Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3041/16.2T8LLE-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
FOTOCÓPIA
ACTO PROCESSUAL
CORREIO ELECTRÓNICO
CITIUS
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - No artigo 54.º do CPC, o legislador admite desvios à regra geral da determinação da legitimidade, tanto activa como passiva, sendo que a sucessão no direito encontra-se expressamente prevista no n.º 1 do preceito.
II - Tendo o requerimento executivo sido entregue por via electrónica, poderia ser acompanhado de mera cópia simples do título executivo, não enfermando, por essa razão, de nenhuma invalidade, e não se justificando sequer a notificação da exequente para junção aos autos do original por não estarmos perante execução fundada em título de crédito e não ter sido de algum modo impugnada a sua autenticidade.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3041/16.2T8LLE-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – Relatório
1. BB, por apenso aos autos de execução que lhe foram movidos por CC, S.A., deduziu os presentes embargos de executado, que vieram a ser julgados improcedentes por despacho saneador-sentença proferido em 29.05.2018.

2. Inconformada com esta decisão, a Embargante apresentou o presente recurso de apelação que terminou com prolixas conclusões, as quais por não cumprirem minimamente os requisitos de síntese a que alude o artigo 639.º, n.º 1, do CPC, não se reproduzem, sequer parcialmente, já que inclusivamente evidenciam inúmeras “gralhas” que nos escusamos repetir, e que, em suma, colocam a questão, já colocada nos embargos, de saber se a Embargada é parte legítima; a questão nova de estarmos perante cláusula contratual geral a carecer de comunicação às mutuárias; e finalmente aquilatar se não existe título executivo «em virtude da falta de indicação da cópia ou do original do título executivo que origina a execução, não é possível averiguar da sua certeza, exigibilidade e a sua liquidez».

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente de questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as únicas questões colocadas no presente recurso são as acima indicadas.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
Na decisão recorrida foram considerados assentes os seguintes factos, com interesse para a decisão[4]:
1. A exequente «CC, S. A» intentou em 04/10/2016 a execução contra as executadas DD, EE, FF e GG e BB, apresentando como título executivo o escrito que faz fls. dos autos de execução, no essencial com o seguinte teor “Mútuo com Hipoteca. No dia dezanove se Setembro de dois mil e sete, (…) compareceram como outorgantes: Primeiro: DD (…) Segundo: Carla C… (…) que outorga na qualidade de procuradora e em representação da sociedade anónima denominada “HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A” (…) Terceiro: EE (…) Quarto: BB (…) que outorga por si e na qualidade de procuradora de: A) EE (…) B) GG (…) Declarou a Segunda Outorgante, na referida qualidade: - Que, pela presente escritura a HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A., sua representada, concede à primeira outorgante, conforme proposta da mesma, um empréstimo destinado a fins diversos, fora da alçada do crédito á habitação, no montante de vinte e um mil duzentos e setenta e seis euros e noventa cêntimos, nesta data entregue à primeira outorgante. E pela primeira outorgante foi dito: - Que aceita o presente empréstimo e se confessa, desde já, devedora da quantia mutuada, bem como dos respectivos juros, mesmo os de mora, despesas e demais encargos resultantes da presente escritura e do documento complementar adiante referido, de acordo com as condições de utilização do montante mutuado, reembolso, vencimento antecipado e demais termos do empréstimo previstos naquele documento complementar, e que a fracção não constitui casa de morada de família. Pelas primeira, terceira e quarta outorgantes, esta por si nas referidas qualidades, foi dito: - Que para garantia do pagamento e liquidação da quantia mutuada e dos respectivos juros à taxa anual que, para efeitos de registo, se fixa em catorze por cento, elevável em caso de mora à taxa de juros máxima no momento praticada, acrescida de quatro por cento a título de cláusula penal, despesas e demais encargos, num montante máximo de capital e acessórios da quantia de trinta e três mil seiscentos e dezanove euros e cinquenta cêntimos, e despesas judiciais e extrajudiciais que se fixam para efeitos de registo em oitocentos e cinquenta e um euros e oito cêntimos, constituem a favor da HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A., hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “R2 (…) POR TODOS OS OUTORGANTES, NAS REFERIDAS QUALIDADES, FOI DITO: Que o presente contrato de mútuo com hipoteca se regula pelas disposições legais aplicáveis e ainda nos termos das cláusulas constantes do documento complementar elaborado nos termos do número dos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, anexo à presente escritura, de que têm perfeito conhecimento e inteiramente aceitam (…). Esta escritura foi lida às outorgantes e às mesmas explicado o seu conteúdo (…)
Documento Complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro número dois do Código do Notariado, que faz parte integrante da escritura outorgada em 19 de Setembro de 2007, (…) Ao contrato de mútuo com hipoteca entre a HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A., adiante designada apenas por HH e DD, adiante designada apenas por Mutuário destinado a fins diversos (fora da alçada do crédito habitação) segundo proposta por ele Mutuário oportunamente apresentada, é também aplicável o seguinte clausulado: Cláusula Primeira: A HH empresta nesta data a pedido do Mutuário e este toma de empréstimo o montante de 21.276,90 Euros (vinte e um mil duzentos e setenta e seis euros e noventa cêntimos) quantia essa que o Mutuário se confessa devedor e obrigando-se a pagar nos termos deste contrato. (…) Cláusula Nona 1- No caso de mora, por parte do Mutuário, de qualquer obrigação contratual, serão calculados, dia a dia, juros à taxa máxima que vigorar para os juros remuneratórios contratuais, acrescidos de uma sobretaxa a título de cláusula penal, no máximo legalmente possível, que actualmente se fixa em quatro por cento, desde a data da mora e durante todo o período que durar o incumprimento (…) Cláusula Décima Primeira. A HH fica com a faculdade de ceder a terceiros, no todo ou em parte, os direitos e obrigações emergentes do presente contrato, sem necessidade de consentimento do Mutuário (…) Cláusula Décima Quinta. No caso de incumprimento de quaisquer obrigações decorrentes do presente empréstimo ou de garantia prestada, a HH reserva-se o direito de resolver o contrato o que implica o imediato vencimento de todo o crédito com a consequente exigibilidade da totalidade dos montantes em dívida (…)”;
2. Entre a «HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A» e a «II, S. A» foi celebrado acordo reduzido a escrito, datado de 2/09/2013, denominado “Compra e Venda de Ativos e de Outras Obrigações”, o qual faz fls. destes autos, mediante o qual a «HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A» cedeu à «II, S.A» vários créditos e respetivas garantias e acessórios, entre os quais os créditos detidos sobre DD, EE, FF, GG e BB;
3. Entre a «II, S.A» e «CC, S. A» foi celebrado acordo reduzido a escrito, datado de 07/03/2016, o qual faz fls. dos autos de execução, mediante o qual a «II, S. A» cedeu a «CC, S. A» vários créditos e respetivas garantias e acessórios, entre os quais os créditos detidos sobre DD, EE, FF, GG e BB;
4. Não foram pagas na data do seu vencimento as prestações previstas no acordo referido em 1) e a «II, S. A» subscreveu e remeteu à executada DD o escrito que faz fls. dos autos de execução, no essencial com o seguinte teor: “Carta Registada com A. R. DD. Rua P… a EN 125 N … RC Dto 8700-… Olhão. Paço D Arcos. Assunto: Contrato de Mútuo nº 13279/21000723. Exma Senhora, Em consequência do incumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo com hipoteca em epígrafe, tem V. Exa para connosco um débito de € 1.239,46 relativo às prestações vencidas e não pagas do referido mútuo, acrescido da comissão de recuperação de valores em dívida no valor de € 99,84 e respectivo imposto de selo no valor de € 20,09. Queira V. Exa proceder ao pagamento daqueles montantes, no prazo de 8 dias, a contar da data do envio desta carta. Caso tal pagamento não seja efectuado dentro do referido prazo, e ao abrigo do clausulado do contrato, deve considerar-se imediatamente vencido todo o crédito e resolvido o contrato, podendo a HH, em consequência exigir as seguintes quantias: Capital vencido na sequencia do incumprimento (valor do capital em dívida a contar da 1ª prestação não paga) 15.964,26. juros remuneratórios (i. e. a componente de juros das prestações vencidas e não pagas) +imposto do selo 522,32. Despesas decorrentes do incumprimento (4% previstos na escritura) 851,08. Comissão de recuperação de valores em dívida (i. e. a comissão que vem indicada no primeiro parágrafo da carta) + imposto do selo 99,84. Total 17.437,50. Tal implicará também a imediata resolução de todos os contratos de seguro, efetuados no âmbito do presente contrato de mútuo, por falta de pagamento, reservando-se ainda a HH o direito de cobrar juros de mora por cada dia de atraso no pagamento dos valores em dívida ao abrigo do contrato de crédito (mediante a aplicação de uma sobretaxa anual de 3% a acrescer à TAN do contrato). Se no prazo acima indicado V. Exa não proceder ao pagamento da importância em dívida e a resolução do contrato operar, entregaremos o assunto ao n/ serviço de contencioso e procederemos à proposição da competente acção judicial contra V. Exa com os custos adicionais daí decorrentes, designadamente custas judiciais e honorários de advogados. Recordamos que, com o acionamento das garantias associadas ao contrato de mútuo na acção judicial, em particular da hipoteca, o imóvel sobre o qual a mesma incide será objecto de penhora e subsequente venda executiva, nos termos da lei processual, para que o produto da venda seja afectado ao pagamento da dívida e das demais despesas judiciais, com os incómodos associados à perda da titularidade do imóvel e de eventuais despesas que terá de suportar com o realojamento para outra morada (…);
5. Nos autos de execução de que estes embargos de executado constituem apenso foi penhorada (Ap. 108 de 2016/12/26) a fraçcão autónoma designada pela letra “R” do prédio urbano sito na freguesia de Quelfes, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de olhão sob o nº …/19970619 e inscrito na matriz sob o artigo …, pertencente a DD, EE, FF, GG e BB (Ap. 15 de 2007/02/13).»
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III.2. – O mérito do recurso
A embargante apelou renovando, em parte, argumentos já apresentados nos embargos deduzidos, e que foram decididos com todo o acerto na decisão recorrida.
Assim, quanto à aqui renovada questão da falta de legitimidade da exequente, por não ser essa pessoa colectiva a indicada no título executivo, tudo o que importa dizer está já cristalinamente sintetizado no seguinte segmento da decisão recorrida: «Preceitua o artigo 10º, nº 5, do Código de Processo Civil que “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”, dispondo o nº 1, do artigo 53º do mesmo diploma legal que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”, e tendo havido sucessão no direito ou na obrigação a execução deve correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, e no próprio requerimento para a execução o exequente deverá deduzir os factos constitutivo da sucessão (cfr. nº 1 do artigo 54º, do Código de Processo Civil).
Feito o enquadramento legal, revertendo agora ao caso em apreço, temos que a exequente «CC, S. A» apresenta como título executivo a escritura pública de mútuo com hipoteca na qual figura como devedor as executadas e como credor a «HH, Instituição Financeira de Crédito, S.A» e no requerimento executivo alegou que a «HH, Instituição Financeira de Crédito, S.A» por contrato datado de 2/09/2013 tinha cedido os créditos sobre as executadas à sociedade «JJ, S. L» e mais alegou que esta sociedade por contrato de compra e venda celebrado em 7 de Março de 2016 e cujo certificado de conclusão foi formalizado em 14 de Julho de 2016 lhe cedeu os créditos que detinha sobre as executadas, pelo que se conclui que a exequente cumpriu o determinado no nº 1 do artigo 54º do Código de Processo Civil para justificar a sua legitimidade.
Acresce que nos autos de execução a exequente juntou cópia do contrato de cessão de créditos que celebrou com a «II, S. A» do qual resulta que esta sociedade lhe cedeu os créditos que detinha sobre as executadas e agora em sede de contestação juntou nestes autos cópia da escritura pública de compra e venda de ativos e de outras obrigações celebrada em 02/09/2013 entre a «HH, Instituição Financeira de Crédito, S. A» e a «II» da qual resulta que a HH, Instituição Financeira de Crédito, S.A» cedeu à «II» os créditos que detinha sobre as executadas e emergentes da escritura pública de mútuo com hipoteca celebrada em 19/09/2007, pelo que inexistem quaisquer dúvidas de que a «CC, S.A» é a atual titular dos créditos sobre as executadas emergentes da dita escritura pública e, como tal é parte legitima na execução, até porque resulta da cláusula 11ª do documento complementar que faz parte integrante da escritura de mútuo com hipoteca que a mutuante ficava com a faculdade de ceder a terceiros, no todo ou em parte, os direitos e obrigações emergentes do contrato, sem necessidade de consentimento da mutuária».
Na verdade, e conforme é consabido, a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos, não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos. O título executivo é, portanto, “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo[5]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[6], enfatizando-se a sua suficiência, precisamente porque “a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva”[7].
É certo que, de acordo com o disposto no artigo 53.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a legitimidade do exequente e do executado, a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. Porém, logo no artigo 54.º do CPC, o legislador admite desvios à regra geral da determinação da legitimidade, tanto activa como passiva, sendo que a sucessão no direito encontra-se expressamente prevista no n.º 1 do preceito.
Ora, tendo sido solicitado pela ora Relatora o seguimento electrónico do processo executivo, confirmámos tanto a alegação da factualidade consubstanciadora da legitimidade, a que alude o despacho recorrido - aliás, convocada logo no início do requerimento executivo e com o título «DA LEGITIMIDADE DA EXEQUENTE» -, como a subsequente prova documental da transmissão da posição da credora para a ora exequente, por via da sucessão da posição contratual acima descrita.
Assim, tendo a embargada oportunamente deduzido no requerimento inicial da execução os factos constitutivos da sucessão, os quais veio a demonstrar nos termos expressamente consagrados na matéria de facto provada, a qual, sublinha-se, não foi impugnada pela Apelante, dúvidas sérias não podem existir, e muito menos ainda subsistir na embargante, sobre a legitimidade da exequente, tanto mais quando a faculdade da existência de cessão da posição contratual, sem necessidade de comunicação, designadamente à ora embargante, constava expressamente referida na cláusula 11.ª do documento complementar anexo à escritura.
Improcedem, pois, as conclusões expendidas a este respeito.
Vem em sede de recurso a Embargante colocar a questão nova de não lhe terem sido comunicadas as «cláusulas contratuais gerais» do contrato.
A alegação agora em causa, só pode benevolentemente entender-se como devida a lapso, porque caso contrário estaríamos perante invocação temerária, a raiar uma condenável litigância de má-fé. Assim, a questão não merece mais aprofundamento do que afirmar que estamos perante um contrato de mútuo, com garantia de hipoteca, celebrado por escritura pública da qual faz parte integrante o documento complementar, constando deste documento autêntico, devidamente exarada pelo notário, a menção de que foi lida aos outorgantes, entre os quais se inclui a embargante, e explicado o seu conteúdo, e estando ainda expressamente atestado pelo oficial público que os outorgantes declararam ter perfeito conhecimento do teor do documento complementar anexo.
Finalmente, diz a Apelante que «em virtude da falta de indicação da cópia ou do original do título executivo que origina a execução, não é possível averiguar da sua certeza, exigibilidade e a sua liquidez».
Que dizer?
Em primeiro lugar, que não estamos perante um título de crédito, relativamente aos quais realmente se colocava a questão de saber se a respectiva cópia podia ser ou não ser dada à execução, tendo vindo a ser resolvida pela disposição inovatória vertida no n.º 5 do artigo 724.º do Código de Processo Civil na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, e que expressamente exige a obrigatoriedade da junção aos autos tramitados electronicamente do original do título de crédito em que a execução se funde, ainda que já tenha sido apresentada uma cópia por via electrónica, devendo o juiz, oficiosamente ou a requerimento do executado, determinar a notificação do exequente para em 10 dias, proceder à sua junção, sob pena de extinção da instância.
Mas, como dito, no caso vertente, a execução não se funda em título de crédito.
Ora, desde a reforma da acção executiva introduzida pelo DL n.º 226/2008, de 20 de Novembro[8], que passou a ser exigível apenas a cópia do título executivo, quando o requerimento inicial fosse entregue por via electrónica. E passou a ser então entendido na jurisprudência, mormente a do Supremo Tribunal de Justiça, que tal cópia era bastante até mesmo quando a execução se fundava em títulos de crédito[9]. Ora, se este entendimento quanto aos títulos de crédito, veio a sofrer a sobredita alteração com a entrada em vigor do actual CPC, a desnecessidade da junção do original dos documentos apresentados por transmissão electrónica de dados, persiste em face do disposto no artigo 144.º, n.ºs 1, 2 e 4 do CPC, de acordo com cuja estatuição os actos processuais são apresentados a juízo por via electrónica, sendo que a parte que pratique o acto processual por esta via, deve apresentar por transmissão electrónica de dados a peça processual e os documentos que a devam acompanhar, ficando dispensada de remeter os respectivos originais, tendo os documentos apresentados por essa via a força probatória dos originais, nos termos definidos para as certidões.
Ainda assim, apesar de a parte ficar dispensada de apresentar os originais dos documentos, por força do n.º 5 do mesmo artigo, tal dispensa não prejudica o dever de exibição dos originais dos documentos juntos pelas partes por meio de transmissão electrónica de dados, sempre que o juiz o determine, nos termos da lei do processo. Ficaram, portanto, salvaguardadas por esta via razões de segurança e fiabilidade do sistema.
Deste modo, o artigo 3.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro[10], cujo corpo reproduz o disposto no citado preceito do CPC, veio estabelecer que tal determinação para junção do original pode ocorrer designadamente quando o juiz duvidar da autenticidade ou genuinidade dos documentos; e quando for necessário realizar perícia à letra e assinatura dos documentos, situação que no caso em apreço não ocorreu, tanto mais que a sua autenticidade não foi de modo algum colocada em causa pela ora Apelante. Basta para o efeito atentar que a ora Apelante, no artigo 11.º do requerimento de embargos, expressamente reconhece que se havia responsabilizado pelo pagamento do crédito mas «ficou na situação de desemprego, tendo de deixar de poder proceder ao pagamento do mesmo»
Em face do sobredito, podemos concluir que, considerando a data e modo de entrada em juízo do requerimento executivo, no caso em apreço, tendo o requerimento executivo sido entregue por via electrónica, poderia ser acompanhado de mera cópia simples do título executivo, não enfermando, por essa razão, de nenhuma invalidade, e não se justificando sequer a notificação da exequente para junção aos autos do original por não estarmos perante execução fundada em título de crédito e não ter sido de algum modo impugnada a sua autenticidade.
Finalmente, pese embora a Embargante ligue a alegação de que por não haver indicação da cópia ou original do título - e já vimos que não é assim -, «não é possível averiguar da sua certeza, exigibilidade e liquidez», impõe-se uma nota final para afirmar que no caso, o título executivo é compósito, sendo constituído pelo conjunto dos documentos formados pela escritura que titula o contrato de mútuo, descrita em 1. e a carta registada remetida à executada com a interpelação para pagamento das quantias em dívida, a que alude o ponto 4. da matéria de facto, e que a ora Apelante inclusivamente confessou não ter satisfeito.
Em conformidade, e sem necessidade de ulteriores considerações, mostrando-se improcedentes ou deslocadas todas as conclusões, a apelação deve improceder com a consequente confirmação da decisão recorrida.
Porque vencida, a Apelante suportaria as custas devidas pelo recurso, na vertente de custas de parte, atento o princípio da causalidade expresso no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, e o disposto no artigo 529.º, n.ºs 1 e 4, ambos do CPC.
Porém, considerando que a mesma goza do benefício do apoio judiciário, não há lugar à sua tributação.
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III.3. Síntese conclusiva:
I - No artigo 54.º do CPC, o legislador admite desvios à regra geral da determinação da legitimidade, tanto activa como passiva, sendo que a sucessão no direito encontra-se expressamente prevista no n.º 1 do preceito.
II - Tendo o requerimento executivo sido entregue por via electrónica, poderia ser acompanhado de mera cópia simples do título executivo, não enfermando, por essa razão, de nenhuma invalidade, e não se justificando sequer a notificação da exequente para junção aos autos do original por não estarmos perante execução fundada em título de crédito e não ter sido de algum modo impugnada a sua autenticidade.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.
Sem tributação, atento o benefício do apoio judiciário de que a Apelante beneficia.
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Évora, 14 de Fevereiro de 2019
Albertina Pedroso [11]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo de Execução de Loulé - Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Que restringimos àqueles que relevam para a decisão das questões colocadas no recurso, sublinhando os excertos mais relevantes.
[5] Cfr. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando Chiovenda.
[6] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[7] Cfr. a título exemplificativo, Ac. TRL de 27.06.2007, processo n.º 5194/2007-7, disponível em www.dgsi.pt. [8] Cuja entrada em vigor ocorreu em 31.03.2009.
[9] Cfr. neste sentido, Acórdãos STJ de 15.03.2012, processo n.º 227/10.7TBBGC-A; e de 27.05.2014, processo n.º 268/12.0TBMGD-A, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[10] Com as alterações e republicação efectuadas pela Portaria n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro.
[11] Texto elaborado e revisto pela Relatora.