Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5173/15.5T8ENT-A.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não indicando a parte, nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte ouvidas em audiência de julgamento, com exactidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, não cumpre o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 640º do C.P.C., assim não permitindo localizar correctamente tais depoimentos ou declarações de parte, o que determina a rejeição do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto.
Decisão Texto Integral: P. 5173/15.5T8ENT-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

No presente incidente de oposição à execução vieram os executados/embargantes, (…) e (…), opôr-se à execução instaurada pela exequente/embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Para o efeito, alegaram os executados/embargantes admitirem ter celebrado um contrato de mútuo com a exequente/embargada, bem como o seu incumprimento a partir do ano de 2009, a par do incumprimento de um crédito pessoal. Na sequência do incumprimento, alegam que acordaram verbalmente com a exequente/embargada a suspensão do pagamento das prestações do crédito habitação enquanto pagassem as prestações do crédito pessoal, retomando-se o pagamento daquelas prestações com o acréscimo de 4% de juros de mora. O pagamento do crédito habitação suspendeu-se em Fevereiro de 2009 e foi retomado em 1 de Agosto de 2011, período durante o qual a exequente/embargada nada disse quanto às prestações em atraso. A partir daquela data os executados/embargantes procederam ao pagamento de várias prestações. Após, foram encetadas diligências com vista à formalização de um acordo de restruturação da dívida, tendo sido apresentadas propostas pela exequente/embargada nomeadamente no que respeita ao spread, tendo chegado a aceitar um spread de 2%, pese embora sem que tenha havido formalização de um acordo, continuando a pagar as prestações. Mais referem os executados/embargantes que a exequente/embargada informou, em 29 de Agosto de 2012, que só aceitava a restruturação da dívida com um spread de 2,5% e 3,5%, tendo enviado, posteriormente, a discriminação dos valores e débitos. Segundo os executados/embargantes, a exequente/embargada integrou-os no PERSI embora os tenha informado que não se aplicava porquanto o mútuo destinou-se a habitação secundária. Os executados/embargantes reiniciaram os pagamentos das prestações do mútuo, após o que suspenderam novamente os pagamentos com vista à formalização de um acordo, até que tiveram uma reunião em 16 de Dezembro de 2013, tendo apresentado uma proposta, cuja aceitação ficou condicionada ao pagamento das prestações. Os executados/embargantes alegam que reiniciaram os depósitos, tendo depositado no dia 17 de Dezembro de 2013 a quantia de € 550,00, o que deram conhecimento à exequente/embargada com expressa referência que a continuação do pagamento estava dependente da aprovação da proposta. Contudo, a exequente/embargada nada disse acerca da proposta, o que implicou que os executados/embargantes recorressem ao mediador do crédito, o que não surtiu efeito. Em 6 de Janeiro de 2015, deslocam-se novamente à Direcção de Recuperação de Crédito de Portimão a fim de saberem a razão pela qual não houve qualquer resposta à proposta, aí tendo apresentado nova proposta, propondo pagar as prestações vencidas e prosseguindo o pagamento das vincendas. Também esta proposta, segundo os executados / embargantes, não foi aceite. Entendem os executados / embargantes que o acordo da suspensão do pagamento das prestações modificou o contrato anteriormente celebrado, pelo que não se pode entender que ocorreu incumprimento susceptível de desencadear a resolução contratual. Acresce que, segundo os executados / embargantes, o valor em dívida é aquele que foi comunicado ao Banco de Portugal, S.A. Por fim, alegam os executados/embargantes que a Caixa Geral de Depósitos, S.A. actuou com dolo e má-fé, em abuso de direito, requerendo a sua condenação em indemnização e multa. Deste modo, pugnam aqueles pela extinção da execução (à qual estes autos apensos).
Por despacho datado de 1 de Junho de 2016, foram admitidos liminarmente os embargos de executado.
Regularmente notificado, a exequente/embargada Caixa Geral de Depósitos, S.A. deduziu contestação. Alegou a exequente/embargada que não celebrou com os executados/embargantes qualquer acordo verbal de plano de pagamentos ou plano de regularização de incumprimento. Segundo a exequente/embargada, os executados/embargantes decidiram depositar na conta bancária os valores que entenderam, os quais foram aplicados nas operações em dívida, diminuindo o seu valor. A exequente/embargada alega que nunca negou aos executados/embargantes a restruturação dos empréstimos, mas com regras e condições que os mesmos não aceitaram. A exequente/embargada confirma a ocorrência das reuniões e contactos encetados pelos executados/embargantes. Pugna pela improcedência da oposição à execução.
Foi realizada a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador e conhecida a excepção de ilegitimidade da executada invocada na oposição à execução, bem como ainda se verificou a prolacção do despacho de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova e, ainda, o despacho de admissão dos meios probatórios e de marcação da audiência final.
De seguida, procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido pela M.ma Juiz “a quo” proferida sentença, a qual julgou improcedente, por não provado, o incidente de oposição à execução deduzido pelos executados, bem como o pedido de condenação da exequente como litigante de má-fé, absolvendo-a de tais pedidos.

Inconformados com tal decisão dela apelaram os executados, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) Os executados tudo fizeram para concluírem satisfatoriamente o contrato de mútuo celebrado com a exequente/embargada, sendo que tudo resultaria em bem, não fora o comportamento da CGD:, nomeadamente, com as suas exigências abusivas e ilegais, quanto a juro de moras e comissões;
B) Com as exigências ilegais de duplicação de spread e depois de triplicação, para fins de renegociação, contrariando sempre acordos anteriores;
C) A negação de informações, quanto à forma de aplicação do valor das prestações que iam sendo pagas, por forma a manter os executados na ignorância dos juros e comissões cobradas;
D) Com a resolução indevida do contrato, meses após os executados pretenderem a regularização ou pagamento do dito crédito mútuo/habitação;
E) E finalmente com instauração desta acção judicial, onde também tudo tem sido feito para demorar, demorar.
F) Nos arts. anteriores pormenorizam-se as normais legais violadas, para além de princípios básicos de moralidade social, equidade e justiça, o que a Meritíssima Juiz "a quo" infelizmente não divisou, em tudo absolvendo a exequente, não considerando o comportamento desta digno de qualquer reparo ou mera suspeição;
G) Por bem menos, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, condenou a CGD em coima de € 140.000,00, a título doloso ou negligente.
H) E não se diga que a CGD teria todo o interesse em receber, pois tal não é verdade, visto que os bancos funcionam com estatísticas, sendo mais útil constar um crédito garantido de € 90.000,00 do que receber apenas € 70.000,00. E se alguma vez faltar dinheiro, o Estado tratará de suprir as faltas e os contribuintes pagarão. O que verdadeiramente interessa é espremer ao máximo os clientes, pois é deles que sai o dinheiro que leva aos resultados financeiros.
I) Deste modo, na opinião dos recorrentes, os factos descritos no processo não foram devidamente enquadrados juridicamente.
J) Nestes termos, requer-se a revogação da douta sentença recorrida, dando provimento aos embargos e concluindo-se da mesma forma, com exceção da ilegitimidade da executada (…), que se dá por bem decidida.
Foram apresentadas contra alegações de recurso pela exequente, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelos executados, ora apelantes, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada;
2º) Saber se inexiste fundamento legal, por parte da exequente/embargada, para a resolução dos contratos celebrados com os executados, ora apelantes, sendo inexigível a obrigação exequenda;
3º) Saber se a conduta da exequente é subsumível à figura do abuso de direito prevista no artigo 334º do Cód. Civil.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões acima referidas, importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal “a quo” e que, de imediato, passamos a transcrever:
4.1.1. Em 11 de Novembro de 2005, a exequente/embargada celebrou com a executada/embargante (…) um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, por escritura pública, através do qual a primeira emprestou à segunda a quantia de € 50.000,00 que a executada/embargante se confessou devedora, e que foi creditada na conta bancária da executada/embargante sediada na Agência de (…) – Tomar, com o número (…), que vencera Juros à taxa nominal de 3,500%, correspondente à taxa efectiva de 3,557%, alteráveis nos termos contratuais, sendo que, em caso de mora, os respectivos juros "serão calculados à taxa mais elevada que ao tempo vigorar para os juros remuneratorios contratuais, acrescida da sobretaxa legal até 4%".
4.1.2. Em 24 de Maio de 2007, a exequente/embargada celebrou com a executada/embargante (…) um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, por escritura pública, através do qual a primeira emprestou à segunda a quantia de € 30.000,00 que a executada/embargante se confessou devedora, e que foi creditada na conta bancária da executada/embargante sediada na agência de (…) com o número (…), da exequente, que venceria juros à taxa nominal de 4,904%, correspondente à taxa efectiva de 5,016%, alteráveis nos termos contratuais, sendo que, em caso de mora, os respectivos juros "serão calculados à taxa mais elevada que ao tempo vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescida da sobretaxa legal até 4%".
4.1.3. Para garantia do capital mutuado, nos dois contratos e respectivos juros e despesas a executada/embargante (…) constituiu duas hipotecas inscritas pelas apresentações n.os (…) de 2005/10/25 e (…) de 2007/04/19, sobre o prédio misto composto de casa de habitação de r/ch e 1.° andar e logradouro, terra de vinha e cultura arvense, horta e cultura arvense de regadio sito em Quinta do (…), (…), freguesia de (…), concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º (…)/19971223 e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), secção F.
4.1.4. O executado/embargante (…) prestou fiança nos dois contratos, responsabilizando-se solidariamente como fiador e principal pagador de tudo o que viesse a ser devido à exequente/embargada em consequência dos mesmos.
4.1.5. Os executados/embargantes deixaram de pagar as prestações dos contratos mencionados em 4.1.1. e 4.1.2. a partir de 11 de Abril de 2010 e 24 de Dezembro de 2009.
4.1.6. Os executados/embargantes pagaram a quantia de € 350,00, em 5 de Setembro de 2011, 7 de Outubro de 2011 e 10 de Novembro de 2011, para além de € 277,04 em 27 de Maio de 2010.
4.1.7. Por carta datada de 12 de Setembro de 2011, a exequente/embargada informou a executada/embargante da possibilidade de formalização de um plano de pagamentos, através de depósitos mensais de € 2.600,00 até regularização da dívida ou restruturação dia dívida através do alargamento dos prazos para 25 e 23 anos, capitalização das prestações e actualização do spread para 2%, com necessidade de depósito prévio de € 600,00.
4.1.8. Por email de 15 de Setembro de 2011, enviado para (…), funcionária da exequente/embargada, os executados / embargantes solicitaram informação sobre o valor da mensalidade de cada um dos contratos, o término de cada um deles e o valor certo das prestações em atraso, com vista a analisar a proposta mencionada em 4.1.7.
4.1.9. Por emails datados de 18 de Setembro de 2011, 7 de Outubro de 2011 e 19 de Outubro de 2011, os executados/embargantes solicitaram resposta ao email mencionado em 4.1.8.
4.1.10. Por email datado de 8 de Novembro de 2011, os executados/embargantes informaram que transferiram € 350,00 para pagamento do contrato, mais informando que estavam em condições de iniciar o pagamento mensal da prestação e que aguardavam data para entrevista para acordar no início da regularização das prestações, reafirmando a disponibilidade para a dação em pagamento do bem imóvel.
4.1.11. Por cartas datadas de 11 de Novembro de 2011 e 25 de Novembro de 2011, a exequente/embargada informou que a prestação do contrato mencionado em 4.1.2. seria de € 207,46 e do contrato mencionado em 4.1.1. de € 332,80.
4.1.12. A partir das cartas mencionadas em 4.1.7. e 4.1.11. foram cobradas as seguintes prestações até 21 de Agosto de 2012, as quais foram deduzidas ao valor em dívida: € 350,05 em 05.09.2011, € 350,00 em 07.10.2011, € 350,00 em 10.11.2011, € 207,46 em 06.12.2011, € 332,80 em 06.12.2011, € 540,26 em 05.01.2012, € 540,26 em 05.03.2012, € 540,26 em 04.04.2012, € 540,26 em 04.05.2012, € 521,57 em 05.06.2012, € 521,57 em 03.07.2012 e € 521,57 em 21.08.2012.
4.1.13. Por email datado de 23 de Novembro de 2011, os executados/embargantes informaram que estavam em condições de reiniciar o pagamento correcto das prestações e apresentar solução para as prestações atrasadas, solicitando as informações anteriormente solicitadas.
4.1.14. Por email datado de 5 de Dezembro de 2012, os executados/embargantes responderam à carta mencionada em 4.1.11., dizendo que iriam proceder ao pagamento das prestações até ao dia 5 de cada mês, e que aguardavam entrevista para encontrar forma de regularização as prestações em atraso.
4.1.15. Os executados/embargantes solicitaram, por emails datados de 31 de Julho de 2012 e 20 de Agosto de 2012, informação sobre os valores das prestações mensais.
4.1.16. Por carta datada de 29 de Agosto de 2012, a exequente/embargada informou que estavam 32 e 33 prestações vencidas e não pagas, no valor de € 14.486,21 e € 8.072,72, acrescidas dos juros, e que aceitava a regularização mediante uma das seguintes condições: alargamento dos prazos para 19 e 18 anos, capitalização das prestações e actualização dos spreads para 2,5% e 3,5% o que implicaria prestações nos valores de € 395,00 e € 260,00 ou alargamento dos prazos para 25 e 33 anos, capitalização das prestações e actualização dos spreads para 2,5% e 3,5% o que implicará prestações nos valores de € 295,00 e € 210,00.
4.1.17. Por email datado de 13 de Setembro de 2012, os executados/embargantes responderam à carta mencionada em 4.1.16. solicitando mais esclarecimentos.
4.1.18. Após o email referido em 4.1.17. a exequente / embargada informou os executados/embargantes da demonstração dos juros de mora à data de 18 de Janeiro de 2013.
4.1.19. Por carta datada de 1 de Janeiro de 2013, a exequente / embargada informou a integração da executada / embargante no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento.
4.1.20. Após reuniões em Lisboa, por carta datada de 27 de Fevereiro de 2013, a exequente/embargada informou que não é possível enquadrar a integração no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento por se tratar de aquisição de imóvel para habitação secundária, que estava disponível para a restruturação da dívida nos termos das condições propostas na carta de 4.1.16., mais informando os valores pagos para amortização da dívida.
4.1.21. Após a carta mencionada em 4.1.20., foi cobrada a prestação de € 521,57 em 03.04.2013, 03.05.2013, 04.06.2013, 04.07.2013, 05.08.2013 e 04.09.2013.
4.1.22. Na sequência da reunião em 16 de Dezembro de 2013 na Direcção de Recuperação de Crédito em Portimão, os executados / embargantes apresentaram uma proposta à exequente / embargada através da qual aceitaram: entregar € 2.500,00 com possível reforço até € 10.000,00, a capitalização dos valores em atraso, aumento do prazo até ao máximo de 9 e 12 anos, a restruturação com spread de 2% e reinicio em Dezembro de 2013 do pagamento mensal de € 550,00.
4.1.23. Por email datado de 17 de Dezembro de 2013, os executados/embargantes informaram que pagaram a quantia de € 550,00 e que só continuariam os pagamentos após aceitação da proposta apresentada.
4.1.24. Os executados/embargantes, face ao silêncio da exequente/embargada, recorreram, por email datado de 16 de Outubro de 2013, ao mediador do crédito, que, por carta datada de 18 de Março de 2014, lhes comunicou a resposta da exequente/embargada a qual comportava a proposta de capitalização de juros e encargos vencidos e não pagos, o alargamento do prazo até ao máximo permitido, a alteração do spread para 3,5% e 2,5% e entrega de € 2.500,00.
4.1.25. Em 6 de Janeiro de 2015, os executados/embargantes dirigiram-se à Direcção de Recuperação de Crédito em Portimão, na qual reafirmaram a proposta descrita em 4.1.22.
4.1.26. Em Julho de 2015, os executados/embargantes dirigiram-se à sede da exequente/embargada em Lisboa para resolver a questão pendente.
4.1.27. Os executados/embargantes enviaram os emails datados de 15.04.2015, 05.10.2015 e 16.11.2015 reclamando resposta às solicitações anteriores e reafirmando a sua intenção de regularizar o incumprimento.
4.1.28. À data de 16 de Setembro de 2015, quanto ao contrato mencionado em 4.1.1., estavam em dívida as seguintes quantias: € 39.667,50 de capital, € 7.000,90 de juros vencidos desde 11 de Abril de 2010, e € 1.501,56 de comissões.
4.1.29. À data de 16 de Setembro de 2015, quanto ao contrato mencionado em 4.1.2., estavam em dívida as seguintes quantias: € 26.226,39 de capital, € 4.674,78 de juros vencidos desde 11 de Abril de 2010, e € 1.339,09 de comissões.

Apreciando, de imediato, a primeira questão suscitada pelos recorrentes – saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada – haverá que dizer a tal propósito que é nosso entendimento que os executados não deram integral cumprimento aos requisitos (cumulativos) de que depende a alteração da matéria de facto com reapreciação da prova gravada (sublinhado nosso).
Na verdade, a sindicância da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não é livre, só podendo ser exercida nos termos previstos no art. 662º do CPC.
Por isso, atento o disposto no nº 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, sendo de salientar que, nesta matéria, o legislador não se contentou com uma mera faculdade – como por exemplo “podiam dar lugar”, em vez de “impunham” – mas antes consagrando um imperativo (sublinhado nosso).
Todavia, não obstante a reforma operada pela Lei 41/2013, de 26/6, impor à Relação o dever (oficioso) da renovação da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, a impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento global – nº 3, al. a), do art. 662º do CPC – nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da primeira instância.
Ora, de acordo com o disposto no art. 640º do CPC, a impugnação da decisão de facto deve obedecer às especificações obrigatórias nele impostas aí se estipulando que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescentando o nº 2 daquele preceito legal o seguinte:
- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (sublinhado nosso);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
“In casu”, embora se possa considerar que os recorrentes cumpriram, minimamente, o disposto nas alíneas a), b) e c) do nº 1 do art. 640º do C.P.C., não deram cumprimento – de todo – ao que se dispõe no nº 2 alínea a) de tal normativo, sendo certo que tal omissão, ao ser detectada por este Tribunal Superior, não é passível de correção, através de prolação de despacho de aperfeiçoamento, uma vez que não obstante as expressões utilizadas no art. 640º do CPC (no corpo do n.º 1 “rejeição” e no n.º 2, al. a) “imediata rejeição”) não serem totalmente coincidentes, as mesmas significam que o efeito de rejeição não é precedido de qualquer despacho de aperfeiçoamento” sendo que a comparação “com o disposto no artº 639º do CPC não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria e direito – cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág.128 (sublinhado nosso).
Na verdade, as exigências legais relativamente “a impugnação da matéria de facto, devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor” decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes, devendo impedir-se que as situações de impugnação “se transformem numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, e como será evidente, “ao mesmo tempo, racionalizar o exercício do direito de recurso, reduzindo abusos” e colocando “sobre o recorrente a tarefa de, na sua auto-responsabilidade, restringir o objeto do recurso” – cfr., nesse sentido, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª ed., pág. 418.

Ora, no caso em apreço, verifica-se que os executados, nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte ouvidas em audiência de julgamento, não indicaram com exactidão quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nomeadamente o minuto inicial do depoimento ou das declarações em causa e também não indicando o minuto final e, outras vezes, nem sequer colocando qualquer referência a minutos iniciais ou finais dos depoimentos ou das declarações em causa, incumprindo assim, de forma directa e expressa o disposto na alínea a) do nº 2 do citado art. 640º, não permitindo – de todo – localizar correctamente tais depoimentos ou declarações de parte.
Ora, a referida omissão demonstra, indubitavelmente, uma clara violação pelos executados, ora embargantes, do ónus que lhes é imposto no art. 640º, nº 2, alínea a), do C.P.C. e, por isso, determina a imediata rejeição do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto efectuada pelos aqui apelantes.
Neste sentido, aliás, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.G. de 19/6/2014 (relator Manuel Bargado), disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) Ora, o artigo 640º do novo CPC, estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo no seu nº 2, alínea a), que no caso de ter havido gravação da prova, «incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Com este n.º 2 «introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto» impondo-se que «se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…).» E «o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento
Na verdade, «impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso», sendo um deles o de «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos».
Por outro lado, decorre também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria.
O novo CPC veio, aliás, manter em termos praticamente idênticos todos os ónus anteriormente existentes, aditando ainda o de o recorrente dever especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento - (sublinhado nosso).
No mesmo sentido veja-se ainda o Ac. da R.G. de 29/9/2014 (relator Filipe Caroço), também disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, se escreveu o seguinte:
- (O apelante) o que deveria ter feito era discriminar, por referência a unidades de tempo, expressas em horas, minutos e segundos, o início e o termo dos excertos de cada depoimento testemunhal que, em seu critério, relevam para a impugnação da matéria de facto que especificou por referência a determinados pontos dos factos dados como provados e da matéria dada como não provada.
Poderá argumentar-se que, apesar daquela omissão, a recorrente transcreveu algumas passagens da gravação das alegações do recurso. Todavia, como se extrai ainda da citada al. a) do nº 2 do art.º 640º do Código de Processo Civil, tal transcrição não passa de uma faculdade concedida ao recorrente (e ao recorrido; cf. subsequente al. b)) e não substitui a obrigatoriedade da indicação exata das passagens da gravação. Sem esta indicação, tão-pouco sem que se identifiquem as passagens transcritas, a Relação teria analisar o recurso em matéria de facto pela audição integral dos depoimentos gravados e identificados, o que só depois da análise das passagens que deveriam ter sido indicadas se poderá tornar exigível.
De resto, resulta das alegações da recorrente que a importância da prova gravada não se esgota nas passagens que transcreveu, nada indiciando também que se imponha a audição integral dos depoimentos testemunhais. O próprio legislador como que presume que, não sendo impugnada toda a matéria de facto, não interessa toda prova produzida nem a totalidade da prova gravada.
A lei do processo é clara ao cominar, na mesma al. b) do nº 2 do art.º 640º, com a imediata rejeição do recurso, na respetiva parte, o incumprimento daquele ónus processual.
A propósito, é pertinente chamar a atenção para o que escreveu A. Abrantes Geraldes: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo – Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129.

Na verdade, no caso de o recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, além de cumprir os ónus que lhe são impostos no nº 1 do art. 640º do C.P.C., deve indicar quais as concretas passagens da gravação em que se funda, no que tange aos depoimentos das testemunhas e às declarações de parte, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder também à respetiva transcrição (com referência às concretas passagens da gravação supra referidas) – cfr. nº 2 alínea a) do citado art. 640º e Abrantes Geraldes, ob. cit. pág.153.
Ou seja, não basta ao recorrente, para obter em 2ª instância a reapreciação da prova produzida no tribunal “a quo”, quedar-se numa transcrição genérica de depoimentos prestados, pois, sobre ele, impende o ónus de especificar quais os concretos pontos de facto que reputa indevidamente apreciados, com referência precisa e exacta às passagens da gravação em que se funda o seu recurso, bem como indicar o sentido concreto em que a matéria fáctica impugnada deveria ter sido julgada pelo tribunal recorrido – cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 10/12/2009, in www.dgsi.pt, bem como os Acs. da R.C. de 25/5/99 e 24/10/2000, da R.L. de 2/11/2000 e de 12/2/2014 e da R.G. de 14/3/2013 in, respectivamente, B.M.J. 483º, pág.371, JTRC01137/ITIJ/Net e, restantes arestos, disponíveis in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se ainda os recentes Acs. do STJ de 7/7/2016 e de 27/10/2016, também disponíveis in www.dgsi.pt – (sublinhado nosso).
Neste sentido, e sobre esta temática, veja-se ainda Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, que, a dado passo, afirmam o seguinte:
- “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…).
E mais adiante:
- “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente (…), deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” – cfr. dos Recursos, págs. 253/254.
Nestes termos, atentas as razões e fundamentos acima explanados e visto o disposto no nº 2 do mencionado art. 640º do C.P.C., forçoso é concluir que não poderá este Tribunal Superior conhecer do recurso dos apelantes quanto à impugnação da matéria de facto apurada no tribunal “a quo” (em virtude de, alegadamente, ter sido incorrectamente valorada a prova testemunhal e por declarações das partes produzida nos autos) e, por via disso, deverá o mesmo ser rejeitado, nesta parte, o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos. Em consequência, mantém-se integralmente toda a factualidade que veio a ser apurada no tribunal “a quo” e que consta da sentença recorrida – a qual, aliás, se mostra transcrita supra – improcedendo, assim, esta primeira questão suscitada pelos executados, ora apelantes, no presente recurso.

Analisando agora a segunda questão suscitada pelos executados / embargantes – saber se inexiste fundamento legal, por parte da exequente/embargada, para a resolução dos contratos celebrados com os executados, ora apelantes, sendo inexigível a obrigação exequenda – haverá que referir a tal propósito, que face ao teor dos dois contratos celebrados entre as partes, era obrigação dos executados, ora embargantes, pagarem o valor das prestações mensais referentes aos ditos contratos nas datas dos respectivos vencimentos e, por outro lado, a exequente, ora embargada, assumiu a obrigação de emprestar as quantias mutuadas.
Todavia, resultou apurado nos autos que os executados deixaram de pagar (a partir de 11/4/2010 e de 24/12/2009) as prestações mensais dos dois contratos de mútuo que tinham celebrado com a exequente, sendo que, por outro lado, também não resultou provado que tenha sido firmado qualquer acordo verbal (?) entre as partes, no sentido da suspensão do pagamento das prestações mensais devidas pelos executados, até que fossem reestruturados os créditos relativos a tais contratos de mútuo.
Assim sendo, forçoso é concluir que o incumprimento dos executados, ora apelantes, consubstanciado no não pagamento das prestações mensais devidas à exequente, relativas aos contratos de mútuo com esta celebrados, implicou o vencimento de todas as prestações, face ao disposto no art. 781º do Cód. Civil, o que, indubitavelmente, é fundamento para a resolução válida e eficaz dos contratos em questão efectuada pela exequente, aqui embargada, mantendo-se, por isso, todas as obrigações decorrentes dos contratos celebrados.

Finalmente, apreciando a terceira questão suscitada pelos recorrentes – saber se a conduta da exequente é subsumível à figura do abuso de direito prevista no art. 334º do Cód. Civil – importa dizer a tal respeito que o abuso do direito, como resulta da norma do art. 334º do Cód. Civil, ocorre quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Daqui se retira que não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório daqueles valores.
Assim, o abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium), caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta reiterada antes assumida ou proclamada pelo agente.
Como afirma Almeida e Costa, o conceito de boa fé constante do art. 334º do Código Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, “que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do circulo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” – cfr. Direito das Obrigações, 9ª ed., págs. 104/105.
No entanto, importa frisar, desde já, que a aplicação do abuso de direito relativamente à invocação da resolução de um contrato terá sempre natureza excepcional e apenas se justificará em situações onde tal invocação constitua uma manifesta e clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente partilhado pela comunidade, não podendo obviamente generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada resolução por motivos de deficiências de forma do acto jurídico.
Todavia, “in casu”, entendemos que não resultou provado nos autos qualquer factualidade que possa demonstrar, inequivocamente, que a conduta da exequente possa integrar a figura de abuso do direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium, sendo que - como bem afirmou a M.ma Juiz “a quo” na sentença recorrida – “a pendência das negociações entre as partes não consubstancia qualquer actuação abusiva e defraudadora das expectativas dos executados/embargantes quanto à restruturação da dívida e vencimento dos respectivos juros durante as negociações.
De facto, não se provou que a exequente/embargada tenha praticado qualquer acto tendente a protelar as negociações com vista, nomeadamente, ao vencimento dos juros e criando a convicção aos executados/embargantes que a restruturação era viável e que os juros não seriam devidos”.
Acresce que, nos termos do disposto no nº 2 do art. 342º do Cód. Civil, era aos executados, ora apelantes, que invocaram o abuso do direito por parte da exequente, que incumbia o ónus de provar nos autos quais os vários comportamentos ou condutas desta última que, em concreto, demonstravam, inexoravelmente, que se podia concluir e assentar de que existiu, por parte desta, uma actuação manifestamente violadora dos princípios da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito, o que – como vimos – os executados, de todo, não fizeram!
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa outras questões, entendemos que a sentença recorrida não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas pelos executados, ora apelantes.
***
Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Os executados/embargantes, nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte ouvidas em audiência de julgamento, não indicaram com exactidão quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nomeadamente o minuto inicial do depoimento ou das declarações em causa e também não indicando o minuto final e, outras vezes, nem sequer colocando qualquer referência a minutos iniciais ou finais dos depoimentos ou das declarações em causa, incumprindo assim, de forma directa e expressa o disposto na alínea a) do nº 2 do art. 640º do C.P.C., não permitindo – de todo – localizar correctamente tais depoimentos ou declarações de parte, o que determina, sem mais, a imediata rejeição do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto efectuada por aqueles.
- O incumprimento dos executados, ora apelantes, consubstanciado no não pagamento das prestações mensais devidas à exequente, relativas aos contratos de mútuo com esta celebrados, implicou o vencimento de todas as prestações, face ao disposto no art. 781º do Cód. Civil, o que, indubitavelmente, é fundamento para a resolução válida e eficaz dos contratos em questão efectuada pela exequente, aqui embargada, mantendo-se, por isso, todas as obrigações decorrentes dos contratos celebrados.
- O abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, pressupõe um determinado comportamento anterior que é incompatível ou contraditório com essa invocação, não bastando, para o efeito, a prática de um acto isolado, antes se exigindo um comportamento consistente e reiterado que seja bastante para criar no outro contraente uma confiança séria e legítima de que a resolução em causa nunca virá a ser invocada, de tal modo que o exercício desta pretensão – que vem defraudar a expectativa e confiança adquirida com base naquele comportamento anterior – corresponda a uma clamorosa e intolerável ofensa ao princípio da boa fé e ao sentimento de justiça geralmente partilhado pela comunidade.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pelos executados/embargantes e, em consequência, confirma-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pelos executados, aqui apelantes (sem prejuízo do apoio judiciário de que são beneficiários).
Évora, 20-12-2018
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).