Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3085/17.7T8LLE.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES
DECISÃO FINAL
DESPACHO
OPOSIÇÃO
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I – Em processo de contraordenação o juiz só poderá decidir por despacho quando (i) considere desnecessária a realização da audiência e (ii) o arguido e o Ministério Público se não oponham à decisão do recurso por despacho.
II – Os casos em que o juiz poderá decidir por despacho são os casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
III – A oposição à decisão por despacho poderá ser manifestada pelo arguido no requerimento de interposição de recurso e pelo Ministério Público ao apresentar o processo ao juiz, devendo entender-se que constituem manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência.
IV – Assim, tendo no requerimento de interposição do recurso o arguido apresentado prova testemunhal, deve entender-se que se opõe à decisão por despacho, ainda que sequência da notificação para dizer se se opunha à decisão por despacho se tenha remetido ao silêncio.
V – No circunstancialismo descrito, tendo o tribunal decidido por despacho cometeu a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Cód. Proc. Penal, nulidade consistente na violação do seu direito de defesa, por preterição da realização da audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 3085/17.7T8LLE.

Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Em Processo de Contra-Ordenação, por Decisão proferida pela Entidade Administrativa – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária - foi aplicada ao arguido BB, a coima de € 120,00, e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 105 (cento e cinco) dias, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, al.ª a), 2.º, 138.º, 143.º, e 145.º, alínea c), todos do Código da Estrada.

Discordando dessa Decisão Administrativa, veio o arguido impugná-la Judicialmente.

Por Decisão da M.ma Juiz do Tribunal da Comarca de Faro – Secção Criminal Loulé – Juiz 3, veio julgar-se improcedente o recurso interposto pelo arguido BB e, em consequência, a manter a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Inconformado com o assim decidido, traz o arguido BB, o presente recurso, onde formula a seguinte conclusão:
A - A 6 de Fevereiro de 2015 foi o arguido notificado da prática de uma contra-ordenação ao art.º 27º, n,º 1 punida nos termos do art.º 27.º, n.º 2 a) e art.º 145.º, n.º 1 alínea c) conjugado com o art.º 147.º, todos do C.E.
B - No prazo legal para o efeito apresentou defesa nos termos do art.º 175º, n.º 2 alínea b), arrolando uma testemunha para depor quanto aos factos alegados e relacionados com as circunstâncias em que a alegada infracção tinha ocorrido, ou seja, o arguido viu-se obrigado a aumentar a velocidade durante a execução da manobra de ultrapassagem porquanto o condutor do veículo ultrapassado, que circulava a uma velocidade inferior a 40 km/h, decidiu acelerar nesse preciso momento, não restando outra solução ao arguido para evitar perigo para os demais utentes da via.
C - A autoridade administrativa não ouviu a testemunha arrolada tendo justificado, em sede já da decisão condenatória, o indeferimento com base na prova ser feita através de elemento recolhido de equipamento aprovado nos termos legais e regulamentares pelo que o depoimento da testemunha em nada iria alterar a medida da sanção acessória, tendo então condenado o arguido, nos termos do art.º143º e 139º ambos do CE, a 105 dias sanção acessória de inibição de conduzir por ter averbado no Registo de Condutor 2 contra-ordenações graves e 1 muito grave.
D - Não conformado com esta decisão impugnou-a judicialmente concluindo pela nulidade da decisão administrativa por violação do direito de defesa, por não ter sido inquirida a testemunha arrolada bem como contestou o facto de ter sido sancionado pelo processo n.º 271050349, já que este à data da prolação da decisão condenatória recorrida se encontrar extinto por efeito ad prescrição desde 24/01/2014, bem como só tinha conhecimento de uma infracção grave, tendo arrolado ainda prova testemunhal.
E - Notificado do despacho de admissão de recurso, nos termos e para os efeitos do art.º 64º, n.º 2, do RGCO o arguido remeteu-se ao silêncio, pois constava já do requerimento da impugnação judicial a testemunha que pretendia fosse inquirida, a mesma que não tinha sido em sede de defesa administrativa, quanto aos factos respeitantes às circunstâncias em que a infracção ocorreu e que no seu entender excluíam a ilicitude e culpa do Recorrente.
F - Apesar da prova testemunhal apresentada a MMª Juiz decidiu a impugnação judicial por mero despacho, sem que constasse da notificação, feita ao arguido nos termos do art.º 64.º, n.º 2, do RGCO, a fundamentação da desnecessidade de ouvir a testemunha arrolada e bem como não fez constar a advertência que o seu silêncio valeria como não oposição à decisão ser proferida por mero despacho (cfr. Ac. TRP, de 02-12-2015, no processo 311/15.0Y2VNG.P1, em cujo sumário se pode ler “a mera não resposta a notificação do tribunal para vir aos autos declarar se se opõe à decisão de impugnação por mero despacho, sem a advertência de qualquer cominação, não legitima o tribunal a decidir por essa via."
G - Consequentemente a decisão por mero despacho ora recorrida, e salvo melhor opinião, enferma da nulidade prevista no art.ºs 120.º, n.º 2 alínea d) do C.P.P, nulidade consistente na violação do direito de defesa do arguido ao preterir a realização da audiência de julgamento, para o qual tinha arrolado uma testemunha para depor quanto às circunstâncias de facto ocorridas na data, hora e local da infracção neste sentido vide Ac. Tribunal da Relação de Évora, de 24-10-2017, entre outros.
H - Na decisão proferida pela MMª Juiz a quo decide indeferir a nulidade invocada da preterição da audição da testemunha pela autoridade administrativa já que no seu entender esta não estava obrigada a realizá-la. Discordamos em absoluto, porquanto se é verdade que pode indeferir as diligências que considere inúteis não pode nunca deixar de realizar aquelas que se mostrem essenciais à descoberta da verdade, e que no caso se prendiam, como já sobejamente referido, com as circunstâncias de facto que levaram à alegada prática da infracção e à punibilidade do arguido e/ou à medida da sanção acessória. Por conseguinte, e nesta parte, da nulidade prevista no art.º 120º, n.º 1 alínea d) por omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade que violam directamente o direito de defesa consagrado no art.º 32.º, n.º 10 da CRP e art.º 175.º, n.º 2 alínea b) do CE e art.º 50.º do RGCO.
I - Provou o arguido a prescrição do procedimento contra-ordenacional - processo n.º 271053149, respeitante a uma contra-ordenação muito grave -o qual se extinguiu em 24 de Janeiro de 2014. Processo este invocado na decisão condenatória e que influiu na medida da sanção acessória, por ter sido considerado como inscrito no RIC do recorrente, violando-se assim o disposto no art.º 6º, n.º 1 e 11.º 2 do Decreto-Lei nº 317/94, visto que tal decisão nunca se tornou definitiva.
H - Por mera cautela de patrocínio ainda se dirá que, deu a MMª Juiz como provado na decisão o averbamento de 2 contra-ordenações graves pelo que legalmente seria impossível o Recorrente beneficiar do instituto da suspensão da execução da sanção acessória. Não lhe assiste também razão!
I - Na verdade e duma leitura atenta de fls 23 - que constituem o "RIC' - logo nos deparamos com a omissão da data em que a decisão condenatória teria sido proferida, sendo este um elemento essencial conforme o disposto no art.º 4º, n.º 3 e) do Decreto-Lei 317/94, na redacção vigente, pelo que, e apesar de figurar uma data de notificação daquela ao arguido, a verdade é que e in dubio pro reo sem qualquer outro elemento, como certidão ou mesmo cópia da decisão condenatória proferida no processo n.º 971021031, a MMª Juiz não poderia ter dado como provada a existência desta contra-ordenação, pelo que a decisão enferma de erro de julgamento.
G - Aqui chegados conclui-se, nesta parte, para efeitos de reincidência (art.º 143.º do CE) apenas releva o processo contra-ordenacional n.º 977237257, relativo a uma infracção por ter parado o automóvel na passagem assinalada para peões, em 31/07/2014, com decisão proferida a 12/02/2015 e notificada em 09/03/2015, contra-ordenação grave (ficha do auto a fls. 22 verso dos autos). Consequentemente,
H - a medida da sanção acessória mostra-se excessiva devendo a mesma ser reduzida ao seu mínimo legal, ou seja 60 dias.
I - Acrescente-se que a infracção pela qual foi condenado nos presentes autos configura uma contra-ordenação grave, a coima se encontra paga, sendo portanto passível ainda de beneficiar do instituto da suspensão da execução da sanção acessória de inibição, nos termos do art.º 14.º, n.º 3 do Código da Estrada, o que desde já requer.
J - Face ao exposto e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas requer:
a) Seja declarada a nulidade da decisão por mero despacho proferida nos presentes autos, nulidade, esta, prevista no art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Cód. Proc. Penal e assim revogado o despacho recorrido e substituído por outro que designe data para a realização da audiência de julgamento.
b) Assim não se entendendo, mais requer seja declarada a nulidade da decisão administrativa por violação do direito de defesa do arguido, pela preterição da audição da testemunha em fase de defesa administrativa;
c) Não procedendo qualquer das anteriores pretensões, que apenas se admite por mera hipótese académica, requer ainda seja declarado o erro de julgamento relativamente à contra-ordenação n.º 971021031 revogando-se o despacho substituindo-o por outro que elimine este processo dos factos dados como provados (5) dos Factos Provados) dando como não provado e em consequência
d) Seja a sanção acessória aplicada reduzida ao seu mínimo legal - 60 dias - e a mesma suspensa na sua execução nos termos do artigo 141.º, n.º 3, do Código da Estrada.

Respondeu ao recurso a Magistrada do Ministério Público, Dizendo:
1. A razão da discórdia do ora recorrente radica no facto de ora recorrente, confrontado com a douta sentença recorrida que, por mero despacho, manteve a decisão administrativa, não dando provimento ao recurso interposto, invoca a nulidade da douta sentença recorrida por violação do direito de defesa do arguido, uma vez que tendo no recurso arrolado uma testemunha (já indicada na fase administrativa) que iria depor sobre as circunstâncias de exclusão da culpa ou ilicitude, não podia a Mmª Juíza deixar de fazer o julgamento.
2. Examinada a douta decisão recorrida mostra-se inequivocamente fundamentada de forma bastante completa, dando cumprimento ao dever de fundamentar, contido no n.º 2 do art.º 374º do C.P.P., a formação da sua convicção, valorando e apreciando a prova constante dos autos, designadamente a prova documental.
3. Todavia, não obstante, a douta sentença recorrida estar bem fundamentada de facto e de direito, não é menos certo que o meio escolhido pela Mmª Juíza a quo foi o mero despacho não precedido de prévio julgamento, uma vez que oportuna e tempestivamente o arguido, ora recorrente, arrolou uma testemunha, que já havia indicado na sua defesa aquando da fase administrativa, e que no seu entender poderia, se tivesse sido ouvidas as suas declarações, excluir a sua culpa e/ou ilicitude.
4. Em face da jurisprudência dominante, e às disposições legais aplicáveis, de que se destaca o douto Acórdão da Relação de Évora, de 24.10.2017, Proc. 1484/16.0T8BJA.E1, Relator: José Proença da Costa, disponível in www.dgsi.pt, tendo o arguido arrolado, no requerimento de interposição de recurso, prova testemunhal, deve entender-se que o mesmo se opõe à decisão por mero despacho, ainda que na sequência da notificação para os efeitos do artigo 64.º n.º 2 do RGCO, se tenha remetido ao silêncio, como foi o caso concreto destes autos, pelo que a douta decisão recorrida enferma da nulidade prevista no artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP, por violação do direito de defesa do arguido, em virtude da preterição de prévio julgamento.
5. Em face do supra-expendido, o recurso interposto deve ser, salvo melhor opinião, provido e em consequência ser declarada a nulidade invocada e mandar baixar os autos para a primeira instância, a fim de ser agendada data para julgamento, com a audição das testemunhas arroladas pelo MP e pela defesa do arguido.
6. Em face do supra-expendido, mostra-se desnecessário pronunciarmo-nos sobre as restantes conclusões do recurso, atenta a nulidade da douta sentença recorrida.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso interposto, declarando-se a douta sentença recorrida nula por violação do direito de defesa do arguido, por preterição da realização de prévio julgamento, devendo os autos baixar, por conseguinte, à primeira instância a fim de se agendar data para julgamento, com audição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa do arguido.

Nesta instância o Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de dever ser anulada a Sentença e ordenada a realização do julgamento.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Como consabido, são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.
Tendo em apreço as conclusões formuladas pelo aqui recorrente, delas emerge como questão, de pronto, a conhecer a que se prende em saber se a M.ma Juiz podia, ou não, conhecer do recurso, por despacho.
Importa, desde logo, mencionar que o arguido/recorrente BB quando impugnou judicialmente a decisão administrativa que lhe aplicou a coima de € 120,00 e a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 105 (cento e cinco) dias, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 27.º, n.ºs 1 e 2, al.ª a), 2.º, 138.º, 143.º, e 145.º, alínea c), todos do Código da Estrada, veio, entre o mais, indicar prova testemunhal, como o já havia feito quando se veio defender no âmbito do processo administrativo.
Flui dos autos que a M.ma Juiz a quo veio ordenar a notificação do mandatário do arguido/recorrente nos termos e para os efeitos do art.º 64.º, n.º 2, do R.G.C.O., sendo que já anteriormente o M.P. já se pronunciara sobre tal questão, conforme despacho judicial lavrado a 26.09.2017, a fls. 26 dos autos.
O antedito despacho foi devidamente notificado ao mandatário do arguido – cfr. fls. 28 dos autos -, nada tendo dito, a respeito. Sendo que tal notificação lhe foi feita com a advertência de que a falta de declaração equivale a não oposição nada dizendo o seu silêncio seria interpretado como não oposição.
Como decidir?
Decorre do disposto no art.º 64.º, do R.G.C.O., sob a epígrafe decisão sob despacho, que o juiz decidirá do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho (n.º 1).
Decidindo o juiz por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham, nos termos do n.º 2, do mesmo inciso normativo.
Do acabado de citar – e basta atentar no seu elemento literal – resulta que o juiz só poderá decidir por despacho quando:
- Se considere desnecessária a realização da audiência;
e
- O arguido e o Ministério Público se não oponham à decisão do recurso por despacho.
Os casos em que o juiz deverá decidir por despacho não poderão deixar de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
Pois, caso contrário, terá de ter lugar a realização da audiência, estando vedada a prolação de decisão por despacho.
Mais diremos que tendo sido apresentada prova por parte da defesa nunca deverá/poderá ter lugar a prolação de despacho do jaez levado a cabo nestes autos, antes devendo ter lugar a audiência de julgamento, onde venha ser produzida a prova apresentada pela defesa, em orem a dar vazão ao preceito constitucional vertido no art.º 32.º, n.º 10, da CRP.
Inciso normativo onde se refere que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.
Colocando-se sempre a exigência de realização da audiência sempre que um tribunal tenha que decidir de uma acusação em matéria penal, como, aliás, decorre do art.º 6.º, n.º 1, da CEDH
Impondo-se, desta feita, a audiência quer em matéria criminal, quer em matéria contra-ordenacional.
Porquanto com a sua realização se pretende que todos os elementos de prova sejam ali produzidos na presença do acusado, tendo em vista um debate contraditório.
Deste modo, a decisão judicial poderá ser compreendida e avaliada pelo público, como se habilita o acusado a exercitar eficazmente o seu direito ao controlo das provas.[1]
No sentido do acabado de expor aponta o ensinamento de Oliveira Mendes e Santos Cabral, ao referirem que a decisão do recurso da entidade administrativa apenas se pode efectuar através de despacho desde que, para além do juízo nesse sentido formulado pelo julgador e da não oposição do M.º P.º e do arguido, não exista prova cujos respectivos meios de produção apenas tenham a possibilidade de ser contraditados em sede de audiência de julgamento. Significa o exposto que apenas quando o juiz considera adquiridos os factos recolhidos em sede administrativa e que não existem outras provas a produzir é que deverá decidir através de despacho.
Sendo que os casos em que o juiz deverá decidir por despacho terão de ser casos em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova.
Assim, poderá decidir-se por despacho sempre que for de julgar procedente alguma excepção, dilatória … ou peremptória …, ou a questão que é objecto de recurso for apenas de direito ou, quando a questão que é objecto de recurso for de facto, o processo forneça todos os elementos necessários para o seu conhecimento.[2]
Para Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, basta a oposição do M.P. ou do arguido para o juiz não poder decidir por despacho.
Entendendo que esta oposição poderá ser manifestada pelo arguido no requerimento de interposição de recurso e pelo Ministério Público ao apresentar o processo ao juiz, devendo entender-se que constituem manifestação implícita de oposição o oferecimento de prova que deva ser produzida em audiência.[3]
No mesmo sentido vemos o entendimento de Leones Dantas, ao mencionar que o conhecimento do recurso por despacho pressupõe que se considere desnecessária a audiência de julgamento, o que depende da inexistência de qualquer litígio quanto à matéria de facto e de que os autos contenham outros elementos de prova que permitam fixá-la. Sendo suscitada pelo recorrente qualquer questão que se prenda com a matéria de facto fixada e que exija a produção de novos elementos de prova, fica afastada a possibilidade de conhecimento por despacho do recurso.
E prossegue, sempre que não haja qualquer litígio quanto à matéria de facto que exija a produção de novos elementos de prova e, nomeadamente, sempre que estejam em causa meras questões de direito, o juiz pode desencadear os procedimentos necessários ao conhecimento do recurso por despacho.[4]
Perfilhando o entendimento acabado de expor, vemos o Acórdão da Relação de Coimbra, de 15 de Maio de 2013, no Processo n.º 589/12.1T2ILH.C1, onde se deu nota:
I - Não pode o julgador, sem ofensa do contraditório, logo, das garantias de defesa, extrair do silêncio do arguido a sua não oposição à decisão por despacho da impugnação judicial da decisão administrativa, em casos, como o dos autos, em que: (i) foram negados os factos; foi apresentada, a par de prova documental, prova testemunhal; o despacho proferido (o recorrido) não deixa antever, minimamente, os motivos da irrelevância da prova arrolada; o despacho, para os efeitos referidos na parte final do artigo 64.º, n.º 2, do RGCO, foi proferido nos seguintes termos: «notifique o arguido e o MP para (…) declararem se se opõem ou não a que seja proferida decisão naqueles termos».
De igual entendimento vemos, entre outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 7 de Outubro de 2015, no Processo n.º 790/14.3T9LRA.C1, o Acórdão da Relação do Porto, de 15 de Abril de 2015, no Processo n.º 9839/14.9T8PRT.P1 e o Acórdão da Relação de Guimarães de 14 de Janeiro de 2008, na C.J., Ano XXXIII, Tomo I, 2008, páginas 294 e 295.
Cabe descortinar qual o vício que afecta a decisão recorrida por o Tribunal ter actuado do modo que os autos documentam.
No ensinamento de Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Ob. Cit., págs. 359, a decisão por despacho nos casos em que o arguido ou o Ministério Público se oponham a tal forma de decisão, constituirá uma nulidade processual, susceptível de ser enquadrada na alínea d), do n.º 2, do art.º 120.º, do Cód. Proc. Pen., pois a imposição legal da obrigatoriedade de realização da audiência, nestes casos, tem como corolário que ela deva considerar-se como essencial para a descoberta da verdade.
E prosseguem, como se estabelece no n.º 3, do art.º 410.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen., estas nulidades podem ser invocadas no recurso da decisão, no caso de oposição por quem se tiver oposto a tal forma de decisão [como se confirma pela alínea e), do n.º 1, do art.º 73.º].
De idêntica opinião vemos Oliveira Mendes Santos Cabral, in Ob. Cit., págs. 173, ao referirem que se não obstante a oposição formulada o juiz decide através de despacho comete-se uma nulidade que, em nosso entendimento, se perfila como integrante do artigo 120.º, n.º 2, al.ª d), do Cód. Proc. Pen., por aplicação do art.º 41.º.

Pelo que, e sem curar de outras delongas ou considerando sejamos a entender que o M.mo Juiz ao conhecer do recurso, por despacho, nos moldes que os autos documentam, cometeu a nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al.ª d), do Cód. Proc. Pen. Nulidade consistente na violação do seu direito de defesa, por preterição da realização da audiência de julgamento.
Face ao exposto, nada mais resta do que revogar a decisão revidenda, a qual deverá ser substituída por outra que designe data para a realização da audiência de julgamento.
Ficando, destarte, prejudicado o conhecimento das demais questões trazidas ao conhecimento deste Tribunal de recurso.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido o qual deverá ser substituída por outro que designe data para a realização da audiência de julgamento.

Sem custas, por não devidas.
(texto elaborado e revisto pelo relator).
Évora, 8 de Maio de 2018
José Proença da Costa (relator)
António Clemente Lima

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[1] Ver, Ireneu Cabral Barreto, in Direito ao Exame da Causa Publicamente, Gabinete de Documentação e Direito Comparado.
[2] Ver, Notas ao Regime Geral das Contra – Ordenações e Coimas, págs. 171-172.
[3] Ver, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral, 2001, págs. 358.
[4] Ver, Direito das Contra-ordenações – Questões Gerais, 2.ª edição, págs. 109.