Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
713/17.8PBFAR.E1
Relator: CARLOS BERGUETE COELHO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CRIME DE VIOLAÇÃO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – Para efeitos de qualificação das alterações à matéria de facto da acusação ou da pronúncia, o que releva é saber se o pedaço de vida individualizado na acusação, mediante esses novos factos, redunda, ou não, como diferente na sua imagem global e valorativa e, só na afirmativa, se coloca, eventualmente, a problemática das alterações serem substanciais.

II – Se os factos comunicados factos não mais representam que concretizações dos que já constavam da acusação, nada vindo modificar para o efeito em apreço, estamos perante alteração não substancial.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos presentes autos, de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, o arguido AA foi pronunciado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de violência doméstica cometido com arma, p. e p. pelos arts. 152.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código Penal (CP) e 86.º, n.º 3, do Regime Jurídico das Armas e Munições (RJAM), e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 2.º, n.º 1, alíneas o) e na), 3.º, n.º 2, alíneas a), i) e j), 5.º, 34.º, n.º 2, e 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, que aprovou o mesmo RJAM, bem como nas penas acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do art. 152.º do CP e no art. 90.º, n.ºs 1 a 3, do RJAM.

CC deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido/demandado, peticionando, a título de danos não patrimoniais, o montante de € 15.000,00, alegando, em síntese que, em consequência dos factos descritos na acusação, vive com vergonha, medo e ansiosa até hoje.

O arguido não apresentou contestação.

Em audiência de discussão e julgamento, procedeu-se a comunicação de alteração não substancial de factos e de qualificação jurídica, sendo que o arguido se pronunciou, sustentando não se verificar alteração dos factos, por se encontrarem já no despacho de acusação, e dever manter-se a qualificação jurídica.

Proferido acórdão, decidiu-se, além do mais:
- condenar o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, nºs 1, alínea a), e 2, do CP e pelo art. 86.º, n.º 3 do RJAM (Lei n.º 5/2006, de 23.02), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

- condenar o arguido AA pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de dez meses de prisão;

- procedendo ao cúmulo jurídico das aludidas penas, condenar o arguido AA na pena conjunta de 5 (cinco) anos de prisão;

- decretar a suspensão da execução da pena de 5 (cinco) anos de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, pelo período de 5 (cinco) anos, suspensão esta acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido de plano de reinserção social, devendo para além do mais:

- frequentar curso com vista à prevenção da violência doméstica;

- proceder ao depósito à ordem dos autos e durante o período da suspensão da execução da pena, de seis em seis meses, da quantia de € 1.500,00, a qual reverterá a favor da assistente;

- sujeitar-se ao acompanhamento e fiscalização pela Direcção-Geral de Reinserção Social do cumprimento do presente plano de reinserção social, perante a qual ficará sujeito às seguintes obrigações:

- receber visitas ou comparecer perante o técnico de reinserção social competente sempre que este o entenda por necessário;

- comunicar ou colocar à disposição da D.G.R.S. todas as informações e documentos solicitados por este organismo;

- condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com CC pelo período de 4 (quatro) anos, devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;

- julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido e, em consequência, condenar o arguido/demandado a pagar à demandante/assistente CC a quantia de € 15.000,00.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando - após convite, ao abrigo do art. 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP) - as conclusões:

I) O Recorrente foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica P.E.P pelo artigo 152.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 do Código Penal e artigo 86.º n.º 3 do RJAM (Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro), na pena de três anos e seis meses de prisão.

II) O Recorrente foi também condenado pela prática de um crime de violação P.E.P pelo artigo 164.º n.º 1 do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão

III) O Recorrente foi também condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida P.E.P pelo artigo 86.º n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de dez meses de prisão.

IV) O Tribunal resolveu condenar o Arguido AA na pena conjunta de cinco anos de prisão.

V) Salvo o devido respeito, o Tribunal A QUO julgou incorretamente os factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.

VI) Com efeito, com o depoimento das testemunhas (Assistente, a filha da assistente e o filho da assistente) não ficou provado que o Arguido tenha praticado os crimes de violência doméstica e de violação (este último nem constava da acusação o que torna a sentença manifestamente nula uma vez que o Tribunal deveria ter comunicado ao MP os factos para abertura de novo inquérito).

VII) Deveria ter sido feita aplicação concreta do princípio IN DUBIO PRO REO. E não foi feita essa aplicação.

VIII) Assim sendo, e tendo em consideração que se está perante a palavra da Assistente contra a palavra do Arguido, é mais do que evidente que deveria ter sido dado a este o benefício da dúvida, coisa que não aconteceu, ao arrepio daquilo que mandaria o princípio IN DUBIO PRO REO.

IX) O Arguido não teve o propósito de ofender o corpo e a saúde da Assistente, nem tão pouco a sua honra, liberdade e dignidade, enquanto mulher e sua companheira.

X) O Arguido predispôs-se a prestar declarações em sede de audiência de julgamento.

XI) O Arguido colaborou com o Tribunal.

XII) O Arguido contou a sua versão dos factos ao Tribunal.

XIII) O Arguido explicou ao Tribunal que já tinha sido feito o seu relatório social.

XIV) O Arguido referiu que era agente da PSP desde o ano de 1991.

XV) O Arguido negou em Tribunal que tivesse chamado nomes à Senhora CC assistente nos autos.

XVI) Negou veementemente que controlasse a Assistente, contrariando assim a versão desta.

XVII) O Arguido referiu em Tribunal que nunca controlou os quilómetros do carro da assistente CC.

XVIII) O Arguido reconheceu que a Assistente tinha uma relação carinhosa com os filhos e mais disse que isso nunca o incomodou, antes pelo contrário.

XIX) O Arguido negou que alguma vez tivesse dito que andavam (A assistente e os filhos) a conspirar contra si, contrariando mais uma vez aquilo que foi a posição da assistente perante os factos.

XX) O Arguido negou também em sede de audiência de julgamento que alguma vez tivesse forçado a Senhora CC a ter relações sexuais consigo.

XXI) O Arguido reconheceu em Tribunal que chamou galdéria à assistente a dado momento, mas que nunca a agrediu, nem violou nem coisa que se pareça.

XXII) O Arguido negou veementemente que alguma vez tivesse apontado uma arma à Cara da assistente.

XXIII) O Arguido referiu também que nunca disse à assistente que a matava se ela o deixasse.

XXIV) A verdade é que a assistente o deixou e o Arguido não matou ninguém evidentemente.

XXV) Situação que corrobora a sua versão dos factos.

XXVI) Uma vez que cumpriu sempre com todas as medidas de coação que o Tribunal lhe impôs e não pretende ter mais qualquer relação, seja de que tipo for com a assistente.

XXVII) Não tendo antecedentes criminais nem disciplinares e sendo uma pessoa inserida na sociedade, pensamos que o Tribunal A QUO deveria ter dado mais relevância e credibilidade às declarações do Arguido.

XXVIII) O facto de a Assistente ter o seu discurso corroborado pelos 2 filhos é normal até porque desde que o Arguido saiu de casa e desde que surgiu o processo crime a verdade é que os filhos da Assistente passaram a residir única e exclusivamente com esta.

XXIX) Questão diferente que se coloca agora, deixando para trás a análise dos depoimentos dos vários intervenientes processuais é a de saber se era possível acrescentar o crime de violação ao crime de violência doméstica e ao crime de detenção de arma proibida.

XXX) O Arguido preparou toda a sua defesa tomando em consideração que estava acusado da prática de crime de violência doméstica e do crime de detenção de arma proibida.

XXXI) No final do Julgamento, e já após ter efetuado a sua defesa, na qual colaborou com o Tribunal, foi o Arguido confrontado, no nosso entendimento indevidamente, com uma alteração substancial de factos que entendemos não ter, com o devido respeito por opinião em sentido contrário, razão de ser, nem suporte legal.

XXXII) Efetivamente, no nosso entendimento e de acordo com o plasmado no aritgo 359.º n. 2 do CPP, O Tribunal deveria ter comunicado ao MP a alteração substancial de factos para que o mesmo desse início a um novo inquérito. O que não sucedeu.

XXXIII) Pela razão simples que o Arguido careceria sempre de oportunidade de se defender da nova acusação que lhe foi feita e já depois de feita a prova testemunhal. Tal situação tem, influência na medida da pena e nos prazos de prescrição dos factos de que vem o Arguido acusado e é, no nosso entendimento, com o devido respeito por opinião diversa, inadmissível.

XXXIV) Efetivamente a acusação de violação não vinha descrita na acusação (que aliás, com o devido respeito, tem várias falhas no que respeita ao enquadramento espaço temporal dos factos referindo-se muitas das vezes a factos em datas não concretamente apuradas).

XXXV) Situação que leva, no nosso entendimento, e salvo o devido respeito por opinião contrária, à nulidade da sentença nos termos exatos do artigo 379.º alínea b) do CPP: “É nula a sentença que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º”.

XXXVI) Nos termos do plasmado no artigo 359.º n.º 1 do CPP sob a epígrafe “Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia”: “Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância”.

XXXVII) Por sua vez refere o n.º 2 do referido artigo 359.º do CPP: “A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis, em relação ao objeto do processo”.

XXXVIII) “Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do Tribunal”. Assim reza o disposto no n.º 3 do artigo 359.º do CPP.

XXXIX) “Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência se necessário” assim reza o plasmado no n.º 4 do artigo 359.º do CPP.

XL) O princípio «IN DUBIO PRO REO» “pretende garantir a não aplicação de qualquer pena sem prova suficiente dos elementos do facto típico e ilícito que a suporta, assim como do dolo ou da negligência do seu autorCRISTINA LÍBANO MONTEIRO “Perigosidade de inimputáveis e «IN DUBIO PRO REO», Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 11”.

XLI) É evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

XLII) Estamos, sem dúvida, perante a violação do princípio IN DUBIO PRO REO, segundo o qual o Juiz deve decidir “sobre toda a matéria que não se veja afetada pela dúvida”, de forma que, “quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório”, CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, “Perigosidade dos inimputáveis…” página 54.

XLIII) Em suma, nos presentes autos, e salvo o devido respeito por opinião em sentido contrário, não só ficou cabalmente provado que o arguido não praticou os factos em que foi condenado, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado e quanto à culpa deste, pelo que “a sua absolvição aparece como a única atitude legítima a adotar”, ALEXANDRA VILELA IN “Considerações acerca da presunção de inocência em direito processual penal”, COIMBRA EDITORA 2000, página 121.

XLIV) Pelo exposto o Tribunal A QUO violou, no nosso humilde entendimento, o disposto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

XLV) Dando cumprimento ao douto despacho proferido pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação é evidente que existem vários pontos de facto com os quais o Arguido/Recorrente não pode concordar, como por exemplo os pontos 7 e 8 da Sentença recorrida em que se refere que o Arguido controlava o número de quilómetros contabilizados pelo veículo automóvel que a assistente conduzia e quando se refere que o arguido lia as mensagens de telemóvel da assistente.

XLVI) Evidentemente, comparando-se aquilo que são as declarações da assistente com as do Arguido, apenas haveria lugar a que tais pontos de facto elencados na douta sentença proferida pelo Tribunal (pontos 7 e 8) fossem dados como não provados.

XLVII) A prova que foi feita pela Assistente ao referir tais factos, que a nosso ver, e com o devido respeito que é muito, o Tribunal deu incorretamente como provados, foi completamente desmentida pela contraprova que foi feita pelas declarações do Arguido, que referiu que nunca controlou quilómetros de qualquer veículo automóvel da assistente nem tão pouco lia o telemóvel desta.

XLVIII) Não havendo mais prova nos autos acerca destes factos deveriam os mesmos, indubitavelmente, e com respeito pelo princípio IN DUBIO PRO REO, ter sido julgados não provados.

XLIX) Relativamente ao facto dado como provado no ponto 11 da Sentença Recorrida é evidente que resulta das regras de experiência que qualquer pessoa terá necessariamente, durante o período de tempo em que circula, de fazer ultrapassagens e travagens e mal nenhum vem ao mundo, no entanto, é falso que o arguido tivesse vontade que se despistassem todos no carro.

L) Só se o Arguido fosse louco, que não é, é que iria despistar o veículo onde também seguia.

LI) Ora não tendo o Arguido tendências suicidas, nem estando provado nos autos que o mesmo padeça de qualquer doença psiquiátrica grave em que apresente tais tendências suicidas, é mais do que é evidente que o ponto 11 da Sentença Recorrida não deveria ter sido dado como provado.

LII) Neste sentido, as declarações do Arguido também infirmaram, quanto a este ponto 11 da sentença recorrida diz respeito, as declarações da assistente no processo.

LIII) O ponto 12 da sentença recorrida também não deveria ter sido dado como provado, porquanto, o Arguido também negou categoricamente o que vinha previsto nesse referido ponto 12, quando aí se refere que estando o casal três a quatro dias sem manter relações sexuais, o arguido dirigia-se à assistente, desferia-lhe cotoveladas, socos, puxões de cabelos, acordando-a.

LIV) Não havendo mais ninguém presente em casa do Ex casal, e estando os dois no quarto, é evidente que não haveriam mais testemunhas dos putativos e alegados factos, razão pela qual os mesmos deveriam ter sido dados como provados.

LV) Os pontos 14 e 15 da sentença recorrida com o devido respeito, também deveriam ter sido dados como não provados, pelas mesmas razões supra aduzidas, isto porquanto toda a história elencada no processo é uma narrativa contada a partir da perspetiva (chamemos-lhe assim) da assistente, e que a contraprova produzida pelas declarações do Arguido deveria ter servido para que tais factos fossem dados como provados.

LVI) Efetivamente é falso que o Arguido tenha referido perante a Assistente que “nem para foder tu serves! Para que queres esse corpo!”, ”Um dia, vou atirar-te pela varanda e dizer que foste tu que te atiraste”.

LVII) Todos esses factos (putativos e alegados) apenas poderiam ter sido presenciados pela assistente e pelo Arguido, pelo que, em caso de um contradizer o outro, como sucedeu em Tribunal (está gravado), por respeito ao princípio IN DUBIO PRO REO que vigora em processo penal, deveriam não ter sido provados os pontos 14 e 15 da sentença recorrida.

LVIII) O facto vertido no ponto 16 da douta decisão encontra-se prescrito porquanto a ter sido praticado em 14 de Fevereiro do ano de 2014 entre as 8 e as 9 da manhã, já decorreram 14 anos sobre a alegada prática do mesmo!

LIX) Não é correta a alegação do referido no ponto 18 da decisão agora recorrida, porquanto o Arguido negou em julgamento que tenha desferido pontapés nas pernas e socos nos braços da assistente.

LX) É falso o alegado e putativo facto descrito no ponto 19 da decisão quando aí se refere que “de seguida, o arguido rasgou-lhe a blusa, calças de ganga, e o soutien e as cuecas que vestia e, com a assistente imóvel, a chorar e pedindo-lhe para parar, introduziu-lhe o pénis ereto na vagina, movimentando-o”.

LXI) Não se compreende como é que é possível dar como provado o facto constante do ponto 21 (pelo que o mesmo vai aqui impugnado de forma expressa) da decisão agora recorrida: “Depois o arguido, a assistente, a filha da assistente e o filho de ambos, foram de carro, para casa da avó da assistente, tendo, no percurso, o arguido desferido dois socos na perna da assistente”. Pergunta-se como será possível o arguido estar com as mãos no volante e ao mesmo tempo a dar socos, ainda por cima nas pernas, da Assistente com o carro em andamento? Pura e simplesmente não é possível! Teria feito mais sentido a Assistente alegar que lhe teria alegadamente dado socos nos ombros uma vez que nas pernas não nos parece minimamente possível nem credível que tal situação descrita como provada tenha efetivamente acontecido.

LXII) Os factos constantes dos pontos 21 a 26 da douta decisão, foram todos impugnados pelo Arguido, razão pela qual não deveriam os mesmos ter sido dados como provados.

LXIII) É mais do que evidente que por respeito ao princípio IN DUBIO PRO REO o facto vertido no ponto 19 da decisão agora recorrida não deveria ter sido dado como provado, por um lado devido à distância temporal em que o mesmo terá ocorrido (nunca será feita justiça 14 anos depois de alegados factos), por outro lado, porque é a palavra da Assistente contra a do Arguido.

LXIV) Em caso de dúvida é evidente que deveria ter sido dado o benefício da dúvida ao Arguido, e parece-nos manifesto, salvo o devido respeito por opinião contrária, que não foi dado esse mesmo benefício da dúvida, desrespeitando-se desta forma, no nosso humilde entendimento, um dos mais importantes princípios vigentes no direito processual penal e que é apenas este: mais vale um culpado à solta do que um inocente preso, isto é, IN DUBIO PRO REO.

LXV) O facto dado como provado no artigo 27 da sentença agora recorrido é um não facto. Nada é acrescentado pela indicação do mesmo e a data indicada é apenas esta: em data que não é preciso concretizar, no ano de 2006…

LXVI) Este tipo de putativa alegação de factos torna completamente impossível ao Arguido apresentar uma defesa, o que é do nosso ponto de vista inaceitável num Estado de Direito Democrático (com o respeito que nos Merecem os Senhores Juízes do Tribunal de Faro, e que é muito, pois trata-se de pessoas com elevadíssima formação técnica. Lamentamos, mas não podemos concordar com o facto de fazerem da acusação como que uma verdade intocável, não dando o benefício da dúvida ao arguido e condenando este até em mais crimes do que aqueles que vinham vertidos na acusação do Ministério Público).

LXVII) O facto vertido no ponto 28 da decisão recorrida foi também ele negado de forma clara, objetiva e veemente pelo Arguido, referindo que nunca proferiu a expressão: “Não atendeste as chamadas porque devias estar debaixo de alguém, galdéria!

LXVIII) O Arguido não desferiu pontapés na perna da Assistente conforme consta do facto dado como provado no ponto 26 da decisão recorrida.

LXIX) Também não corresponde à verdade dos factos o alegado no ponto 29 do acórdão agora recorrido!

LXX) O mesmo se diga relativamente ao ponto 30 do acórdão agora recorrido, uma vez que quer o ponto 29 quer o ponto 30 foram impugnados pelo Arguido e a única testemunha alegadamente presente terá sido a avó da assistente que não produziu qualquer testemunho que servisse de prova em sede audiência de discussão e julgamento, razão pela qual, mais uma vez aqui, o Arguido deveria ter tido o benefício da dúvida do Tribunal e não teve.

LXXI) Na verdade, sendo apenas a palavra do assistente contra a palavra do Arguido, mas não restaria do que dar como não provados os factos vertidos nos pontos 29 e 30 do Acórdão agora recorrido.

LXXII) É falso e foi impugnado pelo Arguido o ponto n.º 31 constante do douto acórdão, porquanto o Arguido em momento algum chamou galdéria à Assistente e nunca disse que a matava.

LXXIII) Não se compreende como se pode dar com provada a matéria constante do ponto 34 se não existem testemunhas nomeadamente colegas de trabalho da Assistente que trabalhassem na referida loja ZIPPY que viessem ao Julgamento confirmar ou infirmar o que alegadamente sucedeu “em dia que não é possível concretizar do verão de 2009”.

LXXIV) Não é fácil acreditar que o Arguido tenha agredido a assistente no local de trabalho desta, com pontapés nas pernas e agarrando-a pelos cabelos, dizendo-lhe “és uma cabra” e “tinhas alguma coisa que ligar para a médica, tu querer é mandar-me internar”.

LXXV) Não deveriam ter sido dados como provados os factos constantes dos pontos 35 a 42 do douto Acórdão, quando aí se refere que o Arguido deu pontapés na perna da Assistente, agarrou-a pelos pulsos e torceu-lhe os braços.

LXXVI) Contrariamente ao que se refere no ponto 36 do Acórdão recorrido, das gravações dos depoimentos dos filhos da assistente (recorde-se que a filha mais velha é filha de outro homem que não o Arguido, com o qual a Assistente tinha tido outra relação que também terminou, antes de estar maritalmente com o Arguido), não se depreende que os mesmos tenham assistido aos factos constantes do ponto 35!

LXXVII) O facto constante no ponto 43 (que o Arguido teria iniciado a condução e enquanto conduzia, durante 5 minutos, desferia pancadas nas pernas da assistente com o bastão de serviço!) do douto acórdão também não deveria ter sido dado como provado uma vez que não há testemunhas do mesmo e apenas o Arguido e a Assistente estariam alegadamente no veículo que os transportava a ambos.

LXXVIII) Assim sendo, e tendo em consideração que se está perante a palavra da Assistente contra a palavra do Arguido, é mais do que evidente que deveria ter sido dado a este o benefício da dúvida, coisa que não aconteceu, ao arrepio daquilo que mandaria o princípio INDUBIO PRO REO.

LXXIX) Efetivamente inexistem testemunhas que tenham visto o Arguido a desferir pancadas nas pernas da assistente com o bastão de serviço e a desferir-lhe bofetadas dentro do carro que este alegadamente estaria a conduzir conforme vem descrito no ponto 43 do Acórdão agora recorrido.

LXXX) Por outro lado, a assistente referiu em Tribunal que foi ela quem se atirou do veículo automóvel (não se percebeu bem se o veículo estaria em andamento ou parado) e mais referiu que o Arguido não a empurrou em momento algum de qualquer veículo automóvel em andamento.

LXXXI) O causador das lesões sofridas pela Assistente como tal descritas nos pontos 45 e 46 do douto Acórdão não foi o Arguido porquanto o mesmo nunca empurrou a Assistente do veículo automóvel, onde ambos alegadamente circulavam.

LXXXII) O Arguido não negou o ponto 47 do douto Acórdão pelo que o mesmo está dado e bem como provado.

LXXXIII) Não corresponde à realidade material dos factos o constante do ponto 48 do douto Acórdão porquanto o mesmo não desferia com a periodicidade de 1 mês cotoveladas, socos e pontapés na assistente nem tão pouco lhe apertava e torcia os braços!

LXXXIV) O facto 49 fala por si porquanto é um não facto: “Em data não concretamente apurada, ocorrida no ano de 2014, o arguido, desagradado por motivo que já não é possível concretizar, agarrou num prato que estava pousado sobre a mesa e atirou-o ao chão, partindo-o”.

LXXXV) Nem se apuram os factos, nem se apuram as datas, nem se apuram os motivos de o Arguido alegadamente ter partido um prato! Não será caso para dizer que o arguido “não parte um prato”, mas parece-nos evidente que o facto de eventualmente partir um prato, por si só, não consubstanciará, com o devido respeito, a prática de nenhum crime, nem do ponto de vista do tipo objetivo, nem do tipo subjetivo.

LXXXVI) O Arguido negou de forma categórica em sede de audiência de julgamento o alegado facto constante do ponto n.º 51 do Acórdão agora recorrido (que diz que despejou água da garrafa na cara da assistente!).

LXXXVII) O Arguido nunca disse à assistente que “És uma meda! Não vales nada! Não prestas como mãe nem como mulher! Estás sempre a reclamar que estás cansada” tal como vem descrito no ponto 52 do Acórdão.

LXXXVIII) Não corresponde à realidade dos factos, e portanto, não deveria ter sido dada como provada a factualidade vertida no ponto 53 do Acórdão agora recorrido quando aí se diz: que o Arguido acordou a Assistente dizendo: “Galdéria! Puta! Só descanso quando te vir numa cama de hospital!”.

LXXXIX) O Arguido nunca disse à Assistente “A minha vontade era atirar-te esta panela a ferver para cima” conforme consta do ponto 54 do Acórdão Recorrido!

XC) O Arguido não negou o que consta do ponto 60 do Douto Acórdão.

XCI) O Arguido não teve o propósito de ofender o corpo e a saúde da Assistente, nem tão pouco a sua honra, liberdade e dignidade, enquanto mulher e sua companheira.

XCII) O facto que consta como provado no ponto 68 do douto Acórdão, com o devido respeito, que é muito, não deveria ter sido dado como provado, pela simples razão que os pais da Assistente sempre estiveram a par dos acontecimentos (que não são aqueles que foram propriamente descritos pela Assistente ao MP e que o próprio MP depois elenca na acusação que faz contra o Arguido) vivenciados pelo casal, a ponto de terem sempre dado o seu “aconselhamento” à assistente acerca do modo como deveria proceder em relação ao Arguido, apontando tudo o que segundo a versão desta (segundo a sua versão) ia acontecendo na relação do casal e preparando os seus filhos para exporem em tribunal uma versão dos factos que corroborasse a sua posição.

XCIII) É evidente que em relação ao depoimento dos filhos da assistente (a filha da Assistente não é filha do Arguido pois tem outro pai com o qual a Assistente teve outra relação conjugal que também claudicou) é mais do que evidente que a forma como os mesmos depuseram em Tribunal, do nosso ponto de vista, deveria ser ponderado tendo em conta as circunstâncias que são estas: apenas têm vivido no último ano com a mãe que possivelmente tem diabolizado a figura do pai ora Arguido, o que não lhes permitirá provavelmente ter o distanciamento necessário para se pronunciarem de uma forma totalmente isenta perante o Tribunal, para além do mais eram muito novos na altura dos factos e em dado momento dos seus depoimentos reconhecem isso. A própria filha da assistente, diz em vários momento e de acordo com as transcrições do julgamento, que não se recorda dos factos e que o irmão era muito pequenino.

XCIV) É evidente que o filho do Arguido pediu para falar perante o Coletivo sem a presença do Pai ora arguido (não o negamos, pois é um facto e contra factos efetivos não há argumentos), no entanto, não nos podemos esquecer que este mesmo filho do arguido, não deixou de dizer ao Coletivo que o pai nunca lhe bateu a ele.

XCV) É das regras de experiência do Homem médio que as partes quando se digladiam em Tribunal o fazer de uma forma preparada, muitas vezes com dias, meses e até anos de preparação aturada acerca do que vão dizer em Tribunal caso haja essa necessidade (como houve no presente caso), sendo certo que o filho (e a enteada do Arguido) devem sempre ter presenciado as conversas da mãe, ora assistente, com família e amigos no que respeita àquilo que teria de dizer no Tribunal, o que potencia que o referido filho do Arguido possa ir ficando com uma imagem muito negativa do pai.

XCVI) Nestes casos o tempo joga contra o Arguido, porquanto quanto mais tempo o filho passa com a mãe, mais vai ficando com a “cabeça feita” relativamente à versão desta.

XCVII) Evidentemente, não podendo ouvir com a mesma frequência a versão do pai ora Arguido é natural que o filho do casal fique do “lado da mãe”.

XCVIII) Aliás, até consta do relatório social que o filho do casal se vê como o protetor da mãe.

XCIX) Não estamos aqui evidentemente a dizer que o filho do casal tem qualquer culpa na situação de tensão ocorrida (era o que faltava!) entre o casal (evidentemente que, não tendo nós qualquer capacidade ou preparação para julgar os outros, instintivamente diremos que a responsabilidade do falhanço da relação entre o Arguido e a Assistente não é do filho de ambos, nem pouco mais ou menos), o que estamos a dizer é apenas que o filho do Arguido está apenas a contar ao Tribunal a história que foi ouvindo em casa, e sem possibilidade de a mesma ser contraditada em tempo real pelo referido Arguido, que ainda por cima, durante todo o processo esteve impedido de ir a casa do casal por força das medidas de coação que lhe foram impostas pelo Tribunal.

C) Em relação à Filha da Assistente, meia irmã do filho do Arguido, e enteada deste último cumpre referir, relativamente (passe a redundância) às suas declarações prestadas como testemunha no Tribunal que a mesma sempre se deu mal com o Arguido.

CI) O que é fácil de entender porquanto foi o Arguido que ocupou por assim dizer “o lugar” do pai da filha da assistente na vida de relação que mantinha com esta última.

CII) A relação entre o Arguido e a sua enteada, filha da Assistente foi aliás, em todo o momento de má qualidade.

CIII) Nunca houve agressões entre o Arguido e a sua enteada, mas a relação nunca foi boa entre ambos. Em bom rigor a relação pode qualificar-se de péssima qualidade, embora inicialmente enquanto criança a enteada do Arguido, quisesse chamar pai a este.

CIV) o facto 69 é comum a todas as mães, que vivem em função dos filhos.

CV) Não deveria ter sido dado como provado que a Assistente não convivia com os amigos e com os familiares por não ser do agrado do Arguido, para o efeito bastaria ver o Facebook da Assistente e o respetivo histórico para se perceber que o facto vertido no ponto 70 do Acórdão agora recorrido não corresponde à verdade material dos factos, porquanto a assistente nunca se escusou a ir a festas com amigos e com a família e nunca o escondeu nas redes sociais.

CVI) É falso o facto vertido no ponto n.º 74 do douto Acórdão quando aí se diz: “O facto de ao arguido se deslocar aos locais onde a assistente trabalhava motivou que os contratos de trabalho da assistente não fossem renovados”, uma vez que os contratos que a assistente celebrava com as entidades patronais foram sempre de muito curta duração e não foram objeto de renovação por decisão interna da empresa o que não teve nada a ver com a pessoa do Arguido.

CVII) Se o Tribunal queria dar como provado o facto constante do ponto n.º 74 do Acórdão agora recorrido deveria, salvo o devido respeito por opinião contrária, ter notificado as entidades patronais para virem aos autos indicar quais foram os motivos da cessação do contrato de trabalho da assistente. Até os poderia ter ouvido como testemunhas.

CVIII) É estranho que o Ministério Público e o Tribunal oficiosamente não tenha pedido às entidades patronais da Assistente e à colegas que com ela trabalhavam, nomeadamente na loja ZIPPY que viessem ao tribunal prestar o seu depoimento, até por maioria de razão porque várias das alegações (no nosso ver não provadas) que recaem sobre o arguido alegadamente ter-se-ão passado nos locais de trabalho da Assistente. É muito estranho que não hajam testemunhas dessas mesmas agressões nos locais de trabalho da assistente.

CIX) Em suma se as entidades patronais da Assistente não lhe renovaram o contrato de trabalho, tal situação ficar-se-á a dever mais à qualidade (ou não) do trabalho da assistente do que a outras situações estranhas ao normal funcionamento da empresa.

CX) As regras de experiência não nos indicam que o Patrão mande o funcionário embora por ele ter desavenças com o seu companheiro ou com a sua companheira. Essa tese não vinga, e, salvo o devido respeito por opinião contrária, não faz qualquer sentido.

CXI) O Arguido nunca dirigiu à assistente ameaças de morte!

CXII) É dito no ponto n.º 76 do Acórdão recorrido que a assistente sofre de ansiedade, no entanto, o Tribunal também sabe que o Arguido também sofre de ansiedade. Ambos sofrem de ansiedade e isso não significa, só por si, nada, até porque os fatores da ansiedade podem ser externos e/ou genéticos e/ou de outra ordem, e não têm necessariamente de serem causados pelo parceiro.

CXIII) O Arguido não tem culpa do núcleo familiar globalmente desestruturado e isento de afetividade que alegadamente terá tido (de acordo com o relatório social elaborado para juntar aos autos) e que consta como facto dado como provado no ponto n.º 77 do douto Acórdão recorrido.

CXIV) Está bem dado como provado o facto constante do ponto n.º 81 do douto Acórdão agora recorrido.

CXV) É falso o que consta do ponto 82 do Acórdão Recorrido, porquanto o Arguido tem amigos e ocupa os seus tempos livres do modo que bem entende e sem que isso tenha que ser do conhecimento de quem quer que seja uma vez que se trata de matéria do seu foro íntimo e pessoal e que apenas a ele lhe dirá respeito.

CXVI) É verdade o que consta do ponto 83 do douto Acórdão Recorrido, pelo que, tal facto estará bem dado como provado.

CXVII) A primeira parte do ponto 84 do Acórdão está bem dada como provada. O mesmo não se pode dizer da segunda parte desse mesmo ponto porquanto o Arguido não se encontra, seja de que forma for, ligado à Senhora CC.

CXVIII) Está bem dada como provada a segunda parte do que consta do facto n.º 87 dado como provado nos autos quando aí se refere: “Ainda assim revela capacidade de ajustamento comportamental e cumprimento de injunções judiciais, encontrando-se em cumprimento, sem incidentes, da medida de coação de proibição de contactos fiscalizada por vigilância eletrónica”.

CXIX) Está bem dado como provado o facto n.º 88 do douto Acórdão agora referido quando nele se refere: “O arguido não tem antecedentes criminais”.

CXX) As declarações da Assistente em sede de Audiência de discussão e julgamento não são de molde a fazer prova de todos os factos dados como provados no douto Acórdão, senão vejamos a primeira parte destas declarações (ver totalidade das transcrições que seguem em anexo):

CXXI) Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503101111_3940553_2870823 que se iniciou às 10:11:12 h, nos seguintes minutos: Inicia-se no minuto 00:04:31 até ao minuto 00:05:04 do referido clip áudio:

CXXII) Daquilo que se depreende da primeira parte deste depoimento a assistente refere em Tribunal que o Senhor AA, Arguido nos autos era uma pessoa que vinha de uma família com problemas etc... diz também que o Arguido vinha muitas vezes frustrado do trabalho etc... mas não refere aqui momentos ou factos passíveis de enquadrar a situação como de violência doméstica e muito menos como violação.

CXXIII) Num segundo momento do seu depoimento a Assistente refere: (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503101111_3940553_2870823 que se iniciou às 10:11:12 h, nos seguintes minutos: Inicia-se no minuto 00:09:13 até 00:09:19 do referido clip áudio)

CXXIV) O que se verifica aqui é que a Assistente eventualmente refere que o Arguido a injuriava, mas não diz quando, nem onde... pelo que se depreende seria no início da relação, ou seja há seguramente mais de 10 anos.

CXXV) Se assim é, como é, é evidente que o prazo de prescrição aplicável seria o do crime de injúria (diz a Assistente que o Arguido lhe terá dito que era uma puta) e esse prazo já estaria na presente data totalmente fulminado.

CXXVI) A assistente confirma que essa questão de lhe serem chamados nomes terá começado no início da relação, conforme consta das transcrições: (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503101111_3940553_2870823 que se iniciou às 10:11:12 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 00:09:50 até ao minuto 00:09:55 do referido clip audio)

CXXVII) A Assistente avança no seu raciocínio e refere que o Arguido era uma pessoa muito controladora, conforme consta das transcrições:

(Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503101111_3940553_2870823 que se iniciou às 10:11:12 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 00:10:07 até ao minuto 00:10:28 do referido clip audio)

CXXVIII) Desta parte das transcrições, muito embora a assistente diga que o Arguido é uma pessoa controladora e desconfiada, tal situação não consubstancia, com o devido respeito por opinião contrária, a prática de qualquer crime.

CXXIX) A questão levantada pela assistente quando diz que foi sendo “despedida” sucessivamente pelos vários locais de trabalho por onde passou/pelas várias entidades patronais em que trabalhou não vinga, nem pode vingar, até porque não foram apresentadas as testemunhas que pudessem atestar tal facto e que seriam os próprios chefes e as companheiras/colegas de trabalho.

CXXX) No julgamento a Assistente tenta fazer crer, de forma que consideramos incorreta, ao Tribunal que a culpa de não se manter nos trabalhos em que esteve de forma intermitente é do Arguido AA. Vejamos as transcrições: (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503101111_3940553_2870823 que se iniciou às 10:11:12 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 00:14:13 até ao minuto 00:16:35 do referido clip audio)

CXXXI) Os Argumentos da Assistente, para além de não terem suporte nas testemunhas que o poderiam atestar, os colegas de trabalho e os patrões, não fazem sentido e vão contra as regras de experiência, uma vez que toda a gente sabe que o Algarve é uma região sazonal por natureza e que os empregados de loja “entram e saem” com uma facilidade enorme das entidades patronais onde trabalham e onde existem variações e picos de trabalho ao longo do ano que não permitem manter o número de trabalhadores uniforme ao longo de todo esse ano (passe a redundância).

CXXXII) A assistente, se não logrou ficar mais tempo nas empresas em que trabalhou, isso só se pode dever a decisões internas dessas mesmas empresas e não ao Arguido.O Arguido não pode aqui servir de bode expiatório para tudo o que de mal sucede na vida da Assistente e não foi ele que deicidiu não renovar os contratos de trabalho precários da Assistente ou de promover algum despedimento por extinção do posto de trabalho, ou coletivo ou por justa causa em que a Assistente se tenha visto envolvida.

CXXXIII) Em relação à questão das relações sexuais forçadas que a Assistente levantou na Audiêmcia de Julgamento das transcrições do mesmo, resulta claro que para além do Assistente e do Arguido, mais ninguém presenciou os alegados e/ou putativos factos, pelo que neste caso deveria ter sido dada relevância ao principio IN DUBIO PRO REO. Veja-se as transcrições atinentes a estes putativos factos: (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503101111_3940553_2870823 que se iniciou às 10:11:12 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 00:20:54 até ao minuto 00:22:41 do referido clip audio)

CXXXIV) A própria Assistente a dado momento também refere que os filhos eram pequeninos na altura dessa alegada violação.

CXXXV) Nenhum dos filhos da assistente, portanto o filho do Arguido e a enteada deste, fizeram qualquer menção na audiência de julgamento a uma situação de violação sobre a sua mãe que tivessem efetivamente presenciado em tempo real.

CXXXVI) Razão pela qual, pensamos que aqui não foi respeitado, o princípio INDUBIO PRO REO, uma vez que o Arguido negou completamente nas suas declarações tomadas nessa mesma qualidade, que tivesse violado, seja em que circunstâncias fosse a Assistente.

CXXXVII) Parece-nos que o Arguido nunca deveria ter sido condenado pelo crime de violação, como veio a ser, porquanto o mesmo efetivamente não praticou tal crime.

CXXXVIII) Por outro lado, o Arguido nunca foi confrontado em fase anterior do processo com a acusação de violação, razão pela qual, não deveria ter sido condenado pela prática de tal crime.

CXXXIX) Ainda para mais, sendo um crime que foi descrito nas palavras da Assistente em sede de Acusação, como tendo sido perpetrado há mais de 14 anos e não há testemunhas desses putativos e alegados factos.

CXL) Relativamente à testemunha AA cumpre referir que das transcrições do depoimento da mesma ressalta que a mesma tinha uma vaga memória dos acontecimentos e que era, nas suas próprias palavras, muito pequena quando as situações/factos (que não conseguiu precisar com a minúcia que se impunha) alegadamente praticados pelo Arguido em relação ao Assistente tiveram lugar. (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503140814_3940553_2870823 que se iniciou às 14:08:14 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 00:02 até ao minuto 03:05 do referido clip áudio).

CXLI) Em relação à queixa que a sua mãe (assistente nos autos) apresentou anteriormente contra o Arguido, referiu que a mesma desistiu da mesma e que não presenciou qualquer facto.

CXLII) Assim consta das transcrições da filha da Assistente, enteada do Arguido: (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503140814_3940553_2870823 que se iniciou às 14:08:14 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 17:14 até ao minuto 17:59 do referido clip audio)

CXLIII) Quando perguntada sobre o facto de a sua mãe, assistente nos autos ter tentado colocar um ponto final na relação com o Arguido disse não se lembrar se tal ocorreu nem quando ocorreu.

CXLIV) O mesmo sucedendo em relação à arma do Arguido, que não conseguiu precisar onde este a guardaria conforme consta da transcrição da audiência de julgamento: (Dia 3 de Maio de 2018, Clip de Audiência de Julgamento gravação n.º 20180503143652_3940553_2870823 que se iniciou às 14:36:54 h, nos seguintes minutos: Inicia-se ao minuto 10:21 até ao minuto 11:16 do referido clip audio)

CXLV) O Arguido negou em Tribunal que tivesse chamado nomes à Senhora CC assistente nos autos.

CXLVI) Negou veementemente que controlasse a Assistente, contrariando assim a versão desta.

CXLVII) O Arguido referiu em Tribunal que nunca controlou os quilómetros do carro da assistente CC.

CXLVIII) O Arguido reconheceu que a Assistente tinha uma relação carinhosa com os filhos e mais disse que isso nunca o incomodou, antes pelo contrário.

CXLIX) O Arguido negou que alguma vez tivesse dito que andavam (A assistente e os filhos) a conspirar contra si, contrariando mais uma vez aquilo que foi a posição da assistente perante os factos.

CL) O Arguido negou também em sede de audiência de julgamento que alguma vez tivesse forçado a Senhora CC a ter relações sexuais consigo.

CLI) O Arguido reconheceu em Tribunal que chamou galdéria à Assistente a dado momento, mas que nunca a agrediu, nem violou nem coisa que se pareça.

CLII) Foi esse o único nome que lhe chamou e nada mais.

CLIII) O Arguido negou veementemente que alguma vez tivesse apontado uma arma à Casa da assistente.

CLIV) Mais referiu que nunca disse à assistente que a matava se ela o deixasse.

CLV) A verdade é que a assistente o deixou e o Arguido não matou ninguém evidentemente.

CLVI) Situação que corrobora a sua versão dos factos.

CLVII) uma vez que cumpriu sempre com todas as medidas de coação que o Tribunal lhe impôs e não pretende ter mais qualquer relação, seja de que tipo for com a assistente.

CLVIII) O Arguido disse que sempre teve uma péssima relação com os pais da Assistente.

CLIX) O Arguido disse que a filha da assistente dava-se bem com ele quando precisava ou queria alguma coisa.

CLX) Até chegou ao ponto de lhe pedir para “ter” o seu nome.

CLXI) Referiu em Tribunal que a partir do momento em que perfez 18 anos e teve carta de condução passou a dar-se mal com o Arguido. (Todas estas posições do Arguido constam do seu depoimento cujas transcrições estão acima indicadas).

CLXII) As declarações do Arguido contradizem em toda a linha as declarações da Assistente.

CLXIII) Não tendo antecedentes criminais nem disciplinares e sendo uma pessoa inserida na sociedade, pensamos que o Tribunal A QUO deveria ter dado mais relevância e credibilidade às declarações do Arguido.

CLXIV) O facto de a Assistente ter o seu discurso corroborado pelos 2 filhos é normal até porque desde que o Arguido saiu de casa e desde que surgiu o processo crime a verdade é que os filhos da Assistente passaram a residir única e exclusivamente com esta.

CLXV) Deixando de convier com o Arguido.

CLXVI) É das regras de experiência que processos crime em que as partes têm algo de pessoal uma contra a outra e estão desavindas tentem influenciar quem as rodeia (e ainda mais que pode vir a depor num processo judicial) no sentido de tomar o “Seu partido” e pensamos seriamente que isso terá em acontecido em grande medida. É evidente que tratar-se-á apenas das regras de experiência e nessa medida serão os Julgadores que estarão mais capacitados para atuarem de acordo com as mesmas pois é essa a sua função.

CLXVII) Efetivamente os filhos da Assistente tomaram o partido da mãe em detrimento do pai nesta contenda judicial.

CLXVIII) E com esse comportamento contribuíram em muito para o desfecho da lide em 1.ª Instância.

CLXIX) Efetivamente os factos acima indicados não deveriam ter sido dados como provados.

CLXX) Efetivamente as declarações do Arguido deveriam ter servido em grande medida de contraprova ás declarações da Assistente, até porque na esmagadora maioria das situações não houve testemunhas que presenciassem os factos alegadamente imputados ao Arguido, nomeadamente colegas de trabalho da Assistente.

CLXXI) Nos termos do disposto no artigo 417.º nº 3 e 412.º n.º 3 alínea a) do Código de Processo Penal o Recorrente indica que os pontos seguintes da sentença recorrida vão aqui impugnados por incorretamente julgados e por não corresponderem à realidade material dos factos: artigos/pontos 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º. 27.º. 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 34.º. 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º. 47.º, 48.º, 49.º, 51.º. 52.º, 53.º, 54.º, 68.º, 69.º, 70.º, 74.º, 76.º, 77.º, 81.º, 82.º.

CLXXII) Vários dos factos que agora são impugnados de forma expressa por não corresponderem à realidade material dos factos estão prescritos, pelo que não poderiam ter servido para fundamentar a decisão recorrida, nem tão pouco poderiam ter sido investigados, porquanto o Ministério Público não pode investigar pseudo factos ou putativos factos que se encontram prescritos, porquanto já não faz qualquer sentido a perseguição criminal dos mesmos.

CLXXIII) As provas que implicariam uma decisão completamente distinta daquela que foi preferida pelo Tribunal de 1.ª instância de Faro, seriam os próprios depoimentos quer da assistente quer do Arguido. (artigo 412.º n.º 3 alínea b) do CPP), que se mostram em completa falta de sintonia um com o outro, razão pela qual deveria ter sido respeitado o princípio IN DUBIO PRO REO, e não foi.

CLXXIV) Aliás tal prova pode ser renovada nos termos do plasmado no artigo 412.º n.º 3 alínea c) do Código de Processo Penal, pelo que desde já se requer a sua renovação, nomeadamente e se possível que seja possível confrontar em tempo real a tese da Assistente com a do Arguido, por forma a que se faça prova de que muitos dos factos que foram imputados ao Arguido após a denúncia da Assistente não têm razão de ser e não poderia o mesmo ter sido condenado nos termos em que o foi, situação que é por demais manifesta (basta também para o efeito ouvir os depoimentos gravados e não temos qualquer dúvida que o depoimento da Assistente foi, todo ele milimetricamente preparado e de espontâneo não tem nada, salvo o devido respeito por opinião contrária).

Termos em que e nos melhores de Direito deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser revogado o Acórdão Recorrido, tudo com as consequências legais.

Requer-se a renovação da prova por declarações da Assistente e do Arguido nos termos do plasmado no artigo 412.º n.º 3 alínea c) do Código de Processo Penal.

Fazendo-se assim a habitual e necessária justiça.

O recurso foi admitido.

Apresentaram respostas, concluindo:

- o Ministério Público:
1. O acórdão recorrido discorre de forma clara e perfeitamente coerente os factos que considerou provados e os que entendeu como não provados, bem como procede à análise crítica das provas, com a inerente especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

2. Encontra-se bem patente o “itinerário cognoscitivo” determinante para a decisão.

3. Da análise concreta dos elementos probatórios coligidos em sede de audiência de discussão e julgamento (devidamente identificados a fls. 976), resultaram claramente provados os factos susceptíveis de integrar os crimes pelos quais o arguido foi condenado.

4. Não foram aditados factos novos à acusação e, como tal, não se verificou qualquer alteração substancial dos factos, nos termos do artº 359º do Código de Processo Penal.

5. Da acta de fls. 941/942, verifica-se claramente que foi proferido despacho de alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, nos termos do artº 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal.

6. Não ocorreram dúvidas insanáveis/razoáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa.

7. Do texto do acórdão recorrido não resulta a eventual violação do in dubio pro reo, pois não se constata que o tribunal tenha decidido decidiu contra o arguido sem ter suporte probatório bastante para tal.

8. O acórdão proferido merece a nossa total concordância, não merece qualquer reparo e, como tal, deve ser mantido na íntegra, com a consequente e total improcedência do recurso interposto pelo arguido.

- a assistente CC:

A) Não existiu uma errada apreciação da prova, na medida em que todos os factos dados como provados, foram alicerçados nos elementos probatórios carreados para os autos, bem como nos que resultaram da audiência de discussão e julgamento.

B) Face à prova produzida, deflui dos autos que as conclusões do Tribunal a quo não merecem censura, porquanto resulta que estas são absolutamente admissíveis face às regras de experiência comum, sobretudo quando está em causa a prática de crimes pelos quais o recorrente foi condenado, que se passam na esfera da vida privada dos interveniente e dos quais resultam factos raramente presenciados por terceiros, estranhos à vida e à dinâmica familiar.

C) Nada impede que o Tribunal a quo, perante as duas versões opostas dos acontecimentos apresentadas pelo arguido e pela assistente – pelo menos quanto às situações relativamente às quais o arguido pretendeu prestar declarações -, depois de descrever as razões de ciência das testemunhas inquiridas e de fazer a apreciação e valoração, do depoimento destas, conjugadas com as declarações do arguido e da assistente, e com a restante prova carreada para os autos, conclua que a versão que correspondia à verdade era a trazida aos autos pela assistente.

D) O Tribunal a quo procedeu à exposição da matéria de facto que deu como provada, identificando e enumerando claramente os factos que deu como provados e só depois, com aquela matéria claramente autonomizada, partiu para o exame crítico das provas que lhe permitiram decidir como decidiu.

E) É notório que acórdão recorrido, quando analisado na sua globalidade, se baseia em premissas que se harmonizam entre si segundo um raciocínio lógico e coerente, não se descortinando qualquer afrontamento por parte destas, das regras de experiência comum.

F) O princípio do in dubio pro reo traduz-se numa obrigação imposta ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos determinantes para a decisão da causa. Pelo que a sua violação exigirá que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes para a decisão e, não obstante esse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido e não resulta da análise da decisão recorrida que o Tribunal a quo tenha tido qualquer tipo de dúvida.

G) Para que a violação do princípio do in dubio pro reo se verificasse, teria que resultar da fundamentação da sentença, de forma clara e inequívoca, que os juízes, ainda que tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao arguido, o considerassem provado, o que não aconteceu.

H) A fundamentação do acórdão recorrido enuncia, clara e escorreitamente, os elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição e aceitabilidade face aos seus destinatários e perante a comunidade, permitindo concluir que a decisão proferida não foi resultado do arbítrio do julgador, de uma qualquer inclinação tendenciosa deste, mas sim de um processo sério assente em juízos de racionalidade, de lógica e de experiência sobre os elementos probatórios que o Tribunal a quo teve ao seu dispor.

I) O acórdão recorrido não merece qualquer reparo, devendo manter-se na íntegra, decidindo-se pela improcedência do recurso interposto pelo arguido.

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, manifestando concordar com os argumentos da decisão recorrida e da referida resposta do Ministério Público e no sentido que o recurso deve ser julgado improcedente.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, nada foi apresentado.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as nulidades do acórdão, a que alude o art. 379.º, n.º 1, do CPP, e os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas, previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995).

Reconduz-se, então, a apreciar:
A) - da nulidade do acórdão;
B) - da impugnação da matéria de facto e consequente absolvição.

Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido:

Factos provados:
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. O arguido é Agente da Polícia de Segurança Pública desde Janeiro de 1991.

2. A assistente CC e o arguido viveram, como se de marido e mulher se tratassem, desde Junho/Julho de 2002 e até 12 de Junho de 2017, em Olhão.

3. Até Dezembro de 2006, residiram na Rua Projectada à Estrada Nacional 125, … e, desde então, passaram a residir na Urbanização Quinta do Repouso….

4. Desta relação nasceu FF, em 31/08/2003.

5. Com o casal sempre residiu a filha da assistente, AA e de RN, nascida em 06/03/1997.

6. Cerca de 6 a 8 meses após o início do relacionamento com a assistente, o arguido passou a dirigir à assistente, pelo menos uma vez por mês, expressões como: “És uma puta” e “és uma galdéria”.

7. O arguido controlava o número de quilómetros contabilizados no veículo automóvel que a assistente conduzia, bem como os locais onde o estacionava, os horários de trabalho, as deslocações que a mesma realizava, como ao supermercado e ao cabeleireiro.

8. O arguido lia no telemóvel da assistente, as mensagens por ela recebidas e enviadas e vendo a listagem de chamadas.

9. Enquanto o arguido exerceu as suas funções profissionais na Esquadra de Olhão, e quando estava ao serviço, por vezes, aproveitava as patrulhas para passar junto à residência e confirmar se a assistente ali estava, como assim lhe telefonava para obter tal confirmação, e ainda lhe pedia para quando esta saísse passasse na esquadra.

10. O arguido sentia ciúmes da boa relação que a assistente mantinha com os filhos.

11. Por várias vezes, quando viajavam os quatro, o arguido conduzia o veículo automóvel, fazendo ultrapassagens e travagens, ao mesmo tempo que dizia que tinha vontade que se despistassem todos de carro.

12. Estando o casal três a quatro dias sem manter relações sexuais, o arguido dirigia-se à assistente, desferia-lhe cotoveladas, socos, puxões de cabelos, acordando-a.

13. O que acontecia uma ou duas vezes por mês, no período que viveram juntos.

14. Às vezes o arguido dizia-lhe: “Nem para foder tu serves! Para que queres esse corpo.”.

15. Em datas que não é possível concretizar, no interior da residência, o arguido dirigiu-se à assistente e disse-lhe: Um dia, vou atirar-te pela varanda e dizer que foste tu que te atiraste!

16. No dia 14 de Fevereiro de 2004, entre as 8 e as 9 horas da manhã, no interior do quarto do casal, estando a assistente com o filho ao colo, o arguido atirou-a para cima da cama.

17. O arguido chamou a filha da assistente, a quem entregou filho e fechou a porta do quarto.

18. Depois o arguido desferiu-lhe pontapés nas pernas e socos nos braços.

19. De seguida, o arguido rasgou-lhe a blusa, calças de ganga e o soutien e as cuecas que vestia e, com a assistente imóvel, a chorar e pedindo-lhe para parar, introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, movimentando-o.

20. Ao mesmo tempo que lhe dizia que era mulher dele e tinha essa obrigação.

21. Depois o arguido, a assistente, a filha da assistente e o filho de ambos, foram, de carro, para casa da avó da assistente, tendo, no percurso, o arguido desferido dois socos na perna da assistente.

22. A dado passo esta abriu a porta do carro e saiu.

23. Quando ela estava a retirar os filhos, o arguido reiniciou a marcha do veículo dizendo-lhe entra “minha cabra”, tendo esta entrado.

24. Chegados ao prédio da avó, o arguido entrou com ela e com as crianças e já no interior do apartamento, o arguido puxou os cabelos à assistente, ao mesmo tempo que a avó dizia “Larga a minha neta”.

25. Dias depois, no interior da residência, depois da assistente lhe ter dito que não era aquela a vida que pretendia para ela e para os filhos, o arguido disse-lhe: “Ai de ti que me deixes”, ao mesmo tempo que lhe encostava a arma de serviço à cabeça.

26. Mais tarde, nesse dia, o arguido disse à assistente que estava a brincar.

27. Em data que não é possível concretizar, no ano de 2006, o arguido, fardado e em serviço como agente da PSP, foi esperá-la à porta do seu local de trabalho, no supermercado Modelo, nesta cidade de Olhão.

28. Logo o arguido lhe perguntou porque lhe não havia atendido as chamadas e dizendo “Não atendeste as chamadas porque devias estar debaixo de alguém, galdéria!”

29. Após, o arguido seguiu-a, de carro, até ao prédio onde residia a avó desta e, assim que entraram no mesmo, desferiu-lhe, nas escadas, dois pontapés numa das pernas.

30. Já no interior do apartamento, o arguido agarrou-a pelos cabelos, enquanto lhe dava pontapés nas pernas, e enquanto a avó da assistente pedia-a para ele a largar, o arguido dizia que a neta era uma galdéria.

31. Quando chegou a casa, por volta das 2 horas da manhã, o arguido chamou-lhe galdéria e disse que um dia a matava.

32. No dia 16 de Dezembro de 2006 o arguido, no interior do quarto do casal, tocou na zona genital da assistente.

33. A dada altura, e porque a assistente chorava, o arguido disse-lhe: “Veste-te que para estares a chorar não vale a pena!”.

34. Em dia que não é possível concretizar do Verão de 2009, o arguido, desagradado por a assistente ter contactado a médica psiquiatra que o acompanhava e lhe ter pedido para lhe não dar alta porque havia sido agredida fisicamente, já durante o período de acompanhamento médico, foi até ao estabelecimento comercial onde aquela, à data, trabalhava, loja Zippy, no corredor técnico, no Centro Comercial de Olhão e agarrou-a pelos cabelos e desferiu-lhe pontapés nas pernas, ao mesmo tempo que lhe dizia “És uma cabra” e “Tinhas alguma coisa que ligar para a médica, tu queres é mandar-me internar”.

35. Quando a assistente chegou a casa, a assistente disse que ia apresentar queixa, o arguido desferiu-lhe pontapés, na perna, agarrou-a pelos pulsos e torceu-lhe os braços.

36. Na situação descrita em 35. os dois filhos da assistente estavam presentes.

37. Em resultado desta agressão, para além de dores, a assistente sofreu hematomas na cabeça e nas pernas.

38. No dia 15 de Maio de 2011, ainda na residência, o arguido discutiu com a assistente, por desconfiar que outro homem lhe tivesse oferecido o anel que trazia.

39. Nesse mesmo dia, pelas 15h00/16h00, o arguido foi até local de trabalho da assistente, na loja Zippy, no Centro Comercial Ria Shopping, nesta cidade de Olhão, e encontrando-a no armazém, logo a agarrou pelos braços e perguntou: “Quem foi o cabrão que te deu esse anel? Anda comigo lá fora!”

40. Ao passarem junto à ourivesaria onde a assistente comprara o anel, esta perguntou-lhe se queria ir confirmar que o tinha comprado.

41. O arguido, enquanto lhe calcava um pé, respondeu que não e insistiu que o acompanhasse.

42. Já no exterior do edifício, no parque de estacionamento, dentro do veículo automóvel, o arguido perguntava, quem tinha sido o cabrão que lhe tinha oferecido o anel, enquanto lhe desferia bofetadas na cara com as costas da mão.

43. O arguido iniciou a condução do veículo e, enquanto conduzia, durante cerca de 5 minutos, desferiu-lhe pancadas nas pernas com o bastão de serviço e desferiu-lhe bofetadas, até que a assistente se atirou do veículo automóvel, em andamento, vindo a perder os sentidos.

44. O arguido colocou-a, novamente, no interior do veículo, e levou-a para casa, onde veio a recuperar os sentidos.

45. À entrada de casa, entregou a assistente à filha e disse-lhe: “Põe já a puta da tua mãe na banheira” e “É uma louca atirou-se do carro”.

46. Como resultado dessas agressões, a assistente sofreu, para além de dores, hematoma frontal à esquerda, ferida na região occipital à esquerda, hemorragia subaracnoídea traumática, escoriações na cara, nos membros superiores e hemi-corpo à esquerda, edema na anca e coxa esquerda e várias feridas abrasivas.

47. Nesse mesmo dia, a assistente recebeu assistência hospitalar, vindo a ser internada no Hospital de Faro, durante três dias.

48. Após os factos descritos em 38., uma vez por mês, o arguido desferia à assistente cotoveladas, socos e pontapés, apertando-lhe e torcendo-lhe os braços, atirando-a para cima do sofá e puxava-lhe os cabelos.

49. Em data não concretamente apurada, ocorrida no ano de 2014, o arguido, desagradado por motivo que já não é possível concretizar, agarrou um prato que estava pousado sobre a mesa e atirou-o ao chão, partindo-o.

50. A assistente logo se baixou para apanhar os cacos, vindo o arguido a agarrá-la por um braço e a atirá-la para o chão, só não tendo batido com a cara sobre os cacos por se ter apoiado com as mãos, espetando um dos cacos na mão direita.

51. Em meados de Setembro de 2016, no primeiro dia de escola dos filhos, o arguido, incomodado por já não terem relações sexuais há alguns dias, acordou a assistente, despejando-lhe sobre o nariz uma garrafa de água.

52. Em seguida, deu-lhe socos nas pernas e torceu-lhe os braços, enquanto lhe dizia: “És uma merda! Não vales nada! Não prestas como mãe, nem como mulher! Estás sempre a reclamar que estás cansada!”.

53. Pela manhã do dia 20/05/2017, no interior do quarto do casal, o arguido, porque a assistente havia ido, na véspera à noite, a uma festa do seu trabalho, acordou-a, aos gritos, dizendo: Galdéria! Puta! Só descanso quando te vir numa cama do hospital!”

54. Nesse dia, no momento em que a assistente preparava a refeição, na cozinha, o arguido, agarrando uma panela de canja a ferver, mais lhe disse: “A minha vontade era atirar-te esta panela a ferver para cima!".

55. No dia 01/06/2017, pelas 11h00m, no interior da residência, o arguido empurrou-a contra a parede e desferiu-lhe pontapés na perna direita onde, como bem sabia, havia sido operada no ano anterior.

56. Em consequência dessa agressão, a assistente sofreu as seguintes lesões na perna direita: equimose com 4 cm no terço médio da perna e engurgitamento varicoso peri-lesão.

57. Essas lesões foram determinantes de quinze dias de doença com dois dias de afectação da capacidade de trabalho geral.

58. No dia 13/06/2017, o arguido transportava no veículo automóvel, matrícula FA-, um instrumento portátil telescópico em metal, bastão extensível, composto por uma pega com presilha e dividido entre uma parte em tubo metálico rígido e duas partes em mola flexível, com o comprimento total de 57cm.

59. No mesmo período temporal o arguido guardava na mala do veículo automóvel, matrícula -BO-, junto ao pneu suplente, um instrumento portátil telescópico em metal, bastão extensível, composto por uma pega com presilha e dividido entre uma parte em tubo metálico rígido e duas partes em mola flexível, com o comprimento total de 51cm e ainda, no interior da residência, um aerossol de defesa contendo gás CS, também conhecido como gás lacrimogéneo, cujo princípio activo é ortoclorobenzilideno malononitrilo e 23 munições calibre 7,65mm.

60. Desde data não concretamente apurada, e no mesmo período temporal, o arguido transportava na mala do veículo automóvel, matrícula -FA, uma arma que produz descargas eléctricas, marca 800Type, com 5000KVolt de potência, como assim o respectivo carregador, bolsa e caixa.

61. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.

62. Bem sabia o arguido que violava a dignidade da assistente, molestando-a na sua integridade física e psíquica, no interior da residência onde habitam, na presença dos dois filhos e utilizando a arma de serviço, como tudo quis e conseguiu.

63. Agiu o arguido com o propósito de ofender o corpo e a saúde da assistente, bem como a sua honra, dignidade e liberdade, enquanto mulher e sua companheira.

64. Agiu o arguido da forma descrita em 32. contra a vontade da assistente, o que sabia e quis.

65. Quis o arguido deter as supra descritas armas, bem conhecendo a sua natureza e a proibição da sua detenção.

66. Com as condutas descritas em 21, 24, 24, 48 a assistente sentiu dores.

67. A assistente fez tratamentos em casa com vergonha e com medo que a deslocação ao tribunal deixasse o arguido zangado.

68. A assistente tinha vergonha de contar o sucedido, mesmo aos familiares.

69. Vivia em função dos filhos.

70. Não convivia com os amigos e familiares porque não era do agrado do arguido.

71. A assistente vivenciou a situação ao longo dos anos, com vergonha, sentindo-se triste e com medo.

72. Após apresentar a queixa saiu de casa e ausentou-se do trabalho pelo período de seis semanas, com receio que o arguido a encontrasse.

73. Ainda hoje acorda de noite assustada e tem pesadelos.

74. O facto de o arguido se deslocar aos locais onde a assistente trabalhava motivou que os contratos de trabalho da assistente não fossem renovados.

75. A assistente teve medo que o arguido concretizasse as ameaças de morte que lhe dirigia.

76. A assistente sofre de ansiedade, sendo acompanhada por uma psicóloga.

Das condições pessoais do arguido
77. AA é originário do Porto, cidade onde residiu até aos vinte e cinco anos de idade. Proveniente de um núcleo familiar globalmente desestruturado e isento de qualquer afectividade, onde o progenitor sempre assumiu comportamentos e atitudes disfuncionais em consequência dos consumos excessivos de bebidas alcoólicas. A sua progenitora, vítima de violência doméstica, sempre assumiu uma postura submissa em relação aos abusos perpetrados pelo progenitor aos descendentes.

78. O seu processo de crescimento e desenvolvimento decorreu num contexto intrafamiliar pautado pelo distanciamento afectivo entre os elementos, revelando, porém, o arguido facilidades no relacionamento interpessoal, quer com os elementos do seu grupo de pares quer com outros adultos. Após a conclusão do curso para ingresso e admissão na PSP, AA, foi colocado na esquadra no aeroporto em Faro, onde permaneceu alguns meses até regressar à zona de origem. Permaneceu no Porto, em exercício de funções, cerca de três anos, tendo definitivamente regressado para o Algarve (esquadra da PSP em Olhão), em mais uma tentativa de afastamento em relação ao agregado familiar de origem e consequente autonomia familiar.

79. Adoptou no exercício das funções, desde sempre, uma postura autoritária, inclusive, autoavaliando-se como muito rigoroso no cumprimento da Lei. Porém, é referenciado como elemento regularmente conflituoso no exercício das funções, embora com sentido de responsabilidade e zelo.

80. O arguido conheceu a assistente, na altura em processo de separação, em Olhão. O período de vivência em comum teve alguns períodos de cumplicidade e partilha de responsabilidades, embora maioritariamente seja considerado como uma fase instável, eventual consequência dos ciúmes do arguido e atitude possessiva e/ou controladora que detinha para com a assistente. Este contexto era o motivo gerador das situações mais violentas no casal.

81. O arguido tem como único rendimento mensal o seu vencimento, na qualidade de agente principal, no montante de €1280. Paga de prestação de alimentos €125 acrescido de metade da prestação bancária referente ao empréstimo contraído, ainda enquanto casal, para aquisição de casa de família, no montante de €300. Para além destas despesas, menciona uma renda de €350/mês, referente à casa onde reside (casa térrea sita …, em Castro Marim).

82. Não tem forma organizada para ocupar os seus tempos livres e não dispõe de um leque de amigos e/ou conhecidos de quem possa beneficiar de apoio material, ou emocional, regular, situação que o próprio atribui à sua forma de estar perante o exercício das suas funções.

83. AA apresenta uma postura e um discurso assertivo.

84. O arguido verbaliza actualmente aceitar a separação, não pretendendo retomar os contactos com a ex-companheira, embora seja notória alguma expectativa em relação a uma eventual reconciliação, uma vez que aparenta encontrar-se emocionalmente ainda ligado a CC.

85. Segundo o arguido, o presente envolvimento judicial é do conhecimento generalizado de familiares e amigos, situação que gere sem constrangimento, considerando-se incondicionalmente apoiado e não censurado.

86.Neste contexto, segundo referiu, beneficia de apoio psicológico, comparecendo a consultas de psicologia, em Faro duas ou três vezes por mês.

87. Capaz de reconhecer o bem jurídico em causa na presente acusação, o arguido não identifica no seu comportamento aspectos que atentem contra o mesmo bem assim como oportunidade de mudança. AA não identifica no seu comportamento oportunidade de mudança, expressando dificuldade em antecipar uma eventual condenação. Ainda assim revela capacidade de ajustamento comportamental e cumprimento de injunções judiciais, encontrando-se em cumprimento, sem incidentes, da medida de coacção de proibição de contactos fiscalizada por vigilância electrónica.

Dos antecedentes criminais do arguido
88. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:
Produzida a prova não se logrou provar que:
a) Para além do que consta nos factos provados em 6. o arguido passasse a dirigir, quase diariamente expressões como “Puta! Cabra! Vaca! Um dia, não sabes o que te faço!”

b) Se não encontrasse o veículo estacionado no mesmo sítio onde o vira no dia anterior, logo o arguido dissesse à assistente que ela tinha ido ter com outro homem;

c) O arguido telefonasse para a assistente para obter confirmação que a mesma se encontrava na residência;

d) Por ciúmes o arguido exigisse que a assistente não se relacionasse com terceiros obrigando-a a afastar-se das suas amigas e dos seus pais e irmã;

e) O arguido não permitisse que a assistente e os filhos saíssem juntos de casa, em passeio, dizendo que andavam a conspirar contra ele;

f) Diariamente o arguido constrangesse a assistente a manter relações sexuais;

g) O arguido dissesse à assistente, na presença dos filhos: “Já tive outras que me satisfizeram na cama!”;

h) Em data não apurada do mês de Abril ou Maio de 2004, no interior da residência, o arguido desferisse um empurrão e socos nos braços da assistente, causando-lhe, para além de dores, nódoas negras;

i) A situação descrita em 54. tivesse decorrido pela hora de almoço;

j) O arguido tivesse ejaculado na situação referida em 32.;

k) Em data que não é possível concretizar, o arguido rasgasse a roupa à assistente e contra a sua vontade lhe introduzisse o pénis erecto na vagina, movimentando-o;

l) O arguido atirasse laranjas ao corpo da assistente;

*
No que tange aos factos que se encontravam vertidos nos pontos 34.º a 40.º do despacho de acusação não constam dos factos provados, nem não provados, porquanto e tal como aí se refere a assistente desistiu do procedimento criminal, desistência que foi homologada no âmbito do inquérito n.º ----/08.2PAOLH. Ora, entende o tribunal, na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Fevereiro de 2016 (disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o número de processo 192/13.9GBABF.E1), que os factos que foram objecto de processo em que foi homologada a desistência de queixa não podem ser novamente valorados, mesmo no âmbito de um processo em que o arguido está acusado de violência doméstica, porquanto “constitui caso decidido, sob pena de insuportável violação da paz jurídica e da segurança do cidadão.”

Na verdade, tal situação encontra-se sujeita ao equivalente caso julgado ou ao ne bis in idem, e como se sublinha no aresto citado «o efeito preclusivo do caso julgado diz respeito não apenas àquilo que foi conhecido como àquilo que podia tê-lo sido no processo anterior. Assim, todo o comportamento espácio-temporalmente determinado, facto naturalístico concreto ou "pedaço de vida" de um indivíduo que tenha sido já objeto de uma sentença ou decisão que se lhe equipare, e independentemente do "nomem iuris" que lhe tenha sido ou venha a ser atribuído, no primeiro ou no processo subsequentemente instaurado, fica abrangido pelo efeito de "caso julgado" ou, na ausência de julgamento propriamente dito, de "caso decidido".

(…) Não sendo essa decisão objeto de requerimento de abertura de instrução ou de intervenção hierárquica, não pode mais o arguido ser perseguido criminalmente por tais factos, designadamente em virtude de novo enquadramento jurídico feito pelo Ministério Público.»
(de todo modo o entendimento não é pacífico, e em sentido contrário, pode ver-se o acórdão da Relação do Porto de 9 de Dezembro de 2015, disponível no mesmo sítio da internet, com o número de processo 888/14.8GBPRD.P1).
*
Anote-se que as demais circunstâncias relatadas e considerações efectuadas no despacho de acusação, para o qual o despacho de pronúncia remete, e no pedido de indemnização civil não foram tidas em conta (não constando nem dos factos provados nem dos factos não provados), por conterem meros juízos conclusivos ou matéria de direito, não tendo relevância para a decisão da causa (a título de exemplo, cita-se o Ac. do S.T.J. de 02/06/2005, publicado na Internet, em www.dgsi.pt/jstj, com o nº de processo 05P1441, a propósito da incorrecção da inclusão na acusação de meios de prova, confundindo-se estes com factos, já que naquela só “os factos com relevo para a decisão da causa” devem constar, sendo só estes “que a lei manda enunciar na sentença, procedendo-se, se necessário, e na extensão tida por necessária, ao «aparo» ou «corte» do que, porventura em contrário e com carácter supérfluo, provenha da acusação ou, mesmo, da pronúncia, de que a sentença não é nem pode ser fiel serventuária”).

Motivação da decisão de facto:
O tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica e global da prova testemunhal prestada em audiência de julgamento e da prova documental que consta dos autos, com recurso a juízos de experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico.

Assim, considerou-se:
- as declarações do arguido AA;
- as declarações da assistente CC;
- os depoimentos das testemunhas AN, filha da assistente; FF, filho do arguido e da assistente e PA, colega de trabalho do arguido.

- os documentos que constam dos autos, designadamente os assentos de nascimentos de fls. 112 a 113 e 733 a 734, autos de busca e apreensão de fls. 43 e 44, aditamento de fls. 117 (apreensão de quatro munições e um carregador); autos de apreensão de fls. 443, de fls. 508 e de fls. 638; fotografias de fls. 21 a 23, relatório da perícia de avaliação do dano corporal de fls. 298 a 299, os autos de exame de fls. 315 a 317 (arma de fogo e quatro munições), de fls. 318 a 319 (bastão extensível), de fls. 628 (23 munições de calibre 7,65 mm), de fls. 629 (20 munições de calibre 6,35 mm), de fls. 630 (aparelho que emite descargas eléctricas, de fls. 631 (bastão extensível); relatórios de episódios de urgência 422, 423, 425 a 426, 432 a 435, 436 a 441; ficha de avaliação de risco de fls. 887 a 889 e relatório elaborado pela psicóloga que acompanha a assistente, de fls. 917 a 920.

No que respeita às declarações do arguido e aos depoimentos das testemunhas acima identificadas, em síntese, que:

- o arguido que confirmou o momento a partir do qual encetou um relacionamento amoroso com a assistente e reconheceu ter discutido algumas vezes com esta, com insultos e ameaças, porque a assistente é uma pessoa ciumenta, mas negou os factos termos descritos na acusação. Explicou que na situação que esteve na origem do NUIPC n.º ---/08.2PAOLH quando ia beijar a assistente aquela levantou a cabeça, sendo essa a razão pela qual ela sofreu ferimentos. Esclareceu ainda que noutra situação (a vertida no ponto 55.) quando se cruzaram no corredor da residência e, sem o pretender, lhe bateu na perna. No que tange à situação descrita em 43. disse que iam os dois no carro quando a assistente abriu a porta se atirou com o carro em movimento. No que tange às armas admitiu a sua detenção, pese embora tenha referido que o número de munições era inferior;

- a assistente deu conta desde quando iniciou uma relação de namoro com o arguido, bem como o período e em que locais passaram a viver como se mulher e marido fossem. Mais explicou que a partir de que momento o arguido começou a dirigir-lhe as expressões descritas nos factos, as agressões que lhe desferiu, as razões que as motivaram, bem como foi a vivência em comum, e com os filhos, até ao momento em que decidiu terminar a relação e a forma como tal se concretizou, bem como o que sentiu no período em que viviam juntos e após o fim da relação;

- a testemunha AN, filha da assistente, a qual explicou, dentro do que se recordava, desde o período que começou a viver com o arguido, com quatro anos de idade, e quais os episódios que recordava;

- a testemunha FF, filho do arguido e da assistente, a qual explicou, dentro do que se recordava, quais os episódios a que assistiu e como vivenciava a situação, com a sua irmã;

- a testemunha PA, agente da Polícia de Segurança Pública, colega de trabalho do arguido, que assistiu à situação descrita em 2006, junto ao local de trabalho da assistente.

Enunciados os meios de prova, passemos à análise crítica, descrevendo os pilares que estão na base da convicção do tribunal.

O arguido admite a detenção das armas, dizendo que a arma eléctrica lhe foi oferecida.

Relativamente ao mais, negou os factos e apresentou uma versão inconsistente que soçobra só por si. Na verdade, as referidas declarações são inverosímeis, claramente orientadas para o afastamento de responsabilidades próprias e contrariadas não só pelos depoimentos das testemunhas e declarações da assistente, mas até das regras da experiência comum. Não deixa de se notar que o arguido admite que as lesões ocorreram (no dia 15 de Maio de 2011 e 1 de Junho de 2017), mas a sua intervenção é sempre causal (toca na perna sem querer, é ele que é chamado pela assistente ao local de trabalho desta e ela que se atira do carro, é ela que é ciumenta).

Ademais, as declarações prestadas pela assistente, que procedeu a uma descrição sequencial dos factos, circunstanciando em termos temporais e espaciais por referência aos locais onde desempenhou funções ou a acontecimentos da sua vida ou dos filhos, relato efectuado de forma coerente, circunstanciada e objectiva.

Tais declarações surgem corroboradas pelos depoimentos dos filhos, nas situações que assistiram. Note-se que, pese embora, as relações das testemunhas com a assistente, as mesmas depuseram de uma forma segura e que o tribunal considerou credível, coerente e sincera.

A par destes dois depoimentos, há que realçar, ainda, o depoimento da testemunha PA, que de forma credível e objectiva, descreveu o que sucedeu em 2006, quando o arguido se deslocou ao local de trabalho da assistente com os dois colegas (note-se que não pertence sequer à área de intervenção da Policia de Segurança Pública), que motivou que tivesse pedido para deixar de fazer patrulhas com o arguido. Esta testemunha surge claramente distanciado do ambiente familiar.

Acresce que os elementos clínicos também corroboram as declarações da assistente no que tange à situação de 1 de Junho de 2017 (cfr. fls. 298 e 299) e de 15 e Maio de 2011.

Ora, contraria de modo evidente as regras da experiência comum que a assistente tenha pedido para ir dar um passeio com o arguido e depois se lance do carro em movimento. Tal atitude só se torna compreensível numa situação de tensão e desespero, precisamente a que é relatada pela assistente. Por outro lado, caso tal tivesse ocorrido o arguido teria transportado a vítima ao médico ou ao hospital ou teria providenciado para que a mesma fosse socorrida no local (ademais estamos na presença de um agente da polícia que transporta a companheira a casa e disse ter ido ao centro de saúde pedir ligaduras e pensos).

Deste modo o tribunal ancorou a factualidade vertida em 2, 3, 5, 6 a 43, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 66 a 76.

No que tange às lesões sofridas e tempos de cura teve-se em consideração os elementos clínicos e o relatório de dano corporal supra referidos.

No que concerne aos pontos 1 e 44, com base nas declarações do arguido que nesta arte se afiguraram credíveis.

No que concerne aos pontos 58 a 60 ancorou-se o tribunal nos autos de apreensão supra identificados, conjugados com as declarações do arguido quanto à detenção das armas descritas.

Relativamente às características ancorou-se o tribunal nos exames efectuados.

A factualidade descrita em 45, com base nas declarações dos filhos da assistente.

De todo o modo, sempre se dirá que mesmo que o Tribunal tivesse formado a sua convicção apenas com base das declarações da assistente, tal não comportaria violação de qualquer norma ou princípio de direito processual penal, nomeadamente o princípio do in dubio pro reo.

De facto, se o depoimento da vítima do crime ou de uma testemunha consegue convencer o Tribunal, para além da dúvida razoável, nada impede que esse elemento de prova seja bastante para alicerçar a condenação. E, no caso vertente, conjugada toda a prova produzida, o Tribunal efectivamente convenceu-se que os factos descritos na acusação nos precisos termos provados efectivamente aconteceram.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Dezembro de 2005, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o número de processo 2489/05-1: “no tipo de criminalidade dita de «violência doméstica», as declarações das vítimas não podem deixar de merecer ponderada valorização, pois que, reconhecidamente, os maus-tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem, por via de regra, dentro do domicílio conjugal, no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal. A vítima acaba por guardar muitas vezes para si o sofrimento e passados anos, é que acaba por reagir. É que este tipo de crimes ainda provoca nas suas vítimas a vergonha pela situação e muitas vezes levam a casos psicológicos em que estas se sentem como culpadas e não vítimas, como o são na realidade, o que lhes tira a coragem para denunciar a situação.”

É que o velho aforismo “testis unus testis nullus” carece de eficácia jurídica num sistema processual penal como o nosso em que a prova já não é tarifada ou legal mas, antes, livremente apreciada pelo tribunal (artigo 127.º do Código de Processo Penal) ainda que a mesma se reconduza apenas às declarações da própria vítima ou depoimento de uma única testemunha que podem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 25.02.2008, no processo n.º 557/07-1, inwww.dgsi.pt).

Mesmo que o sistema processual penal português fosse mais exigente, como é o espanhol, ainda assim o relato da ofendida venceria as barreiras que ali se interpõem para a valoração, como base bastante para condenar, do que trouxe ao tribunal: (i) ausência de “increbilidad subjetiva” derivada das relações acusador/acusado que poderiam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, inimizade, vingança, afrontamento, interesse, ou de qualquer outra índole, que prive a declaração da aptidão necessária para gerar certeza, o que se verifica no presente, atentas as características supra apontadas do depoimento que se mostrou objectivo e credível; (ii) verosimilhança, ou seja, constatação de corroborações periféricas de carácter objectivo que avalizem a sua declaração, que no caso vertente se reconduz aos depoimentos das testemunhas que viram a ofendida com marcas; (iii) persistência na incriminação, que deve ser prolongada no tempo, plural, sem ambiguidades nem contradições, o que se verifica no caso (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 20.12.2005, no processo n.º 2489/05-1, in www.dgsi.pt).

É vasta a jurisprudência autorizando a valoração única das declarações do ofendido com a prática do crime, se lograrem convencer, como base suficiente para uma decisão condenatória (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 10 de Novembro de 2010, no processo n.º 2354/08.1PBCBR.C2, do Tribunal da Relação de Guimarães, datados de 17 de Maio de 2010, no processo n.º 1379/07.9PBGMR.G1, e de 18 de Maio de 2009, no processo n.º 349/07.1PBVCT, todos in www.dgsi.pt).

Relativamente às condições sócio-económicas do arguido, o tribunal fundou-se no relatório social de fls. 931 a 934, dadas as fontes e metodologia consideradas, e nas declarações do arguido, que se afiguraram credíveis, quando conjugadas com o mesmo relatório.

No que concerne aos antecedentes criminais teve-se em consideração o teor do certificado de registo criminal junto aos autos, a fls. 884.

No que tange aos elementos subjectivos do tipo legal ancorou-se o tribunal em presunção judicial retirada do modo de actuação do arguido, que denota uma clara percepção do conteúdo e significado dos seus actos, donde resultou que o mesmo é imputável e tem consciência da ilicitude e antijuridicidade dos comportamentos do tipo dos que estão em causa nos presentes autos.

Relativamente aos factos não provados teve-se em conta que não foi produzida uma prova segura da sua verificação, até porque não foram confirmados pela assistente e se mostram desacompanhados de outros elementos que o suportem não permitem criar a convicção fundada que os mesmos ocorreram

Apreciando, conforme ao definido objecto do recurso:

A) - da nulidade do acórdão:
O recorrente invoca que o acórdão padece da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, com fundamento em que, tendo sido condenado por crime de violação, que não constava da acusação, foi, segundo refere, confrontado com uma alteração substancial de factos e, por isso, o Tribunal deveria ter comunicado ao MP a alteração substancial de factos para que o mesmo desse início a um novo inquérito. O que não sucedeu, reportando-se ao disposto no art. 359.º do CPP.

Acrescenta, ainda, que careceria sempre de oportunidade de se defender da nova acusação que lhe foi feita e já depois de feita a prova testemunhal. Tal situação tem, influência na medida da pena e nos prazos de prescrição dos factos e é, no nosso entendimento, com o devido respeito por opinião diversa, inadmissível.

O Ministério Público, na sua resposta, refere que não assiste qualquer razão ao recorrente, pois, se atentarmos à acta de fls. fls. 941/942, verifica-se claramente que foi proferido despacho de alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, nos termos do artº 358º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, aliás, como admitido e reconhecido no requerimento que apresentou a fls. 945/950.

Vejamos.
Decorre efectivamente da acta da audiência de julgamento de fls. 942, que o tribunal proferiu despacho de alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, nos termos do disposto no art.º 358.º, números 1 e 3 do C.P.P., tendo então o recorrente, através do seu defensor, requerido prazo para defesa, o que lhe foi concedido, a qual exerceu mediante o requerimento de fls. 945/950.

Consultado tal despacho, através da audição do suporte de gravação, relativamente ao qual, aliás, o recorrente juntou, àquele seu requerimento, transcrição do mesmo, constata-se que:

- por um lado, comunicaram-se as seguintes alterações da factualidade vertida na acusação:

O arguido é agente da Polícia de Segurança Pública desde Janeiro de 91;

Cerca de 6 a 8 meses após o inicio de relacionamento com a assistente, o arguido passou a dirigir a ela pelo menos uma vez por mês expressões como para além do mais: “és uma puta”;

Enquanto exercia funções por vezes aproveitava as patrulhas para passar junto da residência e ainda lhe pedia para ela quando saísse de casa passasse pela esquadra;

Por várias vezes quando viajavam de carro, o arguido a conduzir fazia ultrapassagens e travagens sequenciais ao mesmo tempo que dizia que tinha vontade que se despistassem todos de carro;

Estando o casal três a quatro dias sem manter relações sexuais, o arguido dirigia-se à assistente e desferia-lhe cotoveladas, socos, puxões de cabelo, acordando-a, o que acontecia com uma regularidade variável mas pelo menos uma vez por mês no período que viveram juntos;

No dia 14 de Fevereiro de 2004 entre as 8 e as 9 horas da manhã no interior do quarto do casal estando a assistente com o filho ao colo, o arguido atirou-a para cima da cama, depois chamou a filha da assistente a quem entregou o filho dele também e fechou a porta do quarto;

Depois o Arguido desferiu-lhe pontapés nas pernas e socos no braço;

De seguida o arguido rasgou-lhe a blusa, as calças de ganga o soutien e as cuecas que vestia e com a assistente imóvel e a chorar pedindo para parar introduziu­-lhe o pénis erecto na vagina, ao mesmo tempo que lhe dizia que era mulher dele e que tinha essa obrigação;

Depois o arguido, a assistente, a filha da assistente e o filho de ambos, foram de carro para casa da avó da assistente, tendo no percurso o Arguido desferido dois socos na perna da assistente;

A dado passo esta abriu a porta do carro e saiu, quando ela estava a tentar tirar os filhos, o arguido reiniciou a marcha do veículo dizendo, entra minha cabra, tendo esta acabado por entrar;

Chegados ao prédio da avó, o arguido entrou com ela e com as crianças e já no interior do apartamento puxou os cabelos à assistente ao mesmo tempo que dizia a avó dizia “largue a minha neta”;
Dias depois no interior da residência depois da assistente lhe ter dito que não era aquela vida que pretendia para ela e para os filhos, o arguido disse-lhe “ai de ti que me deixes”, ao mesmo tempo que encostava a arma de serviço à cabeça;

Mais tarde nesse dia o arguido disse à assistente que estava a brincar;
Em data que não é possível concretizar no ano de 2006, depois de ter falado com ela nas circunstâncias que já se encontram descritas na acusação o arguido seguiu-a de carro até ao prédio onde residia a avó desta e assim que entraram no mesmo desferiu-lhe nas escadas dois pontapés numa das pernas e já no interior do apartamento o arguido agarrou-a pelos cabelos enquanto lhe dava pontapés nas pernas enquanto a avó da assistente pedia para ele a largar, o arguido dizia que a neta era uma galdéria;

Quando chegou a casa por volta das 2 horas da manhã, o arguido chamou-lhe galdéria e disse que um dia a matava;

No dia 16 de Dezembro o arguido no interior do quarto do casal rasgou a roupa que a assistente trazia vestida;

A situação da zippy ocorreu no corredor técnico e o arguido agarrou-a pelos cabelos ao mesmo tempo desferiu-lhe pontapés nas pernas,ao mesmo tempo que dizia és uma cabra, tinhas alguma coisa que ligar para a médica, tu queres é mandar-me internar;

Quando a assistente chegou a casa e disse que ia apresentar queixa, o arguido desferiu-lhe pontapés na perna, agarrou-a pelos pulsos e torceu-lhe os braços, e os dois filhos do casal estavam presentes;

Naquela situação que aconteceu no Ria shopping e depois dentro veículo automóvel mas no parque de estacionamento, o arguido perguntava quem tinha sido o cabrão que lhe tinha dado o anel, depois quando entregou a assistente à filha disse­-lhe, depois lhe ter dito põe já a puta da tua mãe na banheira, “é uma louca, atirou-se do carro”;

- por outro lado, comunicou-se alteração da qualificação jurídica:

A factualidade que já se encontra na acusação é passível eventualmente de integrar para além de um crime de violência doméstica, ainda a prática de um crime de violação previsto e punido nos termos do artigo 164º, n.º 1, do Código Penal, por se entender que podemos estar em face a uma situação de concurso efectivo.

Naquele requerimento, em sintonia com o que no momento também foi referido pelo tribunal, de que, quanto a esses factos, são a concretização dos que já estavam na acusação, o ora recorrente reconheceu que assim era e, por isso, até, como aí se consignou, que a comunicação não consubstancia qualquer alteração factual e também não acarreta qualquer modificação da qualificação jurídica, sendo que o Tipo legal de Crime pelo qual o Arguido já se encontra acusado consome todos os alegados factos.

Ora, nos termos do art. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa CRP), “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determina subordinados ao princípio do contraditório”.

Relaciona-se com a obrigatoriedade de que o processo criminal assegure todas as garantias de defesa, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito legal, que consagra uma cláusula geral englobadora de todas as garantias que hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido, ou seja, de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, vol. I, pág. 516).

Segundo os mesmos Autores, ob. cit. pág. 522, O princípio acusatório (…) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório).

A concepção típica de um “processo acusatório” implica, pois, a estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa, quer em sede de determinação do objecto do processo, como no âmbito dos poderes de cognição e dos limites da decisão (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, pág. 65).

Por força dessa estrutura acusatória, o juiz de julgamento encontra-se tematicamente vinculado à apreciação da acusação, em sentido material, o que constitui para o arguido uma garantia de defesa, na qual se inclui o princípio do contraditório, que significa (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 523) o dever e o direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; em particular, direito do arguido de intervir no processo e de pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; a proibição por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respectivos fundamentos.

Todas estas características do processo penal, compreendidas à luz das garantias de defesa, justificaram os cuidados postos pelo legislador nas situações de alteração de factos descritos na acusação (ou na pronúncia quando esta exista), quer ao nível substancial (art. 359.º do CPP), quer na vertente não substancial (art. 358.º do CPP).

O legislador de 1987 distinguiu esses dois graus de alterações, a que fez corresponder diferentes procedimentos e, ainda, por via da revisão operada pela Lei n.º 59/98, de 25.08, incluiu a alteração da qualificação jurídica dos factos, classificando-a como alteração não substancial, mas dependendo os efeitos desse tipo de alteração de comunicação dessa circunstância ao arguido e da concessão de prazo para defesa se ele a requerer (n.º 3 desse art. 358.º)

A alteração substancial de factos é definida pelo art. 1.º, alínea f), do CPP, como sendo “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.

Todas as restantes alterações são havidas como não substanciais, ou seja, aquelas que, consubstanciando embora uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, não têm por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (Conselheiro Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal Comentado”, Almedina, 2016, 2.ª edição, pág. 1081).

Estas, por isso, com um regime de menor exigência quanto a poderem ser consideradas no mesmo processo, desde que respeitada a prévia comunicação ao arguido e a eventualidade deste requerer prazo necessário para se defender.

Pode afirmar-se, com o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 674/99, de 15.12, in www.dgsi.pt, que a orientação a seguir, plasmada, pois, designadamente naquele art. 358.º, tem subjacente o critério da defesa eficaz do arguido, permitindo que ele tome conhecimento das alterações de factos que sejam relevantes do ponto de vista daquela defesa, com aplicação idêntica à alteração da qualificação jurídica.

Dentro dos assinalados parâmetros, não se descortina motivo para que o recorrente, mudando agora de opinião (o que pode fazer, desde que se justifique), veja as comunicadas alterações de factos, que vieram a ser, pelo menos em parte, acolhidas na matéria de facto fixada, como alterações substanciais, ao abrigo daquele art. 359.º, com as consequentes implicações aí previstas.

Na verdade, confrontando o acervo factual constante da acusação, acatado, por remissão, pela pronúncia, verifica-se, manifestamente, que essas alterações se revestem como não substanciais.

Com efeito, o que releva é saber se o pedaço de vida individualizado na acusação, mediante esses novos factos, redundaria, ou não, como diferente na sua imagem global e valorativa e, só na afirmativa, se colocaria, eventualmente, a problemática das alterações serem substanciais.

Nesta perspectiva, resulta bem claro que, em concreto, a resposta negativa se impõe, uma vez que esses comunicados factos não mais do que incidiram em concretizações dos que já constavam da acusação e, como tal, como o recorrente, anteriormente, admitira, nada vieram modificar para o efeito em apreço.

E note-se que, relativamente aos que, segundo o tribunal, outra qualificação jurídica mereceriam, também da acusação já constavam e as alterações cingiram-se, identicamente, a concretizações dos mesmos.

Essa diferente qualificação jurídica foi devidamente comunicada e, de modo algum, se equiparou a alteração substancial, dado que, não obstante o crime ser diverso, os factos respectivos integravam a acusação.

A condenação do recorrente não preteriu a observância das condições previstas no referido art. 358.º, pelo que inexiste fundamento para a nulidade do acórdão.

B - da impugnação da matéria de facto e consequente absolvição:
O recorrente manifesta a sua discordância em matéria de facto, preconizando a sua absolvição.

Ora, a impugnação da matéria de facto pode-se configurar através da presença de vícios da decisão, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, bem como da reapreciação probatória obedecendo às condições exigidas pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

Afigura-se que é nesta perspectiva de reapreciação que o recorrente a suscita, embora se refira à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que se colhe facilmente que alude a esse vício como decorrente, na sua perspectiva, de insuficiente prova dos factos dados por provados, o que não se confunde com aquele.

Esse vício tem de “resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, nos termos desse art. 410.º, n.º 2, cingindo-se, assim, ao que essa decisão em si mesma contenha, sem apelo a elementos que não lhe sejam intrínsecos e à luz das máximas da experiência comummente conhecidas.

Ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito, não se confundindo, todavia, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida (acórdão do STJ 13.02.1991, citado em anotação ao preceito in “Código de Processo Penal Anotado”, de Maia Gonçalves, Almedina, 1998, pág. 724, e acórdão do STJ de 01.06.2006, no proc. n.º 06P1614, in www.dgsi.pt).

Significa que a decisão de facto apurada não é suficiente para a decisão de direito encontrada ou, como salienta Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito, ou seja, quando o tribunal a quo deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.

Ou, ainda, como se assinalou no acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363, in www.dgsi.pt, significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.

Revertendo ao caso em análise, a alegação do recorrente não diz respeito a esse vício, ou a qualquer outro, sendo que, note-se, a decisão não merece censura com fundamento nesse âmbito de apreciação.

Deste modo, saliente-se, desde já, pois, que a requerida renovação das provas (apesar da motivação de recurso se reportar, afinal, a reapreciação das mesmas) não se apresenta admissível, como decorre do art. 430.º, n.º 1, do CPP.

Resta, sim, a impugnação, mediante a pretendida reapreciação, já que a modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o disposto no art. 431.º do CPP, designadamente, “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”.

Há que notar, contudo, como vem sendo pacificamente entendido, que o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância (exceptuado o caso em que seja admissível a renovação da prova), traduzindo reapreciação necessariamente cirúrgica e num plano alheio à imediação e à oralidade que regem a audiência de julgamento.

Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça».

Por isso, mesmo quando se considere a impugnação da matéria de facto de forma processualmente válida, nem por isso a impugnação equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.

Tal impugnação não se bastará, para que venha a proceder, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre, já que a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a decisão do tribunal a quo que assente a sua convicção sobre a credibilidade da prova produzida, ou a falta dela, em elementos que relevam daqueles princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso, sem prejuízo dos limites do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do CPP.

A impugnação da decisão nesse âmbito visa, na realidade, corrigir erros de julgamento assentes em prova inválida e/ou insuficiente e não, propriamente, obter a prevalência de convicção diversa do tribunal ad quem, acompanhando total ou parcialmente a convicção de quem recorre.

Se é certo que aquele princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções - designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169.º do CPP), ao caso julgado (art. 84.º do CPP), à confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344.º do CPP) e à prova pericial (art. 163.º do CPP) -, não é menos real, também, que não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável.

Aos seus limites, consubstanciados nas regras da experiência e na livre convicção do julgador, terá de corresponder a necessária fundamentação objectiva, inteligível e adequada à individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados, sem perder de vista os critérios generalizadores da experiência que orientam os caminhos da descoberta da verdade, oferecendo probabilidades conclusivas, mas susceptíveis de motivação e controlo (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19.11, in BMJ n.º 461, pág. 93).

No entanto, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só tendencialmente estará habilitado a exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende as regras da experiência comum.

Acresce, então, tendo em conta a natureza e a finalidade do recurso em matéria de facto, que a impugnação não deve significar mera sobreposição relativamente à convicção formada em audiência.

E conforme ao acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.

Sendo que através do acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012, de 08.03, in D.R. I Série n.º 77, de 18.04.2012, vista a sua fundamentação, bem definidos ficaram a razão de ser das especificações previstas naquele art. 412.º e os contornos do seu adequado cumprimento, sem os quais não se mostra viável a sua avaliação, pelo menos com a amplitude que, muitas vezes, quem recorre, o deseja.

Postas estas considerações, por pertinentes, entende-se que o recorrente não deu cumprimento cabal ao ónus de impugnação, razão por que, inevitavelmente, a apreciação ficará limitada, intrinsecamente por força da revelada insuficiência, não obstante lhe tivesse sido facultada a oportunidade, ao abrigo do art. 417.º, n.º 3, do CPP, de ter procedido de outro modo.

Com efeito, indica os pontos de facto que considera incorrectamente julgados (provados em 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º. 27.º. 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 34.º. 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º, 42.º, 43.º, 45.º, 46.º. 47.º, 48.º, 49.º, 51.º. 52.º, 53.º, 54.º, 68.º, 69.º, 70.º, 74.º, 76.º, 77.º, 81.º, 82.º) e as provas que implicariam decisão diversa (depoimentos quer da assistente quer do Arguido).

Todavia, se no tocante a essas provas, apresenta transcrição de excertos (que localiza), apenas em algumas situações, que menciona, no respeitante às declarações da assistente, os especifica por referência aos factos, deixando, pois, outros sem essa menção, reconduzindo-se à sua negação, o que se torna ainda mais patente relativamente às suas próprias declarações.

Deste modo, a impugnação respeitará os inerentes limites, sem prejuízo de, quanto necessário, se apreciar o alegado, mas de acordo com esse apontado aspecto, bem como sem que a circunstância do recorrente ter junto transcrição integral das provas produzidas em audiência possa levar a diferente entendimento, uma vez que, embora o subjacente trabalho que essa transcrição implicou, a sua aceitação como tal equivaleria a que a impugnação se transformasse em novo julgamento, o que não é legalmente aceitável.

Passa-se, então, à análise, em conformidade.

Assim, relativamente às suas declarações, que o recorrente de forma praticamente integral transcreve e sem a devida e específica concretização factual, resulta, no essencial, a sua negação dos factos, com as excepções que ficaram reflectidas na motivação do tribunal, isto é, “reconheceu ter discutido algumas vezes com esta (a assistente), com insultos e ameaças”, além de ter apresentado explicações quanto às situações vertidas nos factos provados em 43 (impugnado) e em 55 (não impugnado).

No tocante a essa situação constante do facto provado em 43, inevitavelmente relacionado com o descrito nos factos provados em 38 a 42 e 44 a 47, o recorrente revelou não ter existido razão para a atitude da assistente - sendo que esta até lhe teria ligado para irem dar um passeio, no que concordou, e por lhe ter perguntado o que tinha na mão direita, veio a sair do veículo em andamento -, o que se apresenta como postura, que assumiu em audiência, de intervenção sempre atribuída, sem mais, à assistente, como se a sua atitude, dado todo o contexto envolvente, se pudesse afastar de causa da acção daquela, manifestamente influenciada por vivência anterior e considerável perturbação no relacionamento com o recorrente, apenas compreensível, tal como o tribunal sublinhou, “numa situação de tensão e desespero”.

Refere o recorrente que as suas declarações contradizem em toda a linha as declarações da assistente, o que é verdade, mas, contrariamente à sua pretensão, isso não serve para suportar que, globalmente analisadas, devessem ter merecido diferente credibilidade.

Já se vê que a sua mera negação e, por maioria de razão, sem explicação plausível para o que decorreu da restante prova, não consente que esta fique infirmada, desde que, como no caso sucede, se tenha operado adequado exame crítico e por referência às regras da experiência comum, ainda que, essencialmente, estribado naquelas declarações da assistente, se bem que corroborado ainda, como o tribunal referiu, pelos depoimentos dos filhos e da testemunha PA, sem descurar os elementos clínicos disponíveis.

Acerca do declarado pela assistente, alguns excertos são trazidos ao recurso, sendo que o recorrente invoca que as declarações não são de molde a fazer prova de todos os factos dados como provados, tendendo, assim, também aqui, para relevante ausência de concretização.

Não obstante, tendo em conta o alegado, algumas considerações se justificam, sendo que, para além desses excertos, se procedeu à audição de outras partes das declarações da assistente, o que permitiu, note-se desde já, aquilatar de que tenha efectuado relato, conforme à motivação, “de forma coerente, circunstanciada e objectiva”.

Percorrendo, então, a alegação do recorrente e as transcrições oferecidas:

Diz, reportando-se à primeira parte das declarações, que não refere aqui momentos ou factos passíveis de enquadrar a situação como de violência doméstica e muito menos como violação, mas, inevitavelmente, tratando-se de explicitação quanto ao começo de vivência em comum com o arguido e como se veio a desenvolver, designadamente, pelos sinais que transmitiu acerca da personalidade deste e do modo de se relacionar com os outros, e também, consigo, não incluiu a concretização pormenorizada dessas situações, não sem que, contudo, tivesse atribuído ao arguido comportamento que se tornou bastante agressivo e desde que o filho de ambos nasceu, o que veio a ser amplamente confirmado pelo restante que relatou.

Por seu lado, acerca do segundo momento das declarações, refere que o Arguido a injuriava, mas não diz quando, nem onde... pelo que se depreende seria no início da relação, ou seja há seguramente mais de 10 anos e assim que o prazo de prescrição aplicável seria o do crime de injúria e esse prazo já estaria na presente data totalmente fulminado.

Respeita ao facto provado em 6 e aqui consta que isso se verificou decorridos esses meses desde o início do relacionamento (início este em Junho/Julho de 2002, como resulta do provado em 2) e pelo menos uma vez por mês, o que se afigura como perfeitamente inteligível e prolongando-se, na ausência de indicação em contrário, durante esse relacionamento.

Acresce que o aludido prazo de prescrição nenhum interesse tem, uma vez que, por um lado, o que aqui releva é matéria factual e, por outro, a injúria, porque no contexto da imputada violência doméstica, sempre perderia autonomia.

Sobre a circunstância de que a Assistente avança no seu raciocínio e refere que o Arguido era uma pessoa muito controladora, afirma, o recorrente, que tal situação não consubstancia, com o devido respeito por opinião contrária, a prática de qualquer crime.

Reportar-se-á aos factos provados em 7, 8 e 9, sendo que tal afirmação não tem sentido lógico, uma vez que, a par de outras situações, esse controlo insere-se na globalidade dos factos e tem de ser visto como acção adequada a perturbar a liberdade da assistente no seu quotidiano e com justificação, apenas, na sua reflectida personalidade, desconfiada e conferindo pouca dignidade a quem consigo vivia.

Refere que a Assistente tenta fazer crer, de forma que consideramos incorreta, ao Tribunal que a culpa de não se manter nos trabalhos em que esteve de forma intermitente é do Arguido, situação, porém, que, pelo menos expressamente, não decorre dos factos.

Sem prejuízo, atenta-se em que os factos provados em 34 e 39, com os quais se relacionam os provados em 35 a 37 e 40 e 41, dizem respeito a essas deslocações a locais de trabalho da assistente e o que aí se passou não é posto em causa, bem pelo contrário, pelas declarações da assistente.

Identicamente, à luz destas declarações, o que resulta é que, apesar da assistente ter mencionado vários empregadores para quem trabalhou ao longo dos anos em que viveu com o recorrente e por períodos relativamente curtos, só especificamente se referiu às lojas Zippy (onde aliás ocorreram essas situações) para relatar os problemas que aí teve de enfrentar, até à desvinculação, devido às agressões de que foi vítima, tendo declarado que não queriam uma pessoa que o marido andava constantemente a aparecer na loja, a entrar de rompão dentro do armazém a tentar agredir-me lá dentro.

Ora, nada de estranho quanto à razão de ser desta ilação, que a realidade ofereceu, sem que, contrariamente ao recorrente, se possa ver aqui qualquer percepção da assistente que a experiência não consinta e, também, a suposta atribuição de culpa pelo restante aduzido.

Sobre as relações sexuais forçadas, situação retratada no facto provado em 19, relacionado com o provado em 16 a 18 e 20, invoca que mais ninguém presenciou, mas esquecendo, por um lado, a importância, em geral, das declarações da vítima no tipo de acontecimento em apreciação e, por outro, que o mesmo teve lugar no quarto do casal, na intimidade intrínseca aos actos em questão.

Esta argumentação é manifestamente despida de razoabilidade, perante a bem fundada valoração das declarações da assistente nesse âmbito.

E para além das meras negações da prática dos factos, cabe aqui, ainda, avaliar alguns reparos do recorrente.

Assim:

Quanto ao facto provado em 11, invoca que não menciona o tempo e as circunstâncias em que terá ocorrido.

No entanto, embora dele conste apenas que por várias vezes isso acontecia, quando conduzia o veículo, não se revela despido do que se atribuiu ao ora recorrente (ultrapassagens e travagens, ao mesmo tempo que dizia que tinha vontade que se despistassem todos), sendo bastante para que não mereça, sem mais, o aparente significado de meramente genérico, como parece aquele pretender.

Se é certo que as afirmações genéricas não individualizadas, designadamente por ausência de indicação de lugar, tempo e modo da prática de factos concretos e determinados, são susceptíveis de atentar contra os direitos de defesa do arguido, em especial o direito ao contraditório, também é verdade que são admissíveis referências genéricas integradas por descrições atomísticas feitas noutros pontos da matéria de facto, que concretizam aquelas, complementando-as e enquadrando-as.

A situação reflectida naquele facto provado nem mesmo, porém, se configura, pois, como genérica e, além disso, integra-se na panóplia da factualidade apurada traduzindo manifestação do recorrente idónea a desencadear perturbação e medo em quem o acompanhasse quando conduzia.

Idêntico entendimento merece o alegado relativamente ao facto provado em 12, enquanto relacionado com o provado em 13 (não impugnado).

Também, quanto ao provado em 14 e 15, a alegada exigência de concretização de dia e hora ou de datas surge como dispensável no contexto da globalidade de actos em que se insere.

Relativamente ao provado em 16, a argumentação de se encontrar prescrito só merece o que já se explicitou no que tange ao provado em 6, de que se trata, aqui, de matéria de facto e sem autonomia do restante nela incluído.

Acerca do provado em 21, o recorrente refere não compreender como será possível o arguido estar com as mãos no volante e ao mesmo tempo a dar socos, ainda por cima nas pernas, da Assistente com o carro em andamento.

Ora, é manifesto que nele não consta que, aquando da imputada actuação de ter desferido dois socos na perna da assistente, tivesse as duas mãos no volante, nem do mesmo decorre, nem do que se conhece, alegada impossibilidade que a condução se fizesse, por momento curto, com uma das mãos.

Quanto ao provado em 27, apesar de não se ter tornado possível concretizar a data do ano de 2006, como ali consta, não significa, contrariamente ao recorrente, que a acção atribuída (foi esperá-la à porta do seu local de trabalho) não se revele como um facto.

Sobre os factos provados em 29, 30 e 34, a alegada circunstância de que as versões do recorrente e da assistente tivessem sido em sentido contrário, sem outra prova, não significa que ao tribunal se impusesse o benefício da dúvida.

Quanto ao provado em 46, invoca que nunca empurrou a Assistente do veículo automóvel, pelo que não foi o causador das lesões.

Está relacionado com os anteriores factos provados em 39, 41, 42 e 43, pelo que, não obstante não resultar que a empurrou, mas sim que a assistente se atirou do veículo automóvel, em andamento, não pode dissociar-se que as lesões tivessem tido origem nas atitudes do recorrente e, assim, em resultado da “situação de tensão e desespero” que ficou, e bem, mencionada na motivação.

Quanto ao facto provado em 47, embora indicado como impugnado, o recorrente refere que o mesmo está dado e bem como provado.

Sobre o provado em 49, traz à colação o argumento de que é um não facto e partir um prato, por si só, não consubstanciará, com o devido respeito, a prática de nenhum crime nem do ponto de vista do tipo objetivo nem do tipo subjetivo.

Todavia, esquece o que ficou vertido no provado em 50 (não impugnado), que retrata a sequência dessa acção de partir o prato, sendo que se esta, em si mesma, não assume dignidade especial, já no contexto que a factualidade reflecte e na sua conjugação com o outro é bem diferente.

Acerca do provado em 74, não se descortina motivo válido para que, em face do declarado pela assistente, que o tribunal considerou como credível, fosse necessária, como o recorrente invoca, a produção de acrescida prova, mormente, das entidades patronais da assistente.

Sobre o provado em 76, a alegada circunstância de que também sofre de ansiedade não serve para o infirmar, uma vez que é à assistente que o facto se reporta e não causa estranheza, antes pelo contrário, que a conduta imputada ao recorrente tivesse contribuído para o efeito, ainda que não de forma exclusiva.

Quanto ao provado em 81, embora indicado como impugnado, o recorrente diz que Está bem dado como provado.

Relativamente ao provado em 82, a manifestação do recorrente de que se trata de matéria do seu foro íntimo e pessoal e que apenas a ele lhe dirá respeito afigura-se claramente excessiva e, mormente, para o infirmar.

Decorreu das entrevistas feitas para a elaboração do relatório social, incluindo a sua audição, e como dado relevante da sua socialização, seja ao tempo dos factos, seja como elemento pertinente à determinação da sanção, sem que, de modo algum, se coloque em plano que prejudique a sua liberdade de viver como entenda, desde que esse foro íntimo e pessoal não se projecte em terceiros, como aconteceu com a vítima.

Avaliada, pois, a impugnação de facto, resulta que não procede minimamente.

A motivação operada pelo tribunal apresenta-se conforme às regras que norteiam a apreciação da prova, no respeito pelo art. 127.º do CPP, lógica e congruente, alicerçada em convicção criteriosa e bem fundamentada.

Compadece-se com o critério de que a convicção - acompanhando Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º volume, pág. 205 - existirá quando e só quando (…) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará, pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável pelo menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.

E se é certo que a liberdade de apreciação não é nem deve implicar nunca o arbítrio, ou sequer a decisão irracional, puramente impressionista-emocional que se furte, num incondicional subjectivismo, à fundamentação e à comunicação (Castanheira Neves, in “Sumários de Processo Criminal”, 1967/68, pág. 53) e, por isso, a livre apreciação da prova não deve, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1993, vol. II, pág. 111), não é menos real que a motivação decisória acatou tais parâmetros.

Contrariamente ao que transparece de toda a argumentação trazida ao recurso, o tribunal não se limitou a aceitar as declarações da assistente sem a adequada valoração crítica e conjugou-as, como se impunha, com a restante prova de que dispôs.

Como o tribunal sublinhou, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Dezembro de 2005, disponível para consulta em www.dgsi.pt, com o número de processo 2489/05-1:no tipo de criminalidade dita de «violência doméstica», as declarações das vítimas não podem deixar de merecer ponderada valorização, pois que, reconhecidamente, os maus-tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem, por via de regra, dentro do domicílio conjugal, no recato da impunidade não presenciada, preservado da observação alheia, garantido até pelo generalizado pudor que os mais próximos têm de se imiscuir na vida privada do casal. A vítima acaba por guardar muitas vezes para si o sofrimento e passados anos, é que acaba por reagir”.

Finalmente, a preconizada aplicação do princípio in dubio pro reo, decorrente da presunção da inocência consagrada no art. 32.º, n.º 2, da CRP, não se justifica, uma vez que, aferidas as razões por que os factos foram considerados como provados, as mesmas se impõem, não se descortinando que qualquer dúvida objectiva e insanável, que devesse fundar outra decisão, favorecendo o recorrente, tivesse subsistido ou devesse ter resultado da avaliação probatória.

Assente a matéria de facto provada, a absolvição do recorrente mostra-se afastada, sem que outros esclarecimentos se justifiquem.

3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:

- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim,

- manter o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 4 UC (arts. 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais).

Processado e revisto pelo relator.

5.Fevereiro.2019
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(Carlos Jorge Berguete)

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(João Gomes de Sousa)