Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2548/23.0T8PTM.E1
Relator: MARIA DA GRAÇA ARAÚJO
Descritores: ARRESTO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - O arresto só se justifica perante o perigo de diminuição/perda da garantia patrimonial, ou seja, perante o perigo de que o devedor se encontre em pior situação patrimonial do que aquela em que se encontrava quando o crédito foi concedido;
II - O arresto só se justifica porque a demora na acção principal e subsequente execução compromete o direito de o credor se ver pago do seu crédito (já que o devedor está a dissipar ou onerar – ou a tentar fazê-lo - o seu património, havendo o receio de que o faça se, rapidamente, a sua conduta não for considerada ineficaz perante o credor).
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:

Processo nº 2548/23.0T8PTM.E1

1ª Secção Cível

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

AA deduziu contra BB procedimento cautelar de arresto. Alegou, em síntese, que: financiou a entrada em actividade do estabelecimento de bar denominado A..., que contava explorar em parceria com o requerido; este impediu-o de aceder ao estabelecimento desde meados de Junho de 2022 e não lhe restituiu o montante de 48.120,97€, que o requerente disponibilizara com vista à abertura do estabelecimento; o requerido não tem património ou vontade que permitam antever o ressarcimento do crédito do requerente, incluindo os respectivos juros de mora.

Concluiu, pedindo o arresto dos seguintes bens:

(i) Saldos de contas bancárias existentes em nome do requerido, nomeadamente da conta bancária com o IBAN ...40;

(ii) Quaisquer bens móveis ou imóveis de que o requerido seja titular, inclusive todo o recheio do estabelecimento comercial A..., nomeadamente televisor, stock existente no Bar;

(iii) Os reembolsos de IRS e/ou de IVA a que o requerido tenha direito;

(iv) As receitas que o requerido venha a auferir no âmbito da actividade que se encontra a desenvolver;

(v) O recheio da sua casa de morada de família, em que se inclui o cofre e os valores em numerário aí existentes.

Produzida a prova, o tribunal proferiu decisão, decretando o arresto, tal como requerido, e determinando que “os bens do estabelecimento poderão ser arrestados, deles sendo constituído, tal como quanto ao mobiliário de casa, fiel depositário o requerido, podendo os bens ser utilizados, na estrita medida em que isso seja possível sem anormal perecimento dos mesmos”.

Procedeu-se ao arresto de um veículo automóvel, de bens móveis, do saldo de uma conta bancária e de uma verba em dinheiro.

O requerido deduziu oposição, na qual invocou, em resumo, que: o requerente limitou-se a financiar o arranque da actividade do estabelecimento; o requerido já reembolsou o requerente do montante financiado; não estão preenchidos os pressupostos da providência; o arresto decretado deixou o requerido sem outros meios de subsistência que não sejam as receitas da exploração diária do bar.

Concluiu, requerendo que seja o despacho que decretou o arresto revogado e substituído por decisão que negue o pedido.

Foi proferida decisão que manteve o decretamento do arresto.

O requerido interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1.ª O objecto do presente procedimento cautelar é o arresto dos bens móveis do Recorrente, bem como dos rendimentos provenientes da actividade comercial que exerce no estabelecimento comercial “A...”;

2.ª Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 406.º do C.P.C., o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora;

3.ª No entanto, para que o mesmo possa ser decretado, é necessário que se mostrem preenchidos dois requisitos cumulativos:

a) a probabilidade séria de existência do direito de crédito de que o requerente se arroga titular (fumus boni iuris);

b) a existência de um justificado receio de o credor poder vir a perder a garantia patrimonial do seu crédito (periculum in mora);

4.ª No que concerne ao justificado receio de perda de garantia patrimonial, o Tribunal a quo considerou que: “Como tal, a par da não infirmação do juízo feito a respeito do crédito do requerente, também é de manter o juízo indiciário quanto ao justo receio da perda da garantia patrimonial (contra tal não militando também o prazo pelo qual se tem estendido o rol de factos objeto dos litígios entre as partes, antes contribuindo o mesmo para indiciar uma factualidade interligada e protelada no tempo, que leva a que o requerente possa recear, por Procedimento Cautelar (CPC2013) um lado, não poder auferir qualquer rendimento do bar e não lhe ser pago o que adiantou ao requerido, o que se mantém atual).”;

5.ª Porém, não se basta o justo receio de perda de garantia patrimonial na eventual existência do crédito, porquanto são os dois requisitos cumulativos, o que significa que, na eventualidade de um dos pressupostos exigidos para o decretamento do arresto não estar preenchido, não poderá o arrento ser decretado;

6.ª Funda o Recorrido o justo receio de perda da garantia patrimonial no facto de, alegadamente, o contrato de cessão de exploração ter o ser termo no ano de 2024;

7.ª No entanto, não corresponde tal alegação à verdade material, porquanto o contrato terá apenas o seu termo em 31 de Março de 2026, caso as partes contratuais se oponham à sua renovação, podendo o Recorrente continuar a sua profícua atividade comercial;

8.ª Sendo a actividade comercial do Recorrente a fonte do seu rendimento, certo é que a mesma é regular e lucrativa, o que afasta o perigo concreto e actual de perda de garantia patrimonial que invoca o Recorrido;

9.ª Não estado o Recorrente em risco de insolvência, nem existindo iminência de dissipação dos seus bens que façam crer que qualquer garantia sobre um eventual crédito se possa frustrar;

10.ª Desta forma, os lucros provenientes da actividade comercial do Recorrente afastam o perigo de perda de garantia patrimonial de satisfação do alegado crédito pelo Recorrido;

11.ª Em conclusão, não são alegados quaisquer factos concretos pelo Recorrido que permitam verificar que o Recorrente praticou ou se prepara para praticar actos com vista ao extravio ou delapidação do seu património de forma a subtrair os seus bens, designadamente os bens objecto do arresto que constituem o recheio do estabelecimento comercial que, por sua vez, representa a única fonte de rendimento do requerido;

12.ª Não é de mérito que o Recorrente queira dissipar património, porquanto aqueles são essenciais e indispensáveis à prossecução da sua actividade comercial;

13.ª Desta forma, não se vislumbra estar preenchido o pressuposto do justo receio de perda de garantia patrimonial sobre o alegado crédito;

14.ª Sendo os pressupostos para o decretamento do arresto cumulativos e não estando preenchido o requisito do justo receio de perda de garantia patrimonial;

15.ª A factualidade alegada na petição é manifestamente insuficiente para preencher quaisquer dos requisitos legais para decretamento do procedimento cautelar, situação ignorada pelo tribunal a quo injustificada e infundadamente;

16.ª Pois nenhum dos requisitos legais está suficientemente demonstrado;

17.ª Pelo que o procedimento cautelar só poderá improceder na sua totalidade, pois viola os pressupostos da disposição legal prevista no artigo 391.º do Código de Processo Civil, impedindo o seu decretamento por falta dos fundamentos essenciais para o mesmo, nos termos e para efeitos do artigo 392.º do mesmo diploma.

O requerente apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão.


*

A 1ª instância considerou indiciariamente provados no presente procedimento os seguintes factos:

1. O Requerente tem casa em ... e frequenta os restaurantes e bares da vila com a sua família, e foi assim que conheceu o Requerido que trabalhava no B.... No decurso de algumas conversas com o Requerido, que depois trabalhou no C..., em ..., ficou a conhecer a sua situação pessoal, tendo este manifestado desgosto pelo seu exíguo ordenado, pois que não tinha bens ou rendimentos.

2. Vieram a tomar conhecimento que o “B...” poderia não voltar a abrir com a mesma gerência pediu ao Requerido para indagar. E assim foi, tendo os proprietários/representantes acordado a cessão de exploração, do que posteriormente vieram a denominar de A..., por decisão conjunta em homenagem ao pai do requerido que havia falecido.

3. Requerente e Requerido deslocaram-se ao gabinete de Iberconta – Contabilidade Consultoria de Gestão, em Rua Direita 5, 1º - loja J Portimão, 8500-624 Portimão, com Dr. CC a fim de determinar a melhor forma de gerir o negócio. No entanto, o requerente teve a necessidade de regressar ao seu país de origem, onde permanecia a sua família.

4. Requerente e requerido assinaram o “contrato de cessão de exploração” do estabelecimento sito em Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...53, inscrito na matriz predial urbana com o n.º ...42, com o alvará de licença sanitária n.º 1671, emitido em ../../1998 pela Câmara Municipal ..., com o certificado energético n.º SCE ...35 válido até 07/03/2031.

5. O supramencionado contrato foi outorgado entre Requerente e Requerido, na qualidade de Cessionários/Inquilinos com os que se apresentaram como sendo os legítimos proprietários do estabelecimento comercial, DD e EE, estes últimos na qualidade de .../Senhorios.

6. Por via deste, acordaram as partes a cessão da exploração do estabelecimento aos ora Requerente e Requerido, pelo período de cinco anos, com início a 01 de abril de 2021 e termo a 31 de março de 2026, renovável por igual período - fls. 16.

7. No entanto, foi acordado entre ambos avançar com a licença de exploração e a cessão de exploração apenas em nome do Requerido, uma vez que o requerente não se encontrava em Portugal.

8. Nesta senda, procedeu-se à elaboração de novo contrato de cessão de exploração sob o suprarreferido prédio, com a mesma EE, na qualidade de representantes da herança de FF.

9. Foi o requerido quem realizou os procedimentos necessários à abertura do estabelecimento: falar com os senhorios, proceder à transferência da renda, contabilidade, tratar das licenças, advogados e afins, contratação de empregados, serviços esses que sempre foram custeados pelo requerente que procedeu a transferências bancárias para conta do requerido.

10. As licenças inerentes à exploração do bar apenas constam averbadas em nome do Requerido, sendo que nunca estiveram em nome do Requerente.

11. O Requerido abriu atividade em 13 de maio de 2021, como empresário em nome individual, denominando o bar de A..., o qual foi aberto ao público em junho de 2021.

12. O Requerente transferiu para a conta do Requerido o montante de 30.000 € e 13.000 € até fevereiro de 2022 - fls. 19 e ss./184 e ss.

13. O Requerente comprou duas televisões para colocar no Bar, no total de € 1.320,97.

14. Sempre que vinha a Portugal, o Requerente era visto no bar e conhecido pelos vizinhos como “o dono do bar”.

15. Requerente e Requerido estavam sempre em contacto via telefónica e whatsapp.

16. O requerido não tomava decisões no local sem falar com o requerente, discutindo sobre a gestão do negócio que ambos referiam como de ambos, a propósito do contrato, do website com as nossas fotografias, sendo que o requerido comunicava por exemplo que já tinha transferido a renda, que perguntava se guardava as cadeiras, preços a cobrar e as contas, etc. e utilizava a primeira pessoa do plural.

17. Requerente e requerido acabaram por nunca constituir qualquer sociedade comercial.

18. O requerente permaneceu na ..., atendendo às restrições de viagens impostas pelos Estados no contexto da COVID-19.

19. No dia 30 de junho de 2022, o Requerido procedeu à mudança de fechadura do estabelecimento, impedindo assim a entrada do aqui Requerente, arrogando-se único e legítimo titular da exploração do Bar que agora designa por A... - .... O Requerente foi expressamente proibido de entrar no referido bar pelo requerido, deixando aquele de ter acesso às câmaras de vigilância e ameaçado pela presença de “segurança”.

20. O negócio garante fluxo regular de clientes.

21. Além dos montantes referidos em 12. e 13. destes factos indiciariamente provados, o Requerente comprou ainda um computador portátil ao Requerido, no valor de cerca de € 800,00 (oitocentos euros), para este registasse todos os valores e informações do Bar, e remetesse ao Requerente.

22. O Requerido nunca devolveu os bens que se encontram no Bar, nem nunca devolveu os montantes pagos pelo Requerente. 23. O requerente intentou contra o requerido o procedimento cautelar nº 2112/22.... (visando a restituição da posse do bar), que improcedeu.

23-A. Em sede de declarações no processo judicial nº 2112/22...., o requerido referiu já ter pago ao Requerente.

24. Na data em que o arresto foi decretado, a decisão proferida pela primeira instância no âmbito do procedimento cautelar de restituição provisória da posse já fora totalmente e na íntegra revogada pelo tribunal da Relação.

25. Essa decisão de revogação foi objeto de recurso pelo requerente para o STJ, que, por sua vez, não foi admitido e, portanto, transitou em julgado, não se conhecendo a instauração de qualquer ação comum subsequente nos 30 dias posteriores.

26. O requerido impediu o Requerente de aceder aos resultados da exploração comercial do bar, fazendo suas as receitas decorrentes da atividade do mesmo, cujo valor é desconhecido do Requerente.

27. Ocorreram participações com vista à instauração de processos de natureza criminal pelas partes.

28. O requerente intentou contra o requerido o procedimento cautelar nº 2544/23.... (visando o encerramento do bar), que improcedeu.

29. No artº 24º do requerimento inicial do procedimento cautelar nº 2544/23.... o requerente alegou que “Ora, o Requerido, recebeu os valores do Requerente, até ao fim da pandemia, iniciou uma profícua actividade e valendo-se da minudência burocrática da licença estar em seu nome, arredou o Requerente da actividade, nunca prestou contas, nunca lhe entregou qualquer valor, quedando este na sua confiança, e em larga quantia monetária”.

30. A decisão final (de improcedência) do procedimento cautelar nº 2544/23.... já transitou.

31. O Requerido é locatário em contrato de leasing, tendo por objeto um veículo de marca ... com a matrícula ..-..-PM.

32. Não são atualmente conhecidos outros veículos ao Requerido.

33. O requerido vive em casa arrendada e não lhe são conhecidos bens imóveis.

34. O Requerido é titular da seguinte conta bancária, cujo saldo se desconhece:

(a) Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, CRL, com o IBAN ...40, conta para a qual foram feitas as transferências.

35. O Requerido é ainda titular de uma quota no valor nominal de 5.000,00 € (cinco mil euros) na sociedade com a firma A... SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., com o número de pessoa coletiva ...83.

36. O Requerente desconhece o montante do vencimento mensal auferido pelo Requerido.

37. O contrato pelo qual se processa a exploração do estabelecimento é de duração temporária.

38. Desconhece-se mais património do Requerido.

39. Todas as quantias de que o requerido dispõe, provenientes da sua atividade, são as que foram arrestadas e depositadas à ordem dos autos.


*

A única questão a tratar é a de saber se está verificado, in casu, o periculum in mora, requisito sem o qual o arresto não pode ser decretado.

“O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor” (artigos 619º nº 1 do Cód. Civ. e 391º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).

Para tanto, carece de alegar factos que tornem provável a existência do crédito e que permitam considerar justificado aquele receio (artigo 392º nº 1 do Cód. Proc. Civ.).

No dizer de Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, Coimbra, 2001:174), “no arresto funciona o padrão de verosimilhança que rege os demais procedimentos cautelares, bastando a verificação de uma séria probabilidade quanto à existência do crédito, ainda que a relação creditícia não tenha sido objecto de pronunciamento judicial”. Já no que toca ao periculum in mora, “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva” (Abrantes Geraldes, obra citada:176).

A garantia patrimonial cujo receio de perda, se justificado, determina a procedência do arresto é a garantia constituída pelo património (o conjunto dos bens susceptíveis de penhora) do devedor - artigos 601º e 619º nº 1 do Cód. Civ. e 391º e 392º nº 1 do Cód. Proc. Civ..

Perfilhamos o entendimento de que o arresto não visa proteger o credor temerário ou incauto, que negoceia e contrata sem avaliar as consequências dos seus actos, nomeadamente no que toca à solvabilidade do devedor; antes visa proteger o credor “surpreendido” por condutas ou intenções do devedor que pretende furtar-se ao cumprimento das suas obrigações (Ac. STJ de 5.3.96, in http://www.dgsi.ptJSTJ96A045, Ac. RL de 18.11.08, in http://www.dgsi.pt Proc. nº 5452/2008-1 e Ac. RP de 16.12.01, in http://www.dgsi.ptJTRP0131390).

Com efeito, cremos que a redacção do nº 1 do artigo 391º do Cód. Proc. Civ. implica uma comparação do património do devedor na altura da constituição da obrigação e no momento, posterior, em que se deduz o procedimento cautelar. E, embora se não exija a “perda” total do património – caso em que, aliás, nada haveria para arrestar – tem de se verificar uma diminuição com expressão suficiente – ou actos que indiciem essa possibilidade - para justificar o receio de dificuldades na cobrança do crédito.

É a conduta do devedor – que frustra, ou visa frustrar, as legítimas expectativas do credor através da alienação ou oneração do seu património – que justifica a tutela cautelar ao alcance do credor, tornando ineficazes perante este os actos daquele que diminuam a garantia patrimonial do seu crédito.

E é essa mesma intenção do devedor e o objectivo de evitar a sua concretização em prejuízo do credor que igualmente justifica a não audiência do requerido antes do decretamento do arresto.

Em resumo:

(i) o arresto só se justifica perante o perigo de diminuição/perda da garantia patrimonial, ou seja, perante o perigo de que o devedor se encontre em pior situação patrimonial do que aquela em que se encontrava quando o crédito foi concedido;

(ii) o arresto só se justifica porque a demora na acção principal e subsequente execução compromete o direito de o credor se ver pago do seu crédito (já que o devedor está a dissipar ou onerar – ou a tentar fazê-lo - o seu património, havendo o receio de que o faça se, rapidamente, a sua conduta não for considerada ineficaz perante o credor).

Ora, nada disto ocorre no caso em apreço.

Em primeiro lugar, o requerido/devedor não se encontra em situação patrimonial mais débil do que aquela que se verificava quando as partes encetaram negociações e o requerente veio a assumir as despesas necessárias ao funcionamento do estabelecimento/bar.

Com efeito, nesta altura, o requerido trabalhava em bares, auferia salário exíguo e não tinha bens ou outros rendimentos (ponto 1. dos factos provados). Actualmente, o requerido explora um bar com um fluxo regular de clientes, é locatário financeiro de um veículo automóvel e titular de uma participação social (pontos 11., 20., 31. e 35. dos factos provados). Consequentemente, a situação patrimonial do requerido é hoje mais robusta do que o era quando o requerente “arriscou” entregar-lhe dinheiro e bens.

Em segundo lugar, não há indícios de que o requerido esteja a dissipar ou onerar o seu património ou que intente fazê-lo.

Pelo contrário: o requerido mantém-se a explorar o bar em causa, desde ../../2021 (ponto 11. dos factos provados), sem que os conflitos entre si e o requerente (pontos 19., 23., 27. e 28. dos factos provados) tenham alterado essa situação. Aliás, indiciando-se que o requerido vive dos proventos proporcionados pelo bar, não parece provável que dele se vá desfazer, sendo certo que a cessão de exploração só termina em 31.3.26, havendo a possibilidade de renovação e, bem assim, um direito de preferência do requerido, durante 5 anos, em novo contrato de cessão de exploração que os cedentes venham a celebrar (ponto 8. dos factos provados e cláusula 3ª do contrato).

É certo que o requerido não quer restituir ao requerente os valores que dele recebeu (sob a invocação, indemonstrada, de que já os liquidou). Mas tal não basta para conferir ao credor o direito à tutela cautelar (de que, reiteradamente, se tem vindo a socorrer – aliás, sem sucesso), havendo que perguntar porque não propôs desde logo as acções definitivas que entenda corresponderem aos seus direitos.

Inverificado um dos requisitos cumulativos para o decretamento do arresto, terá o mesmo de ser recusado.


*

Por todo o exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogamos a decisão recorrida, ora se revogando a providência de arresto anteriormente decretada.

Custas, em ambas as instâncias, pelo requerente/apelado.

Évora, 20 de Fevereiro de 2024


Maria da Graça Araújo

Maria Adelaide Domingos

Francisco Xavier