Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
805/12.0TMFAR-B.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: ALTERAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA DE MENOR
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a menor tem condições adequadas em Portugal para residir com um dos progenitores é preferível atribuir ao mesmo a sua guarda do que sujeitá-la a uma mudança para o estrangeiro com o progenitor a quem estava entregue.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 805/12.0TMFAR-B.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) intentou contra (…) a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor (…), nascida em 25.01.2009, pedindo que seja alterado o regime das responsabilidades parentais em vigor e fixada a residência da menor com a requerente.
Na conferência de pais não foi alcançado o acordo (cfr. fls. 55-59).
Foram apresentadas alegações pelos progenitores (cfr. fls. 63 e segs. e 87 e segs.).
Foi elaborado relatório (cfr. fls. 233 a 237).
Procedeu-se a julgamento, tendo o tribunal procedido à audição da menor (…) na presença de uma psicóloga e de um técnico da Segurança Social, e inquiridas as testemunhas arroladas pelos progenitores.
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Foi proferida sentença cuja decisão, na parte que ao recurso interessa, é a seguinte:
Fixa-se a residência da menor (…), junto da progenitora, competindo a esta o exercício das responsabilidades parentais relativas a todos os actos da vida corrente da criança.
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Desta sentença recorre o requerido pretendendo que se fixe a residência da menor em Inglaterra, com o pai.
Invoca também a nulidade da sentença por não se ter pronunciado sobre o incumprimento da obrigação de alimentos, por parte da requerente.
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A recorrida contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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Começaremos pela nulidade da sentença.
Na sua oposição ao pedido de alteração de regulação, o requerido (recorrente) termina desta forma: «devendo a requerente (…) cumprir o pagamento integral dos alimentos em dívida, o que se requer».
Sobre esta questão a sentença nada diz mas tal não significa, imediatamente, que exista nulidade por omissão de pronúncia.
É que não se provou seja o que for a respeito deste tema, isto, não se provou se os alimentos foram sendo pagos ou se o não foram. Nada havendo sobre esta matéria, nada haveria a decidir sobre ela.
Assim, improcede a arguição.
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Nas suas alegações, o recorrente impugna o «vertido em 4. dos factos dados com provados na sentença a quo, com todos os legais efeitos, porquanto existia um suporte familiar constituído, além da avó paterna, designadamente pelas suas três filhas, irmãs do recorrente». No entanto, nada oferece de prova que leve a alterar o referido ponto n.º 4.
Assim, nada se altera.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. Por altura do Verão de 2012, o pai e a mãe da (…) separaram-se.
2. O exercício das responsabilidades parentais foi regulado por acordo dos progenitores homologado por sentença, na conferência de pais realizada em 10 de Setembro de 2013, nos autos principais.
3. A residência da menor foi fixada com o progenitor, acordando ainda os progenitores que a mudança da residência da menor para o estrangeiro constituía uma questão de particular importância, sendo necessário o consentimento de ambos os cônjuges.
4. Em Fevereiro de 2015 o progenitor foi residir para Inglaterra e deixou a menor confiada à sua mãe, analfabeta, com 81 anos de idade.
5. Em 4 de Junho de 2015 o processo de promoção e protecção da CPCJP de Olhão foi reaberto dado que a (…) estava a ser alegadamente vítima de negligência por parte da avó paterna ao nível dos cuidados diários e da imposição de regras impostas à criança.
6. Na impossibilidade de avó paterna assegurar os cuidados da neta, a (…) foi entregue a (…), mãe da actual companheira do pai.
7. A instabilidade emocional da (…) reflecte-se no seu percurso escolar, demonstrando-se pouco empenhada e interessada na realização das tarefas. A (…) apresenta muitas dificuldades ao nível de aquisição de conteúdos. O seu comportamento é positivo, sendo uma criança meiga e afável sem provocar conflitos entre os seus pares.
8. Segundo informação escolar a (…) é uma criança com uma baixa auto-estima, solicitando frequentemente a atenção dos adultos, aparentando ter um bloqueio emocional.
9. Os resultados da avaliação realizada pelo Gabinete de Psicologia apontam para uma eficiência intelectual dentro da média esperada, embora no limite inferior da mesma, contudo apresenta um grande desfasamento entre as suas competências verbais e de realização, sendo melhor a sua eficiência nas últimas.
10. No decurso da avaliação, verificou-se suspeita de défice auditivo, pelo que a CPCJP encaminhou a criança para consulta de especialidade bem como para consulta de neurologia pediátrica, tendo em conta a grande discrepância observada no seu modo de funcionamento intelectual. Ainda segundo o mesmo relatório, a (…) apresenta grandes dificuldades no domínio emocional, possivelmente associadas às suas vivências familiares, tendo sido encaminhada para consultas de psicologia.
11. Em Agosto de 2015 a (…) foi submetida a uma intervenção cirúrgica da especialidade de otorrinolaringologia. 12. Não obstante a timidez/mutismo revelado pela menor nas visitas domiciliárias realizadas pelo técnico da Segurança Social – comportamento semelhante ao que revelou em tribunal – no relacionamento com a progenitora e irmã uterina manifesta afectividade e uma boa interacção.
13. O quotidiano da menor em causa alicerça-se na frequência da escolaridade (1º ano na Escola Básica n.º … de Olhão), revelando dificuldades de aprendizagem (eventualmente devidas a "problemas de audição" conforme ao teor de Relatório da Avaliação Psicológica realizada no estabelecimento de ensino, foi diagnosticada a necessidade de "acompanhamento neuropsiquiátrico e psicoterapêutico", aguardando-se consulta nas especialidades pelo médico de família, encontrando-se em curso "acompanhamento psicológico" (semanal) e "apoio ao estudo" (diário) em Gabinete Escolar, verificando-se, no final do 2º período lectivo, um significativo incremento das aprendizagens.
14. A progenitora pretende manter a menor no mesmo estabelecimento de ensino, conta com a ajuda de familiares (nomeadamente da avó materna, 51 anos, residente em Olhão) e diligenciar pela imediata inscrição no "médico de família" e dar continuidade ao "acompanhamento psicológico".
15. A progenitora da menor tem uma filha do actual companheiro, nascida em 20/4/2015 e tem ainda uma outra filha, já maior.
16. A progenitora reside com o companheiro (…, 35 anos) e a filha comum numa casa térrea (tipologia 2) com adequadas condições habitacionais, nomeadamente organização/higiene/conforto, onde a menor em causa dispõe de quarto próprio, devidamente mobilado.
17. Encontra-se desempregada e a auferir o correspondente subsídio (€ 165,00 até Março de 2017) embora esteja a trabalhar à experiência num Café, o companheiro é calceteiro por conta própria estimando os rendimentos em € 1500€/mês e as despesas fixas reportam-se a renda de casa (250€), consumos domésticos (60€) e ama (100€) da descendente comum.
18. A progenitora demonstra vinculação afectiva à menor e tem conhecimento das características/necessidades associadas ao respectivo estágio de crescimento psicossocial, assim como um "estilo educativo" de pendor dialogante/assertivo.
19. Quanto à articulação parental, a progenitora refere uma total incapacidade de diálogo com o progenitor da menor na sequência de alegados episódios de "violência/perseguição/ameaças" mencionando que, enquanto a menor esteve a residir com o pai o exercício do direito de visitas surgia frequentemente inviabilizado por este.
20. O progenitor trabalha numa uma fábrica de carnes, com contrato, e aufere cerca de € 350,00 por semana.
21. Reside com a sua companheira, que trabalha consigo e tem dois filhos, um de cinco anos e outro de nove anos de idade.
22. O requerido arrendou uma casa que dispõe de quarto para a menor.
23. Na zona onde reside existe escola.
24. O abono de família é de cerca de 80 libras por criança.
25. A menor nasceu a 25 de Janeiro de 2009.
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A sentença considerou que «no caso dos autos não se provou a falta de idoneidade da progenitora para cuidar da menor, em suma, resulta do relatório elaborado pela Segurança Social junto aos autos e do depoimento das testemunhas que a requerente é uma boa mãe.
«Já pelo contrário, o progenitor não prova ser um bom pai ao deixar a filha entregue à avó analfabeta com 81 anos de idade, podendo deixá-la com a mãe, tendo havido inclusivamente necessidade de intervenção da CPCJP de Olhão a favor da menor.
«Mais se apurou que a mãe tem condições habitacionais adequadas a poder aí residir a sua filha, tem a sua vida pessoal organizada, vivendo com o companheiro de quem tem uma filha bebé.
«Acresce que, caso fique a residir com a mãe, a (…) poderá continuar a frequentar o mesmo estabelecimento de ensino, com os seus amigos e colegas que sempre conheceu desde tenra idade. E, em Portugal, a menor tem toda a família materna e paterna que a podem ajudar em qualquer circunstância, o que já não sucede se a menor for para o estrangeiro, passando a ter o pai como única referência familiar.
«Por último, cabe ainda referir que a menor tem problemas ligados à audição, está a receber acompanhamento psicológico que importa dar continuidade, pelo que a sua ida para um país que desconhece, onde é falada uma língua que não domina e completamente desamparada da família, poderá sofrer um atraso grave na sua formação».
Contra os argumentos aqui expostos, em bom rigor o recorrente nada oferece. Com efeito, quase se limita a dizer que a recorrida não é boa mãe e que ele é que é bom pai.
Mas, além, disto, alega que as condições de vida em Inglaterra serão melhores (mesmo em termos de cuidados de saúde e de aprendizagem de que a menor carece) do que em Portugal. Não duvidamos mas isso não é suficiente para o objectivo pretendido pelo recorrente. Também temos de considerar que a sua família, tanto materna como paterna, continua a residir neste País e cuja ligação com a menor é mais íntima do que com os filhos da companheira do requerente (com quem pretende viver em Inglaterra).
Não vemos, pois, razões para alterar o que se decidiu. Admitimos, sem dúvida, que qualquer uma das soluções é viável e legítima e que é impossível adivinhar todas as consequências que a escolha por cada uma delas implica. Mas este é o risco sempre existente nesta matéria.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Évora, 25 de Maio de 2017
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho