Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1267/09.4TBBNV.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA EXCEPCIONAL
ADVOGADO
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: DECISÃO DA RELATORA
Texto Integral: S
Sumário: A taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do CPC destina-se a sancionar condutas da parte que, não atingindo a gravidade pressuposta pela litigância de má-fé, se traduzem na formulação de pretensão ou prática de acto que a parte não teria introduzido em juízo ou praticado no processo caso tivesse actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1267/09.4TBBNV.E1
Comarca de Santarém
Instância Central – Secção de Execução – Juiz 1

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Verificada a legitimidade do recorrente e a tempestividade da sua interposição, a Mm.ª juíza admitiu o recurso interposto como “apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, tendo efeito meramente suspensivo”.
Pois bem, estando em causa despacho que condenou em taxa sancionatória excepcional, abrangido pela previsão da al. e) do n.º 2 do art.º 644.º (cf. ainda o disposto no art.º 27.º, n.º 6, do RCP, sendo nosso entendimento, na esteira dos arestos do STJ de 6/6/2015 e de 26/3/2015, proferidos, respectivamente, nos processos 1008/07.0TBFAR.D.E1.S1 e 2992/13.0TBFAF-A.E1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt, que “as decisões de condenação em multa, penalidade ou taxa sancionatória excepcional, fora dos casos de litigância de má fé, são sempre recorríveis em um grau, independentemente do valor da causa ou da sucumbência”), dele cabe recurso de apelação autónoma, com subida em separado e efeito suspensivo da decisão, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 644.º, n.º 2, al. e) já citado, 645.º, n.ºs 1 e 2 e 647.º, n.º 3, al. e), sendo todos os preceitos do CPC.
Deste modo, e tendo o recurso subido nos próprios autos, estamos perante erro quanto ao modo de subida do recurso, conducente à aplicação do n.º 2 do art.º 653.º do CPC.
Todavia, estando em causa questão cuja resolução se reveste de manifesta simplicidade, pelo que dela se conhecerá singularmente, desencadear o procedimento previsto na lei para correcção do modo de subida do recurso acarretaria indesejável retenção dos presentes autos, pelo que se passará a proferir de imediato a decisão.
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O recurso é o próprio tendo-lhe sido fixado o efeito devido.
Nada obsta ao conhecimento do mérito respectivo.
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Considerando que a questão suscitada é simples, ao abrigo do disposto no art.º 656.º do CPC, passo a proferir decisão sumária.
Notifique.

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I. Relatório
Caixa Económica (…) instaurou contra (…) e (…) acção executiva tendo em vista a cobrança coerciva da quantia de € 215.936,50, sendo € 179.524.82 a dívida de capital e € 36.411,96 os juros vencidos, reclamando ainda os vincendos, dando à execução escritura pública outorgada no dia 29 de Outubro de 2002, formalizando a concessão de empréstimo pela exequente aos executados do montante de € 199.500,00, o qual se encontra garantido por hipoteca constituído sobre o imóvel ali identificado.
Tendo os autos prosseguido seus termos, vieram os executados, pela mão do seu Il. Mandatário, apresentar o requerimento com a Ref. 2638465, no qual arguiram a nulidade do processado, com fundamento no facto de não terem sido notificados de qualquer decisão proferida pela Sr.ª AE relativa à venda do bem penhorado, a qual teria ainda desatendido o requerimento que pelos mesmos executados lhe foi endereçado no sentido da venda do bem dever aguardar a decisão a proferir por este TRE no apenso dos embargos, uma vez que haviam recorrido da decisão aí proferida.
Apreciando o requerimento em causa, e fazendo notar que sempre os executados haviam sido notificados, na pessoa do seu Il. Mandatários, quer para se pronunciarem quanto à modalidade de venda, quer da decisão que determinou a venda, quer, finalmente, da data designada para a abertura das propostas em carta fechada, e que a decisão proferida no apenso dos embargos pelo TR confirmou a decisão da 1.ª instância que determinou o prosseguimento dos autos pelo montante de € 165.712,30, a Mm.ª juíza julgou improcedente a arguição das ditas nulidades. E prosseguindo, concluiu nos seguintes moldes:
“Considerando que o requerimento em apreciação é manifestamente anómalo ao normal decorrer dos autos, tendo dado causa a contraditório, sendo mesmo ostensivo o conhecimento por parte do mandatário dos executados de que os factos por si alegados não correspondem ao que efectivamente decorreu nos autos, tanto mais que foi o mesmo notificado na sua pessoa de todos os actos que invoca não terem sido praticados, determino a sua condenação em taxa sancionatória excepcional, que fixo em 3 Uc’s – art.º 531.º do CPC e art.º 7.º, n.ºs 4 e 8 da tabela II do Regulamento das custas processuais”.

Inconformado com o transcrito segmento da decisão, apresentou-se a recorrer o Il. Advogado e, tendo argumentado nas alegações em desfavor do despacho recorrido, rematou-as com indispensáveis conclusões, de que se extraem com relevância as seguintes:
i. Nos termos do art.º 531.º [do CPC] pode ser excepcionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a acção, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida;
ii. Tal taxa sancionatória excepcional é aplicada à parte e não ao mandatário da parte;
iii. O mandatário está a representar a parte, no caso concreto os executados, e não a litigar em causa própria, pelo que não poderia ser condenado na taxa sancionatória excepcional;
iv. A Mm.ª juíza não fundamentou de facto e de direito a aplicação ao recorrente da taxa sancionatória excepcional, sendo nulo o despacho proferido por falta de fundamentação.
Indicando como violadas as disposições legais contidas nos art.ºs 531.º do CPC e 13.º, 20.º, 2002.º, 204.º e 205.º da CRP, conclui pela revogação do despacho recorrido.
Tanto quanto resulta dos autos não foram apresentadas contra-alegações.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir:
a) Da nulidade do despacho;
b) Da possibilidade de aplicar ao mandatário da parte a taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do CPC.
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i. da nulidade do despacho recorrido
O apelante imputa à decisão recorrida o vício extremo da nulidade por ausência de fundamentação (cf. art.º 615.º, n.º 1, al. b), ex vi do art.º 613.º, ambos os preceitos do CPC).
Harmonizando-se com o dever constitucional de fundamentação das decisões – que é fonte da sua legitimação e também garantia do direito ao recurso (cf. art.º 205.º, n.º 1, da CRP) – impõe o art.º 154.º do CPC ao juiz que fundamente as decisões proferidas sobre qualquer dúvida suscitada no processo ou qualquer pedido controvertido (vide n.º 1). Em consonância com tal dever de fundamentação, as sentenças (e os despachos) são, como vimos, nulas quando não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (vide al. b) do art.º 615.º do mesmo diploma legal.
Todavia, conforme sem dissêndio vem sendo entendido, só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal.
Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige a lei que tenham sido de todo omitidas as razões (de facto e/ou de direito) que conduziram à prolação daquela concreta decisão.
No caso vertente, basta uma leitura, ainda que menos atenta, da decisão recorrida para concluir que a mesma não padece do imputado vício, uma vez que a Mm.ª juíza “a quo” apontou os factos ocorrido no processo que, em seu entender, fundamentavam a condenação (irreleva, para este efeito, se bem, se mal), a qual justificou com apelo às disposições legais que teve por aplicáveis.
Improcede, pelo exposto, a arguida nulidade.
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II. Fundamentação
Interessando à decisão os factos ocorridos no processo, tal como resultam do relatado em I., está em causa a condenação em taxa sancionatória excepcional de Il. Mandatário constituído pelas partes no processo.
Prevê o art.º 531.º do CPC que juiz, de forma fundamentada, possa, excepcionalmente, aplicar uma taxa sancionatória “quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida”.
A dita taxa sancionatória excepcional foi introduzida pelo DL n.º 34/2008, que aprovou o RCP, tendo aditado o art.º 447.º-B ao CPC então em vigor, esclarecendo, no respectivo Preâmbulo, ter-se “criado um mecanismo de penalização dos intervenientes processuais que, por motivos dilatórios, «bloqueiam» os tribunais com recursos e requerimentos manifestamente infundados. Para estes casos, o juiz do processo poderá fixar uma taxa sancionatória especial, com carácter penalizador, que substituirá a taxa de justiça que for devida pelo processo em causa”.
Já na Exposição de Motivos da proposta de Lei n.º 113/XII, anunciado o objectivo de “desincentivar o uso de faculdades dilatórias pelas partes” dá-se conta de tal objectivo se processar em três patamares sucessivos, “face a comportamentos de diferentes gravidades”, traduzindo-se o segundo “na aplicação à parte de uma taxa sancionatória excecional, sancionando comportamentos abusivos – ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente manifestamente improcedentes – censuráveis enquanto decorrentes de exclusiva falta de prudência ou diligência da parte que os utiliza – sem que, todavia, a gravidade do juízo de censura os permita incluir no âmbito da litigância de má-fé”. Assim foi justificada a manutenção da taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do CPC em vigor, sendo de destacar o seu carácter de excepcionalidade, obrigando o juiz a um esforço de fundamentação tendo em vista obstar à banalização de um instrumento de agilização e disciplinação do processo e de responsabilização da parte pela sua conduta que, todavia, a lei quis, e de forma clara, que fosse usado com parcimónia.
De realçar ainda que estamos fora do círculo de abrangência da má-fé, estando em causa a introdução em juízo de pretensão, de natureza substantiva ou processual, manifestamente improcedente, sendo a parte merecedora de censura por não ter actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis; dito de outro modo, dada a absoluta ausência de interesse atendível na prática do acto, tivesse a parte usado da diligência que lhe é exigível e não teria apresentado a acção, oposição, requerimento, recurso ou reclamação que foram objecto do juízo de improcedência.
Conforme resulta da letra da lei, estão em causa comportamentos da parte – sendo o mandato forense necessariamente representativo (cf. art.º 67º, n.º 1, a), do EOA, aprovado pela Lei nº 145/2015, de 9 de Setembro e art.ºs 43.º e 44.º do CPC), os actos praticados pelo advogado no exercício do mandato são imputados à parte que ele representa –, estando portanto excluída a possibilidade de penalizar pessoalmente o advogado pela taxa sancionatória excepcional.
Em reforço diga-se que a lei, apenas no caso de condenação da parte por litigância de má-fé – e que pressupõe, conforme se deixou referido, uma actuação de gravidade superior à que fundamenta a aplicação da taxa sancionatória de que nos ocupamos – prevê a possibilidade de responsabilização pessoal do mandatário. Tal ocorrerá quando o juiz conclua pela sua “responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa”, caso em que deverá dar conhecimento à associação pública profissional, a quem a lei defere a competência, com carácter exclusivo, para a aplicação ao Sr. Advogado de eventual sanção e condenação na quota-parte das custas, multa e indemnização aplicadas, competência que deste se encontra subtraída ao juiz do processo (cf. art.º 545.º do CPC).
Decorre do que vem de se dizer, e em síntese, que a Mm.ª juíza não podia condenar o Il. Mandatário recorrente no pagamento da taxa sancionatória excepcional, impondo-se a revogação do despacho recorrido.
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III. Decisão
Em face a todo o exposto julgo o recurso procedente, revogando a decisão apelada.
Sem custas.
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Sumário:
I. A taxa sancionatória excepcional prevista no art.º 531.º do CPC destina-se a sancionar condutas da parte que, não atingindo a gravidade pressuposta pela litigância de má-fé, se traduzem na formulação de pretensão ou prática de acto que a parte não teria introduzido em juízo ou praticado no processo caso tivesse actuado com a prudência e diligência que lhe são exigíveis.
II. Estão em causa comportamentos da parte, estando excluída a possibilidade de responsabilizar pessoalmente o mandatário que a representa.
III. Apenas no caso de condenação da parte por litigância de má-fé a lei prevê a possibilidade de responsabilização pessoal do mandatário, o que exige que o juiz conclua pela sua “responsabilidade pessoal e directa nos actos pelos quais se revelou a má-fé na causa”;
IV. Em tal situação, dela deverá o juiz dar conhecimento à associação pública profissional, a quem a lei defere a competência, com carácter exclusivo, para a aplicação ao Sr. Advogado de eventual sanção e condenação na quota-parte das custas, multa e indemnização aplicadas, competência assim subtraída ao juiz do processo (cf. art.º 545.º do CPC).
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Évora, 07 de Junho de 2018
Maria Domingas Alves Simões