Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
342/12.2TBVRS-B.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: MÚTUO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: As testemunhas de um contrato de mútuo, e que nessa qualidade o assinaram, não são mutuárias.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:

No âmbito de processo de execução comum instaurado por AA contra BB, CC, DD e EE, para pagamento da quantia de 25.000,00 €, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, e em que foi dado à execução documento particular de reconhecimento de dívida (documentado a fls. 48-49) – com a alegação de que este titula um mútuo outorgado por ambas as executadas e que estas são casadas em comunhão de adquiridos com os executados (cfr. requerimento executivo documentado a fls. 52-54) –, vem pelo exequente interposto recurso de apelação da decisão junta por cópia a fls. 19-20, na qual se determinou o indeferimento liminar do requerimento inicial quanto aos 2º, 3º e 4º executados (e que determinou apenas a citação da executada BB).

O título dado à execução (escrito em língua espanhola e devidamente traduzido nos autos) reveste o seguinte teor, na parte que aqui releva:

«AA (…) entreguei a Dona BB a quantia de 25.000,00 € em efectivo na presença de sua filha CC, e minha mulher FF.
Prazo de devolução 6 meses.»

Sobre esse requerimento inicial de execução recaiu então despacho liminar, que apresenta o seguinte teor:

«Nos termos do artigo 46.°, n.° 1, alínea c), do Código do Processo Civil, constituem títulos executivos os documentos particulares assinados pelo devedor que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado.
No caso concreto, do documento particular apresentado como título executivo apenas consta que em determinado dia o exequente fez a entrega da quantia exequenda à executada BB na presença da sua filha, a executada CC, pelo prazo de seis meses.
Admite-se que estejamos perante um mútuo como é alegado e é verdade que ambas as executadas assinaram o documento, mas a segunda não recebe qualquer montante e, por isso, não podemos concluir que se obrigou a devolver o montante recebido no prazo de seis meses, o que significa que quanto à executada CC [e consequentemente quanto ao seu marido] não há título executivo.
Para além disso, o exequente propõe a acção ainda contra o marido da executada BB alegando apenas que é casado com esta em regime de comunhão de adquiridos.
Em nosso entendimento, esta factualidade é insuficiente para afirmar a comunicabilidade da dívida e, por isso, consideramos que não estão preenchidos os requisitos previstos no artigo 825.°, n.° 2, do Código do Processo Civil.
Pelo exposto, indefiro liminarmente o requerimento executivo quando aos executados CC, DD e EE, determinando a citação da executada BB para pagar ou deduzir oposição.»

É deste despacho de indeferimento liminar (parcial) do requerimento executivo que vem interposto pelo exequente o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões (que se renumeram em conformidade):

«1. Refere o tribunal a quo a fls. do despacho ora recorrido, que: “admite-se que estejamos perante um mútuo como é alegado e é verdade que ambas as executadas assinaram o documento, mas a segunda não recebe qualquer montante e, por isso, não podemos concluir que se obrigou a devolver o montante recebido no prazo de seis meses”... acrescentando ainda o mesmo despacho... “o que significa que quanto à executada CC (e consequentemente ao seu marido) não há título executivo”.

2. O recorrente não se conforma com tal despacho, por que viola o
princípio da legalidade, mormente os correspondentes ou correspectivos princípios do contraditório e do ónus da prova.

Porquanto,

(Como supra referido nas suas motivações o recorrente entende existir suficiente e pacífica jurisprudência no que à responsabilidade solidária dos executados CC e outros... diz respeito),

3. Designadamente o vertido no aresto do STJ de 9.10.2013 (proc. 7117/02) relativamente à solidariedade entre os responsáveis pelos danos produzidos na esfera jurídica de outrem (art° 497° CC).

4. Ou ainda num outro aresto do STJ, no Proc. 246/10YRLSB.S1, 7ª Secção, onde se refere que: a obrigação solidária tem como requisitos básicos, (i) a existência de uma pluralidade de devedores o dever de prestação integral, que recai sobre qualquer dos devedores, (ii) o efeito extintivo recíproco da satisfação dada por qualquer deles ao direito do credor, (iii) a identidade da prestação, (iv) a identidade da causa, (v) a comunhão do fim.»


Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações do recorrente resulta que a matéria a decidir se resume a apurar se haveria fundamento para o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo, quanto aos três executados supra indicados – sendo que, em caso negativo, se imporá o prosseguimento dos presentes autos também contra esses executados, com a substituição do despacho de indeferimento liminar decretado por despacho de citação dos referidos executados para a respectiva acção executiva.

Cumpre apreciar e decidir.

*

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Estando assentes os elementos descritos no relatório, cabe, com base neles, aferir do acerto da prolação do despacho de indeferimento liminar sob recurso.

Comece-se por sublinhar, como decorre do que já se enunciou supra, que o teor do documento particular dado à execução identifica como destinatária da entrega da quantia (alegadamente) mutuada exclusivamente a executada BB. A menção nesse documento à (alegada) filha desta, CC, que se pretende seja também aqui executada, sugere que a mesma assumiu aí um papel de mera «testemunha» da entrega do dinheiro – aliás, a par da mulher do exequente, aí também mencionada como «testemunha» da entrega. Se a mera referência à entrega do dinheiro «na presença» de CC fizesse dela destinatária dessa entrega (e, logo, devedora da sua devolução), então também teria de se considerar contratante do mútuo (e devedora dessa devolução) a própria mulher do exequente, Maria Reis Catarina Carrasco, já que o dinheiro foi igualmente entregue «na presença» desta. Se não faz sentido que esta seja devedora, então por aqui se vê como é absurda a tese de que CC o seja, apenas por ter assistido à entrega do dinheiro. E não é por ser filha da executada BB que aquela CC se torna, como por osmose, responsável pelas dívidas da mãe.

Afigura-se, pois, evidente aquilo que o tribunal a quo já afirmou: o exequente não dispõe de título executivo em relação à (pretensa) executada CC. E, por consequência, também não pode ser executado o seu (alegado) marido, apenas convocado a ser executado por ser casado «no regime de comunhão de adquiridos» com CC – pelo que também aqui assiste razão ao tribunal a quo.

Em todo o caso, ainda se suscitaria a questão de saber a quem se refere o exequente quando alude ao marido desta: é que nem sequer se identifica no requerimento executivo quem é casado com quem. Poderá admitir-se que a partilha em comum do apelido “Tal” sugerirá que CC Tal será casada com EE Tal – e que era a este que o exequente se referiria quando alude ao marido de CC Tal. Mas, ao mesmo tempo, o uso desse apelido pela (pretensa) executada CC à data da instauração da execução, quando o mesmo não figura no título executivo, suscitaria ainda a questão de saber se a mesma seria casada com o (pretenso) executado EE à data da edição do título (em 8/2/2007) – o que colocaria dúvida, não sanada no requerimento executivo, sobre se a suposta dívida de CC poderia ser considerada dívida comum do casal. A evidente omissão de alegação quanto a tal matéria, nesse requerimento executivo, tornaria manifestamente inviável uma qualquer pretensão executiva (ainda que fosse fundada em relação a CC, o que também não sucede) dirigida contra o marido de CC.

Resta, pois, considerar a situação da executada BB, por referência ao seu (alegado) marido. Como se disse, nem sequer houve o cuidado do exequente de identificar quem era casado com quem. É de admitir (por força do uso do apelido “Tal” pelos outros dois executados) que se pretende indicar como marido de BB o outro executado ainda não mencionado – DD –, não obstante a circunstância de estes não terem a mesma morada (segundo o requerimento executivo) também poder suscitar dúvida sobre a existência desse casal e sobre se a alegada dívida de BB poderia ser considerada dívida comum do casal.

Porém, verifica-se que também em relação a esse (suposto) casal ficou por alegar tudo o que poderia fundamentar a existência de uma dívida comum do casal. O artº 1691º do C.Civil faz depender de um amplo conjunto de requisitos a verificação de responsabilidade comum dos cônjuges por dívidas, mas no caso presente, nada foi alegado nessa matéria (salvo a menção ao regime de bens do casal). E, logo, torna-se evidente a inviabilidade da pretensão executiva dirigida ao marido de BB. Ou seja: assiste igualmente razão ao tribunal a quo ao decidir pelo indeferimento liminar do requerimento executivo quanto ao marido dessa executada.

Neste contexto importa ainda referir que a invocação da aplicabilidade de um regime de responsabilidade solidária entre os (pretensos) executados se afigura manifestamente desajustada e sem qualquer fundamento legal.

Contudo, não se deixa de salientar que o indeferimento decretado não faz precludir a possibilidade de o exequente ainda poder fazer valer perante o (alegado) marido de BB a sua pretensão executiva, caso a dívida exequenda seja efectivamente dívida comum do casal. Com efeito, a situação ora em referência terá enquadramento no incidente previsto no artº 741º do NCPC.

Posto isto, conclui-se pelo acerto da decisão recorrida, com cujos fundamentos se concorda, e que, como tal, se mantém. E assim deverá improceder integralmente a presente apelação.

Em suma: o tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, pelo que se concorda com o juízo decisório pelo mesmo formulado, não merecendo censura a decisão sob recurso.
*

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo exequente apelante (artº 527º do NCPC).


Évora, 15 / 12 /2016


(Mário António Mendes Serrano)


(Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes)


(Mário João Canelas Brás)