Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
371/19.5PAABT.E2
Relator: NUNO GARCIA
Descritores: NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO NO REGISTO CRIMINAL
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A forma pela qual ocorreu o crime é absolutamente essencial para se aquilatar da adequação da não transcrição da condenação no certificado do registo criminal.

E essa forma pode indiciar mais ou menos gravidade. Se é certo que não pode ser apenas a gravidade do crime a justificar o indeferimento da não transcrição da condenação no certificado do registo criminal, não é menos certo que determina o artº 13º, nº 1, do D.L. 37/2015 de 5/5 que se deve ter em conta “as circunstâncias que acompanharam o crime”.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO

No âmbito do processo 371/19.5PAABT, em 19/10/2022, foi proferido o seguinte despacho:

“ Vem o arguido requerer a não transcrição da condenação de que foi alvo nos CRC´s destinados a fins profissionais, para obtenção de trabalho como segurança privado.

Ouvido o MP, o mesmo pugna pelo deferimento, nos termos e fundamentos constantes na promoção que antecede e as quais aqui consideramos reproduzidas.

Dispõe o artigo 13.º da Lei 37/2015 que: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respectiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º (sublinhado nosso)

O arguido foi condenado, por acórdão transitado em julgado, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 210º, nº 1, 22º, 23º e 73º, todos do Código Penal., na pena de 1 (UM) ano e 6 (SEIS) meses de prisão, suspensa na sua execução.

Ora, considerando, por um lado, o modo como o arguido iniciou a agressão (ponto 2 dos factos provados) e, com o ofendido prostrado no solo e sem qualquer capacidade de defesa (facto 3 a 5), aquele continuou a exigir-lhe, num tom sério e categórico, a entrega de € 200,00 (duzentos euros), o que fez enquanto lhe imprimia com bastante força uma das botas que calçava nesse dia, em cima do pescoço, estrangulando-o e em ato contínuo, o arguido começou a pressionar, com muita força, uma das botas que calçava nesse dia, imprimindo-a em cima da testa de AA, bem como no rosto e na cabeça deste último, causando-lhe sempre bastante dor, de modo a causar-lhe as lesões descritas nos pontos 6 e 7, em circunstâncias que não permitem compreender minimamente o motivo de tal agressividade e tão extrema violência, mais ainda quando, pelo modo como se motivou o arguido (para obter a quantia de 200,00 euros) - pontos 1 a 5 factos provados -, sem olvidar que o arguido não assumiu a sua conduta, negando em bloco os factos que lhe eram imputados, inventando uma “estória” para se eximir da sua responsabilidade criminal, parece decorrer que o arguido entende que pode recorrer à violência gratuita para exigir a entrega de dinheiro mitiga a gravidade dos comportamentos que teve.

Aliás, o comportamento assumido pelo arguido durante audiência de julgamento não demonstrou qualquer arrependimento na conduta praticada, como se dilucidou em sede de fundamentação de facto relativamente às suas declarações e para as quais se remete.

Tal arrependimento também não resultou após a condenação, pois nem sequer apresentou um pedido de desculpas ao ofendido, o que poderia ter feito de livre e espontânea vontade, após ver a sentença confirmada por Acórdão da Segunda Instância, fazendo chegar tal ato de contrição aos autos.

O arguido, no seu requerimento, limita-se a invocar os requisitos objetivos da lei para solicitar a não transcrição.

Nada refere o que alterou na sua conduta interna após a condenação, qual a interiorização da condenação e os efeitos da mesma, não permitindo fazer um juízo de prognose favorável de que o arguido interiorizou o mal da sua conduta e da qual está genuinamente arrependido.

Pelo exposto, entendemos não existir qualquer sentimento de arrependimento da conduta praticada e, por este motivo não ser, de modo algum, possível formular o dito juízo de que não há perigo de que o mesmo volta a praticar semelhantes factos.

Assim sendo, indefere-se o requerido e não se acompanha a promoção que antecede.”

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Inconformado com o referido despacho, dele recorreu o arguido, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:

“1 - O Recorrente, em 24 de Novembro de 2021, foi condenado pela prática de um crime de roubo na forma tentada, na pena de 1 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pedido em relação ao qual o Ministério Público do Tribunal de … se pronunciou favoravelmente, mas que veio a ser indeferido pelo facto da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo considerar que o modo como o arguido começou a agressão, pelo modo como motivou a agressão e pela circunstância de não ter assumido a sua conduta, nem demonstrado arrependimento em Tribunal são fatores suscetíveis de indeferir o solicitado, na medida em que não se preenche o requisito material previsto no artigo13º,nº1 da Lei n.º 37/2015.

2 - O Recorrente entende que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei, de certa forma, socorrendo-se de elementos que são irrelevantes para efeitos do disposto no artigo 13º, nº 1 da Lei 37/2015, conforme se irá explicar.

3 - O historial de vida, as circunstâncias socioeconómicas e a personalidade do Recorrente levam a crer que o mesmo não irá praticar novos crimes, desde logo porque estamos perante um cidadão que exerce a profissão de Segurança Privado há cerca de 10 anos sem qualquer mácula no seu registo criminal, sendo que se trata de uma profissão que envolve da parte do profissional autocontrolo e sensatez nas decisões e que tem sido desempenhada sem qualquer problema.

4 - O Recorrente exerce a profissão de Segurança Privado, sendo funcionário da empresa …, desenvolvendo a sua atividade profissional há quase dez anos na Câmara Municipal de …. (Conforme factos provados da sentença de 24/11/2021), não tendo quaisquer outros antecedentes criminais, constando apenas a condenação descrita no artigo 1º. (conforme registo criminal que juntou).

5 - O Recorrente vive com uma companheira e com o filho desta que tem 13 anos e liquída uma prestação de alimentos a outra filha menor. (Conforme factos provados da sentença de 24/11/2021) e é o vencimento deste que representa a maior fonte de rendimento do agregado familiar. (Conforme factos provados da sentença de 24/11/2021), encontrando-se bem inserido em termos profissionais e familiares e perante Terceiros.

6 - O Recorrente não foi condenado por outro crime, nem sequer contra ele foi instaurado qualquer outro procedimento criminal, e tem colaborado com a DGRSP no sentido de dar pleno cumprimento ao Plano de Reinserção que foi proposto, factos estes que constam dos autos, tendo prosseguido a sua vida, preenchendo o quadro do que se pode designar de uma ressocialização de sucesso, conforme relatórios juntos aos autos.

7-É um facto público e notório que sendo o Recorrente vigilante na empresa …, para quem trabalha há mais de dez anos, é necessário renovar anualmente o registo criminal e entregar na entidade patronal, sendo que, se surgir averbado qualquer antecedente criminal tal constituirá motivo de despedimento do Recorrente.

8-Ora, para além de se ter dado como provado nesse processo que o Recorrente mantinha boa interação relacional com terceiros, não se verificou qualquer ocorrência similar aquela que levou à sua condenação, ou de qualquer outra espécie.

9 - Por outro lado, também é um facto público e notório que a época que se está a viver, com uma inflação galopante, traz grandes incertezas para as famílias e o mesmo sucederá com a do Recorrente, na qual existe um menor no agregado familiar, pelo que um despedimento produzirá efeitos catastróficos, atendendo a que aufere um rendimento mensal de €1.150,00.

10 - O que está em causa na apreciação do requisito material não são considerações relativas à gravidade do crime praticado nem à culpa do Recorrente, exigindo a lei que o juiz verifique se das circunstâncias que acompanharam o crime se poderá induzir perigo de prática de novos crimes, não entrando aqui quaisquer considerações relativas à gravidade dos crimes praticados nem à culpa, o que foi tratado em devido tempo, no julgamento do caso.

11 - Considerando-se que o juízo material tem um paralelismo com o que esteve subjacente à substituição da pena única de prisão pela pena de suspensão da execução da prisão (artigo 50.º CP), e a Lei do registo criminal faz depender a não transcrição da condenação no registo criminal de um juízo negativo sobre o perigo de prática de novos crimes, sendo que, no artigo 50.º CP faz-se depender a substituição da pena de prisão pela de suspensão da execução da prisão, de um juízo de realização «de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», o que significa um juízo de prognose favorável acercada ressocialização do arguido em liberdade, nomeadamente, de não praticar outros crimes durante o período da suspensão.

12 - Apesar da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo justificar o indeferimento da pretensão legítima do Recorrente por entender que o mesmo pode recorrer à violência gratuita para exigir a entrega de dinheiro mitiga a gravidade dos comportamentos que teve e pelo facto de o recorrente, no seu requerimento, se limitar a invocar os requisitos objetivos da lei para solicitar a não transcrição, nada referindo o que alterou na sua conduta interna após a condenação, qual a interiorização da condenação e os efeitos da mesma, não permitindo fazer um juízo de prognose favorável de que o arguido interiorizou o mal da sua conduta e da qual está genuinamente arrependido, o certo é que a mesma suspendeu a execução da pena de prisão por considerar que “ponderando este circunstancialismo leva-nos a estar seguros que a simples censura e ameaça da prisão é suficiente para o afastar da criminalidade, conseguir a ressocialização do indivíduo, ficando salvaguardadas as finalidades da pena.”, sendo tais posições totalmente incoerentes!!!

13 - Do artigo 13º da Lei 37/2015 nada consta quando à necessidade do Arguido mostrar arrependimento, e tal aspeto foi apreciado em sede de julgamento e para efeitos de fixação da pena, o Recorrente já foi condenado, não cabendo fazer um segundo julgamento a propósito do pedido de não transcrição da condenação para o registo criminal, quando o próprio tribunal já havia considerado que a simples censura e ameaça da prisão é suficiente para o afastar da criminalidade, conseguir a ressocialização do indivíduo, ficando salvaguardadas as finalidades da pena!

14 - A lei faz depender a não transcrição da condenação no registo criminal de três requisitos, sendo dois de caráter formal e outro de cariz material: condenação em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade; inexistência de condenação anterior por crime da mesma natureza; e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes.

15 - O juízo de prognose acerca do comportamento futuro do (arguido/condenado), relativamente ao aludido requisito material, não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada, como espécie do mesmo género que se exige para a suspensão da execução da pena de prisão.

16 - Sendo neste contexto ilegítimas quaisquer considerações acerca da gravidade do crime praticado ou à culpa do agente.

17 - Requisitos estes que se verificam no caso dos autos, em que o Recorrente não tem antecedentes criminais, não tem qualquer inquérito criminal a correr contra si, nem foi condenado ou está a ser julgado pela prática de outro crime, encontrando-se devidamente inserido familiar e profissionalmente, conforme descrito no requerimento da não transcrição, com a nuance de que neste caso a pena foi muito inferior em relação à do caso referido no Acórdão proferido no processo …, onde estavam en causa 4 crimes de ofensa à integridade física qualificada, pelo que, usando as doutas palavras presentes no final desse aresto, também aqui se impõe “a revogação da decisão de que se recorre, mais que a opção por uma possibilidade legal, é um imperativo de justiça”!!! (sublinhado nosso), posição sufrada pelo Ministério Público na primeira instância.

18 - Pelo que, a decisão proferida pelo Tribunal deve ser revogada, e substituída por outra que defira a pretensão do Recorrente;

19 - Mostra-se violado o disposto nos artigos 58º da CRP, 40º, nº 1 do CP e 13º, nº 1 da Lei 37/2015.

JUSTIÇA!!!”

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O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta da seguinte forma:

“Dado o exposto e o douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, que sempre se espera, deve ser dado provimento ao recurso e consequência ser revogada a decisão recorrida e determinada a não transcrição da condenação operada nos presentes autos nos certificados de registo criminal a que se referem o artigo 10.º, da Lei 37/2015, de 5 de Maio, por força do disposto do artigo 13.º, n.º1, do mesmo diploma legal.

ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA!”

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Neste tribunal da relação, o Exmº P.G.A. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., foi apresentada resposta de concordância com o parecer.

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APRECIAÇÃO

A única questão que importa apreciar no presente recurso é de se saber se existem razões para que a condenação de que o arguido foi alvo não deva constar no seu c.r.c., conforme o mesmo pretende e ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida.

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Os factos considerados provados na sentença condenatória foram os seguintes:

“1. No dia 08.11.2019, pelas 01.20H, o arguido BB e AA encontravam-se a conviver no interior da garagem do prédio onde este último reside, sito na Rua …, ….

2. Nisto, e sem que nada o fizesse prever, o arguido logo formulou o propósito de, mediante o recurso a agressões físicas e à intimidação, exigir a AA a entrega de dinheiro, no intuito de o fazer seu, ao que para tal agarrou AA pelo pescoço, com ambas as mãos, tendo-o apertado com bastante força, asfixiando-o por uns momentos, enquanto lhe exigiu, nom tom sério e autoritário, a entrega de € 100,00 (cem euros), e depois a entrega de € 200,00 (duzentos euros).

3. Em virtude da força e violência encetada pelo arguido, AA começou a perder forças, tendo de seguida o arguido o projetado para o solo de forma abrupta e repentina, onde este veio a cair desemparado.

4. Já com o ofendido prostrado no chão e sem qualquer capacidade de defesa, o arguido continuou a exigir-lhe, num tom sério e categórico, a entrega de € 200,00 (duzentos euros), o que fez enquanto lhe imprimia com bastante força uma das botas que calçava nesse dia, em cima do pescoço, estrangulando-o.

5. Ato contínuo, o arguido começou a pressionar, com muita força, uma das botas que calçava nesse dia, imprimindo-a em cima da testa de AA, bem como no rosto e na cabeça deste último, causando-lhe sempre bastante dor.

6. Como consequência direta e necessária da conduta do arguido, AA sofreu dores intensas, traumatismo na cabeça, traumatismo no pescoço e traumatismo no 1.º dedo da mão direita, uma ferida contusa na região parietal esquerda com 1cm de diâmetro, recoberta por crosta hemorrágica, uma equimose arroxeada na região da cartilagem tiroide, com 2 cm de diâmetro, e um edema ligeiro do 1.º dedo da mão direita na região da articulação metacarpo-falângica.

7. Lesões estas que determinaram 7 (sete) dias para a cura, com afetação da capacidade de trabalho geral por 5 (cinco) dias, e com afetação da capacidade de trabalho profissional por 5 (cinco) dias.

8. Agiu o arguido BB com o propósito alcançado de molestar a vítima no seu corpo e na sua saúde, causando-lhe, como causou, as dores e lesões do tipo das descritas, o que fez no intuito de se apropriar de dinheiro que não lhe pertencia, não obstante bem saber que se tratava de bem alheio e que agia contra a vontade e sem o consentimento do seu legítimo dono e proprietário.

9. AA não se conseguiu defender nem teve capacidade de reação perante a abordagem inesperada e violenta do arguido, que se recorreu da violência física, bem sabendo que dessa forma enfraquecia a capacidade de defesa da vítima e o impedia de oferecer resistência.

10. O arguido só não se apropriou das quantias monetárias pertencentes a AA por motivos alheios à sua vontade.

11. Atuou o arguido sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal em vigor.

Das condições pessoais, familiares, económicas e sociais

12. O arguido vive com uma companheira e com o filho desta que te 13 anos.

13. Reside em casa arrendada, suportando um custo de 280,00 euros.

14. O arguido tem uma filha, que vive com a mãe, suportando um cisto mensal de 100,00 euros com a prestação de alimentos.

15. O arguido aufere a quantia de 1 150,00 euros e a companheira a quantia de 800,00 euros.

16. Suporta ainda a prestação mensal de 280,00 euros para amortização do empréstimo com aquisição do seu veículo.

17. Suporta igualmente prestações mensais no valor global de 250,00 euros, para amortização de créditos pessoais.

18. Tem o 12º ano de escolaridade.

19. O arguido é vigilante na empresa …, exercendo a sua atividade profissional há quase dez anos na Câmara Municipal de ….”

Como fundamento da aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, escreveu-se na decisão recorrida:

“No que concerne à personalidade e condições de vida do arguido:

- Estar familiarmente inserido;

- Apresentou-se em julgamento.

- Está profissionalmente inserido;

- Tem uma filha menor de idade providenciando igualmente pelo seu sustento com uma pensão de alimentos no valor de 100,00 euros;

- Ausência de antecedências criminais.

Ponderando este circunstancialismo leva-nos a estar seguros que a simples censura e ameaça da prisão é suficiente para o afastar da criminalidade, conseguir a ressocialização do indivíduo, ficando salvaguardadas as finalidades da pena.

Crê-se, aliás, que a imposição, neste momento, ao arguido, de uma pena efetiva de prisão contribuiria para um resultado diametralmente oposto ao que se pretende através do seu necessário sancionamento, atirando-o, porventura sem retorno, para fora de um âmbito em que a ressocialização, através da recuperação da sua dignidade, ainda poderá operar.

Sendo certo que não podemos formular qualquer juízo de certeza no sentido que acabamos de dizer, igualmente não podemos afirmar, com a certeza que se imporia, que, no presente circunstancialismo, apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão satisfaria as necessidades da punição. É, pois este, segundo creio, e em face dos elementos constantes dos autos, o momento de o tribunal oferecer a “ponte de ouro” ao arguido, entendida como a última oportunidade o mesmo conformar as suas condutas ao Direito, antes de se ver efetivamente privado da sua liberdade.

Creio, ainda, que, não obstante as prementes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, as quais são indesmentíveis, a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido não merecerá, no circunstancialismo do caso, o repúdio da sociedade, o que decide, por igual período.”

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Dispõe o artº 13º, nºs 1 e 3, da L. 37/2015 de 5/5 o seguinte:

Artigo 13.º

Decisões de não transcrição

1 - Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nºs 5 e 6 do artigo 10.º

(…)

3 - O cancelamento previsto no n.º 1 é revogado automaticamente, ou não produz efeitos, no caso de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão.

Os nºs 5 e 6 do referido artº 10º dispõem:

Artigo 10.º

Conteúdo dos certificados

(…)

5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, devem conter apenas:

a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;

b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;

c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.

6 - Os certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade, contêm todas as decisões de tribunais portugueses vigentes, com exceção das decisões canceladas provisoriamente nos termos do artigo 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do artigo 13.º, bem como a revogação, a anulação ou a extinção da decisão de cancelamento, e ainda as decisões proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, nas mesmas condições, devendo o requerente especificar a profissão ou atividade a exercer ou a outra finalidade para que o certificado é requerido.

Do que se trata no presente caso é que o arguido exercendo a profissão de segurança numa empresa (facto provado sob o nº 19) pretende que a condenação de que foi alvo não seja transcrita no c.r.c. para efeitos de possibilitar a continuação dessa actividade profissional.

Como se refere no ac. do tribunal constitucional nº 376/2018 de 18/9 - o qual declarou “a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 22.º da Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, e, quanto à remissão para a mesma feita, das normas constantes dos n.ºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo, por violação do n.º 1 do artigo 47.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º da Constituição” – “o legislador pretende é – legitimamente – acautelar a idoneidade para o exercício de uma atividade suscetível de contender com direitos fundamentais de outros cidadãos no domínio da segurança.”

E mais adiante: “… as normas legais em escrutínio visam garantir que a atividade aqui em causa seja exercida por quem revele idoneidade cívica para esse efeito, evitando-se que a atividade aqui em causa seja exercida por parte de quem, por via da censura criminal, já deu mostras de nem sempre estar á altura de situações que, no âmbito da atividade de segurança privada, serão mais ou menos comuns.”

Estas referências, embora feitas no acórdão do tribunal constitucional que se debruçou sobre as normas em causa na redacção então em vigor e que foi alterada pela Lei 46/2019 de 8/07, têm aqui cabimento para que se compreenda que, ao contrário do alegado pelo recorrente, não se verificou qualquer violação da constituição, designadamente do artº 58º, nº 1 (direito ao trabalho).

A restrição resultante da transcrição da condenação no certificado do registo criminal tem a sua fundamentação no nº 2 do artº 18º da C.R.P..

Posto isto, importa referir que os requisitos formais, digamos assim, previstos no artº 13º, nº 1, do D.L. 37/2015 de 5/5, estão verificados e são indiscutíveis no presente recurso.

O que importa saber é se “das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.

Ora, o que se sabe (o que está provado) é que o arguido estando a conviver com a vítima no interior da garagem do prédio onde este último reside, sem que nada o fizesse prever, iniciou uma série de actos de agressão física, exigindo à vítima que lhe entregasse dinheiro.

O arguido apertou o pescoço da vítima com as duas mãos, asfixiando-a por uns momentos, projectou-a para o chão e de seguida colocou uma das botas em cima do pescoço, estrangulando-a.

A forma pela qual ocorreu o crime é absolutamente essencial para se aquilatar da adequação da não transcrição da condenação no certificado do registo criminal.

E essa forma pode indiciar mais ou menos gravidade. Se é certo que não pode ser apenas a gravidade do crime a justificar o indeferimento da não transcrição da condenação no certificado do registo criminal, não é menos certo que determina a referida norma que se deve ter em conta “as circunstâncias que acompanharam o crime”.

A forma inesperada, e até hoje inexplicada, como o arguido actuou, estando a conviver com a vítima, e a utilização de violência de certa forma desproporcionada, é revelador de uma personalidade algo incontrolável, não se revelando, assim, que as circunstâncias que rodearam a prática do crime, induzam a inexistência da prática de novos crimes.

Como se referiu no acórdão anterior proferido por este tribunal “o arguido evidenciou ter dificuldades ao nível do controlo dos impulsos. Mostrou ainda que nos seus 36 anos de idade, tem uma fraca capacidade de descentração, reduzida consciência crítica, dificuldade ao nível da censurabilidade dos seus comportamentos e subsequente minimização do impacto dos mesmos.”

Nem se vislumbra por aqui qualquer contradição com a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.

Do que se trata nessa pena de substituição é a alternativa entre o cumprimento efectivo de uma pena de prisão e a possibilidade de se atingirem as finalidades da punição sem esse cumprimento efetivo.

As finalidades da punição são as previstas no artº 40º, nº 1, do Cód. Penal, bem mais amplas do que as circunstâncias que podem levar à não transcrição da condenação no certificado do registo criminal, desde logo porque ali (finalidades da punição) também estão em causa as necessidades de prevenção geral.

É preciso não olvidar que a regra do nosso registo criminal é a da transcrição das condenações. É certo que a não transcrição é uma possibilidade prevista na lei, mas não é uma regra para os casos em que estão preenchidos os requisitos formais, nem para os casos em que é aplicada a suspensão da execução da pena de prisão.

Não se olvida que o caso do arguido é merecedor de uma atenção especial (e teve-a), pois que a transcrição determinada impedirá que continue a exercer a sua actividade profissional, pelo menos enquanto ao registo não for cancelado.

Mas é também (mas não só) tendo em conta essa actividade profissional que mais se revela a desconformidade dos factos praticados com a mesma.

O que seria bem mais incongruente era a continuação da actividade de segurança privado e o cumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão que foram fixadas na sentença condenatória:

- Frequentar programas específicos para controlo de impulsividade e gestão de raiva, de modo a que o mesmo tenha a capacidade de controlar os seus impulsos e recorrer à violência como resolução dos problemas;

- Frequentar programas de educação cívica e de cidadania, de modo a educá-lo a viver em sociedade e a respeitar o seu semelhante.

Face ao exposto, entende-se que nada há a censurar quanto ao despacho recorrido.

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DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso improcedente.

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Deverá o arguido suportas as custas, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

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Évora, 10 de Janeiro de 2023

Nuno Garcia

António Condesso

Laura Goulart Maurício