Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
| Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECONVENÇÃO COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA NULIDADE PROCESSUAL VALOR DA CAUSA | ||
| Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I. A lei não prevê a prolação de despacho liminar sobre a admissibilidade da reconvenção, sendo que a pronúncia sobre a sua admissibilidade deve ocorrer, em regra, no despacho saneador; II. O que o Tribunal deverá fazer perante a dedução de um pedido reconvencional é certificar-se se mantém a competência em razão do valor e, caso tal não suceda, declará-lo e remeter o processo para o tribunal competente; III. Para tanto, deverá ter apenas ter em conta o valor atribuído à causa pelo autor adicionado ao atribuído à reconvenção pelo réu. IV. Também não deve nesse momento fixar o valor da causa, já que tal fixação deve ocorrer, por regra, também no despacho saneador; V. O valor atribuído pelas partes, quer na acção, quer na reconvenção, é, até à sua fixação no despacho saneador, meramente provisório. VI. A apreciação prematura da admissibilidade da reconvenção por um Tribunal que não tinha (pacificamente) competência para o fazer – art.º 93º, nº2 do CPC – configura uma nulidade processual nos termos do disposto no art.º 195º, nº1 do CPC. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO
A. O Tribunal a quo não tem competência para julgar a presente ação em razão do valor, resultando na sua incompetência para julgar a Reconvenção procedente;
3. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões da apelante (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação das seguintes questões:
3.1. Da incompetência em razão do valor do Tribunal “a quo” para conhecer da (in) admissibilidade da reconvenção[1]; consequências. 3.2. No caso de se concluir pela competência, se a reconvenção é nula por inepta.
II. FUNDAMENTAÇÃO
“Determina o artigo 7º, nº1, do D/L nº 32/2003, de 17-2, que o atraso no pagamento de transacções comerciais confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida. Por sua vez, determina o nº2, daquele artigo 7º, que para valores superiores à alçada do tribunal da Relação, a dedução de oposição no processo de injunção determina a remessa dos autos para o Tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum. Deste modo, os presentes autos irão prosseguir sob a forma de processo comum. Notifique. * Da análise da contestação apresentada pela R. constata-se que a reconvenção que deduziu preenche os requisitos processuais e substantivos para poder ser admitida. Na verdade, no que se refere ao pedido reconvencional de condenação da A. a pagar à R. uma indemnização pelos danos alegadamente sofridos por esta última em resultado do cumprimento defeituoso realizado por aquela, o mesmo resultará do facto jurídico que serve de fundamento à defesa apresentada por ela. Na verdade, na sua contestação a R. vem alegar que a A. cumpriu defeituosamente a obrigação que a mesma se tinha vinculado no contrato de empreitada entre elas celebrado. Deste modo, a reconvenção deduzida pela R. e reconvinte enquadra-se na previsão do pressuposto substantivo da mesma constante da alínea a), do nº2, do artigo 266º, do Código de Processo Civil. Por outro lado, tanto o pedido formulado pela A. na acção principal, como o pedido reconvencional, deverão ser processados em acção comum. Deste modo, não se registará qualquer incompatibilidade processual entre eles, nos termos dos artigos 37º e 266º, nº3, do Código de Processo Civil. Por todo o exposto, admite-se o pedido reconvencional deduzido pela R. Notifique. * Conforme referimos, resulta dos autos que a R. deduziu uma reconvenção. Verifica-se ainda que a R. atribuiu a esta reconvenção o valor de 11.387,20 euros. Deste modo, nos termos do artigo 299º, nº2, do Código de Processo Civil, o valor da presente acção passará a corresponder à soma daquele valor que foi atribuído ao pedido principal, isto é o de 66.401,76 euros, com o do pedido reconvencional, que é, como referimos de 11.387,20 euros. Deste modo, o valor processual da presente acção será corresponderá ao montante total de 77.788,96 euros. Notifique. ** Deste modo, nos termos do artigo 117º, nº1, alínea a), da Lei nº 62/2013, de 26-6, passou a ser o Juízo central civil do Tribunal Judicial de Santarém a ter a competência para preparar e julgar a presente acção. Em conformidade, declara-se este Juízo local cível do Tribunal Judicial de Ourém como incompetente para aqui ser processada a julgada a presente acção. Consequentemente, após trânsito, remeta os presentes autos ao Juízo central civil do Tribunal Judicial de Santarém para aí prosseguirem os seus termos. Notifique.”.
5. Do mérito do recurso
5.1. Como se vê do despacho transcrito, o Tribunal “a quo”, começou por decidir da admissibilidade da reconvenção, após o que fixou o valor da causa e, por último, declarando-se incompetente em razão do valor, determinou a remessa dos autos ao Juízo Central Cível de Santarém.
A questão que se coloca é se poderia ter conhecido da admissibilidade da reconvenção ou se tal questão deveria ter sido relegada para o Tribunal competente em razão do valor por a modificação do mesmo se produzir automaticamente, i.e. independentemente da admissibilidade do pedido reconvencional.
O conhecimento da (in) admissibilidade da reconvenção é, a nosso ver, e desde logo, absolutamente prematuro.
A lei não prevê a prolação de despacho liminar sobre a admissibilidade da reconvenção, sendo que a pronúncia sobre a sua admissibilidade deve ocorrer, em regra, no despacho saneador[2] (art.º 595º a) do CPC).
Além disso, ao admiti-la, vinculou o Tribunal competente a uma decisão que no caso até é controvertida.[3]
O que o Tribunal deverá fazer perante a dedução de um pedido reconvencional é certificar-se se mantém a competência em razão do valor e, caso tal não suceda, declará-lo e remeter o processo para o tribunal competente (art.º 299º, nº1 e nº2 e art.º 93º, nº1 e nº2 do CPC).
Como proficientemente referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, “sempre que o pedido reconvencional determine o aumento do valor da acção (art.º 299º, nº2) passando a exceder o valor de € 50.000,00 pode daí resultar uma modificação da competência do Tribunal inicialmente fixada em função do valor indicado na petição ( art.º 310º, nº1). Aquele efeito processual manter-se-á mesmo que porventura, no despacho saneador, venha a ser declarada a inadmissibilidade de reconvenção por falta de requisitos formais ou substanciais uma vez que as vicissitudes por que passar o pedido reconvencional não determinam a repristinação do valor que a causa tinha aquando da sua dedução ( art.º 299º, nº1).”[4]
No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa em anotação ao acórdão do TRL 14/7/2020 (23074/18.3PRT-A.L1-6)[5] refere: “O que importa resolver é, em termos simples, o seguinte: a alteração do valor da causa que se encontra estabelecida no art. 299.º, n.º 1, CPC depende da mera dedução da reconvenção ou da intervenção principal ou depende da admissibilidade dessa dedução?. Noutros termos: basta a dedução da reconvenção ou da intervenção principal para que o valor da causa se altere ou, para que isto suceda, é necessário que a reconvenção ou a intervenção principal seja admissível?
Para responder à pergunta formulada, pode estabelecer-se um paralelismo com a propositura de uma acção: a acção, uma vez proposta, tem um determinado valor e não deixa de o ter pela circunstância de a petição inicial ser liminarmente indeferida pela verificação de uma excepção dilatória insanável ou de o réu vir a ser absolvido na instância com base nesta mesma excepção. Seguindo esta orientação, basta que a reconvenção ou a intervenção principal seja deduzida para o que o valor do respectivo pedido seja somado, nas condições estabelecidas no art. 299.º, n.º 2, CPC, ao valor inicial da acção. Parece ser esta a solução mais adequada. O art.º 296.º, n.º 1, CPC estabelece que o valor da causa "representa o valor económico do pedido"; logo, o disposto no art. 299.º, n.º 1, CPC significa que a acção passa a ter o valor correspondente à soma do valor do pedido inicial com o valor do pedido reconvencional ou do pedido formulado na intervenção principal, mesmo que a reconvenção ou a intervenção principal seja considerada inadmissível (…)”.
Aliás, também nem sequer devia ter sido fixado o valor da causa, já que tal fixação deve ocorrer, por regra, também no despacho saneador (art.º 306º, nº2 do CPC).
É que, para o efeito de aferição da competência em razão do valor, após a dedução da reconvenção, dever-se-á apenas ter em conta o valor atribuído à causa pelo autor adicionado ao atribuído à reconvenção pelo réu.
Só no adequado momento processual é que, perante os elementos do processo ou mediante diligências indispensáveis, caso o juiz não aceite o valor indicado pelas partes, deverá ser fixado o valor da causa (art.º 308º do CPC).
O mesmo é dizer que o valor atribuído pelas partes, quer na acção, quer na reconvenção, é, até à sua fixação no despacho saneador, meramente provisório.
Imagine-se uma acção de reivindicação na qual o Autor atribui ao imóvel reivindicado um valor irrisório e que o Réu deduz reconvenção por benfeitorias às quais atribui também um determinado valor.
Nada impede que o Tribunal, no momento oportuno, determine a avaliação do imóvel reivindicando e que perante o valor apurado venha a fixar um valor da causa que somado ao da reconvenção seja superior ao que inicialmente resultava da mera adição dos dois[6].
Estabelecido que a fixação do valor da causa não está dependente da admissibilidade da reconvenção, resta-nos retirar as consequências desta ter sido, como dissemos, prematuramente apreciada por um Tribunal que não tinha (pacificamente) competência para o fazer – art.º 93º, nº2 do CPC.
Recorda Rui Pinto[7] que: “Como qualquer outro acto processual, a própria decisão judicial pode padecer das nulidades inominadas do artigo 195.º, n.º 1. Assim, suponha-se que a sentença ou decisão é proferida parcialmente no início da audiência de julgamento, antes da produção de prova ou das alegações, ou que constitui uma decisão surpresa, com violação do artigo 3.º, n.º 3, ou que se trata de um despacho que ordena a citação do requerido para um procedimento cautelar que não admite citação prévia (cf. artigo 378.º). A decisão não pode deixar de ser nula.”.
Revelando-se a nulidade processual em causa na decisão, deverá ser no recurso desta decisão, caso o mesmo seja admissível, que deve ser invocada a nulidade, sob pena de não o fazendo, a decisão transitar em julgado.
A nulidade do despacho que conheceu da reconvenção no sentido da sua admissibilidade foi, como vimos, invocada pela apelante e ter-se-á por procedente por ser inequívoco que é susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Conclui-se, assim, pela procedência do recurso.
Fica prejudicado o conhecimento da outra questão que deixámos enunciada.
III. DECISÃO Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, anulando-se o despacho recorrido que conheceu da reconvenção no sentido da sua admissibilidade. [1] Incompetência que a ora apelante refere se ter verificado “ ab initio” “uma vez que a ação nunca poderia ter sido distribuída a priori para Ourém”. Porém, e uma vez que este acabou por remeter o processo para o Tribunal competente em razão do valor, a questão tem-se por ultrapassada. [2] Também neste sentido, Ac. TRL de 23.2.2022, Proc. 823/20.4T8CSC.L1-7, consultável na Base de dados do IGFEJ. [3] Cfr. Ac. TRL de 23.2.2021, Proc. 72269/19.0YIPRT.L1-7 no qual se expõe as diversas orientações sobre a questão. [4] In Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3ªed., pag.130. [5] In https://blogippc.blogspot.com/ [6] Se ao invés, resultar um valor inferior, nem por isso o Tribunal deixa de ser competente ( art.º 310º, nº3 do CPC). [7] In “ Os meios reclamatórios comuns da decisão civil (artigos 613.º a 617.º CPC), 2019, https://www.linkedin.com |