Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
299/15.8T8EVR-A.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: MEIOS DE PROVA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA EXTRAJUDICIAL
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário:
1. Um documento autêntico apenas faz prova plena quanto aos factos referidos como praticados pelo oficial público respetivo, não prova plenamente que as declarações nele contidas são verdadeiras - art.º 371.º/1 do C. Civil.
2. A declaração feita pela recorrente na escritura pública de que recebeu o preço da transmissão do imóvel tem natureza de uma declaração confessória de um facto à parte contrária, que lhe é desfavorável, com força probatória plena, nos termos dos art.ºs 352.º e 358.º/2 do C. Civil.
3. Perante a declaração de confissão extrajudicial feita pela recorrente à parte contrária, nesse documento autêntico, a sua força probatória só pode ser destruída mediante a prova do contrário, isto é, pela prova de que a recorrente não tinha recebido o preço aí estabelecido, não obstante assim o ter declarado, competindo-lhe alegar e provar de que o preço não foi efetivamente pago ou recebido.
4. E no âmbito dessa prova está excluída a prova por presunção judicial e a prova testemunhal, como decorre expressamente dos art.ºs 351.º e 393.º/2 do c. Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório.
... - Gestão de Imóveis, Lda., com sede …, intentou a presente ação declarativa comum contra A..., Lda., com sede …, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €403.000,00, a título de capital, e a quantia de € 91.843,70, a título de juros de mora vencidos, bem como os vincendos.
Alegou, em síntese, dedicar-se à compra e venda de imóveis para revenda, por escrituras públicas celebradas em 20/10/2011 e 7/11/2011, no Cartório Notarial de Lisboa de Melania Ribeiro, vendeu à Ré, pelo preço de € 187.000,00 e € 216.000,00, respetivamente, dois imóveis que identificou, sendo que contrariamente ao que consta dessas escrituras a Ré não pagou o preço, pagamento que deveria ter sido efetuado até final de janeiro de 2012.
Citada, a Ré contestou, por impugnação, alegando que a Autora confessou nas escrituras o recebimento do preço, confissão que constitui um documento autêntico ou particular e que tem força probatória plena, concluindo pela improcedência da ação.
Procedeu-se à audiência prévia, foi identificado o objeto de litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Consta da ata da audiência prévia realizada em 13.10.2015, após a prolação de despacho sobre a reclamação sobre os temas da prova, o seguinte:
“Dada a palavra aos ilustres mandatários das partes para se pronunciarem sobre os temas de prova, tendo sido dito pelo ilustre mandatário da autora o seguinte: ---
— Para prova do tema de prova n° 1, requer-se a V. Exa a junção aos presentes autos dos seguintes documentos: —
a) - certidão emitida pelo Banco de Portugal com a listagem de todas as contas que foram ou não tituladas pela A. entre os anos de 2011 e 2015;
b) - totalidade dos extratos bancários das referidas contas, entre os anos 2011 e 2015.
— Da análise dos aludidos documentos é possível constar que a autora nunca recebeu por parte da ré qualquer valor e muito menos relativos às escrituras públicas que constam da presente ação. —
Para prova do tema de prova n° 1, requer-se a V. Exa que a ré seja notificada para vir aos presentes autos informar: —
a) - quando é que procedeu ao pagamento do preço referido nas escrituras públicas constantes do art° 3.º e 4.º;
b) - que meio ou meios de pagamento foram utilizados. —
— Mais deverá a mesma ser notificada para juntar aos autos o comprovativo documental dos meios de pagamento utilizados e da forma de pagamento. —
— Requer-se, ainda, a V. Exa para prova do tema n° 1, que a ré seja notificada para vir juntar aos presentes autos os seus balancetes analíticos do ano de 2011 e 2012, bem como o extrato de conta que esta tem com a autora, neste caso, relativo aos anos de 2011 a 2015, já que da análise dos mesmos resultará, claramente, que a ré nunca procedeu ao pagamento à autora de qualquer quantia, como esta bem sabe. Não nos podemos olvidar que documentação de uma sociedade, por movimentar todos os documentos e formas e meios de pagamento, é a sede própria para, com toda a facilidade e sem subterfúgios, poder-se verificar se existiu ou não pagamento do preço e como é que o mesmo foi realizado. —
— Acrescento ainda que tendo em conta a formulação do tema de prova n° 1, salvo melhor e mais douto entendimento não será possível à autora provar um facto negativo se este tribunal não admitir a prova ora requerida, já que a única coisa que a autora pode fazer, por si só, é como o fez aqui, juntar de boa-fé todos os seus extratos
bancários dos anos de 2011 a 20155. —
— Assim, sendo para que este tribunal possa garantir o direito constitucional de defesa da autora a prova ora requerida tem de ser deferida, sendo certo que se a ré procedeu ao pagamento de uma quantia tão elevada, ser-lhe-á certamente muito fácil fazer essa prova. —
— A Autora requer ainda a V. Exa que seja aditado ao seu rol de testemunha. —As testemunhas que já foram indicadas pela ré como sendo:
--- Mais requer a V. Exa que a ré seja notificada para vir aos autos indicar quem era o seu técnico oficial de contas dos anos de 2011 a 2015, indicando o seu nome completo e morada para que possa prestar o seu depoimento neste Tribunal, requerendo-se que mal seja tal informação obtida que o mesmo seja aditado ao rol de testemunhas. —
— Dada a palavra à ilustre mandatária da ré pela mesma foi ditado para a ata o
seguinte requerimento: —
— Relativamente à prova documental da parte que respeita que a ré, nomeadamente para informar quando procedeu ao pagamento e quais os meios de pagamento utilizado, para juntar aos autos cópias de meio de pagamento, balancetes analíticos, extratos conta afigura-se à ré que a autora ainda não logrou alcançar que lhe cabe fazer a prova e não cabe fazer a prova e não cabe à ré fazê-la por ela. Acresce que a posição da ré está assumida na sua contestação nada mais tendo a acrescentar além daquilo que já declarou. —
— Relativamente aos balancetes analíticos, extratos de conta, são documentos internos da ré inexistindo qualquer fundamento para a sua junção aos documentos. —
— Diz a autora que tais documentos são essenciais ao exercício do seu direito defesa.
--- Acontece que a autora não exerce nestes autos um direito de defesa mas um direito de ação, não estando a ré obrigada a fazer a prova que cabe à autora. ---
— Relativamente, à identificação do técnico oficial de contas da ré, não logra a mesma alcançar a razão pela qual deveria vir aos autos informa a sua identificação, sendo certo, que a autora não deverá ter dúvidas sobre quem conhece a factualidade que se propõe provar. —-
Assim, sendo sem prejuízo de melhor juízo deverão ser indeferidos com exceção da parte respeitante ao aditamento de testemunhas identificadas, todos os demais requerimentos de prova ora requeridos, o que se requer. —
— Relativo aos documentos não se opõe à junção dos documentos, não prescindindo do prazo de vista. —
— De seguida a Mma Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
—- "Relativamente à alteração do requerimento de prova apresentado pela autora, o tribunal decide: —
a) - por considerar que não se apresentam manifestamente impertinentes, admito aos autos dos documentos apresentados a atenta a sua extensão e o seu conteúdo concede-se à parte contrária o prazo de 10 dias para que possa proceder à sua análise e exercer de forma cabal o seu direito de contraditório;
b) - no que concerne aos documentos que a autora pretende ver juntos aos autos pela parte da ré, verifica-se que todos eles seriam aptos a demonstrar factos já sustentados pela confissão extra judicial. Por outro lado chama o tribunal à colação tudo quanto se expôs no despacho que apreciou a reclamação dos temas de prova, no qual se expôs de forma objetiva o ônus da prova que impede sobre a autora. Aliás, nesta matéria, cumpre referir que em função da natureza da confissão extra judicial a que se reportam os presentes autos e das regras probatórias explanadas, considerando que a autora se limitou a alegar a falta do pagamento e não uma qualquer simulação ou vicio de vontade relativos àquela confissão, a única circunstância que determinou o prosseguimento dos autos para julgamento foi o facto de em termos probatórios se ter solicitado o depoimento parte do legal representante da ré, ou seja a possibilidade de obtenção de prova equivalente (confissão), relativamente ao alegado não pagamento do preço. —
c) - admite-se o aditamento ao rol, por respeitar o numero máximo de testemunhas previsto pela lei, notificando-se neste ato a ré, em 5 dias, identificar nos autos o seu técnico oficial de contas entre os anos 2011 e 2015, indicando a respetiva morada, o qual será posteriormente notificado para comparecer em audiência final. —
Com a concordância do ilustre mandatário das partes, mantêm-se para realização da audiência de discussão e julgamento, a data anteriormente agendada, 30 de Novembro de 2015, pelas 14.00 horas. —
— Notifique".
Inconformada quanto ao segmento da decisão contida em b) do mencionado despacho (que indeferiu os meios de prova requeridos) veio a Autora interpor o presente recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões:
I - Na presente ação a recorrente pretende que a recorrida seja condenada a pagar-lhe o preço que lhe era devido pelas alienações que fez de duas frações autônomas, sendo que um dos temas de prova definidos pelo Tribunal a quo é sabe "A Ré, até à presente data, não pagou à Autora o preço de aquisição a que se referem os artigos 3.º e 4.º da petição inicial? (tema de prova n° 1)
II - Em sede de audiência prévia a recorrente requereu ao Tribunal a quo, para prova do tema de prova n°1 que a recorrida fosse notificada para vir aos presentes autos informar: (1) quando é que procedeu ao pagamento do preço referido nas escrituras públicas constantes do artigo 3.° e 4.°; e (2) que meio ou meios de pagamento foram utilizados, juntando para tal o comprovativo documental dos meios de pagamento utilizados e da forma de pagamento, (3) bem como, requereu que a recorrida juntasse os seus balancetes analíticos dos anos de 2011 e 2012, bem como o extrato de conta que esta tem com a recorrente, neste caso, relativo aos anos de 2011 a 2015, tendo tal requerimento sido indeferido pelo Tribunal a quo com fundamento que a prova requerida já se encontrava sustentada pela confissão extra judicial, pelo que decidiu, atendendo à mesma, que qualquer outra prova que seja realizada em juízo não será considerada, com exceção da eventual prova por confissão que a recorrida, venha a fazer, pois atribui às escrituras públicas força probatória plena, nos termos do disposto nos artigos 355.° n.° 1 e 4 e 358.° 2 do Código Civil.
III - Ora, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo e conforme resulta, quer da nossa mais avisada doutrina, quer da douta jurisprudência dominante dos nossos Tribunais superiores a declaração de quitação dada pela recorrente nas referidas escrituras não tem força probatória plena, já que nos termos do disposto no artigo 371.° do Código Civil "a força probatória material dos documentos autênticos cinge-se aos factos praticados e percecionados pela autoridade ou oficial público de que emanam os documentos, não abrangendo a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas perante essa mesma autoridade ou oficial público, já que esse circunstancialismo não é percecionado por aqueles . . . Tal força probatória não se estende, pois, à veracidade ou verosimilhança, ou seja a correspondência com a realidade dos factos constantes da declaração ... O conteúdo e interpretação da declaração emitida pelo vendedor, quanto ao recebimento do preço, através de escritura pública, é passível de impugnação e demonstração por qualquer meio de prova, designadamente testemunhal, podendo ser impugnada nos termos gerais, sem a necessidade de arguição da falsidade do documento, desde que haja um princípio de prova escrita relacionada com esse facto". Logo o que as escrituras públicas juntas aos autos provam é que a recorrente declarou à autoridade pública que já recebeu e não que esse facto corresponde à realidade. De facto, tal declaração apenas prova que a mesma foi efetuada, mas não que o preço foi, efetivamente, recebido pela recorrente, já que não resulta das aludidas escrituras que o notário tivesse atestado o pagamento através de perceção sua (direta) ou seja que tal pagamento haja sido feito na sua presença.
IV - A recorrente juntou aos presentes autos toda a prova documental que dispunha e que podia dispor para comprovar que, efetivamente, não recebeu o preço, já que esta juntou aos autos uma certidão do Banco de Portugal que atesta todas as suas contas bancárias entre os anos de 2011 e 2015 e juntou, ainda, a totalidade dos seus extratos bancários desse período - conforme resulta do documento constante da referência CITIUS n.º 24620626, dos quais resulta, claramente, que nem antes, nem muito depois das escrituras públicas realizadas, esta recebeu qualquer valor que se assemelhe àquele que resulta do preço das mesmas. Isto é, há, no mínimo, um indicio de prova muito forte de que a recorrente não recebeu da recorrida qualquer valor relativamente às escrituras públicas em discussão nos presentes autos.
VI - Concluindo V. Exas. que à recorrente não pode ser limitado o seu direito de prova como pretende o Tribunal a quo fazer, resta-nos analisar se a prova requerida pela recorrente é ou não pertinente para a boa decisão do caso sub judice.
VII - A recorrente para um cabal esclarecimento dos presentes autos promoveu a junção aos mesmos de toda a documentação que tinha em seu poder e de que podia dispor para provar o tema de prova n.° 1. Isto é, a recorrente viu-se obrigada a "despir-se" completamente nos presentes autos, dando a informação precisa e completa de todas as suas contas bancárias tituladas entre o ano de 2011 e o ano de 2015, entregando todos os seus extratos bancários dessas datas. A recorrente não se limitou, como o poderia ter feito, a juntar a documentação bancária na data das e s c r i t u r a s pois a recorrente poderia sempre vir dizer, posteriormente, que pagou numa data posterior ou anterior aquelas que resultariam da documentação em causa. Entendeu a recorrente dar tudo, tudo o que pensou ser razoável, tendo em conta a data das escrituras e a data em que foi proposta a presente ação.
VIII - Ora, se é verdade que a recorrente juntou tudo o que podia para prova de um facto negativo - de que não recebeu as referidas quantias - tal situação não invalida que o Tribunal a quo, ou mesmo a recorrente, venham, mais tarde, dizer que o pagamento poderá ter sido efetuado numa data posterior ou mesmo anterior aos anos de 2011 a 2015 ou que o pagamento poderá ter sido efetuado a um qualquer terceiro, suscitando, com isso, uma dúvida que sempre teria de ser respondida contra a recorrente, nos termos do disposto no artigo 414.° do CPC, já que tendo em conta a redação do tema de prova n.º 1 pela negativa competirá sempre à recorrente o ónus de
prova.
Daí que a recorrente, por um questão de certeza e na busca da verdade material tão querida pela Justiça - mas por vezes esquecida, como acontece in casu - simplesmente requereu que a recorrida fosse notificada para informar quando e como é que procedeu ao pagamento das quantias referidas, juntando os documentos bancários e contabilísticos que comprovam esses mesmos pagamentos, pois só com esta informação é que a recorrente poderá, garantidamente, comprovar perante este Tribunal que não recebeu estas quantias por qualquer forma e em nenhuma altura.
XI - Sem a junção da informação e dos documentos em causa, toma-se praticamente impossível para a recorrente conseguir fazer a prova do facto negativo que lhe foi dado o ônus de realizar, facto este essencial para a procedência da sua pretensão.
Assim sendo, douto despacho que indeferiu as diligências de prova requeridas pela recorrente tem como consequência condenar ao insucesso a ação por ela proposta.
Motivo pelo qual é essencial que sejam juntos aos autos os elementos de prova que permitem demonstrar e provar, essencialmente, um facto negativo, a saber: a falta de pagamento dos preços. Ora, como se disse, o referido facto negativo, devido às suas características não pode, obviamente, ser circunstanciado num dia específico. Até porque, estranhamente ou não, ao analisarmos a douta contestação da recorrida constamos que nem sequer resulta da mesma que esta pagou as quantias em causa, já que a recorrida, no seu douto articulado, simplesmente, limitou-se, estrategicamente, a impugnar o facto de que não tinha pago, sem nunca ter alegado que pagou - pois sabe que nunca pagou - limitando-se a dizer que a recorrente confessou o recebimento do preço, tirando dai as consequências jurídicas que pretende para a defesa da sua posição.
XIII - Pelo exposto, salvo melhor e mais douto entendimento, a prova requerida pela recorrente é pertinente e assume clara relevância probatória e extrema necessidade para a boa decisão da causa e descoberta da verdade, no que respeita ao tema de prova n.º1, encontrando tal requerimento de prova, claríssima, guarida no artigo 429.° do CPC. Pelo que, as diligências de prova cuja realização a recorrente requereu são essenciais à boa administração da justiça, por, no caso concreto, as informações e os documentos pretendidos serem essenciais à boa decisão da causa e à descoberta da verdade e, acima de tudo, essenciais para a procedência da sua pretensão, pois está em causa a produção de prova que de outro modo não seria possível.
XIV - De facto, aceitando a posição do Tribunal a quo a existência de uma declaração de quitação numa escritura pública não poderia nunca ser abalada, exceto se à parte contrária tivesse "um peso na consciência" e confessasse em sede de depoimento de parte, posição esta que, como se disse, não tem qualquer suporte legal, doutrinal ou jurisprudencial.
xv - Em suma, a informação e os documentos solicitados pela recorrente no seu requerimento de prova são, efetivamente, os necessários para se fazer a prova dos factos que se consideram abarcados pelo tema de prova n. ° 1.
XVI - Ao decidir em sentido contrário, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa, nos artigos 4.°, 411.°, 413.°, 429.° n.° 1 e n.° 2, todos do Código do Processo Civil e os artigos 355.° n.° 1 e n.º4, artigos 358.° n.º 2 e artigo 371.°, estes últimos do Código Civil.
XVII - Assim sendo, deverão V. Exas. revogar o douto despacho do qual ora se recorre, substituindo o mesmo por douta decisão que defira a totalidade da prova requerida pela recorrente e, consequentemente, seja ordenada a notificação da recorrida para vir aos presentes autos informar: (1) quando é que procedeu ao pagamento do preço referido nas escrituras públicas constantes do artigo 3.° e 4.°; e (2) que meio ou meios de pagamento foram utilizados, juntando para talo comprovativo documental dos meios de pagamento utilizados e da forma de pagamento, bem como para juntar aos presentes autos os seus balancetes analíticos dos anos de 2011 e 2012, bem como o extrato de conta que esta tem com a recorrente, neste caso, relativo aos anos de 2011 a 2015.
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A recorrida respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.
Por acórdão proferido em conferência, que teve lugar em 30/11/2016 ( fls. 292 a 300, foi deferida a reclamação apresentada pela recorrente e anulado o acórdão de fls. 246 a 254.
Cumpre, pois, apreciar e decidir o objeto do recurso interposto.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a única questão a decidir consiste em saber se devem, ou não, ser rejeitados, os meios de prova requeridos pela recorrente.
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III. Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
1.1. À matéria de matéria de facto descrita no antecedente relatório, importa ainda acrescentar a seguinte factologia, com interesse para a decisão da questão colocada:
a) Consta da escritura pública realizada em 20/10/2011, a fls. 200 a 204, que o representante legal da Autora declarou:
Que, por esta escritura, e pelo preço de Cento e Oitenta e Sete Mil Euros, que já recebeu da representante legal do seguindo outorgante, a esta vende, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fração autónoma…”;
b) Consta da escritura pública realizada em 7/11/2011, a fls. 196 a 199, que o representante legal da Autora declarou:
Que, por esta escritura, e pelo preço de Duzentos e Dezasseis Mil Euros, que já recebeu da representante legal do seguindo outorgante, a esta vende, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fração autónoma…”;
c) O Tribunal a quo fixou os temas de prova constantes do despacho, datado de 12.05.2015, quais sejam:
1. A Ré, até à presente data, não pagou à Autora o preço de aquisição a que se referem os artigos 3.º e 4.º da petição inicial;
2. Pagamento esse que deveria ter sido feito à Autora até ao final de Janeiro de 2012.
2. O Direito.
A recorrente para prova do tema n°1 pediu que a Ré fosse notificada para vir aos autos informar: a) quando é que procedeu ao pagamento do preço referido nas escrituras públicas constantes do artigo 3.° e 4.°; b) que meio ou meios de pagamento foram utilizados, juntando para tal o comprovativo documental dos meios de pagamento utilizados e da forma de pagamento; c) que juntasse os seus balancetes analíticos dos anos de 2011 e 2012, bem como o extrato de conta que esta tem com a recorrente, neste caso, relativo aos anos de 2011 a 2015.
O tribunal a quo indeferiu esses meios de prova, por entender que essa prova já se encontrava sustentada pela confissão extra judicial, atribuindo às escrituras públicas força probatória plena, nos termos do disposto nos artigos 355.° n.° 1 e 4 e 358.° 2 do Código Civil, pelo que qualquer outra prova que seja realizada em juízo não será considerada, com exceção da eventual prova por confissão que a recorrida venha a fazer.
Discorda a recorrente por defender que a declaração de quitação dada pela recorrente nas referidas escrituras não tem força probatória plena, já que nos termos do disposto no artigo 371.° do Código Civil "a força probatória material dos documentos autênticos cinge-se aos factos praticados e percecionados pela autoridade ou oficial público de que emanam os documentos, não abrangendo a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas perante essa mesma autoridade ou oficial público, já que esse circunstancialismo não é percecionado por aqueles”. Por isso, a declaração de quitação apenas prova que a mesma foi efetuada, mas não que o preço foi efetivamente recebido pela recorrente.
Assim, delimitada a questão de fundo, vejamos, pois, se é ou não legalmente admissível outro meio de prova, que não a confissão da Ré, de que o preço devido não foi efetivamente entregue à Autora, ou seja, a única questão colocada e que constitui o objeto do presente recurso traduz-se em saber qual o valor probatório a atribuir à declaração da vendedora (Autora) de que recebeu o preço da venda dos imóveis à Ré.
Está essencialmente em causa o valor probatório desses documentos autênticos (escrituras públicas), em particular no que respeita ao recebimento, pela Autora, ora recorrente, da Ré, as quantias aí referidas, a título do preço de venda desses imóveis.
A este propósito ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 510/511, que “o primeiro aspeto a considerar, no tocante à força probatória de qualquer documento, é o da sua autenticidade. O que antes de tudo, importa saber é se o documento provém, na verdade, da pessoa (autoridade, oficial público, particular) a quem é imputada a sua autoria”.
Como igualmente é feito notar por estes autores, “ uma coisa é saber se o documento provém da pessoa ou entidade a que é imputado (força probatória formal); outra, muito distinta, é saber em que medida os aspetos nele referidos e os factos nele mencionados se consideram como correspondentes à realidade material (força probatória material).
Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 319/320, ensinava que “uma coisa é a força probatória plena do documento, outra a eficácia do ato nele contido”, sendo que “a força probatória não vai além da materialidade de declaração, nada tem que ver com a sua natureza intrínseca, pelo que fica sempre livre a demonstração dos vícios que a afetam”.
Quando há uma discrepância entre o conteúdo do documento e a verdade, diz-se que há uma falsidade ideológica - Castro Mendes , Teoria Geral do Direito Civil III, AAFDL, 1979, pág. 358.
Ora, como flui do art. 358.º, n.º 2, a “confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena”, sendo que a “confissão judicial ou extrajudicial pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios de vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação”.
Como ensinava Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 247 e 256, a confissão extrajudicial não tem autonomia, reconduzindo-se à prova por documentos ou por testemunhas e se for exarada em documento autêntico ou particular considera-se provada nos termos gerais aplicáveis a esses documentos, sendo que quando exarada em documento com força probatória plena e for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (art. 358º nº 2 do Cód. Civil).
Quanto à força probatória dos documentos autênticos, prescreve o n.º1 do art.º 371.º do C. Civil:
Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”.
Comentando esta disposição legal, Pires de Lima e Antunes Varela, in “ Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, pág. 327/328, são claros em afirmar:
O valor probatório pleno do documento autêntico não respeita a tudo o que se diz ou se contém no documento, mas somente aos factos que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo ( ex: procedi a este ou àquele exame), e quanto aos factos que são referidos no documento com base nas perceções da entidade documentadora. Se, no documento, o notário afirma que, perante ele, o outorgante disse isto ou aquilo, fica plenamente provado que o outorgante disse, mas não fica provado que seja verdadeira a afirmação do outorgante…”
E acrescentam o seguinte exemplo: “numa escritura de compra e venda de imóveis o vendedor declara que recebeu o preço convencionado; o documento só faz prova plena de que esta declaração foi proferida perante o notário, nada impedindo que mais tarde se prove que ela foi simulada e que o preço ainda não foi pago”.
Orientação que é seguida igualmente por Fernando Pereira Rodrigues, in “ A Prova Em Direito Civil”, Coimbra Editora, 2011, pág. 58 a 60, que a propósito do art.º 371.º do C. Civil, refere:
Do preceito em análise decorre que a força probatória do documento autêntico não abarca tudo o que no documento se mostra exarado. Essa força probatória restringe-se antes aos factos que nele sejam referidos como tendo sido praticados pelo seu autor ( autoridade ou oficial público) e aos factos nele registados e atestados como tendo sido percecionados no ato pelo mesmo autor.
Assim se o notário atesta que procedeu a determinado ato notarial e que perante ele os outorgantes respetivos fizeram determinadas declarações, o que o documento prova plenamente é que tal ato teve lugar e que nele intervieram as pessoas identificadas proferindo as afirmações que no instrumento público se fizeram constar. Não prova tal documento a veracidade de que os outorgantes disseram…”
Assim também ensina o Prof.º Lebre de Freitas, in “A Falsidade no Direito Probatório”, 2013, 2.ª Edição, pág. 39, salientando que “quando o notário atesta, em escritura pública, ….que o senhor A declarou, perante ele, ter entregue determinada quantia ao senho B, que este declarou ter recebido essa quantia…, ficam provadas a presença dos outorgantes no cartório, a data em que o fizeram, a produção das declarações que lhes são imputadas…, mas já não fica provada, pelo documento enquanto tal, a entrega da quantia nele referida (…)”
Esta tem sido, aliás, a orientação uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, citando-se, a título de exemplo, o seu acórdão de 6/12/2011 (Relator: Conselheiro Gregório da Silva Jesus), no qual se afirma que se o documento não faz prova plena da verdade do que foi declarado, faz, no entanto, prova plena da declaração de ter sido recebido pelo vendedor o preço acordado, ou o acórdão de 15/9/2016, proc. 165/12.9TBSJP.C1.S1, onde se refere “Um documento autêntico apenas faz prova plena quanto aos factos referidos como praticados pelo oficial público respetivo, não prova plenamente que as declarações nele contidas são válidas e eficazes” [1].
No caso concreto, consta das mencionadas escrituras públicas que a recorrente, ali primeira outorgante - vendedora, declarou perante o notário (autoridade documentadora), que aí exarou, com base na sua perceção, que “já recebeu o preço da representada do segundo outorgante”.
Assim, a declaração feita pela recorrente relativamente ao preço tem natureza de uma declaração confessória de um facto à parte contrária, que lhe é desfavorável, com força probatória plena, nos termos dos art.ºs 352.º e 358.º/2 do C. Civil.
Esta tem sido a interpretação seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, como se dá nota no seu acórdão de 17/12/2015 ( Relator: Abrantes Geraldes), citando vária jurisprudência, que acompanhamos de perto, aí sublinhando:
“Ou seja, uma declaração feita por alguma das partes à contraparte que envolva o reconhecimento de um facto que lhe seja desfavorável e favoreça a parte contrária é qualificada como declaração confessória, nos termos e para efeitos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do CC. Assim ocorre com a declaração que foi inserida na escritura de cessão de quotas reportada ao recebimento do preço. Traduz, sem qualquer dúvida, a admissão de um facto que implica para o A. (cedente) a assunção da existência do pagamento e que beneficia a R. (cessionária). Nesta estrita medida é revestida de força probatória plena, com o significado e efeito que naturalmente dela emerge, ou seja, implicando o reconhecimento pelo cedente de que recebeu a totalidade do preço.
Nesta medida, o beneficiário da declaração confessória é dispensado de provar a veracidade do seu conteúdo e, concretamente, de demonstrar, por outras vias, a efetivação do cumprimento, como forma de extinção da obrigação relativa à totalidade do preço.
Fora desses casos, o confitente é ainda autorizado a alegar e demonstrar que, malgrado o teor da declaração confessória, o pagamento não foi total ou parcialmente concretizado (art. 347º, 1ª parte, do CC). Mas agora com uma importantíssima restrição probatória, sobressaindo, com efeitos na resolução do caso concreto, a limitação quanto ao uso de prova testemunhal (e também ao uso de presunções judiciais), nos termos dos arts. 347º, 2ª parte, 393º, nº 2, e 351º do CC (cf. Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 758, onde atesta com toda a clareza que “uma vez assente, por confissão não impugnada, a realidade de determinado facto”, é vedado que “esta prova possa ser posta em causa por testemunhas ou presunções judiciais, deixando intacto o problema da colisão da confissão com outros meios de prova legal plena”)”.
Entendimento que também vem sintetizado no seu acórdão de 09-07-2014 ( Relator: Paulo Sá), citando o acórdão de 6 de dezembro de 2011:
(...) A realidade da afirmação cabe nas perceções do notário, o que implica o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, beneficia a autora, e que o artigo 352º do Código Civil qualifica como confissão.
Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355°, nºs 1 e 4, e 358°, n° 2 do Código Civil.
Acontece que a força probatória plena da confissão só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no artigo 347º do CC que dispõe: "A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto (...).
Significa isto, "que o vendedor é admitido a destruir a força da confissão de haver recebido o preço, mediante a prova de, que, na realidade, o não recebeu; que o certo é outro facto contrário ao da afirmação que consciente e voluntariamente produziu perante o notário".
Assim, perante a declaração de confissão extrajudicial feita pela recorrente à parte contrária nesses documentos autênticos, a mesma beneficia de força probatória plena, nos termos do n.º2 do art.º 358.º do C. Civil, só podendo ser destruída mediante a prova do contrário, ou seja, pela prova de que a autora não tinha recebido o preço aí estabelecido, não obstante assim o ter declarado nesses escrituras, competindo à autora alegar e provar de que o preço não foi efetivamente pago ou recebido.
E no âmbito dessa prova está excluída a prova por presunção judicial e a prova testemunhal, como decorre expressamente dos art.ºs 351.º e 393.º/2 do c. Civil.
Nesse sentido, a recorrente pretende fazer prova de que até à presente data a recorrida não pagou à Autora o preço de aquisição dos imóveis.
E para prova desse facto solicitou ao Tribunal que ordenasse a notificação da ré “para indicar quando é que procedeu ao pagamento do preço referido nas escrituras públicas e que meio ou meios de pagamento foram utilizados, devendo juntar aos autos o comprovativo documental dos meios de pagamento utilizados e da forma de pagamento”.
Ora, a recorrida não se quis pronunciar sobre esse tema na sua contestação, não tomou, porque não quis, posição sobre ele, omitindo a realização de qualquer pagamento, limitando-se a impugnar o facto do não pagamento, sem alegar que pagou, quando e porque meio, restringindo a sua defesa a invocar justamente a confissão do recebimento do preço e sua força probatória plena, naturalmente por entender ser a atitude processual mais correta na defesa dos seus interesses.
Daí não se poder impor à ré que comprove esse pagamento (facto positivo) ou que contribua para que a Autora prove o não pagamento (facto negativo), sendo certo que cabe à autora este ónus, para além de que o meio de prova adequado para obter esses esclarecimentos (e confissão) será o depoimento de parte.
E assim sendo, não se justifica a notificação da ré para esclarecer como e quando efetuou o pagamento devido.
No que respeita à notificação da ré para vir juntar aos autos os seus balancetes analíticos do ano de 2011 e 2012, bem como o extrato de conta que esta tem com a autora, relativo aos anos de 2011 a 2015, que segundo a recorrente “irá demonstrar que a ré nunca procedeu ao pagamento à autora de qualquer quantia, como esta bem sabe”, não se vê razão para não admitir esse meio de prova documental, na posse da ré, nos termos do art.º 429.º/1 do C. P. Civil, tendo em conta as apontadas limitações legais quanto aos meios probatórios disponíveis para a demonstração do facto negativo.
Resumindo, procede parcialmente a apelação.
As custas devidas pela apelação serão suportadas pela apelante e apelada, na proporção do vencido, ou seja, 50% - art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Um documento autêntico apenas faz prova plena quanto aos factos referidos como praticados pelo oficial público respetivo, não prova plenamente que as declarações nele contidas são verdadeiras - art.º 371.º/1 do C. Civil.
2. A declaração feita pela recorrente na escritura pública de que recebeu o preço da transmissão do imóvel tem natureza de uma declaração confessória de um facto à parte contrária, que lhe é desfavorável, com força probatória plena, nos termos dos art.ºs 352.º e 358.º/2 do C. Civil.
3. Perante a declaração de confissão extrajudicial feita pela recorrente à parte contrária, nesse documento autêntico, a sua força probatória só pode ser destruída mediante a prova do contrário, isto é, pela prova de que a recorrente não tinha recebido o preço aí estabelecido, não obstante assim o ter declarado, competindo-lhe alegar e provar de que o preço não foi efetivamente pago ou recebido.
4. E no âmbito dessa prova está excluída a prova por presunção judicial e a prova testemunhal, como decorre expressamente dos art.ºs 351.º e 393.º/2 do c. Civil.
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V. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que indeferiu a notificação da ré para vir juntar aos autos os seus balancetes analíticos do ano de 2011 e 2012, bem como o extrato de conta que esta tem com a autora, relativo aos anos de 2011 a 2015, a qual deve ser substituída por outra que admita estes meios de prova.
Custas da apelação pela apelante e apelada, em partes iguais.
Évora, 2017/03/09
Tomé Ramião
José Tomé de Carvalho (Com declaração de voto)
Mário Coelho
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Declaração de voto

Votei a decisão. No entanto, não partilho integralmente da argumentação contida no acórdão. Com efeito, a meu ver, salvo melhor opinião, neste litígio não se trata de solucionar uma simples disputa relacionada com a emissão de uma declaração confessória de recebimento do preço integrada numa escritura pública de compra e venda, antes entendo que aqui estão presentes elementos jurídicos e factuais associados à falta e aos vícios da vontade. E neste tipo de patologia negocial defendo que é admissível o recurso à prova testemunhal e documental, tal como advoguei no âmbito do processo registado sob o nº1847/15.9T8STR.E1, datado de 23/02/2017, publicado em www.dgsi.pt.
Porém, ao mesmo passo, sou de opinião que, no caso concreto, os princípios da cooperação processual e da controvérsia não tem a extensão que a sociedade recorrente deles pretende fazer uso e, em certa medida, a junção da documentação em causa corresponde a uma exposição desproporcionada da vida comercial e contabilística da contraparte. Por isso, voto favoravelmente a decisão.
José Tomé de Carvalho
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[1] Assim se pronuncia também no seu acórdão de 9/7/2014, Proc. n.º 28252/10.0T2SNT.L1.S1: “No documento autêntico, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos, que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade” – disponíveis em www.dgsi.pt.