Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
853/17.3T8OLH-A.E1
Relator: MARIA DA GRAÇA ARAÚJO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CREDOR COMUM
CONCESSIONÁRIO DE AUTO-ESTRADA
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – A conduta de administrador judicial provisório que desconsidera o voto emitido por um credor por não concordar com a motivação do voto invocada por esse credor traduz a violação de regras procedimentais.
II – Tal violação deve, porém, ser negligenciada se a contabilização do voto desconsiderado, no universo de votos emitidos, não afectava a aprovação/não aprovação do plano.
III – O crédito reclamado pela Autoridade Tributária a título de taxas de portagem, custos administrativos, juros de mora, coimas e respectivos encargos não assume natureza tributária, não se lhe aplicando a Lei Geral Tributária.
Decisão Texto Integral:

Sumário:
I – A conduta de administrador judicial provisório que desconsidera o voto emitido por um credor por não concordar com a motivação do voto invocada por esse credor traduz a violação de regras procedimentais.
II – Tal violação deve, porém, ser negligenciada se a contabilização do voto desconsiderado, no universo de votos emitidos, não afectava a aprovação/não aprovação do plano.
III – O crédito reclamado pela Autoridade Tributária a título de taxas de portagem, custos administrativos, juros de mora, coimas e respectivos encargos não assume natureza tributária, não se lhe aplicando a Lei Geral Tributária.

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

AA, Lda. apresentou, em 30.6.17, processo especial de revitalização.
Nomeado administrador provisório, veio este apresentar a lista provisória de credores.
Dela consta, na parte que agora importa considerar, um crédito reclamado pela Autoridade Tributária – Serviço de Finanças de Faro, no montante de 36.037,41€, relativo a taxas de portagem de Março de 2017, juros e custas e qualificado como comum.
Tal crédito não foi objecto de impugnação.
No plano de revitalização apresentado e submetido a votação e relativamente aos “créditos a fornecedores e outros credores” (onde se incluem os acima referidos créditos), prevê-se o perdão de 30%, o perdão de juros vencidos e vincendos e a regularização do montante apurado no prazo de 96 meses, em prestações trimestrais, vencendo-se a primeira 60 dias após o trânsito em julgado da homologação do plano e a última no 96º mês, sendo que no primeiro ano será liquidado 3% da dívida, no segundo ano 5%, no terceiro ano 7%, na última prestação 20% e nos 5 anos finais, as prestações terão igual valor entre si.
A Autoridade Tributária votou desfavoravelmente o plano apresentado, “atendendo ao regime legal aplicável à regularização dos créditos tributários, designadamente: artigos 36º da LGT e 85º, 196º e 199º do CPPT”, “por ser completamente omisso quanto ao regime de regularização dos créditos tributários”.
No âmbito da contagem dos votos e apuramento do resultado da votação, o Administrador Judicial Provisório não considerou o voto da Autoridade Tributária, por entender que, tratando-se de créditos por portagens não pagas, os mesmos não beneficiavam das prerrogativas dos créditos tributários, devendo ser tidos como créditos comuns, como, efectivamente, foram.
Mais consta da acta elaborada pelo Administrador Judicial Provisório que a totalidade dos créditos não subordinados reconhecidos monta a 5.243.706,29€, a totalidade dos créditos não subordinados votantes é de 4.820.734,52€ (91,93% do conjunto de créditos não subordinados), a soma dos créditos não subordinados que votaram favoravelmente o plano corresponde a 4.552,309,20€ (94,43% dos créditos não subordinados votantes), a soma dos créditos não subordinados que votaram desfavoravelmente o plano é de 268.077,54€ (5,56% dos créditos não subordinados votantes) e a soma dos créditos não subordinados que se abstiveram totaliza 347,78€ (0,01% dos créditos não subordinados votantes).
Considerando que o plano tinha sido aprovado e não se verificavam as situações apontadas no artigo 215º do CIRE, foi proferida sentença que homologou o plano de revitalização.

O Ministério Público interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso tem por objecto o despacho homologatório do plano de revitalização aprovado no PER, requerido por AA, Lda.;
2.ª Considera-se no despacho recorrido que o plano de recuperação aprovado não padece dos vícios referidos no artigo 215º do CIRE, não se vislumbrando a existência de violação não negligenciável de norma aplicável ao conteúdo do plano que impeça a sua homologação;
3.ª Salvo o respeito devido, discorda-se do entendimento seguido, porquanto o mesmo olvida desde logo uma violação não negligenciável ocorrida no decurso do procedimento de votação e aprovação do plano, consubstanciada na exclusão, por parte do AJP, do voto da Administração Fiscal com fundamento na natureza comum do seu crédito;
4.ª Independentemente da natureza e fundamento do crédito em causa, devia o Administrador Judicial Provisório ter considerado como válido o voto da Administração Fiscal, uma vez que o quórum é calculado sobre a totalidade dos créditos constantes da lista definitiva, conforme estabelece o art.º 212º n.º 1, aplicável ex vi do disposto no art.º 17º-F, n.º 3 do CIRE;
5.ª Sendo o Administrador Judicial Provisório o destinatário dos votos, competia-lhe apurar o resultado da votação e fazer constar do documento que certifica a votação de todos os votos atempadamente expressos, o que não sucedeu, excluindo da votação o credor Administração Fiscal, com fundamento na natureza do crédito;
6.ª Tal omissão constitui nulidade processual relevante por violação de norma procedimental estabelecida no CIRE, nulidade que devia ter sido sindicada pelo Juiz em sede do despacho a proferir, nos termos do n.º 1 do art.º 17º-F do mesmo código, no exercício do poder jurisdicional que lhe é conferido;
7.ª Perante os elementos informativos necessários constantes do processo, nomeadamente a informação do Administrador Judicial Provisório, reportada ao processo, da exclusão deliberada do voto da Administração Fiscal pelos fundamentos acima mencionados, devia o Sr. Juiz ter recusado a homologação do plano, face à flagrante violação de normas que devem basear o processo de aprovação do plano;
8.ª Acresce que o conteúdo do plano de revitalização aprovado também é completamente omisso quanto ao regime de regularização dos créditos tributários, circunstância que impedia a sua homologação por violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo;
9.ª Os créditos reclamados e reconhecidos pelo Administrador Judicial Provisório resultam da aplicação de Coimas resultantes do não pagamento de taxas de portagem;
10.ª Dispõe a Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, que aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de pagamento de taxas de portagem, no seu art.º 5° n.º 1, que constitui contraordenação, punível com coima, nos termos da presente lei, o não pagamento de taxas de portagem;
11.ª Estatuem, ainda, os artigos 15º e 17º-A que compete à Administração Tributária a instauração e a instrução dos processos de contra ordenação por falta de pagamento de taxas de portagem, aplicar as coimas, promover a cobrança coerciva dos créditos relativos à taxa de portagem, dos custos administrativos, dos juros de mora devidos, bem como da coima e respectivos encargos;
12.ª Mais acrescenta o art.º 18º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho que às contra ordenações aí previstas, e em tudo o que nela não se encontre expressamente regulado, é aplicável o Regime Geral das Infrações Tributárias;
13.ª Do regime exposto resulta claramente a equiparação dos créditos resultantes de taxas de portagem, coimas, juros e respectivos encargos aos créditos fiscais;
14.ª Se dúvidas existissem quanto à natureza do crédito reclamado pela Administração Fiscal, bastaria atentar na definição de prestação tributária contida no art.º 11, al. a) do Regime Geral das Infrações Tributárias, onde se incluem não só os impostos, mas também as taxas cuja cobrança caiba à Administração Tributária;
15.ª Atenta a natureza do crédito resultante de ilícitos de mera ordenação social, aos quais subjazem valores de toda a comunidade, não pode a Administração Tributária concordar que os mesmos sejam submetidos ao regime de regularização dos créditos comuns que consta do Plano de Revitalização, que se concretiza no perdão de 30% do capital, perdão dos juros vencidos e vincendos e prazo de pagamento de 96 meses;
16.ª Nos termos do artigo 30° n.º 2 da LGT, o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção e forma de pagamento com observância do princípio da legalidade tributária, prevalecendo a referida disposição legal sobre qualquer legislação especial, conforme dispõe o seu n.º 3 (este aditado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), nomeadamente sobre o CIRE, bem como sobre a posição maioritariamente assumida pelos restantes credores da insolvente;
17.ª Com estas alterações à LGT, pretendeu o legislador alargar o alcance da protecção aos créditos tributários;
18.ª Esta indisponibilidade vale para os créditos provenientes de coimas, cuja razão de ser reside na particular natureza dos interesses dos seus titulares, que a sua redução ou extinção afectaria e o legislador entende assegurar;
19.ª Aliás, esse é também o fundamento da subsistência destes créditos à exoneração, estabelecida no artigo 245º n.º 2, al. c) do CIRE;
20.ª De facto, não obstante o art.º 194º n.º 1 do CIRE estipule que o plano de insolvência, e da mesma forma o PER, obedece ao princípio da igualdade, o que implicaria que o acordo dos credores pudesse atingir as normas tributárias acima invocadas, a mesma norma estabelece que serão admitidas diferenças de tratamento justificadas por razões objectivas;
21.ª O tratamento diferenciado que deve ser dado aos créditos tributários ou créditos a eles equiparados fundamenta-se precisamente na génese desses créditos, tutelando não os interesses individuais ou civilísticos da entidade administrativa, mas sim o interesse público e os efeitos dissuasores atinentes a uma norma que foi violada, motivo pelo qual tais créditos devem e têm que ser tratados de forma diferente;
22.ª E é por isso que, em caso de postergação daquela diferenciação, resultante da origem ou fonte do crédito, o Juiz, que é chamado a homologar o plano aprovado em assembleia de credores, deverá recusar oficiosamente a homologação do plano de revitalização, nos termos do art.º 215º do CIRE, aplicável ao PER por força do art.º 17º-F, n.º 5 do mesmo código;
23.ª Pelo exposto, entendemos que o Mmo. Juiz a quo devia ter recusado a homologação do plano proposto, porquanto se verifica uma violação não negligenciável das regras procedimentais e das normas aplicáveis ao seu conteúdo, como são as disposições legais aplicáveis supra referenciadas, que definem quais são as formas de pagamento dos créditos tributários, a fim de acautelar o seu integral cumprimento;
24.ª Nestes termos, deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que recuse a homologação do plano de revitalização da devedora AA, Lda., aprovado nos presentes autos, relativamente aos créditos tributários;
25.ª Caso se entenda que a sentença homologatória que desconsiderou o voto contrário à aprovação do plano de revitalização da Administração Fiscal é meramente ineficaz em relação a este credor, não produzindo quaisquer efeitos em relação aos seus créditos, deverá revogar-se a sentença recorrida e decretar-se a ineficácia do plano em relação aos créditos tributários.

O administrador judicial provisório e a devedora apresentaram contra-alegações, defendendo a confirmação da sentença.
*

Os factos pertinentes para a apreciação do presente recurso são os que se descreveram no relatório.
*

I – A primeira questão a tratar é a de saber se a desconsideração do voto emitido pela Autoridade Tributária constitui violação não negligenciável das normas procedimentais, conducente à recusa de homologação do plano de revitalização (artigo 215º do CIRE).

A) Para Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2008:713), “normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes - incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado”.
Na verdade, tudo o que respeita à preparação e apresentação das propostas, bem como às diligências tendentes à sua aprovação, consubstancia-se em actos ou formalidades do próprio processo e com expressão nele. De modo que, bem vistas as coisas, todas as violações legais se reconduzem à adopção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina. Daí que, em sentido processual, que aqui parece especialmente apto para ser acolhido, a violação da lei, activa ou passivamente, comporte sempre a prática de uma nulidade processual.
Então, verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação de um plano aprovado pelos credores – que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa-, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.
Aqui chegados, parece razoável atender ao critério geral que a própria lei processual utiliza no art.º 201.º do C.P.Civ.. O que importará é, pois, sindicar se a nulidade observada é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, o que significa valorar se interfere ou não com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger – nomeadamente, no que respeita à tutela devida à posição dos credores e do devedor nos diversos domínios em que se manifesta -, tendo em conta o que é, apesar de tudo, livremente renunciável” – autores e obra citados:714.

No processo especial de revitalização, uma vez concluídas as negociações, o plano é submetido à votação dos credores incluídos na lista a que aludem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D do CIRE (artigo 17º-F nº 3 do CIRE). Estes emitem o seu voto por escrito e remetem-no ao administrador judicial provisório, que os abre em conjunto com o devedor, elaborando um documento com o resultado da votação (artigo 17º-F nº 4 do CIRE).
O voto deve aprovar ou rejeitar o plano, entendendo-se como voto de rejeição aquele que contiver proposta de modificação do plano ou que for emitido sob condição (artigo 211º nº 2 do CIRE).

B) Na situação em apreço, é inequívoco que a Autoridade Tributária gozava de direito de voto, que o exprimiu por escrito e que o remeteu atempadamente ao administrador judicial provisório.
Tal voto rejeitou inequivocamente o plano apresentado, tendo a Autoridade Tributária feito constar o motivo do seu voto desfavorável (em síntese, a omissão do plano quanto ao regime de regularização dos créditos tributários).
Discordando da posição expressa pela Autoridade Tributária (por entender que o crédito tinha natureza comum), o administrador judicial provisório não considerou o voto em causa.
Inexiste – compreensivelmente, já que a opção de voto e os motivos que a ela conduzem só a cada credor dizem respeito – norma legal que permita ao administrador judicial provisório (e, mesmo, ao juiz) admitir ou rejeitar votos consoante concorde ou discorde das razões subjacentes ao sentido de voto emitido. Aliás, inexiste norma legal que imponha a motivação do voto, sendo a prática corrente a oposta.
Parece-nos, assim, manifesto que a conduta do administrador judicial provisório, correspondendo a acto que a lei lhe não consente praticar, traduz-se em violação de regras procedimentais.

Sucede que a contabilização do voto desfavorável da Autoridade Tributária apenas resultaria numa alteração da percentagem de votos favoráveis e de votos desfavoráveis no universo dos votos emitidos. Mas o plano apresentado continuaria a resultar aprovado por maioria francamente superior a 2/3 (artigo 17º-F nº 3 do CIRE).
Deste modo, o acto praticado pelo administrador judicial provisório não teve influência na decisão da causa, pelo que terá de reputar-se como negligenciável.

II – A segunda questão a decidir é a de saber se a circunstância de o plano de revitalização não ter contemplado a regularização dos créditos provenientes da falta de pagamento de portagens – que integram, também, os respectivos custos administrativos, juros de mora, coimas aplicadas e respectivos encargos – reclamados pela Autoridade Tributária nos mesmos termos dos créditos tributários constitui violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, conducente à recusa de homologação do mesmo (artigo 215º do CIRE).

A) As “normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as que respeitam à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar” (autores e obra citados:713).
Sendo certo que a conformidade legal da parte dispositiva do plano só em concreto pode ser definitivamente apreciada, é, contudo possível, como critério geral, dizer “que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza. Diversamente, são desconsideráveis as infracções que atinjam simplesmente regras de tutela particular que podem, todavia, ser afastadas com o consentimento do protegido” (autores e obra citada:713).

B) Não oferece dúvidas – e os apelados aceitam-no expressamente – que a regularização dos créditos tributários, ainda que no âmbito de processos especiais de revitalização ou processos de insolvência, está sujeita a um específico conjunto de normas imperativas [o artigo 30º da Lei Geral Tributária (aprovada pelo DL 398/98, de 17.12) estabelece, no nº 2, o princípio da indisponibilidade do crédito tributário, de acordo com o qual a redução ou extinção daquele há-de fazer-se respeitando o princípio da igualdade e da legalidade tributária, determinando o nº 3 que tal princípio prevalece sobre qualquer disposição especial].
Designadamente, está vedado à administração tributária conceder moratórias fora das situações legalmente previstas (artigo 36º nº 3 da LGT), sendo nos artigos 196º a 199º do CPPT que se estabelecem as regras e condições de pagamento em prestações das dívidas tributárias.
Mister é saber se, na situação em análise, estamos perante um crédito tributário.

A já referida LGT regula as relações jurídico-tributárias, entendendo-se como tal aquelas que se estabelecem entre a administração tributária, agindo como tal [o sujeito activo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente quer através de representante – artigo 18º nº 1] e as pessoas singulares ou colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas (artigo 1º).
Os tributos – que podem ser fiscais ou parafiscais e estaduais, regionais ou locais – compreendem os impostos e outras espécies tributáveis criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas (artigo 3º).
Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património (artigo 4º nº 1).
As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4º nº 2).
As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas impostos (artigo 4º nº 3).
A tributação visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e promove a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, respeitando os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material (artigo 5º).

C) A Lei 25/2006, de 30 de Junho, aprovou o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de infraestruturas rodoviárias onde seja devido o pagamento de taxas de portagem.
Qualificando tais infracções como contra-ordenações (artigo 1º), a lei enuncia as condutas que como tal devem ser consideradas e punidas com coima, remetendo para Portaria a fixação dos custos administrativos (artigos 5º e 6º).
A competência para a instauração e instrução dos processos de contra-ordenação, bem como para a aplicação das respectivas coimas, cabe ao serviço de finanças da área do domicílio fiscal do agente da contra-ordenação (artigo 15º).
Já a cobrança coerciva dos créditos relativos a taxas de portagem, custos administrativos, juros de mora, coimas e respectivos encargos (que gozam de privilégio mobiliário especial sobre os veículos com os quais hajam sido praticadas as infracções, quando propriedade do arguido à data daquela prática) compete à autoridade tributária, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (artigo 17º-A).
O produto da coima reverte para o Estado (40%), para a Direcção-Geral dos Impostos (35%), para o Instituto das Infraestruturas Rodoviárias, I.P. (10%) e para as concessionárias, subconcessionárias, entidades de cobrança das taxas de portagem ou entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens (artigo 17º nº 1).
Em tudo o que a Lei 25/2006 não regula expressamente, às contra-ordenações em causa aplica-se o Regime Geral das Infracções Tributárias (artigo 18º).

D) Do exposto decorre que as taxas de portagem não se subsumem ao conceito de imposto; e, embora se integrem na definição de taxa, a mesma não é devida a qualquer entidade pública, posto que as concessionárias das autoestradas são sociedades anónimas de direito privado.
Por outro lado, o direito de exigir o pagamento da taxa de portagem pertence às concessionárias (artigos 4º nº 3 e 10º nº 1 da Lei 25/2006), actuando a Autoridade Tributária enquanto cobradora das quantias devidas e das sanções pelo seu não pagamento.
Não pode, consequentemente, concluir-se pela existência de uma relação jurídico-tributária entre a reclamante dos créditos em causa e a revitalizanda.
[Em sentido idêntico, se pronunciou Alexandra Chícharo das Neves, na Revista do Ministério Público, nº 141, Janeiro-Março de 2015, págs. 159-182 e, bem assim, o Ac. RG de 2.5.16, http://www.dgsi.pt Proc. nº 1749/14.GTBVCT-B.G1, para cujas fundamentações remetemos.]

E, assim sendo, o plano de revitalização não violou qualquer norma imperativa ao prever, nos moldes em que o fez, a regularização dos créditos em causa.
*

Por todo o exposto, acordamos em julgar improcedente a apelação e, em consequência, mantemos a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Évora, 22 de Março de 2018

Maria da Graça Araújo
Manuel Bargado
Albertina Pedroso