira (…), aqui segunda outorgante, fica adjudicada a verba dois, no valor atribuído de quinhentos euros, que é quanto lhe pertence, como declarou; Que, assim, dão por concluída a presente partilha, estando ambos os interessados, inteira e reciprocamente pagos.” 8- Resulta, ainda, da escritura pública referida que: “Declarou a primeira outorgante mulher: Que presta seu marido o seu consentimento para a partilha ora efetuada. Finalmente declararam todos os outorgantes: Que o prédio rústico adjudicado não é contíguo ou confinante com outros da mesma natureza pertencentes a esta herança ou pertencentes a quaisquer um dos herdeiros. Que a casa de habitação constante da verba um, apesar de se encontrar inscrita em nome dos falecidos, foi construída totalmente e a expensas dos primeiros.” 9- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe, sob o n.º (…) um prédio urbano, sito em (…), Rua de (…), n.º 115, constituído por rés-do-chão e 1.º andar com logradouro, com a área coberta de 121 m2 e descoberta de 3963. 10- O referido prédio encontra-se descrito na referida Conservatória do Registo Predial de Fafe como tendo sido adquirido por sucessão hereditária e partilha, por (…), casado com (…), no regime da comunhão de adquiridos, tendo tal aquisição sido registada pela inscrição Ap. (…), de 2018/03/21 12:39:22 UTC – Aquisição. 11- O prédio está inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o artigo nº (…) – urbana. 12- Na data de 11/07/2016, (…) e (…) procederam ao levantamento da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), que estava depositada na conta n.º PT (…), da Caixa Geral de Depósitos, apresentando como justificação para o seu levantamento a realização de “obras da casa”. 13- A referida quantia era proveniente da herança de seus pais. 14- Os aludidos € 40.000,00 ficaram, por acordo entre este e sua irmã (…), para o aqui cabeça-de-casal (…), o qual, na data de 18/07/2016 depositou parte desse valor, mais concretamente, a quantia de € 20.200,00, na conta conjunta do casal, n.º PT (…), do Crédito Agrícola. 15- Na data de 12/02/2019, a conta conjunta do casal, da Caixa Geral de Depósitos, apresentava um saldo positivo de € 3.747,01, tendo sido feitas transferências nas datas de 15/11/2017, 07/02/2019 e 12/02/2019, nos valores de € 30.000,00, de € 5.000,00 e de € 3.747,00, respetivamente. 16- O cabeça-de-casal procedeu ao pagamento de: a) seguro automóvel, relativo ao veículo automóvel de matrícula (…), junto da Companhia de Seguros (…), S.A., do qual ambas as aqui partes são titulares, mas pago unicamente pelo cabeça-de-casal, relativo aos anos de 2021 e 2022, nos montantes de € 227,03 e de € 227,56, num total de € 459,59. b) seguro automóvel relativo ao veículo automóvel de matrícula (…), junto da Companhia de Seguros (…), S.A., do qual ambas as aqui partes são titulares, mas pago unicamente pelo cabeça-de-casal, relativo ao ano de 2022, no montante de € 172,09. c) inspeção dos veículos de matrícula (…) e (…), do qual ambas as aqui partes são titulares, mas pago unicamente pelo cabeça-de-casal, em 2022, no montante global de € 63,60. d) Imposto Único de Circulação dos veículos de matrícula (…), (…) e (…), do qual ambas as aqui partes são titulares, pagos em 2019, 2021, 2022, unicamente pelo cabeça-de-casal, no montante global de € 880,54. 17- O cabeça-de-casal procedeu ao pagamento da água que fornece o imóvel descrito na verba 35, no valor de € 23,01 correspondente ao período de setembro e outubro de 2021 e abril de 2022. 18. O cabeça-de-casal pagou serviços da MEO relativa ao mês de junho de 2019 (€ 62,89), julho de 2019 (€ 63,48), julho de 2019 (€ 62,89), setembro de 2019 (€ 64,87 ), outubro de 2019 (€ 70,86), novembro de 2019 (€ 4,66). 19. Antes de 13/06/2019 (data em que deu entrada a ação de divórcio), foram pagos à MEO os valores das faturas de fevereiro de 2019 (€ 64,12), março de 2019 (€ 64,12), abril de 2019 (€ 66,78), maio de 2019 (€ 64,18). B – As questões do Recurso i) Do direito de crédito de € 40.000,00 do Recorrente contra a Recorrida No âmbito do processo de inventário instaurado para partilha dos bens comuns em consequência da separação judicial de pessoas e bens ou de divórcio, a que alude o artigo 1133.º do CPC, devem ser relacionados os bens comuns existentes à data em que se considerem cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, sendo previamente separados os bens próprios de cada um.[1] Trata-se do processo que permite concretizar a partilha que se impõe cessadas que estejam as relações patrimoniais entre os cônjuges, conforme determina o artigo 1689.º do Código Civil: 1. Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património. 2. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes. 3. Os créditos de cada um dos cônjuges sobre o outro são pagos pela meação do cônjuge devedor no património comum; mas, não existindo bens comuns, ou sendo estes insuficientes, respondem os bens próprios do cônjuge devedor. No que respeita às compensações devidas pelo pagamento de dívidas do casal, o artigo 1697.º do Código Civil estatui o seguinte: 1. Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação. 2. Sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respetiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha. Seguindo de perto os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela[2], salientamos que “a partilha do casal desdobra-se em três operações distintas: a) a entrega dos bens próprios; b) a conferência das dívidas dos cônjuges à massa comum; c) a partilhados bens comuns. As operações devem mesmo processar-se segundo a ordem que acabam de ser discriminadas. Primeiro, devem ser entregues a cada um dos cônjuges (…) ou a um deles (…) os seus bens próprios. Depois, cada um deles há de conferir ao património comum o que lhe dever, em virtude dos pagamentos que por esse património tenham sido efetuados, de dívidas da exclusiva responsabilidade do cônjuge devedor (artigo 1697.º/2). Feita a conferência dos bens devidos à massa comum, é o momento de proceder à divisão desta, entregando a cada um dos seus titulares a respetiva meação. (…) As dívidas dos cônjuges entre si são pagas, em princípio, pela meação do cônjuge devedor no património comum. Na falta ou insuficiência desta meação, responderão os bens próprios do mesmo cônjuge. As dívidas dos cônjuges entre si resultam, as mais das vezes, do facto previsto no n.º 1 do artigo 1697.º: o de terem sido pagas com bens próprios de um deles dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges. Quando assim seja, o cônjuge à custado qual o pagamento se efetuou, torna-se credor do outro por tudo quanto pagou além do que lhe cumpria.» Já do facto previsto no n.º 2 do artigo 1697.º do Código Civil resulta ser o património comum o credor da compensação pelo que à custa deste foi pago para solver dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges. As compensações verificam-se entre o património comum e o património próprio de cada um dos cônjuges e, portanto, só têm lugar nos regimes de comunhão; os créditos entre cônjuges são os que existem entre os patrimónios próprios de cada um dos cônjuges, sem intervenção do património comum, admissíveis em qualquer regime de bens e exigíveis a todo o tempo.[3] Relativamente à relação de bens a apresentar no processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, decorre do citado regime legal que no ativo a partilhar devem ser incluídos os bens cuja titularidade pertença a ambos os cônjuges, os bens que se presumam comuns nos termos do disposto no artigo 1725.º do Código Civil, os bens insuscetíveis de serem considerados sub-rogados no lugar de bens próprios nos termos do artigo 1723.º, alínea c), do Código Civil, e os direitos de crédito exigíveis no momento da partilha, desde que relativos ao período que antecede a cessação das relações patrimoniais. Já no passivo, devem ser relacionadas as dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges que onerem o património comum. Os créditos e débitos de um cônjuge sobre o outro devem ser relacionados como créditos sobre o património comum ou como créditos sobre o outro cônjuge, consoante os casos.[4] Ora, o cabeça-de-casal relacionou como verba n.º 2 do ativo o crédito de € 40.000,00 sobre a Interessada (…), ali enunciando que se trata de verba que recebeu de herança de seus pais cujo destino foi o depósito de € 20.200,00 em conta bancária conjunta do casal, tendo o remanescente sido aplicado na aquisição de veículo automóvel que constitui património comum. Dos factos provados, com relevo para a questão em apreço, consta o seguinte: 12- Na data de 11/07/2016, (…) e (…) procederam ao levantamento da quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), que estava depositada na conta n.º PT (…), da Caixa Geral de Depósitos, apresentando como justificação para o seu levantamento a realização de “obras da casa”. 13- A referida quantia era proveniente da herança de seus pais. 14- Os aludidos € 40.000,00 ficaram, por acordo entre este e sua irmã (…), para o aqui CC …, o qual na data de 18/7/2016 depositou parte desse valor, mais concretamente a quantia de € 20.200,00, na conta conjunta do casal, n.º PT (…), do Crédito Agrícola. 15- Na data de 12/02/2019, a conta conjunta do casal, da Caixa Geral de Depósitos, apresentava um saldo positivo de € 3.747,01, tendo sido feitas transferências nas datas de 15/11/2017, 07/2/2019 e 12/2/2019, nos valores de € 30.000,00, € 5.000,00 e € 3.747,00, respetivamente. Por via do regime inserto no artigo 1722.º/1, alínea b), do Código Civil, aqui aplicável porquanto o regime de bens é o da comunhão de adquiridos, são considerados bens próprios dos cônjuges os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação. Donde, a quantia de € 40.000,00 que o cabeça-de-casal obteve por sucessão de seus pais constitui bem próprio. O direito de crédito de que se arroga contra a Interessada depende da prova de que tal quantia foi afeta ao pagamento dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges – cfr. artigo 1697.º/1, do Código Civil. O que não se verifica. Apenas se apurou que parte dessa verba (€ 20.200,00) foi depositada em conta conjunta do casal e que essa conta apresentava um saldo positivo de € 3.747,01. Desconhece-se, portanto, o destino que foi dado a essa verba depositada (reverteu em proveito do casal? em proveito de um só dos cônjuges? qual deles?), assim como se desconhece se o saldo existente advém daquele depósito. Desconhece-se ainda o destino dado ao remanescente, no montante de € 19.800,00 (foi afeto a pagamento de despesas comuns do casal? reverteu em proveito de um só dos cônjuges? qual deles?) Termos em que se conclui não ter o cabeça-de-casal logrado demonstrar ser credor da Interessada pela verba monetária de € 40.000,00 que recebeu de herança de seus pais. ii) Do relacionamento do prédio urbano sito em (…), Fafe, como bem comum A 1.ª Instância determinou o aditamento do prédio urbano sito em (…), Fafe, com a área total de 4.084 m2, no qual está implantada uma moradia tipologia T3 com a área de implantação de 121 m2. Consignou-se que “a casa em questão terá de ser considerada bem comum do casal”, uma vez que na escritura de partilha operada por morte dos pais do Cabeça-de-casal se mostra exarado ter sido declarado que foi construída totalmente a expensas do casal, no prédio que estava registado em nome dos pais do Cabeça-de-casal. Em recurso, o Cabeça-de-casal sustenta que a casa não pode ser considerada autonomamente em relação ao terreno onde foi implantada, que a declaração se reporta apenas à construção da casa, o que faz com que se trate de um bem próprio seu. Mais invoca que se trata de benfeitoria e que a casa foi construída a expensas de seus pais. Alude ao depoimento prestado pela testemunha sua irmã, que afirmou que a casa foi construída por seus pais a expensas do Recorrente, apesar de não conseguir proceder à transcrição do depoimento que, por deficiência da gravação, está impercetível, pelo que deverá ser ordenado aquilo que se repute conveniente. Vejamos. Nos termos do disposto no artigo 155.º/4, do CPC, a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada. Não sendo invocado o vício nesse prazo, resulta o mesmo sanado.[5] Não consta que o Recorrente tenha invocado atempadamente a deficiência da gravação, pelo que dela não cumpre conhecer. Acresce que a factualidade elencada como provada na decisão proferida em 1.ª Instância encontra-se fixada, não tendo sido objeto de impugnação nos moldes estabelecidos no artigo 640.º do CPC. De nada vale, pois, ao Recorrente a mera alegação de que determinada testemunha referiu que a casa foi construída pelos pais a expensas suas, assim como de nada vale a transcrição do depoimento prestado por (…) e a alegação de não ter sido correta a análise crítica das provas. Perante os factos provados, afigura-se que a questão merece, contudo, enquadramento jurídico diverso daquele que foi gizado em 1.ª Instância. A afirmação de que a casa é de considerar bem comum (pois foi construída a expensas do casal) não legitima, por si só, o relacionamento como comum do prédio urbano com a área de 4.084 m2 onde aquela está implantada. O prédio urbano foi adquirido pelo Cabeça-de-casal por sucessão hereditária e partilha, sendo certo que na escritura de partilha foi declarado que a moradia foi construída totalmente a expensas do casal (ora Cabeça-de-casal e Interessada). Então, se bem que a casa tenha resultado da afetação de recursos do património comum, no âmbito da liquidação desse património imposta pela cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges não pode olvidar-se que a mesma foi erigida em prédio que pertencia aos pais do cônjuge marido e que este deles obteve por sucessão hereditária. A edificação que foi custeada pelo património comum não se confunde com o prédio onde foi implantada (sabendo-se que não integrava o património comum) nem com o prédio urbano que atualmente integra. No entanto, como acertadamente foi exarado em Acórdão deste Tribunal[6], “com a construção da moradia o terreno deixou de ter existência jurídica autónoma, tendo ficado integrado no prédio urbano, entretanto constituído e registado como tal, passando o terreno e a edificação a formar uma unidade jurídica indivisível – cfr. artigo 204.º n.º 2.” Importa, pois, determinar como há de proceder-se à liquidação patrimonial de modo a equilibrar de forma justa a situação de cada um dos cônjuges, tomando como pressupostos os seguintes vetores: - o património comum dos cônjuges custeou, na vigência do casamento celebrado no regime de comunhão de adquiridos, a edificação da moradia; - a moradia foi implantada em terreno que pertencia aos pais do cônjuge marido; - a edificação da moradia implicou na convolação do prédio em prédio urbano, unidade jurídica que integra a moradia; - o prédio urbano foi adquirido pelo cônjuge marido por sucessão hereditária. A moradia deve ser relacionada como benfeitoria (tal como propugna o Recorrente), operando-se a compensação devida ao património comum, constituindo o prédio urbano (onde se integra a moradia) um bem próprio do Recorrente? Ou o prédio urbano deve ser relacionado como bem comum, operando-se a compensação devida pela parcela de terreno em favor do património próprio do Recorrente mediante verba a relacionar como dívida do património comum? Não se trata de benfeitoria. Nos termos do disposto no artigo 216.º/1, do CC, consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. Constituem despesas decorrentes de intervenções realizadas por outrem que não o respetivo proprietário mas que a ela está ligado por via de uma relação ou vinculo jurídico (tais como posse, locação, comodato)[7], intervenções essas destinadas a conservar ou a melhorar a coisa existente. A edificação de moradia num terreno constitui uma inovação. As despesas feitas com essa edificação não podem considerar-se benfeitorias na medida em que não implicaram a conservação ou a melhoria da coisa.[8] Não é de considerar benfeitoria a despesa com obra nova que altera a substância da coisa, independentemente de a pessoa que a realiza estar ou não ligada a ela por qualquer vínculo jurídico.[9] Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 13/10/2022 (Oliveira Abreu): «o regime jurídico aplicável à aludida construção não pode ser encontrado à luz do instituto das benfeitorias quando não se demonstre terem sido realizados trabalhos no terreno, com vista a conservá-lo ou melhorá-lo. Estando em causa uma construção sobre um prédio composto por lote de terreno destinado à construção, tal importa inovação que altera substancialmente o prédio onde se edifica, provocando uma alteração substancial e jurídica deste, passando a constituir (lote de terreno e moradia) um todo uno e indivisível, dando origem a uma coisa nova, a uma nova realidade material e jurídica, constituindo um prédio urbano.» Nas situações em que a edificação à custa do património comum dos cônjuges é implantada em terreno que constitui bem próprio de um deles[10], vem sendo maioritariamente entendido que a relação matrimonial influencia de tal modo a generalidade das relações obrigacionais ou reais de que os cônjuges são ou foram titulares que daí resulta um regime diferente daquele que decorrerá da aplicação isolada do direito comum. «O espírito do sistema da comunhão de adquiridos é o de que ingressam no património comum todos os ganhos alcançados pelos cônjuges durante o casamento que não sejam excetuados por lei, daí que, sempre que os cônjuges, na constância do matrimónio, contraído no regime da comunhão de adquiridos, construam uma casa sobre um terreno que apenas é propriedade de um deles, momento em que o terreno deixou de ter individualidade própria, passando a ser um prédio urbano, impõe-se reconhecer que se a moradia mandada edificar pelos cônjuges for a parte mais valiosa comparativamente com o valor do terreno, esse prédio é bem comum de ambos os cônjuges, ficando sempre salvaguarda a compensação devida pelo património comum ao cônjuge proprietário do terreno, no momento da dissolução e partilha da comunhão.»[11] O que decorre da aplicação conjugada dos artigos 1724.º e 1726.º do Código Civil, estatuindo o seguinte: - no regime da comunhão de adquiridos, fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos por estes na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (artigo 1724.º do Código Civil); - os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e outra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações (artigo 1726.º, n.º 1, do Código Civil), sendo certo que fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão (n.º 2 do artigo 1726.º do Código Civil). Diversa é, no entanto, a situação versada neste processo. O terreno onde foi edificada a moradia à custa do património comum pertencia aos pais do cônjuge marido. Circunstância que viabiliza a aplicação do instituto da acessão industrial imobiliária. O artigo 1340.º do Código Civil reporta-se a obras, sementeiras ou plantações feitas de boa fé em terreno alheio, estabelecendo o seguinte regime: 1. Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações. 2. Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no n.º 2 do artigo 1333.º. 3. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação. 4. Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno. Os elementos constitutivos da acessão aqui prevista são os seguintes: a) A construção de uma obra; b) A sua implantação em terreno alheio; c) A formação de um todo único entre o terreno e a obra; d) O valor de um e de outra; e) A boa fé do autor da obra. Ao tempo da realização da obra e da inerente incorporação dela no terreno, este pertencia aos pais do cônjuge marido, pelo que se afirma a realização de obra em terreno alheio, nele se implantando de tal modo que resultou uma ligação material, definitiva e permanente entre a edificação acrescida e o prédio, sendo impossível a separação sem alteração da substância da coisa.[12] Atento o teor das declarações prestadas na escritura de partilha, é de considerar verificada a boa fé decorrente da autorização da incorporação da moradia pelos proprietários. Então, o prédio urbano será bem comum caso o valor que a edificação tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, ficando o património comum devedor do valor que o prédio tinha antes da realização da obra. Dívida essa que reverte em favor do Recorrente, na qualidade de sucessor do direito que cabia a seus pais. Já se o valor acrescentado for menor (não se equacionando que seja igual, caso em que se aplicará o regime inserto no n.º 2 do artigo 1340.º do CC), a obra passa a pertencer ao dono do terreno, ou seja, passa a integrar o património próprio do Recorrente, com a obrigação de indemnizar o património comum do valor que a obra tinha ao tempo da incorporação. Termos em que se impõe a realização de diligência pericial de avaliação (cfr. artigos 411.º e 1114.º do CPC) no âmbito da qual seja determinado o valor que a edificação trouxe à totalidade do prédio e o valor que prédio tinha antes da edificação. Em função dos valores apurados, o prédio urbano será bem comum ou bem próprio do Recorrente, compensando-se um ou outro património (próprio ou comum) em conformidade com o que acima se deixa exposto. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida relativamente à alínea e) do segmento decisório, determinando-se que, em função da avaliação que venha a processar-se no regular processamento dos autos, o prédio urbano sito em (…), Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º (…): - seja considerado bem comum caso o valor que a edificação tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, ficando o património comum devedor junto do Recorrente do valor que o prédio tinha antes da realização da obra, ou - seja considerado bem próprio do Recorrente se o valor acrescentado for menor, resultando o Recorrente obrigado a indemnizar o património comum do valor que a edificação tinha ao tempo da incorporação. Custas pelo Recorrente e Recorrida em partes iguais. * Évora, 8 de maio de 2025 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Ana Margarida Pinheiro Leite Mário João Canelas Brás __________________________________________________ [1] Cfr. Ac. do STJ de 11/04/2019, proc. 3185/12, Abrantes Geraldes. [2] Código Civil Anotado, Vol. IV, 2.ª edição, págs. 322 e 323. [3] Ac. do TRP de 17/06/2019, Manuel Domingos Fernandes. [4] Tudo como melhor explanado por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. II, pág. 631. [5] Ac. do TRE de 12/09/2024, Ana Margarida Carvalho Leite. [6] Ac. do TRE de 25/03/2010, Bernardo Domingos. [7] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2.ª edição, pág. 163. [8] Bem sabemos que tal tese tem sido propugnada em acórdãos dos Tribunais Superiores, como se alcança do Ac. do TRE de 11/04/2024 (Manuel Bargado) alicerçado no Ac. do TRC de 12/07/2023 (Fonte Ramos), entre outros. [9] Vaz Serra, RLJ, 108-266, conforme citado por Abílio Neto, CC Anotado, 7.ª edição, pág. 110. [10] O que afasta a aplicação do regime atinente à acessão industrial imobiliária, porquanto a construção não foi realizada por terceiro relativamente ao prédio onde foi implantada a moradia nem se verifica a boa fé, tal como caraterizada no artigo 1340.º/4, do CC. [11] Ac. do STJ de 13/10/2022 já citado, entendimento secundado pelo Ac. do TRE de 26/10/2023 (Maria João Sousa e Faro). [12] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, 2.ª edição, pág. 164. |