Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1076/13.6TBSTB-B.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA GERAL DE AUGI
COMPARTICIPAÇÃO NAS DESPESAS DE RECONVERSÃO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Nos termos previstos no n.º5 do art.º 10.º, da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 64/2003, de 23 de agosto, a fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.
2. É da responsabilidade dos respetivos proprietários ou comproprietários de prédios abrangidos pela AUGI a comparticipação nos encargos com a operação de reconversão, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa – n.º4 do art.º 3.º desse diploma legal.
3. Assim, em sede de ação executiva, o que releva para efeitos de cobrança desses encargos é a qualidade de proprietário ou comproprietário dos referidos prédios, impondo a lei a estes a obrigação de pagamento dos custos de reconversão, sem prejuízo do atual proprietário, caso esses encargos já serem devidos pelo anterior proprietário à data da sua aquisição, obter, por via de regresso, as importâncias que lhe são exigidas e venha a liquidar.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I- Relatório.
Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, instaurada por Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do Extremo Norte de Palmela, …, contra CC, SA, veio a executada deduzir oposição à execução, pedindo que se declare que a quantia exequenda não é exigível.
Para tanto alegou, em síntese, que as atas que acompanham o requerimento executivo não estão certificadas, pelo que não valem como título executivo para efeitos do art. 10º, n.º 5 da Lei 91/95, de 2/9; a exequente não juntou o anexo da ata número 12, que acompanha o requerimento executivo, juntamente com a ata número 10; e da listagem em anexo à ata que contém os lotes, apenas o lote 59 coincide com um lote efetivamente adquirido, inicialmente pela DD, Lda., e posteriormente pela executada, sendo certo que os lotes 56, 146 e 147 constam como pertencendo a outros proprietários, donde decorre que não extrai do título executivo a quantia exequenda, nem qualquer outro montante, ainda que por dedução ou cálculo aritmético.
Respondeu a exequente, sustentando estar junta aos autos uma cópia certificada da ata, a acrescer à restante documentação oferecida com o requerimento executivo, verificando-se a completude do título, dando-se assim cumprimento ao disposto no art. 10º, n.º 5 da Lei 91/95, de 2/9, concluindo pela improcedência da oposição.
Convidada pelo tribunal, a exequente juntou aos autos cópia legível da ata de 26/01/1997, bem como certidões prediais comprovativas de que a executada é proprietária dos lotes identificados no requerimento executivo.
Foi proferido despacho saneador, no qual se conheceu parcialmente da oposição, a qual foi julgada parcialmente procedente, “na parte referente ao pedido deduzido relativamente aos lotes 56, 146 e 147 e, consequentemente determina-se a extinção parcial da execução, nomeadamente quanto ao valor de € 28.534,33 (€ 46.094,00 - € 17.559,67 = € 28.534,33), e respetivos juros”, e ordenou-se o prosseguimento da oposição para se decidir sobre o montante reclamado relativamente ao lote 59.
Desta sentença veio a exequente interpor o presente recurso, formulando extensas e complexas conclusões (42), as quais não satisfazem minimamente a enunciação sintética dos fundamentos do recurso tal como se exige no art.º 639.º/1 do CPC, que, por isso, não serão transcritas.
Das mesmas conclusões resulta que a questão essencial a decidir se prende com a questão de saber se a executada é proprietária dos lotes 56, 146 e 147, sendo responsável pela dívida exequenda decorrente das despesas com taxas municipais e com a reconversão urbanística da AUGI do extremo Norte de Palmela “…), no montante de € 28.534,33.
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A embargante apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido e consequente improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber se a executada é responsável pelo pagamento das quantias peticionadas relativamente aos lotes 56, 146 e 147, e se a exequente é portadora de título executivo bastante.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto considerada pela 1.ª instância, que não vem questionada, é a seguinte:
1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI do Extremo Norte de Palmela “…”.
2. A favor da executada/oponente encontra-se registada a aquisição dos seguintes lotes, desde 06.04.2010:
- lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote 56, correspondente ao prédio urbano descrito na CRP de Palmela sob o n.º … da freguesia de Quinta do Anjo, inscrito na matriz sob o artigo …;
- lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote 59, correspondente ao prédio urbano descrito na CRP de Palmela sob o n.º … da freguesia de Quinta do Anjo, inscrito na matriz sob o artigo 11686;
- lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote 146, correspondente ao prédio urbano descrito na CRP de Palmela sob o n.º 7371 da freguesia de Quinta do Anjo, inscrito na matriz sob o artigo …;
- lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote 147, correspondente ao prédio urbano descrito na CRP de Palmela sob o n.º … da freguesia de Quinta do Anjo, inscrito na matriz sob o artigo ….
3. Os referidos lotes fazem parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de Extremo Norte de Palmela “…”.
4. Na assembleia geral de comproprietários da AUGI de Extremo Norte de Palmela “…”, realizada em 03.04.2005, de que foi lavrada a ata número 10, apresentada como título executivo (cópia certificada), foram aprovadas as seguintes deliberações, por maioria absoluta dos votos dos presentes com 98,20% dos votos a favor, 0.90% dos votos contra e 0,90% de abstenções:
“(…)
1 - Seja adotada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projetos), no montante de € 762,66, com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67, com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95, a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente sejam devidas;
IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respetivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com tabela em anexo.
2 – Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para pagamento dos custos provisionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta Assembleia.
3 – Que seja estabelecido um prazo máximo de 6 (seis) meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite (…) até ao dia 30 de Abril do corrente ano um plano de pagamentos e que, neste caso, fique o valor em dívida sujeito a juros e encargos legais.
4 – Que sejam aprovados os mapas de coeficientes, assim como os mapas de repartição de custos por lote, calculados tendo por base a fórmula reto apresentada e os prazos previstos para a conclusão do processo, anexos a esta proposta e que dela fazem parte integrante.”.
5. Nos artigos 4º a 6º do requerimento executivo alega-se o seguinte:
“(…)
4º No exercício das atividades da administração conjunta cabe a efetivação das comparticipações a que os proprietários estão obrigados, de acordo com o disposto no número 3 da referida lei.
5º Comparticipações que foram validamente aprovadas em assembleia geral ordinária realizada a 3/04/2005, de acordo com o disposto na alínea f) do n.º 2 do artigo 10º da lei 64/2003 de 28/08, conforme ata da assembleia geral que se junta como documento número 2, bem como os anexos (documentos 3 e 4).
6º Á ora executada ( refere-se “exequente” por manifesto lapso) coube a quantia total de 46.094,00 € (…) nos custos de reconversão (…), pois adquiriu as suas parcelas à proprietária DD, Lda.”
6. Do anexo referido no artigo 5º do requerimento executivo, correspondente ao documento 4 ali mencionado, constam os seguintes valores CL, a título de custos de reconversão devidos pela DD, Lda.:
- lote 59: € 17.559,67;
- lote 62: € 16.841,71;
- lote 148: € 18.976,45;
- lote 149: € 18.016,55;
no valor total de 71.394,38.
7. Do anexo referido no artigo 5º do requerimento executivo, correspondente ao documento 4 ali mencionado, constam os seguintes valores CL, a título de custos de reconversão devidos pelos lotes 56, 146 e 147:
- lote 56: € 11.750,74, com indicação de que o proprietário é um terceiro (não sendo nem a executada nem a DD, Lda.);
- lote 146: € 16.645,90, com indicação de que o proprietário é um terceiro (não sendo nem a executada nem a DD, Lda.);
- lote 147: € 18.963,53, com indicação de que o proprietário é um terceiro (não sendo nem a executada nem a DD, Lda.).
***
2. O Direito.
1. Do título executivo.
A exequente pretende obter o pagamento da quantia de €60.571,30, sendo €46.094,00 de capital, e €14.447,30 de juros de mora vencidos à taxa legal de 4% contados desde 14/05/2005.
E alegou, no seu requerimento executivo:
- Ser uma entidade regulamentada pelo disposto na Lei n.º 165/99 de 14 de Setembro, com as alterações introduzidas pela lei 64/2003 de 23 de Agosto, cujo objetivo é praticar os atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas em AUGI.
- Em sede de assembleia geral de proprietários datada de 5/04/2009 foi aprovado o projeto de divisão de coisa comum, conforme documento número 1 que se junta.
- As comparticipações devidas pelos proprietários foram validamente aprovadas em assembleia geral ordinária realizada a 3/04/2005, de acordo com o disposto na alínea f) do número 2 do artigo 10º da Lei n.º 64/2003 de 28/08, conforme ata da assembleia geral que se junta como documento número 2, bem como os anexos (documentos 3 e 4).
- Á ora executada coube a quantia total de 46.094,00 € (quarenta e seis mil e noventa e quatro euros) nos custos de reconversão, conforme documento número 2 supra indicado, pois adquiriu as suas parcelas à proprietária DD Lda.
- A tal montante acresce o valor de 14.477,30 € (catorze mil, quatrocentos e setenta e sete euros e trinta cêntimos), a título de juros vencidos.
Na decisão recorrida exarou-se:
“(…)
No requerimento executivo, além de alegar que a oponente é proprietária dos referidos lotes 56, 59, 146 e 147, adquiridos à DD, Lda., a exequente alega que é devida, a título de custos de reconversão, a quantia de € 46.094,00, remetendo para a ata em que baseia a execução e respetivos anexos.
Todavia, nos termos do anexo de custos de reconversão por lote, os lotes 56, 59, 146 e 147 perfazem o valor total de € 64.919,84, sendo que em tal anexo os lotes 56, 146 e 147 são mencionados com indicação de que o proprietário é um terceiro (não sendo nem a executada nem a DD, Lda.).
Mais ainda, no referido anexo identificam-se os lotes 59, 62, 148 e 149 como sendo aqueles de que seria proprietária a DD, Lda., indicando-se montantes a título de custos de reconversão que perfazem a quantia global de € 71.394,38.
Como ensina Manuel de Andrade, o título executivo é o documento de ato constitutivo ou certificativo de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo (“Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, p. 58).
No caso dos autos, não decorrendo do título quais são os valores devidos relativamente aos lotes 56, 146 e 147, pois apenas o lote 59 é indicado como sendo da propriedade da DD, Lda., forçoso será concluir que o título dado à execução não contém todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda, sendo por isso inexequível, no que aos lotes 56, 146 e 147 diz respeito. De resto, quando foi convidada a aperfeiçoar a contestação, a exequente limitou-se a juntar aos autos um documento datado de 2017, documento esse que não integra o título executivo complexo (constituído pela ata e pelo respetivo anexo) em que se baseia a execução.
Da conclusão a que se chegou flui necessariamente a procedência da oposição relativamente aos referidos lotes, sem prejuízo do prosseguimento da oposição para se decidir sobre o montante reclamado relativamente ao lote 59, uma vez que a quantia indicada no título executivo se contém no limite do valor de capital peticionado (custos de reconversão) - este é no valor global de € 46.094,00, ao passo que o montante resultante do título executivo, referente a custos de reconversão, relativamente ao lote 59, é de € 17.559,67.
Desta procedência parcial decorrerá a extinção parcial da execução, nomeadamente quanto ao valor de € 28.534,33 (€ 46.094,00 - € 17.559,67 = € 28.534,33), e respetivos juros”.
Assim, a exequente/recorrente reclama o pagamento dos custos de reconversão relativamente a quatro lotes de terreno pertencentes executada/embargante, ou seja, os custos de reconversão devidos pelos lotes 56, 59, 146 e 147.
Esta matéria está regulada na Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 64/2003, de 23 de agosto, a qual veio estabelecer regras para a reconversão urbanística das áreas urbanas de génese ilegal, impondo o dever de reconversão urbanística do solo e a legalização das construções integradas em AUGI [1] aos respetivos proprietários ou comproprietários, esclarecendo que nesse dever se inclui o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição ( seu artigo 3.º).
Com efeito, estabelece o n.º4 do seu art.º 3.º:
Os encargos com a operação de reconversão impendem sobre os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa”.
E prescreve o n.º 2, do seu art.º 3.º, que o dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão, nos termos e prazos a estabelecer pela Câmara Municipal.
Este diploma legal estabelece, ainda, o regime da administração conjunta, assegurada pelos respetivos proprietários ou comproprietários dos prédios integrados na AUGI, através da assembleia de proprietários ou comproprietários, competindo-lhe, entre outros, nos termos da alínea f) do n.º2 do art.º 10.º, aprovar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º – seus artigos 8.º a 17.º.
A alínea c) do n.º1 do art.º 15.º prevê que compete à comissão de administração “Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projetos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização”.
Cada lote comparticipa na totalidade dos custos de execução das obras de reconversão na proporção da área de construção que lhe é atribuída no estudo de loteamento em relação à área total de construção de uso privado aprovada, como decorre do seu art.º 26.º/3.
E assim é porque com a conclusão da reconversão urbanística todos os proprietários ou comproprietários beneficiarão, visto que em lugar de prédios clandestinos ou de lotes ilegais acabam por possuir lotes urbanos legalizados ou construções licenciadas e, consequentemente serão substancialmente valorizados.
Por outro lado, a reconversão urbanística implica a existência de áreas de terreno destinadas a espaços verdes e de utilização coletiva, infraestruturas viárias e equipamentos, que podem ser inferiores às que resultam da aplicação dos parâmetros definidos pelo regime jurídico aplicável aos loteamentos quando o cumprimento estrito daqueles parâmetros possa inviabilizar a operação de reconversão – art.º 6.º, n.º1, do apontado diploma legal.
E acrescenta o n.º4 deste normativo legal que “quando as parcelas que devam integrar gratuitamente o domínio público de acordo com a operação de reconversão forem inferiores às que resultam do regime jurídico aplicável, há lugar à compensação prevista no n.º 4 do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, a qual deve, sempre que possível, ser realizada em espécie e no território das freguesias onde se situa a AUGI”.
Importa ainda referir o regime previsto no n.º5 do seu art.º 10.º, ao conferir força executiva à fotocópia certificada da ata que contenha a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, ao estatuir:
“ A fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo”.
Urge, assim, apurar se a ata dada à execução tem força executiva.
Como é consabido, toda a execução tem por base um título, sendo este que determina o “fim e os limites da ação executiva”, e como fim possível, o n.º6 do art.º 10.º do C. P. Civil, indica o “ pagamento de quantia certa”, a “entrega de coisa certa” ou a “prestação de facto, “quer positivo, quer negativo” – Eurico Lopes Cardoso, in “Manual da Ação Executiva”, pág. 31.
O título, nas palavras de Lebre de Freitas, in “ A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª Edição, pág. 43, “constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da ação executiva, isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa e passiva”.
Como refere Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, pág. 142/143, “deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos”.
Neste sentido se escreveu no Acórdão do STJ de 15/3/2007, Proc. N.º 07B683 (Salvador da Costa): “A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
O fundamento substantivo da ação executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da ação executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas (…)”.
Como já ensinava José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “O segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.”
Ora, está assente que a favor da executada/oponente encontra-se registada a aquisição, desde 06/04/2010, dos lotes de terreno n.ºs 56, 59, 146 e 147, os quais fazem parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de Extremo Norte de Palmela “…”.
E que na assembleia geral de comproprietários da AUGI de Extremo Norte de Palmela “…”, realizada em 03/04/2005, conforme a ata número 10, apresentada como título executivo (cópia certificada), foi aprovada a deliberação que adotou a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:
CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:
CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;
P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projetos), no montante de € 762,66, com IVA incluído;
G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67, com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;
GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95, a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;
T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente sejam devidas;
IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;
STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará;
STPL = Área máxima de construção atribuída ao respetivo lote no alvará de loteamento;
K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com tabela em anexo.
Mais foi fixado nessa deliberação o dia 30 de Abril desse ano (2005) como data limite para pagamento dos custos provisionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado pela Assembleia e foi estabelecido um prazo máximo de 6 (seis) meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos.
Assim como foram aprovados “os mapas de coeficientes, bem como os mapas de repartição de custos por lote, calculados tendo por base a fórmula reto apresentada e os prazos previstos para a conclusão do processo, anexos a esta proposta e que dela fazem parte integrante.”
E consta desses mapas anexos (apresentados com o título executivo), os seguintes valores CL, a título de custos de reconversão devidos pelos seguintes lotes:
- lote 56: € 11.750,74; lote 59: € 17.559,67; lote 146: € 16.645,90; e lote 147: € 18.963,53.
É certo que relativamente aos lotes 56, 146 e 147 aí constam como proprietário um terceiro, que não a executada ou a DD, Lda.
Todavia, tal facto, não exclui a responsabilidade da executada no pagamento dos custos de reconversão mencionados relativamente aos lotes de que é proprietária desde 6 de abril de 2010, pois como se afirmou, é da responsabilidade dos respetivos proprietários ou comproprietários a comparticipação nas despesas de reconversão, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição.
Assim, o que releva é a qualidade de proprietário ou comproprietários dos referidos lotes, impondo a lei a estes o encargo no pagamento dos custos de reconversão, podendo, o atual proprietário , se esses encargos já eram devidos pelo anterior proprietário à data da sua aquisição, obter, por via de regresso, as importâncias que lhe são exigidas e que venha a liquidar.
Assim, urge concluir que a executada/embargante adquiriu esses lotes a anterior (es) proprietário(s), pelo menos em 6 de abril de 2010 ( presunção decorrente do art.º 7.º do C. Registo Predial), sendo que em 3 de maio de 2005 eram devidas essas despesas, ou seja, quando adquiriu os referidos lotes de terreno essas importâncias eram devidas pelo então proprietário, o que lhe confere eventual direito de regresso.
Por isso, é irrelevante que do anexo n.º 4 mencionado no art.º 5 do requerimento executivo conste como proprietário dos lotes em causa um terceiro, visto que a responsabilidade pelo respetivo pagamento pertence à executada/embargante enquanto titular (atual) do direito de propriedade dos lotes em questão desde 6 de abril de 2010 até à presente data.
Assim como irreleva o facto do somatório das despesas de reconversão dos quatro lotes de terreno corresponderem a um valor superior (€ 64.919,84) ao indicado no requerimento executivo (€ 46.094,00), certamente por lapso ou erro de cálculo do exequente, devendo atender-se ao valor peticionado, ainda que o crédito seja efetivamente superior, face ao princípio do dispositivo e regra ínsita no n.º1 do art.º 609.º do C. P. Civil, ao prescrever a proibição de condenação em quantidade superior ao peticionado.
Daí poder afirmar-se, com o devido respeito por opinião adversa, que a cópia certificada da ata número 10, acompanhada dos referidos anexos, servindo de base à execução, constitua título executivo, por respeitar a previsão do n.º5 do art.º 10.º, do citado diploma legal, ou seja, estamos em presença de “fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”, a qual reveste natureza de título executivo.
É manifesto que o legislador veio atribuir força executiva à ata da assembleia de proprietários e comproprietários, permitindo à comissão de administração a instauração de ação executiva contra o proprietário de lotes de terreno, relativamente à sua contribuição para as despesas de reconversão devidas pelos respetivos prédios, na proporção fixada de acordo com os métodos e fórmulas de cálculo aprovadas em assembleia, dispensando o recurso ao processo de declaração a fim de obter o reconhecimento desses créditos.
Donde, conferir-se eficácia executiva à ata onde foi fixada a obrigação a pagar no futuro. O não pagamento dentro do prazo fixado, apenas torna exigível essa obrigação através da ação executiva, tendo por base esse título, ou seja, a referida ata. E compete ao devedor/executado demonstrar que a dívida não é devida, nomeadamente porque efetuou o seu pagamento, ou outro facto extintivo do direito de crédito invocado – art.º 342.º/2 do C. Civil.
É certo que nem toda a ata é considerada título executivo, pois que a lei só o reconhece àquela que “contém a deliberação da assembleia que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”.
Donde, tornar-se necessário que o valor em causa esteja relacionado com a comparticipação nas despesas de conversão que devam ser suportadas pelos proprietários ou comproprietários dos lotes de terreno.
E é justamente o que sucede no caso dos autos, em que consta da referida ata uma deliberação da assembleia de proprietários que determina o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, fixando o prazo para esse pagamento e os critérios e método para a sua quantificação, complementada pelos anexos a essa ata.
Assim sendo, não pode ser mantida a decisão que julgou extinta a execução relativamente aos lotes 56, 146 e 147.
Procede, pois, a apelação.
Vencida no recurso, suportará a recorrida as respetivas custas – Art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Nos termos previstos no n.º5 do art.º 10.º, da Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, alterada e republicada pela Lei n.º 64/2003, de 23 de agosto, a fotocópia certificada da ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.
2. É da responsabilidade dos respetivos proprietários ou comproprietários de prédios abrangidos pela AUGI a comparticipação nos encargos com a operação de reconversão, sem prejuízo do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa – n.º4 do art.º 3.º desse diploma legal.
3. Assim, em sede de ação executiva, o que releva para efeitos de cobrança desses encargos é a qualidade de proprietário ou comproprietário dos referidos prédios, impondo a lei a estes a obrigação de pagamento dos custos de reconversão, sem prejuízo do atual proprietário, caso esses encargos já serem devidos pelo anterior proprietário à data da sua aquisição, obter, por via de regresso, as importâncias que lhe são exigidas e venha a liquidar.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, reconhecendo-se força executiva à ata e documentos anexos juntos com o requerimento executivo, no que respeita às despesas de reconversão referentes aos mencionados lotes números 56, 146 e 147.
Custas da apelação pela executada/recorrida.

Évora, 2018/11/22
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1] Nos termos do art.º 1.º, n.º2 deste diploma legal, “Consideram-se AUGI os prédios ou conjuntos de prédios contíguos que, sem a competente licença de loteamento, quando legalmente exigida, tenham sido objeto de operações físicas de parcelamento destinadas à construção até à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro, e que, nos respetivos planos municipais de ordenamento do território (PMOT), estejam classificadas como espaço urbano ou urbanizável, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º”.