Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
35/15.9PESTB.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
BUSCA DOMICILIÁRIA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
PRAZO PROCESSUAL
Data do Acordão: 02/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDOS EM PARTE ALGUNS DOS RECURSOS
Sumário:
I - Perante uma pluralidade de crimes cometidos por diversos arguidos em locais distintos, para cujo julgamento seriam territorialmente competentes tribunais com jurisdição em diferentes áreas de acordo com o princípio segundo o qual a cada crime cabe um processo, a competência territorial para o julgamento decide-se de acordo com os critérios sucessivamente estabelecidos no art.º 28º do CPP para a competência determinada por conexão.

II - Estando em causa crimes de igual gravidade praticados em diversas áreas jurisdicionais e havendo mais que um arguido em prisão preventiva, é territorialmente competente o tribunal à ordem do qual estiver preso o maior número (art. 28º al.b CPP), sendo certo que o momento a considerar na aplicação deste segundo critério de determinação da competência do tribunal para julgamento é o da distribuição do processo para julgamento, por referência ao objeto do processo tal como este se encontre definido no despacho de pronúncia ou na acusação.

III – Realizada busca domiciliária a arguido após ter sido detido quando regressava de Espanha onde se deslocara para adquirir a cocaína que tinha consigo, não se verifica a relação necessária entre a situação de flagrante e o domicílio que legitima a busca domiciliária noturna sem mandado nos termos do art.º 177º nºs 2 c) e 3 b), do CPP.

IV - realização de busca domiciliária sem consentimento do próprio, sem autorização judicial e fora de alguma das situações previstas no art.º 177º que as dispensam, nomeadamente por não ter lugar em flagrante delito, não pode deixar de considerar-se meio proibido de prova, nos termos do art. 126 º nº3 CPP.

V - Aos prazos previstos nos nºs 3 e 4 do art. 188º do CPP para, respetivamente, o OPC levar ao conhecimento do MP os suportes técnicos, autos e relatórios referidos no seu nº1, e para o MP levar ao conhecimento do juiz aqueles mesmos elementos, é aplicável o disposto no art.º 106º nº1, que prevê o prazo de dois dias para que os funcionários de justiça lavrem os termos no processo.

Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Após, audiência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo que correram termos no Juízo Central Criminal de Portimão (Juiz 1) do Tribunal judicial da comarca de Faro, foram pronunciados, na sequência de acusação deduzida pelo MP:

1- SF, nascida em 27 de Setembro de 1985, casada, atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Odemira

2 - JF, nascida em 23 de Janeiro de 1997, solteira, atualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Odemira.

3 - CC, nascido em 16 de Outubro de 1988, solteiro, empresário, atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Olhão;

4 - AH, nascida em 20 de Outubro de 1995, solteira, esteticista;

5- JD, natural e nacional do Reino de Espanha, nascido em 18 de Fevereiro de 1987, casado, pescador, atualmente em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Setúbal.

6 - FB, nascido em 15 de Outubro de 1986, divorciado, vendedor de automóveis,

7 - JCC, natural e nacional do Reino de Espanha, nascido em 28 de Fevereiro de 1971, casado, pescador,

8 - AG, natural da Freguesia e Concelho de Portimão, nascido em 19 de Junho de 1984, solteiro, manobrador de máquinas,

9 – HV, nascido em 16 de Março de 1988, solteiro, operador de armazém,

10 – BB, nascido em 4 de Novembro de 1978, solteiro

11 – ACM, nascida em 8 de Outubro de 1987, solteira, nadadora salvadora

12 – LC, nascido em 9 de Agosto de 1987, solteiro, ajudante publicitário,

2. – Os arguidos foram pronunciados nos seguintes termos:

«a) SF e JF, como co-autoras e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabela I-C do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;

b) CC e AH, como co-autores e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabelas I-C e I-C do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;

c) JD e JCC, como co-autores e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabela I-C do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;

d) FB, BB e AG, como co-autores e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabelas I-C e I-B do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;

e) FB e AG, como co-autores, na forma consumada e em concurso real, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos Atrºs 86º, alíneas a) e c) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro;

f) LC, como autor material e na forma consumada, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabela I-C do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro;

g) ACM, como autora material, na forma consumada e em concurso real pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabelas I-C e II-A do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos Atrºs 86º, alínea d) da Lei nº 5/2006 de 23 de Fevereiro; e

h) HV, como autor material, na forma consumadas e em concurso real, pel a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo Artº 21º e Tabela I-C do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

3. Realizada a Audiência de discussão e julgamento o tribunal coletivo decidiu:

«a) Absolvemos os arguidos AH, JCC e HV da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

b) Condenamos a arguida SF, como autora material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão

c) Condenamos a arguida JF como cúmplice, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 3 (três) anos de prisão;

d) Condenamos o arguido CC, como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão

e) Condenamos o arguido JD, como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão

f) Condenamos o arguido FB, como co-autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 8 anos de prisão

g) Condenamos o arguido FB, como co-autor material e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea a) e c) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 3 anos de prisão

h) Operando o cúmulo jurídico, condenamos o arguido FB na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;

i) Condenamos o arguido BB como co-autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

j) Condenamos o arguido AG, como cúmplice e na forma consumada aa prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos;

k) Condenamos o arguido AG, como cúmplice e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea a) e c) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão

l) Operando o cúmulo jurídico, condenamos o arguido AG na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;

m) Condenamos o arguido LC, como autor material e na forma consumada, na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

n) Condenamos a arguida ACM como autora material e na forma consumada na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro na pena de 6 anos.

o) Condenamos a arguida ACM, como autora material e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea d) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão

p) Operando o cúmulo jurídico, condenamos a arguida ACM na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão;

q) Mais condenamos os arguidos (condenados), cada um, na taxa de justiça de 6 (seis) U.C. e, nas demais custas do processo;

r) Declaramos perdidos a favor do Estado, o estupefaciente, acessórios, os telemóveis, as viaturas automóveis e as quantias monetárias apreendidas e determinamos a destruição do estupefaciente, que se dê o legal destino ao dinheiro e a entrega ao MºPº dos telemóveis e restantes objectos (para que promova o destino a dar-lhes);

4. – Inconformados, vieram interpor recurso do acórdão condenatório, os arguidos SF, CC, JD, FB, BB, LC, ACM, extraindo das suas motivações de recurso as seguintes conclusões.
(…)

5. Regularmente notificado, o MP apresentou a sua resposta aos recursos do acórdão condenatório, extraindo dela as seguintes CONCLUSÕES:

6. Os arguidos CC, SF, JF, FB, LC, AH, haviam interposto recurso do despacho de fls 4274 a 4277 (proferido em 12.12.2017), que declarou territorialmente incompetente o Juízo Central Criminal de Faro e do despacho datado de 18.12.2017, que declarou competente o juízo central criminal de Portimão, mantendo-se o interesse no seu conhecimento por parte dos arguidos que recorreram do acórdão condenatório

6.1. O despacho recorrido é do seguinte teor:

- «CONCLUSÃO - 11-12-2017
(…)
Compulsados os autos verifica-se que, por despacho de fls. 4581 a 4590 v ", foi declarado o Juízo Central Criminal de Setúbal, da Comarca de Setúbal, territorialmente incompetente para realizar o julgamento dos autos, declarando-se territorialmente competente para tal, o "Juízo Central da Secção Criminal de Faro".

Seguindo de perto o referido despacho, com cujos fundamentos se concorda e se dão por reproduzidos por se mostrarem pertinentes, afigura-se-nos que apenas por lapso os autos foram remetidos ao Juízo Central Criminal de Faro.

Com efeito, como se refere no aludido despacho, estamos perante uma "situação factual complexa com pluralidade de arguidos e de infracções com imputação de diversas coautorias e autorias materiais aos arguidos", a demandar a disciplina do artigo 28.º do Código de Processo Penal.

Ora, resulta do despacho de pronúncia que o crime mais grave em apreciação é o de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 2l.° do Decreto-Lei n." 15/93, de 22 de Janeiro, mas este mesmo crime está em causa em várias situações.

Os crimes de tráfico em questão podem agrupar-se nas seguintes situações:

I. Arguidas SF e JF - o último acto que integra o comportamento típico do crime, ou seja o momento da cessação da consumação, ocorre em Lagoa (artigos 11.º a 14.º e 18.º do despacho de pronúncia).

II. Arguidos CC e AH - o último acto que integra o comportamento típico do crime, ou seja o momento da cessação da consumação, ocorre na A22 - área de serviço de Olhão (artigos 27.º e 28.º do despacho de pronúncia).

III. arguidos JD, FB, JCC, AG e BB - os últimos actos que integram o comportamento típico do crime, ou seja o momento da cessação da consumação, ocorrem, no mesmo dia, em Silves, em Grândola e em Pêra (artigos 51.º, 57.º e 65.º do despacho de pronúncia).

IV. arguido HV - o último acto que integra o comportamento típico do crime, ou seja o momento da cessação da consumação, ocorre em Algoz, Silves (artigos 77.º e 78.º do despacho de pronúncia).

V. arguida ACM - o último acto que integra o comportamento típico do crime, ou seja o momento da cessação da consumação, ocorre em Albufeira (artigo 76.º do despacho de pronúncia).

VI. arguido LC - não se encontram identificados no despacho pronúncia os locais da prática dos factos.

À ordem dos autos encontram-se sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva os arguidos SF , JD, CC, JD (entretanto foi desligado dos autos a partir do dia 16 de Novembro de 2017) e FB.

Donde, verifica-se que em duas das situações discriminadas estão dois arguidos presos preventivamente à ordem do processo (I e III), mas ambas ocorrem na área geográfica dos municípios de Lagoa e Silves, respectivamente, que se integram na mesma área da Comarca de Faro são abrangidas pela competência do Juízo Central Criminal de Portimão (art. 2.°, n. 1, aI. b) e art. 14.° e Mapa III do Decreto-Lei n.º 86/2016 de 27 de Dezembro) - aplicando-se a disciplina prevista no art. 28.°, al. b), do Código de Processo Penal

Aliás, com excepção das situações VI, cujo local não está indicado, e II, todas as demais cessaram as respectivas consumações em áreas abrangidas pelo Juízo Central Criminal de Portimão.

Crê-se, até, que foi esse mesmo pressuposto que esteve na base da prolação do despacho de fls. 4581 e ss, laborando-se apenas no lapso de não atender à existência de dois Juízos Centrais Criminais da Comarca de Faro, um sedeado em Faro e outro sedeado em Portimão, como decorre, por exemplo, da referência aos factos terem sido "praticados na Comarca do Algarve" e "Comarca de Faro".

O que significa que competente para conhecer dos crimes imputados aos arguidos é o Juízo Central Criminal de Portimão, sedeado em Portimão, por ser o que tem jurisdição sobre a área territorial onde se situam os locais da prática dos factos, e não este Juízo Central Criminal de Faro.

Conclui-se, portanto, que este Juízo Central Criminal de Faro é incompetente para proceder ao julgamento nos presentes autos.

A excepção da incompetência do tribunal pode ser conhecida e declarada oficiosamente, sendo que, tratando-se de incompetência territorial, somente pode ser deduzida e declarada até ao início da audiência de julgamento, tratando-se de tribunal de julgamento - art. 32.°, nºs 1 e 2, al. b), do Código de Processo Penal -, e tem como efeitos a remessa do processo para o tribunal competente - art. 33.°, n° 1, do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos normativos citados e ainda no art. 31l.°, n° 1,
do Código de Processo Penal:

a) Declaro o Juízo Central Criminal de Faro territorialmente incompetente para conhecer dos crimes pelos quais os arguidos vêm pronunciados;

b) Determino a remessa dos presentes autos para o Juízo Central Criminal de Portimão.
Notifique.

Após, remeta o processo para o Juízo Central Criminal de Portimão, sedeado em Portimão.»

6.2. Os recorrentes extraem da sua motivação as seguintes conclusões:
(…)
7. – Notificado para o efeito, o MP junto do tribunal a quo apresentou a sua resposta a este primeiro recurso, da qual extrai as seguintes conclusões:
(…)
8.- O acórdão recorrido (transcrição parcial):

«Questões prévias:

Pelo arguido FB foi arguida a nulidade das escutas telefónicas porquanto, conforme se alcança de fls. 743 o órgão de polícia criminal solicitou a intercepção de escuta telefónica 926 ---- com fundamento no seguinte:

“Na continuação da recolha de informação e movimentações do alvo 84041050 (CC-9253---), verificou-se que o mesmo estabelece vários contactos telefónicos, com o nº 9260, pertença de um individuo do sexo masculino, de identidade ainda desconhecida, de nacionalidade portuguesa, relacionado com o tráfico de produtos de estupefacientes, a operar na zona de Lagoa/Carvoeiro/Albufeira/Faro.”

No seguimento desta sugestão, o Ministério Público a fls.750 promoveu a intercepção ao referido posto telefónico, avançando com o mesmo argumento: “Apurou-se também que o suspeito CC mantém contactos regulares com o utilizador do número 9260---, cuja identidade ainda não foi possível apurar, a propósito da entrega e distribuição de estupefaciente.”

Por sua vez o tribunal a fls.783 fundamenta a intercepção ao referido posto telefónico do modo seguinte: “Porque se revela essencial às finalidades da presente investigação e à descoberta da verdade.”

Como se acentua de todos os lados, um dos requisitos da autorização de uma escuta telefónica é a existência de uma suspeita qualificada. Dizendo de outro modo, uma escuta não pode ser autorizada caso não existam suspeitas fundadas de o utilizador daquele posto telefónico praticar algum dos ilícitos mencionados no artigo 187º do CPP.

Ora, o despacho judicial é completamente omisso quanto a este requisito.

Diga-se que a omissão deste requisito vem na sequência da inexistência de fundamentação da promoção do ministério público. Com efeito, o MP avança com uma conclusão sem que a mesma se sustente em qualquer meio probatório.

Já se vê que a manifesta ausência deste requisito, na autorização das escutas telefónicas, teve por consequência a intercepção de vários postos telefónicos de cidadãos completamente alheios a estes factos, entre outros, PS, JRS, AM, Dora e AA.

Como soa de todos os lados, designadamente desde as alterações introduzidas pela Lei 48/2007, um dos requisitos exigidos pelo artigo 187º, nº4, al. a) do CPP é a de que o visado seja arguido ou suspeito.

Ora, o FB não sendo, naquela altura, arguido a intercepção telefónica apenas poderia ser desencadeada caso fosse suspeito, o que nos remete para o disposto no artigo 1º, al. e) que prescreve, “Suspeito toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar.”

Do que resulta, a intercepção a este posto telefónico constituir uma proibição de prova, conforme artigos 187º do CPP, contaminando todas as escutas subsequentes, nos termos do disposto no artigo 122º do CPP;

Relativamente aos alvos: 78560040, 79366040} 79367040} 81563060} 82662060, 82920050} 84041040} 84042040, 84309040, 84621040} 84621040, 84623050, 84926040, 84926050, 84929040, 84929050} 84930040, 84930050, 84931040, 84931050, 84932040, 84932050, 84933040} 84934040} 84934050, 84935040, 84935050} 84936040 e 84936050, 85088040,85088050, 85089050a (fls. 945 e 1128);

O material gravado deu entrada no tribunal no dia 2.8.16 (fls. 944) e foi nesse dia concluso ao MP;

Após a apresentação do material gravado ao ministério público, na data referida no item anterior (2.8.16L impunha-se que o mesmo, volvidos 15 dias, lhe voltasse a ser apresentado, conforme decorre do disposto no artigo 188º, nº3 do CPP;

Porém, o material gravado foi novamente concluso ao MP no dia 18.08.2016 (fls.1179);

Assim, o material gravado foi entregue ao Ministério Público depois do 15º dia (16 dias);

Relativamente aos alvos: 78560040, 79366040, 79367040, 81563060, 84040040, 853357040, 85386040, 85970040, 85971040, 85973040, 86397040, 86700040, 86700050, 86702040, 86102050, 86704040, 86704050, 86705040, 86705050, 86876040, 86876050, 86878050, 86878050, 86879040, 86879050 e 86881040 (fls. 1832);

Conforme fls.1907, o material gravado foi concluso ao MP no dia 07.11.2016;

Ainda que o material gravado tivesse sido concluso ao ministério público no dia 8.11.16, conforme se alega na decisão instrutória, persistiria o invocado vicio;

Daqui resulta que o material gravado foi levado ao conhecimento do tribunal mais de 48 horas depois de ser presente ao MP;

Relativamente aos alvos: 78560040, 79366040, 79367040, 84040040, 853356040, 85970040, 85973040, 86397040, 86700040, 86702040, 86704040, 86876040, 86878050, 86879040, 87166040, 87167040, 87168040, 87396040, 87397040, 87398040, 87399040, 87401040, 8740204~ 8756104~ 8768104~ 8768104~ 878105~ 87811040, 87811050, 87889040, 87889050, 88068040 e 88068050 (fls. 2347 e 2688);

O material gravado foi concluso ao MP no dia 21.12.16 a fls. 2622;

Na apresentação subsequente, impunha-se que o material gravado fosse apresentado dentro do prazo de 15 dias;

Porém, o referido material gravado só foi concluso ao MP no dia 21.12.16 a fls. 2622;

Assim, o material gravado foi entregue ao Ministério Público depois do 15º dia (16 dias);

Caso se entenda que o material gravado foi entregue nos serviços do MP no dia 3.1.2017 (fls. 2687), então foi presente ao juiz depois de decorridas 48 horas, em 6.1.2017 (fls.2754);

Na verdade, não se compreende o raciocínio processual da decisão instrutória quando numas vezes preconiza que o momento a que se deve atender, para efeitos de contagem do prazo, deve ser o da apresentação do material gravado nos serviços do ministério público e noutras vezes já defende que o momento a que se deve atender é o da conclusão ao ministério público;

Relativamente aos alvos: 78560040, 79366040, 79367040, 84040040, 853356040, 85970040, 85973040, 86397040, 86700040, 86702040, 86704040, 86876040, 86879040, 87166040, 87397040, 87681040, 87811040, 88068040, 88356040, 88357040 e 88358040 (fls. 2800);

Caso se sufrague o entendimento da decisão instrutória, no caso concreto, o material gravado foi entregue nos serviços do ministério público no dia 17.1.17, conforme fls. 2799;

Por sua vez, o material gravado foi concluso ao juiz no dia 20.1.17 (fls. 2835)

Daqui resulta que o material gravado foi levado ao conhecimento do tribunal mais de 48 horas depois de ser presente ao MP;

Relativamente aos alvos: 78560040, 79366040, 79367040, 84040040, 853386040, 85970040, 85973040, 86397040, 86700040, 86702040} 86704040} 86876040, 86879040, 87166040, 87397040, 87402040, 87681040, 87811040} 88068040, 88356040, 88357040, 88358040, 88556040, 88557040 e 88560040 (fls. 2800 e 2881);

O material gravado foi concluso ao MP no dia 18.1.17 (fls. 2835);

Na apresentação subsequente, impunha-se que o material gravado fosse apresentado dentro do prazo de 15 dias;

Acontece que, o material gravado só foi novamente concluso ao MP no dia 3.2.17 (fls.2920);

Assim, o material gravado foi entregue ao Ministério Público depois do 15º dia (16 dias);

Anote-se que, perfilhando a tese da decisão instrutória, então, o momento de contagem do prazo é o dia 17.1.17, altura em que o material gravado foi apresentado nos serviços do ministério público e, portanto, o material teria sido apresentado volvidos 17 dias.

Conforme decorre do disposto no artigo 188º, nº4 o OPC está obrigado a levar dentro do prazo de 15 dias, o material gravado ao Ministério Público;

Por sua vez, o Ministério Público, no prazo de 48 horas, está obrigado a levar o material gravado ao conhecimento do Tribunal;

Conforme acima se alegou estes prazos foram sistematicamente violado o que inquina de irremediável nulidade as escutas telefónicas.

Pelo que conclui pela arguição de nulidade/proibição de prova das escutas telefónicas com todas as consequências legais.

Pelo Ministério Publico foi referido inexistir lugar a qualquer nulidade nem a mesma se encontra em prazo de arguição.

Cumpre decidir.

O artigo 18.º n.º 2 da Constituição da República determina que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sendo que, de harmonia com o n.º 3, as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Não pode, pois, haver intromissão arbitrária quer no domicílio, quer na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação de qualquer cidadão.

Por outro lado, a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, estabelece um regime específico de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, em relação aos crimes enunciados no n.º 1 do seu artigo 1.º.

Segundo o artigo 6.º, n.º 1 desta lei, é admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.

Nos termos do n.º 2 do citado artigo, a produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos, acrescentando o n.º 3 do mesmo artigo que são aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.

Assim, foi propósito do legislador estender a aplicação, com as necessárias adaptações, das formalidades a observar na realização das escutas telefónicas, ao registo de voz e imagem regulado na Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, estando na base da extensão do regime razões de ordem constitucional.

Na verdade, a Constituição da República Portuguesa tutela, no seu artigo 26.º, n.º 1, além de outros, os direitos à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, impondo, no n.º 2, à lei ordinária a obrigação de estabelecer as efectivas garantias de respeito por tais direitos.

Na legislação processual penal, o artigo 187.º estabelece as condições de admissibilidade da intercepção e da gravação de conversações ou comunicações telefónicas, elencando os crimes em relação aos quais é possível efectuar escutas telefónicas.

Nos termos do seu n.º 1 a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público (…)»

Esta redacção foi introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procedeu à revisão do Código de Processo Penal de 2007, a qual pretendeu tornar mais apertada a possibilidade de realização de escutas devido à sua natureza manifestamente intrusiva.

Enquanto anteriormente as escutas podiam ser validamente realizadas se houvesse razões para crer que a diligência tinha «grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», agora só é possível o recurso a este meio de prova se ele se afigurar indispensável à descoberta da verdade ou se se entender que, de outra forma, a prova é impossível ou muito difícil de obter.

São enumerados vários crimes relativamente aos quais poderá ocorrer a referida autorização, entre os quais se conta o de tráfico de estupefacientes – alínea b) do n.º 1.

Além de um catálogo de crimes cuja investigação pode ser efectuada mediante escutas telefónicas, a revisão do Código de Processo Penal de 2007, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, estabeleceu ainda um catálogo de alvos susceptíveis de escuta telefónica, nos quais se inclui o suspeito ou arguido – alínea a) do n.º 4.

Como assinala Germano Marques da Silva, a lei não exige que existam já indícios de crime, nem que as informações pretendidas não possam ser obtidas por outros meios: é, no entanto, necessário que esse interesse seja indispensável, o que significa que não será legítimo utilizar a escuta quando os resultados que através dela se visavam obter possam ser alcançados, sem dificuldades particularmente acrescidas, por outro meio que afronte com menor intensidade os direitos fundamentais; além disso, é necessário que a escuta telefónica se revele apta a obter o resultado previsto.

Assim, quando procede à análise do pedido de autorização de realização de escutas telefónicas, o juiz terá que apurar, primeiro, se existem indícios da prática de algum dos crimes para cuja investigação é possível utilizá-las, elencados no n.º 1 do artigo 18.º, depois tem que decidir se este meio de prova é indispensável ou se, sem ele, a prova é muito difícil ou impossível de obter e, por último, tem que se certificar que o alvo se enquadra dentre o elenco das pessoas escutáveis.

Se as respostas a todas estas perguntas forem positivas, então o juiz autorizará a realização de escutas.

No caso em apreço, foram requeridas as escutas telefónicas aos alvos acima indicados na decorrência da notícia de suspeitos que inicialmente residiram em Setúbal. Porém, é bem explicito no decurso no inquérito a indicação de outros suspeitos que com eles contactavam o que fez com que o Ministério Publico pedisse a extensão das escutas aos demais, concretamente aos que se encontram a ser julgados.

No que se reporta à fundamentação de tal despacho é arguida a nulidade.

Porém sem razão.

Na verdade, é possível lançar-se mão das escutas telefónicas logo como primeiro meio de obtenção de prova quando o Juiz de Instrução se convença em face dos dados factuais trazido pelo M.P., que ela é a única diligência capaz de fazer carrear para os autos os elementos probatórios aptos para a descoberta da verdade (veja-se neste sentido Acórdão do TRE de 17.03.2015).

Ora, foi exactamente esse os caso dos autos, sendo que ainda que o Juiz de Instrução Criminal não tenha «copiado» os fundamentos apresentados, com base nesses decidiu admitir a intercepção das escutas telefónicas. É o que basta.

Vem igualmente referido que apenas poderiam ser admitidas as escutas telefónicas se o arguido fosse suspeito.

Ora, improcede pois igualmente tal arguição porquanto o arguido já era suspeito e identificado aquando da admissão das escutas telefónicas.

Também é invocado o facto de as escutas não terem obedecido aos prazos aludidos no artigo 188º do CPP.

Ora no que a esta questão respeita, já a Decisão Instrutória se pronunciou e bem assim já existe uma Decisão do Tribunal da Relação de Évora sobre este mesmo assunto.

Na verdade, todos os prazos foram respeitados.

Quis o legislador estipular um prazo para o controlo das intercepções telefónicas bem como do conteúdo das mesmas.

Aos prazos a que aludem os n.ºs 3 e 4 do artigo 188º é aplicável o artigo 106º do mesmo diploma legal.

Isto quererá dizer que quando o OPC apresente os relatórios de audição ao M.P, os Funcionários têm dois dias para abrir termo de conclusão (sendo que o Ministério Publico tem dois dias para se pronunciar) e, após remessa dos mesmos à Instrução, os Funcionários têm dois dias para abrir termo de conclusão e o Magistrado Judicial terá os mesmos dois dias para se pronunciar. Acrescendo o facto de se o prazo terminar em dia não útil, passará para o primeiro dia útil.

Assim, atento as datas invocadas de apresentação dos relatórios de escutas telefónicas foram todos os prazos cumpridos.

Improcede pois as arguições de nulidade.

Vem o arguido CC arguir a nulidade da busca realizada à Travessa…, Carvoeiro, porquanto

Conforme resulta de fls. 1025/1026, o arguido foi detido pelas 23h do dia 2.8.2016 na A22 junto à área de serviço de Olhão;

Entendeu o OPC realizar nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 177º do CPP uma busca domiciliária à residência acima citada;

Busca que se encontra documentada a fls. 1028 e que se iniciou às 4h do dia 3.8.2016;

Mais resulta do julgamento, nomeadamente do depoimento prestado pela testemunha da PSP AV, que a busca só se realizou 5 horas depois do arguido ter sido detido, sendo ainda certo, que em momento prévio à busca, ainda estiveram todos algum tempo na GNR do Carvoeiro;

Daqui resulta que não se verifica o requisito da actualidade e visibilidade do flagrante delito relativamente à busca, pois entre a intercepção do arguido CC e o início da busca domiciliária mediaram cerca de 5 horas;
O que significa que não se verificou a necessária continuidade temporal e espacial entre a intromissão do domicílio própria da busca e do crime que a torna legalmente admissível;

Isto é, não pode concluir-se que a busca tenha sido realizada por OPC em caso de flagrante delito, nos termos estabelecidos no artigo 177.º, n.º 2 c) e n.º 3 b) do CPP.

Conclui referindo que a busca realizada constitui prova proibida – artigo 126.º, n.º3 do CPP e artigo 32.º, n.8 da CRP – não podendo ser utilizadas quaisquer provas obtidas e registadas as fls. 1028/1029 do autos.”

O Digno Magistrado do Ministério Publico pugnou pelo indeferimento de tal nulidade porquanto foram efectuadas dentro dos limites do Código de Processo Penal.

Cumpre decidir.

Consagra o disposto no artigo 177º do CPP que

1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.

2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:

a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;

b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;

c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.

3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:

a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito.

5 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.

6 - Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substituir.

Ora, com base na detenção do arguido CC em flagrante delito foram efectuadas as buscas que agora se colocam em causa.

Não olvidemos porém que a detenção foi efectuada na Auto-estrada, que existiu necessidade de se deslocarem, após tal detenção, para a Estação de Serviço mais próxima. Os órgãos de polícia criminal ainda tiveram que pedir reforços da equipa de binómios pois que o arguido lançou pelo carro o produto estupefaciente que possuía em plena auto-estrada, sendo que tal decorreu no período da noite. Após o que se deslocaram para o OPC mais próximo da residência do arguido (GNR do Carvoeiro) para que conseguissem proceder às buscas domiciliarias respectivas. Assim, da decorrência logica dos factos, inexistem dúvidas que muito embora a busca tenha acabado por decorrer cerca de 5 horas depois, os OPC estiveram sempre a tratar do mesmo assunto em localidades diferentes, pelo que urge concluir que a busca foi efectuada na decorrência logica espácio-temporal necessária para a efectuar, pelo que se verifica o requisito da actualidade da mesma e se justifica na sua plenitude atento os condicionalismos espaciais da situação.

Vai assim indeferida a arguição de nulidade da mesma.

Vêm ainda as arguidas SF e JF arguir a nulidade da busca realizada à Rua dos Vales, n.º 4, 2º esquerdo, Lagoa, nos seguintes termos:

Conforme resulta de fls. 8 dos autos e apenso ---/16.7PEFAR foi realizada uma busca domiciliária a coberto de termo de autorização de busca, conforme se alcança de fls. 11 e 12 daquele apenso;

Eram visados pela busca as arguidas SF e JF;
Com efeito, como bem resulta de fls. 7, a dona da droga que estaria escondida na morada objecto de autorização de busca era a SF.

Tal conclusão é de ainda mais claro como decorre de fls. 728 do processo principal, quando o OPC afirma que a SF podia guardar estupefaciente na casa da mãe da JF.

Para que dúvidas não subsistam, em julgamento, a testemunha DR, agente da PSP que participou na investigação e estava presente na abordagem as estas duas arguidas, referiu que já tinham no momento da abordagem a suspeita de que na arrecadação/sótão da residência buscada estivesse haxixe e de pertencia à arguida SF.

Contudo, o OPC legitimou a busca com fundamento na circunstância de ser a JD visada e a sua mãe proprietária.

Acontece que, sendo visada pela busca também a SF, apenas o consentimento de ambas atribuiria eficácia à referida diligência probatória.

Resulta, pois, à evidência que tendo sido a busca autorizada somente pela arguida JD a mesma mostra-se ferida de irremediável nulidade, o que se argui;

Visado, é o arguido ou o suspeito da prática de crime, que neste caso são as arguidas SF e JF;

É que sendo os visados ambas as arguidas SF e JD, o consentimento da busca apenas será válido e eficaz se prestado por todos os visados, conforme decorre do disposto no artigo 174º, nº5, al. a) do CPP;

Neste sentido, o acórdão 507/94 do Tribunal Constitucional:

Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional conceder provimento em parte ao recurso, julgando que violam a Constituição os artigos 174.º, n.º 4, alínea b), 177.º, n.º 2, e 176.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, isto é, no sentido de que a busca domiciliária em casa habitada e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligência, podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada, devendo, por isso, o acórdão recorrido ser reformulado em consonância com o decidido em matéria de constitucionalidade.

Mais recentemente, o acórdão 126/2013 do Tribunal Constitucional reforça o entendimento do acórdão acima mencionado;

Ainda: Acórdão de 31.7.2006 proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no processo 987/06-1 e Acórdão de 4.2.2014 proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no processo 41/11.2PEEVR.E1;

Por fim, a questão mereceu ainda igual tratamento quando o Tribunal de Instrução criminal de Portimão anulou uma busca domiciliária no processo 135/14.2GBABF, julgado nesta Comarca.

Nestes termos, a busca realizada a fls. 8 do processo 15/16.7PEFAR, por violação da al. b) do n.º5 do artigo 174º do CPP, é prova proibida nos termos e para os efeitos do n.º3 do artigo 126º do CPP e n.º8 do artigo 32º da CRP.

Em todo o caso, as autorizações buscas de fls. 11 e 12 do processo ---/16.7PEFAR, ainda que sem eficácia como acima se explicou, não incluía a arrecadação, mas apenas o apartamento localizado no 2º esq;

Com efeito, como se passou em todos os mandados de busca autorizados pelo JIC, a autorização de busca, para além da fracção habitada, foi sempre estendida a quais quer outras dependências como arrendações, anexos, etc. por ex. mandados de fls. 2845 e ss;

Por maioria de razão, também a autorização de busca agora em análise devia ter incluído anexos e arrecadações;

Resulta claro que a busca não foi autorizada à arrecadação/sótão pelo que a mesma é nula por violação do artigo 174º do CPP.

Nestes termos se argui a nulidade das referidas buscas com todas as consequências legais.

Igualmente aqui o Ministério Publico pugnou pelo seu indeferimento.

Cumpre decidir.

Na verdade, tal arguição já foi feita em sede de Instrução e aí devidamente esclarecida.

As buscas à residência estão devidamente autorizadas conforme se pode constar de fls.8, assinado pela Advogada (que em Tribunal referiu que foi tudo feito com os requisitos legais) e pela arguida JF, de fls. 11 e 12 (termos de autorização assinados pela mãe da arguida e pela arguida).

Igualmente se pode constar que a SF não tem disponibilidade ou gozo da residência e sótão visados, pois quem teria a disponibilidade do lugar visado era a mãe da arguida JF (que autorizou a busca) e a JF (que igualmente a autorizou na presença da sua Advogada).

Ademais, a arrecadação da casa (sitio onde em conversa informal a JF disse ter produto estupefaciente) não pode deixar de ser considerado como parte integrante da casa, sendo que não foi manifestada qualquer oposição e, inclusivamente, foi entregue a chave da mesma pela pessoa que tinha a sua disponibilidade (JF).

Assim sendo, a arguida SF não tem, nem nunca teve, a disponibilidade de tal residência e respectiva arrecadação pelo que nunca lhe deveria ter sido pedida qualquer autorização.

Vai igualmente indeferida a nulidade da extensão da busca ao sótão, pelos termos supra referidos e já explanados.

A instância mantém-se válida e regular, nada obstando à apreciação do mérito da causa.

1. FACTOS PROVADOS
Discutida a causa resultaram provados, com relevância decisão da mesma, os seguintes factos:

1º Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Maio de 2016 e até à data da sua detenção em 2 de Julho de 2016, a arguida SF vem-se dedicando à venda de resina de canábis;

2º A arguida adquiria o estupefaciente a uma pessoa que não foi possível identificar e que apenas se sabe atender pela alcunha “Tapa”, deslocando-se a Espanha para o ir buscar, transportava-o para Portugal e distribuía-o depois por outras pessoas que o vendiam aos consumidores;

3º Para o efeito a arguida estabelecia contacto com a pessoa a quem adquiria o estupefaciente, bem como com as pessoas a quem a entregava posteriormente, através do telefone com o número 961---, correspondente ao cartão SIM utilizado no aparelho com o IMEI 35331------;

4º A conduta da arguida era do conhecimento dos arguidos CC e LC, seus irmãos, para quem trazia estupefaciente quando se deslocava a Espanha, sendo que os mesmos lhe entregavam previamente o dinheiro correspondente ao preço;

5º A arguida contava ainda com a colaboração da arguida JF, com quem mantinha contactos telefónicos dando-lhe instruções para a realização as viagens a Espanha e que a acompanhava nessas viagens;

6º Para além disso a arguida JF guardava o estupefaciente que ambas traziam de Espanha;

7º No âmbito desta actividade, no dia 30 de Junho de 2016, a arguida SF efectuou contactos telefónicos com a arguida JF, destinados a combinar o encontro com o já mencionado “Tapa”, com o propósito de adquirir estupefaciente (sessões 22704, 22768, 22978 do alvo 83423040);

8º No mesmo dia a arguida contactou com os arguidos CC e LC pedindo-lhes o dinheiro para ir buscar o estupefaciente a Espanha (sessões 22698, 22734 do alvo 83423040);

9º Pelas 12h45m do dia 1 de Julho de 2016, a arguida SF circulava na A22 em direcção a Ayamonte, ao volante do automóvel com a matrícula 2855HKC, tendo saído do território nacional pela ponte que liga Vila Real de Santo António a Ayamonte;

10º A arguida deslocou-se a Espanha para adquirir estupefaciente para si e para os arguidos CC e LC, sendo que este pagou a quantia de €24.080 pelo estupefaciente que pretendia comprar;

11º Pelas 14h17m, a arguida SF regressou a Portugal pela mesma estrada e pelas 15h15m encontrava-se na área de serviço da A22 em Olhão;

12º A arguida foi mandada parar pelas autoridades policiais, já depois de ter saído da referida área de serviço e quando circulava em direcção a Faro e, depois de ter tentado fugir, imobilizou o veículo numa zona de descanso existente na auto-estrada;

13º A arguida SF encontrava-se acompanhada pela arguida JF que se deslocou consigo a Espanha;

14º Na bagageira do automóvel as arguidas transportavam várias placas de resina de canábis;

15º No interior do automóvel as arguidas transportavam nove telefones ainda no interior das respectivas embalagens, mas contendo cada um, um papel com um nome manuscrito;

16º Na sua mala pessoal a arguida SF transportava €4.785 em dinheiro;

17º A arguida SF tinha também consigo o telefone mencionado no Artº 3º;

18º A arguida JF guardava ainda, numa arrecadação da sua habitação, sita na Rua…, Lagoa, um saco de desporto contendo várias placas de resina de canábis;

19º O estupefaciente que a arguida JF guardava pertencia à arguida SF (sessão 22768 do alvo 83423040);

20º As arguidas tinham em sua posse o total de 680 placas de resina de canábis, com o peso global de 54.956,424g, correspondentes a 138.769 doses individuais;

21º A partir desta data, e face à detenção da arguida SF, o arguido CC passou a organizar ele próprio a aquisição do estupefaciente que depois vendia a várias outras pessoas, designadamente à arguida CC (entre outras as sessões 1462, 1939, 1951, 1975, 2603, 2775, 4908 do alvo 84041040);

22º Assim o arguido estabeleceu contacto com o também arguido FB, que atende pela alcunha de “Cigarrinho”, destinado a obter os contactos das pessoas que vendiam o estupefaciente (sessão 4790 do alvo 84041040);

23º O arguido CC passou então a deslocar-se a Espanha para adquirir o estupefaciente que vendia a terceiros;

24º Assim, e no âmbito desta actividade, o arguido CC, no dia 1 de Agosto de 2016, combinou com uma das pessoas a quem adquire o estupefaciente encontrar-se com ele no dia seguinte, à noite, pedindo-lhe que tivesse “150” preparados (sessão 10692 do alvo 84041040);

25º No dia 2 de Agosto, o arguido CC encontrou-se com a arguida AH no restaurante “Haweli” na Estrada do Farol pelas 21h13m e pelas 21h22m, ambos abandonaram o referido estabelecimento no automóvel com a matrícula -DO-, conduzida pelo arguido;

26º Os arguidos dirigiram-se para Espanha, onde entraram pelas 22h25m através da A22 e da Ponte Internacional sobre o Guadiana, regressando a território nacional pela mesma estrada e onde entrou pelas 22h40m;

27º O arguido foi interceptado por veículos policiais quando circulava na A22 em direcção à área de serviço de Olhão, tendo-lhe sido dada ordem de paragem;

28º O arguido não obedeceu de imediato, tendo diminuído a velocidade e arremessado 150,068g de cocaína, correspondentes a 586 doses individuais, pela janela do automóvel após o que parou imobilizou o veículo (sessão 487 do alvo 84930040);

29º Na sua residência, sita na Travessa …, Lagoa, o arguido guardava uma balança digital de precisão apresentando resíduos de cocaína, uma caixa de Redrate com várias saquetas (substância usualmente utilizada para adicionar à cocaína) e €3.900 em dinheiro;

30º Entre a quantia apreendida, contam-se €625 que estavam enrolados num papel no qual estava escrito o nome “SF”, pelo que esse valor pertencia à arguida SF Castro (sessão 2585 do alvo 84041040);

31º O arguido CC tinha ainda em sua posse um papel contendo apontamentos manuscritos nos quais se encontram registados nomes e valores correspondentes, com os dizeres “divida” e/ou “”pago”;

32º Parte da cocaína apreendida, concretamente 70g, destinava-se a ser entregue à arguida ACM (sessões 412, 414, 417, 425, 427, 428, 446, 487, 836 do alvo 84930040)

33º Depois de se encontrar detido, o arguido CC estabeleceu vários contactos com o arguido LC, destinados a tentar alterar o eventual depoimento das pessoas a quem vendia estupefaciente por um lado e, por outro, a dar instruções para a cobrança de dinheiro que essas pessoas lhe deviam a propósito da transacção de estupefaciente (apenso de transcrição de do alvo 85386040);

34º O arguido CC, nas deslocações que passou a fazer a Espanha, adquiria não só o estupefaciente que ele próprio vendia, como também o estupefaciente que o arguido LC, seu irmão, vendia;

35º O arguido CC recebia o dinheiro correspondente ao preço que lhe era entregue pelo arguido LC, adquiria o estupefaciente, transportava-o para Portugal e entregava-lho ou, outras vezes, deslocavam-se ambos a adquirir o estupefaciente (entre outras as sessões 8373, 8501 e 8506 do alvo 84041040);

36º O arguido LC adquiria também estupefaciente ao arguido FB, designadamente resina de canábis (entre outras as sessões 170, 214, 274, 322 e 406 do alvo 84935040, 365, 710, 715 do alvo 85971040);

37º Depois de estar na posse do estupefaciente o arguido Luís de Castro vendia-o a várias pessoas que não foi possível identificar (entre outras as sessões 159, 796, 826, 828, 844, 1094 do alvo 85971040)

38º Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o Verão de 2016 e até à data da sua detenção em 7 de Fevereiro de 2017, o arguido FB vem-se dedicando à venda de resina de canábis e cocaína;

39º O arguido adquiria o estupefaciente a um indivíduo em Espanha que não foi possível identificar, e que apenas se sabe atender pelo nome “Isla”, sendo que em regra o mesmo era-lhe trazido a Portugal;

40º Quando assim não era, o arguido FB recorria a terceiros para se deslocarem a Espanha a fim de recolherem o estupefaciente, designadamente, ao arguido BB;

41º O arguido não vendia o estupefaciente directamente aos consumidores, mas sim a pessoas que depois o distribuíam por esses consumidores;

42º Entre essas pessoas conta-se, como já em cima foi dito, o arguido LC;

43º FB não mantinha o estupefaciente consigo, entregando-o imediatamente ao destinatário ou socorrendo-se de terceiros para o armazenarem, designadamente o arguido AG (sessões 1465 e 1466 do alvo 87402040);

44º O arguido FB organizava os encontros para receber o estupefaciente por meio de contactos telefónicos, tendo alterado o número de contacto por diversas vezes no período temporal mencionado, no decurso do qual utilizou pelo menos os seguintes números: 926029434, 966975470, 925943027, 967087027, 963659776, 963659462, 963659795, 968188032, 96728401, 926020898, 964933830, 964164269, 968538747 e 964194100;

45º No âmbito da mencionada actividade o arguido FB, no dia 7 de Fevereiro de 2017, organizou a aquisição de três “fardos” de resina de canábis (correspondentes a 30kg cada um), que lhe deveriam ser entregues em Portugal;

46º Assim, pelas 13h36m do dia 7 de Fevereiro, o arguido iniciou uma série de vários contactos com o arguido JD, que intermediava o negócio com o mencionado “Isla”, destinados a combinar a entrega dos três fardos de estupefaciente (apenso de transcrição de escutas do alvo 88866040)

47º A essa hora já o arguido JD se encontrava a caminho de Portugal com o estupefaciente, razão pela qual não garantiu ao arguido FB que o mesmo lhe seria vendido pelo preço que este pretendia;

48º Depois de realizados vários contactos entre os arguidos FB e JD, tendo alguns deles tido a intervenção do próprio “Isla”, pelas 19h38m, JD encontrava-se no parque de estacionamento do Centro Comercial Guia Shopping, num automóvel com a matrícula ----HYX conduzido pelo arguido JCC;

49º Dentro do automóvel encontravam-se mais dois indivíduos que não foi possível identificar e que, pelas 20h55m, depois de JD ter recebido instruções de FB, saíram do mesmo e introduziram-se no automóvel com a matrícula ---BSM que se encontrava estacionada dois lugares depois do automóvel em cima mencionado;

50º Pelas 20h56m, ambos os veículos abandonaram o referido Centro Comercial e entraram na A22 na direcção de Loulé da qual saiu o veículo ---BSM no referido nó;

51º O veículo em causa efectuou então uma manobra súbita de inversão do sentido de marcha, com o objectivo de despistar o veículo policial que o seguia, voltou a entrar na A22 tomando o sentido de Tunes saindo no respectivo nó;

52º Após o referido veículo percorreu várias estadas secundárias e, quando perceberam que não conseguiriam furtar-se à intercepção policial, os seus ocupantes arremessaram por uma janela três fardos de resina de canábis, contendo 896 placas, com o peso total de 90.533,620g;

53º O veículo prosseguiu a fuga tendo sofrido um acidente, local onde foi abandonado e os respectivos ocupantes fugiram a pé, por terrenos de mato;

54º Enquanto tudo isto sucedia, os ocupantes do veículo BSM estiveram em contacto com o arguido JD e com o arguido FB, sendo que este lhes deu instruções para que não parassem assumindo a tarefa de interceptar a passagem dos veículos policiais que o perseguiam;

55º O arguido FB recolheu os ocupantes do veículo, cerca das 23h, e levou-os para Quarteira (sessão 34313 do alvo 85386040)

56º A resina de canábis em causa destinava-se a ser entregue ao arguido FB o que só não aconteceu em virtude da intervenção policial;

57º No dia 8 de Fevereiro de 2017 o arguido AG guardava em sua casa, sita na Rua…, Pêra, 26 embalagens de resina de canábis com o peso total de 2.502,472g, três embalagens de cocaína com o peso total de 207,3g, 69 embalagens de resina de canábis com o peso total de 3.041,451g e uma metralhadora marca Scorpion;

58º Os objectos em cima referidos encontravam-se na casa do arguido AG mas pertenciam ao arguido FB, a quem o mesmo os deveria entregar quando solicitado;

59º O arguido AG guardava o estupefaciente que lhe era entregue pelo arguido FB e, sempre que este necessitava de tal produto, entregava-lho (entre outras as sessões 120, 121 e 176 do alvo 86700040

60º Para além desses objectos o arguido AG guardava ainda em casa uma balança digital de precisão, uma munição marca Fiocchi calibre 12mm, três munições marca Sulbeja calibre 12mm, um gorro passa montanhas, uma espingarda marca Emilio Rizzini e €1.010 em dinheiro;

61º A espingarda Emilio Rizzini apresenta o número de série rasurado, pelo que consiste numa arma de fogo modificada;

62º O arguido BB, pelo menos no período compreendido entre 18 de Agosto de 2016 e a data da sua detenção em 8 de Fevereiro de 2017, procedia ao transporte do estupefaciente pertencente ao arguido FB, sempre que este lho determinava;

63º Para o efeito mantinha contacto telefónico com o arguido FB, utilizando os telefones com os números 96628---, 96543---, 9696--- e 9656---, assim recebendo as instruções para o transporte mencionado (entre outras as sessões 19 e 54 do alvo 87396040, 86, 93,94, 97, 98, 326, 335, 385 do alvo 85357040);

64º Para além disso, o arguido BB manteve também conversas directas com um indivíduo que não foi possível identificar, mas que atente pela alcunha “Isla” que vendeu ao arguido FB os três fardos de resina de canábis que foram apreendidos na noite de 7 de Fevereiro de 2017 (entre outras as sessões 15 do alvo 87396040, 85, 88, 90, 104, 160, 177, 434, 437, 438, 439, 443, 463 do alvo 85357040)

65º No dia 8 de Fevereiro de 2017, o arguido BB guardava no automóvel que utiliza, com a matrícula -CH-, três embalagens de resina de canábis com o peso total de 177,930g;

66º Em casa, sita em Murteiras, Grândola, o arguido guardava uma arma de fogo e respectivo carregador bem como 6 munições de salva calibre 8mm e €645 em dinheiro;

67º A arma em causa é uma arma de alarme, que apenas dispara munições de salva, mas susceptível de adaptação ao disparo de projécteis calibre 8mm, pelo que é uma arma proibida;

68º No automóvel com a matrícula -XR, em regra utilizado pela mulher do arguido, encontravam-se ainda €180 em dinheiro;

69º O arguido tinha ainda consigo vários telefones, entre os quais o IMEI 865363025039815 contendo o cartão SIM com o número 965----, correspondente aos alvos 86704040 e 86704050 bem como o IMEI 358317065125409 contendo o cartão SIM com o número 965671736;

70º A arguida ACM, pelo menos no período compreendido entre Julho de 2016 e a data da sua detenção em 8 de Fevereiro de 2017, adquiria estupefaciente a várias pessoas, entre as quais se conta o arguido CC pelo menos até à data da sua detenção, para depois o vender a terceiros (sessões 283, 290, 412, 414, 417, 425, 427, 428 do alvo 84930040);

71º Para o efeito mantinha contactos telefónicos quer com os vendedores quer com os compradores, utilizando os números 925---, 926---, 927--- e 964---;

72º A arguida vendia estupefaciente aos utilizadores dos números 919---, 961---, 915--, 918---;

73º Depois de dia 2 de Agosto de 2016, data em que o arguido CC foi detido, a arguida passou a adquirir o estupefaciente que vendia ao arguido FB (sessões 22, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 42, 245 do alvo 85863040, 1074 do alvo 88358040)

74º No dia 8 de Fevereiro de 2017 a arguida tinha em sua casa, sita na Rua 5 de Outubro, nº 36, 3º andar, €3.315 em dinheiro, 2,602g de MDMA e 37,357.g de resina de canábis;

75º A arguida guardava ainda em casa uma soqueira;

76º A arguida tinha também em sua posse o telefone com o IMEI 35384----, correspondente ao alvo 87167050;

77º No dia 8 de Fevereiro de 2017, no interior de um anexo sito no Barranco Longo, Algoz, foram apreendidos 54 embalagens de resina de canábis com o peso total de 9987,990gramas, uma faca de cozinha e cinco canivetes apresentando vestígios de resina de canábis e uma balança digital de precisão;

78º Foi apreendido ainda no mesmo anexo uma estufa em cujo interior se encontravam 17 pés de plantas de canábis, com o peso de 1.421,6g;

79º Na residência onde o arguido Hugo reside encontrava-se uma carabina marca Remington, calibre. 22 com o número de série C8020853, registada em 30 de Julho de 2003 em nome de JFA;

80º E, uma espingarda marca Baikal, calibre 12GA, registada em 18 de Setembro de 2002 em nome de JMC.

81º Os arguidos SF, JF, CC, JD, FB, AG, BB, ACM e LC quiserem ter na sua posse o estupefaciente, nos termos em cima descritos, o que fizeram sabendo que tal não lhes é permitido;

82º Pretendiam os arguidos SF, JF, CC, JD, FB AG, BB, ACM e LC vender o referido estupefaciente, sabendo que tal não lhes era permitido, o que fizeram;

83º A arguida SF actuou com o objectivo de introduzir resina de canábis em Portugal e de a armazenar até ao momento em que a mesma fosse entregue ao destinatário, o que fez com o auxílio da arguida JF;

84º Os arguidos FB, BB actuaram conjuntamente e com o objectivo comum de introduzirem resina de canábis em Portugal e de a armazenar até ao momento em que a mesma fosse entregue ao destinatário, o que fizeram com o auxilio de AG;

85º O arguido FB quis ter na sua posse as armas que foram apreendidas em casa do arguido AG com o auxílio deste, o que fizeram sabendo que essa detenção não lhes era permitida;

86º O arguido JD actuou com o objectivo de introduzir resina de canábis em Portugal;

87º Os arguido FB actuou com o objectivo de manter escondidas armas cuja detenção sabiam ser proibida, o que fez com o auxilio do Arguido AG;

88º O arguido BB quis ter em sua posse a arma que lhe foi apreendida, o que fez sabendo que essa detenção não lhe era permitida;

89º A arguida CC quis ter em sua posse a soqueira que lhe foi apreendida, o que fez sabendo que essa detenção não lhe era permitida;

90º Os arguidos SF, JF, CC, JD, FB, AG, BB, ACM e LC actuaram de modo livre, deliberado e consciente;

Das condições pessoais dos arguidos.

91º BB encontra-se a residir na zona das Murteiras em Grândola, sendo a morada apresentada nos autos a residência da mãe, padrasto e irmã mais nova, utilizada para efeitos de correspondência.

Presentemente e desde que iniciou a relação afectiva com VV, há cerca de quatro anos, que o casal arrendou uma casa, onde permanece a viver com o filho de sete meses de idade.

Trata-se de uma pequena moradia, de tipologia dois, com razoáveis condições de habitabilidade, embora a necessitar de obras, pela qual pagam uma renda mensal de 220 €, encontrando-se localizada à entrada de Grândola em zona semi-rural, onde não se verificam problemáticas sociais.

Refere que esta relação afectiva e o nascimento do filho têm-se constituído como factores estabilizadores a nível emocional, mantendo com a família constituída sólidos laços afectivos.

Natural de Palma - Setúbal, o processo de crescimento de BB decorreu nessa cidade até aos 10 anos de idade, junto do casal de progenitores e uma irmã mais nova, tendo com essa idade acompanhado a família para Grândola, onde fixaram residência.

A situação económica é descrita como estável, decorrente do trabalho que o pai exercia como GNR, sendo que a mãe era doméstica, dedicando-se apenas aos cuidados da casa e educação dos filhos.

Por volta dos seus 13 anos vivenciou a morte do progenitor, e passados alguns anos a mãe reorganizou a sua vida com um novo companheiro, integrando os filhos no novo agregado, existindo outra irmã desta nova relação da progenitora.

A dinâmica familiar é referida como positiva, baseada em laços de afectividade e partilha, mantendo-se na actualidade uma relação ausente de conflito, quer com a progenitora, quer com o padrasto e irmãs, situação extensível à restante família.

Por volta dos 21 anos de idade autonomizou-se e constituiu família, existindo dois filhos desta relação, presentemente com 15 e 7 anos de idade, alterando de residência para a zona de Alcácer do Sal, onde a então mulher tinha família. Esta relação veio a terminar passados 13 anos de vida em comum, devido a desentendimentos entre o casal, regressando a Grândola, reintegrando o agregado da mãe até voltar a unir-se com a actual companheira; os filhos desta relação permaneceram aos cuidados da progenitora, contribuindo o arguido para o seu sustento com 200 euros mensais, estabelecendo contactos regulares com os menores.

A nível económico faz referência a uma situação equilibrada, embora de gestão rigorosa, face às despesas que o casal tem.

BB desenvolve actividade laboral como contra manobrador há mais de cinco anos, nas Minas do Lousal, já com contrato de trabalho a termo certo e a companheira trabalha num lar de idosos em Grândola, existindo fontes de rendimento estáveis.

O arguido concluiu o 6º ano de escolaridade com 16 anos de idade. Frequentou o sistema de ensino normal, até ao quarto ano de escolaridade, abandonando a escola com 10 anos de idade.

Após a morte do progenitor, a família teve que se reorganizar economicamente e a mãe foi trabalhar, existindo a necessidade de ser ele a tomar conta da irmã mais nova à data com 5 anos.

Por volta dos 15 anos iniciou actividade laboral numa serração de madeiras em Grândola e em simultâneo conseguiu obter o 6º ano de escolaridade, em regime nocturno. Permaneceu nesta actividade durante dois anos e posteriormente desenvolveu actividades diversificadas, maioritariamente na construção civil, até ser colocado nas Minas do Lousal, onde permanece há cerca de cinco anos.

BB regista anterior contacto com o sistema de justiça, tendo sido já acompanhado neste equipa da DGRSP na sequência de condenação numa pena de um ano e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, acusado do crime de condução de veículo sem habilitação legal, medida que cumpriu sem incidentes, sendo já portador de licença de condução.

Relativamente ao actual processo, assume a pratica criminal, embora não com os contornos que vêm referenciados na acusação; aceita que tinha em sua posse produtos estupefacientes e que nessa fase mantinha consumo regular de haxixe, mas não aceita o crime de tráfico, reafirmando que o produto que tinha em sua posse era exclusivamente para seu consumo.

Reconhece que o facto de manter consumo de haxixe se constituiu como factor de risco e contribuiu para o seu envolvimento nesta situação. Contudo, afirma que após ter conhecimento do presente processo e das acusações dos autos, não voltou a estabelecer qualquer tipo de contacto com substâncias ilícitas. Questionado sobre a relação que mantinha com os co-arguidos, refere que apenas conhecia dois deles, mas que não fazem parte da sua rede de amizades, sendo o único que mantém residência na zona do Alentejo.

Trata-se de um indivíduo com hábitos de trabalho, bem integrado nos diversos contextos sociais, sendo o seu envolvimento neste processo sentido com pesar e vergonha para ele e para a sua família, apresentando uma personalidade ponderada e ajustada a nível social.

Assume a ilicitude da situação, adoptando uma postura humilde, com um estilo de comunicação cordial e assertiva. Reconhece e aceita a intervenção do sistema de justiça, estando disponível para colaborar com os serviços judiciais sempre que necessário e em eventuais medidas que lhe venham a ser aplicadas.

92º À data dos factos em causa neste processo a arguida AH vivia com a mãe e com o filho, em circunstâncias habitacionais e familiares idênticas às atuais, sem autonomia económica, ainda que fosse laboralmente activa. Mantinha um relacionamento afectivo com o pai do filho – CC-, co-arguido melhor identificado nos autos, decorrendo o actual envolvimento judicial desta ligação e convívio.

Sendo a segunda filha dos progenitores, o seu processo de desenvolvimento tem decorrido junto do grupo familiar materno após a separação dos pais. Ter-se-á ressentido negativamente com o divórcio dos pais, tornou-se uma criança/ jovem adolescente ansiosa e com dificuldade de aprendizagem. Em reacção a família materna tem marcado a dinâmica relacional por algum facilitismo ou mesmo proteccionismo na transmissão de valores normativos.

AH concluiu o 6º ano de escolaridade, frequentou sem terminar um curso de estética tendo entretanto engravidado. Já mais recentemente concluiu formação na área da pintura de unhas, referindo interesse em prosseguir nesta área. Laboralmente tem trabalhado sazonalmente em restauração, nomeadamente no estabelecimento explorado pelo pai. Mantém desde há um ano um gabinete de estética em Lagoa, trabalhando por conta própria em unhas de gel, actividade que pretende manter. O início desta actividade terá sido incentivado e possibilitado com o apoio dos pais, a mãe trabalha numa empresa de segurança e o pai tem a exploração de um restaurante de praia.

Jovem com 22 anos, apreciadora do convívio junto de pares residentes na mesma localidade, mantém há vários anos um relacionamento afectivo com CC, sem coabitação. O filho que têm em comum de 3 anos de idade, ALC é uma criança muito desejada no seu núcleo familiar. O menor apresenta problemas de audição que requerem terapêuticas especializadas, sendo no conjunto da família asseguradas as condições suficientes para a sua estabilidade e manutenção.

O actual envolvimento judicial parece ser uma ocorrência inédita no percurso da jovem, parecendo decorrer da proximidade relacional entre AH e o namorado, é visto com bastante preocupação pela família, que não vê com agrado a manutenção deste namoro. A arguida mantém o cumprimento da medida de coacção de apresentações diária na GNR de Carvoeiro e, relativamente a CC visita-o no contexto da prisão preventiva, acompanhada por vezes com o filho.

Actualmente AH mostra-se motivada em desenvolver um projecto de vida que lhe permita maior autonomia económica: trabalha de modo regular e está a tirar a carta de condução, centra os seus interesses na família e nos amigos. Relativamente ao pai do filho não antecipa projectos conjuntos, mas continua a ser uma pessoa importante para si.

93º Antes de ser sujeita a uma medida de prisão preventiva, JF trabalhava como empregada interna em casa de uma família residente em Lagoa – cuidava de duas crianças e assumia parte das tarefas domésticas. Recebia, segundo refere, 100€ por semana.

A mãe das menores de que era cuidadora é a sua co-arguida SF.

Os pais de JF separaram-se quando esta tinha cerca de 10 anos de idade, tendo permanecido a viver com a mãe e três irmãos germanos. Tem ainda um irmão consanguíneo.

Apesar da separação dos progenitores, recorda uma infância gratificante em termos afectivos.

A mãe é auxiliar de acção directa num lar de idosos em Lagoa; o pai trabalha numa panificadora.

JF iniciou a escolaridade em idade própria, tendo concluído o 9º.ano com cerca de 17 anos; ainda frequentou o 10º.ano num curso profissional mas desistiu.

Começou a trabalhar na área da restauração por volta dos 17 anos. De seguida foi cuidar das crianças acima mencionadas, situação que mantinha à data da prisão.

Em termos afectivos, há a referenciar uma união de facto iniciada aos 16 anos de idade, permanecendo a viver em casa da mãe desse companheiro, relacionamento entretanto terminado.
JF nunca teve comportamentos aditos.

No Estabelecimento Prisional de Odemira a arguida tem vindo a manter uma conduta ajustada às normas, cumprindo as regras instituídas, mantendo um bom relacionamento interpessoal. Esteve integrada laboralmente na etiquetagem de embalagens para empresa externa localizada na região, com protocolo com o Estabelecimento Prisional, actividade que desenvolveu com empenho e assiduidade. Encontra-se presentemente a frequentar o ensino secundário e os cursos profissionais de cozinha e restauração e bar.

Ao longo da detenção tem contado com o apoio da mãe e dos irmãos.

Sem antecedentes prisionais conhecidos, JF contextualiza o seu envolvimento no presente processo na convivência com a co-arguida SF, para quem trabalhava como cuidadora dos filhos, reconhecendo as consequências da presente situação não só para si mas também para a sociedade.

94º À data dos alegados factos subjacentes ao presente processo, JCC residia e reside com o cônjuge e três filhos de 15 e 18 anos, dois deles gémeos, em casa própria, de tipologia V3, e descrita como detentora de adequadas condições de habitabilidade, sita na morada constante dos autos em Espanha.

A dinâmica relacional conjugal (vivência de 22 de anos) surge caracterizada como pautada por consistentes sentimentos de pertença e de cooperação familiar, por sua vez extensível aos respectivos agregados de origem, não havendo referências alusivas a envolvimentos judiciais, por parte dos demais elementos da família alargada.

Em termos da sua inserção sócio laboral, o arguido apresenta um percurso continuo desde há cerca de 15 anos, como pescador por conta de outrem, conforme documento comprovativo que apresentou, usufruindo à data dos alegados factos um vencimento médio mês de 2000€. Apresentou como principais despesas mensais fixas a amortização do empréstimo bancário referente à habitação própria (500€).

Não lhe sendo referenciados quaisquer comportamentos de risco e /ou aditivos, o quotidiano do arguido estruturava-se à data dos factos em função da actividade laboral, o convívio com a sua família alargada e o seu grupo de amizades, nomeadamente com colegas de trabalho.

O arguido assumiu crenças adequadas quanto a comportamentos socialmente desajustados fazendo uma ponderação adequada da natureza dos factores internos e externos que condicionam o seu comportamento, bem como as inerentes consequências para familiares e alegadas vitimas em geral.

Sem antecedentes criminais a sua situação jurídico-penal emerge no discurso das diferentes fontes contactadas como algo dissonante com o seu normativo trajecto pessoal e vivencial.

Face ao presente envolvimento Judicial, o arguido não obstante verbalizar compreensão e respeito pelos bens jurídicos em causa no presente processo e aceitar a intervenção do Sistema de Justiça nega a sua responsabilidade e distancia-se consequentemente da alegada matéria de facto, contextualizando os acontecimentos como incidentais e decorrentes da relação de vizinhança com o co-arguido JD .

A situação Jurídico-penal tem sido vivenciada pelo arguido e familiares com acentuada apreensão face às suas consequências, primacialmente em termos da sua imagem pessoal e social.

Ainda neste contexto o arguido assume o presente processo como importante factor responsabilização pessoal e social, verbalizando em concomitância e em termos de vida futura uma maior selectividade do seu grupo de amizades.

95º Antes de ser sujeita a uma medida de prisão preventiva, SF, segundo refere, trabalhava no restaurante “Casa Nostra” de que era proprietária, em Espanha e ajudava a mãe numa loja de roupa em Lagoa.

Deslocava-se frequentemente entre Espanha e Portugal.

Vivia com as filhas, na altura com 13 e 7 anos de idade e com a co-arguida JF, que cuidava das menores. Estava separada do pai de suas filhas havia cerca de três meses. Mantinha relação de namoro com JF, com o qual veio a casar durante a prisão preventiva, em maio de 2017. JF trabalha numa loja de molduras e antiguidades.

Habitava imóvel que era propriedade do seu ex-companheiro (pai de suas duas filhas), adquirida através de empréstimo bancário. Não consegue concretizar o rendimento que tinha na altura.

Os progenitores estão separados; tem três irmãos germanos e oito irmãos consanguíneos. O pai é pintor e faz trabalhos de publicidade; a mãe tem uma loja de roupas.

SF iniciou a escolaridade em idade própria, tendo concluído o 7º.ano.

Começou a trabalhar com 15 anos, em hotelaria, inicialmente apenas nos períodos de verão.

Manteve sempre actividade preferencial nessa área.

Em termos afectivos, há a referir uma união de facto iniciada aos 18 anos, na sequência de uma gravidez não planeada. Manteve este relacionamento conjugal até cerca de três meses antes da sua prisão preventiva.

SF nunca teve comportamentos aditos. Diz que sempre gostou de praticar desporto e em meio livre, nos últimos anos, fazia competições de culturismo.

No Estabelecimento Prisional de Odemira a arguida tem vindo a manter uma conduta ajustada às normas, cumprindo as regras instituídas, mantendo um bom relacionamento interpessoal. Esteve integrada laboralmente na etiquetagem de embalagens para empresa externa localizada na região, com protocolo com o Estabelecimento Prisional, actividade que desenvolveu com empenho e assiduidade. Encontra-se presentemente a frequentar o curso de Educação e Formação de Adultos para obtenção do 9º.ano de escolaridade (E.F.A. B3).

Ao longo da detenção tem contado com o apoio dos pais e do marido. As filhas estão a viver com o respectivo pai.

Tem dois irmãos consanguíneos que já tiveram contactos com o sistema de justiça penal.

Sem antecedentes prisionais conhecidos, SF contextualiza o seu envolvimento no presente processo nas dificuldades económicas que se encontra a vivenciar, decorrentes da separação do pai de suas filhas.

96º CC é o terceiro elemento de uma fratria de quatro elementos de um agregado familiar com um estrato socioeconómico remediado, tendo, na globalidade, a experiência vivencial do arguido decorrido no âmbito do núcleo familiar de origem. A esse nível, a relação de CC com os demais irmãos (consanguíneos, dois dos quais com referências criminais em 2006) era caracterizada como distante em termos psicoafectivos.

A dinâmica do agregado de origem sempre se pautou pela solidariedade intrafamiliar, sendo contudo detectadas lacunas ao nível do controlo/autoridade parental (por motivos da ocupação laboral dos pais), bem como uma atitude parental tendencial de protecionismo/ desculpabilização.

No início da adolescência, CC registou convívio social privilegiado com grupo do seu escalão etário socialmente referenciado com a assunção de comportamentos desviantes, sendo referido consumo de haxixe nesse contexto.

Ao nível académico, o arguido após ter registado as primeiras retenções no 2º ciclo de escolaridade viria a adquirir habilitação ao nível do 3º ciclo de escolaridade em 2007 (aos 18 anos de idade), mediante conclusão do curso de empregado/assistente comercial.

A aplicação da medida de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica-OPHVE entre Maio e Novembro de 2006, viria a traduzir-se numa evolução favorável do padrão comportamental no meio escolar.

Em termos laborais, o arguido regista experiências descontinuadas no sector da restauração (como empregado de mesa), um curto período com vigilante em recinto de diversão e períodos de colaboração nas actividades profissionais dos pais, nomeadamente na montagem de placares de publicidade/reclamos desenvolvida pelo pai e na exploração comercial de estabelecimento de artesanato e/ou vestuário desenvolvida pela mãe.

Com antecedentes criminais, CC foi condenado, em Novembro/2006, por crimes de furto, numa pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos mediante regime de prova. Durante o referido acompanhamento, viria a ser condenado em Abril/2008 (trânsito em julgado em 10.11.2018), numa pena de 5 anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes, tendo nesse contexto se desvinculado então do acompanhamento/paradeiro desconhecido.

CC iniciou o cumprimento sucessivo das duas penas indicadas em 17/11/2010. Em meio prisional o arguido usufruiu sempre do apoio psicoafectivo do agregado familiar de origem, registou uma conduta normativa e evidenciou, desde o início, disponibilidade e motivação para colaborar nas actividades do Estabelecimento Prisional (na cozinha, na oficina de manutenção) e/ou em acções facilitadoras da sua reinserção social como a frequência/conclusão de cursos formativos/treino de competências sócio pessoais.

Tendo atingido o meio do somatório das penas em 28/06/2013, foi concedida a liberdade condicional a CC em Agosto de 2013.

À data da presente reclusão, decorria ainda o período de liberdade condicional (com termo previsto para 14.08.2016).

Integrado no agregado de origem, com residência em Lagoa, CC procurou, num período inicial, corresponder aos requisitos da liberdade condicional, comparecendo atempadamente às entrevistas de acompanhamento agendadas pela DGRSP e apresentando comprovativo de inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional –IEFP. Tendo logo na 1ª entrevista, manifestado intenção de residir na zona de Huelva (onde uma irmã e o companheiro residiam e exploravam um restaurante), CC foi informado do procedimento a efectuar no sentido da regularização da residência. Contudo, o agora arguido optou por não o fazer, alegando deslocar-se apenas por alguns dias (para coadjuvar no restaurante), pese embora com regularidade.

Em termos de ocupação, o arguido registou períodos de colaboração na actividade laboral do pai e dedicava-se a actividades musicais, inserido num grupo de hip-hop.

No final de 2014/início de 2015, CC começou a revelar negligência na assiduidade nas entrevistas de acompanhamento, situações regularizadas mediante articulação com o pai. Aquando da última entrevista na DGRSP (em 29 de Julho/16), CC referiu que alternava períodos de permanência em Espanha (onde desenvolvia, pontualmente, actividade de segurança) com períodos em Portugal, mantendo contudo indisponibilidade para regularizar, junto do Tribunal competente, a alteração de residência, não tendo, inclusive, indicado a morada correspondente aos períodos de permanência em Espanha, nem indicado o seu novo contacto de telemóvel.

No âmbito da relação de namoro com a co-arguida AH, CC tem um descendente na actualidade com 3 anos de idade.

Na actualidade, em meio prisional, CC tem registado um comportamento coadunante com as normas vigentes no mesmo, usufruindo de apoio exterior, traduzido nas visitas dos pais e namorada.

Pese embora o arguido denote, em abstracto, capacidade de análise crítica dos factos subjacentes ao processo – no sentido de atender ao bem jurídico em causa -, o mesmo enfatizou a sua desvinculação da situação jurídico-penal, enquadrando-a num contexto circunstancial e mantendo ainda uma atitude de desvalorização no que concerne ao não cumprimento da obrigação inerente à concessão de liberdade condicional, nomeadamente regularização/informação actualizada de residência.

97º LC vive em união de facto desde 2007 com a companheira, AV, de 29 anos, e os dois filhos menores do casal, de 8 anos e 10 meses, numa casa em Lagoa bom boas condições de habitabilidade. O arguido trabalha com o pai numa firma multi-serviços (LF) e nos tempos livres faz umas horas como barbeiro por conta própria na sua habitação, enquanto a sua companheira faz limpezas, sendo descrita uma situação económica contida, mas suficiente para as despesas correntes.

Sendo o 2º de quatro filhos deste casal de progenitores, LC é oriundo de um numeroso agregado familiar, tendo mais irmãos consanguíneos. Viveu com os pais em Porches e depois em Lagoa, estudou até ao 7º ano de escolaridade, mas desistiu dos estudos aos 18 anos por desinteresse escolar.

No plano profissional o arguido esteve empregado cerca de 2 anos na empresa Toldegarve, a que se seguiram fases de desocupação laboral, trabalho em regime de biscates em obras de construção civil e 3 contractos de 6 meses no Intermarché de Lagoa.

Na entrevista realizada e relativamente aos presentes autos, o arguido entendeu não se pronunciar sobre o teor do despacho de acusação neste processo, no qual dois dos seus irmãos (CC e SF) aguardam julgamento na prisão. LC tem antecedentes criminais (injúria agravada em 2005 e ofensa à integridade física simples em 2010), tendo cumprido uma medida de trabalho comunitário em 2013/14 no âmbito do processo nº 294/11.6GDPTM.

98º Da história de vida de FB, de 31 anos de idade, assinala-se a separação dos progenitores aos 7 ou 8 anos do arguido, com a subsequente mobilidade do mesmo entre vários agregados materno e paterno e a perda da capacidade dos vários agentes educativos familiares em monitorizar/conter os comportamentos disruptivos manifestos e persistentes desde aquela altura.

Pelo que foi dado perceber, as práticas educativas tendem à inconsistência, entre atitudes extremadas de negligência/permissividade e correctivos desmesurados. Na prática o arguido habituou-se demasiado cedo a orientar-se sozinho, sendo descrito como uma criança revoltada e desobediente.

No período de adolescência ainda foi tentada a colocação num colégio interno na Guarda por um ano. Posteriormente a mãe levou-o para Inglaterra onde se encontrava emigrada, tendo aí continuado a escolaridade.

No entanto envolveu-se em problemas com grupos desviantes, com intervenção das autoridades, vendo-se obrigado a voltar a Portugal aos 16 anos de idade.

O percurso escolar embora marcado por problemas disciplinares, não há registo de problemas cognitivos, tendo chegado a concluir 9 ano de escolaridade.

Na altura em que voltou para Portugal, registou as primeiras experiências de trabalho por orientação da família, designadamente na hotelaria e construção civil, sem continuidade, embora sem problemas físicos ou limitações conhecidas acabou por nunca aderir a um emprego certo, vivendo de expedientes pouco claros.

A partir dos 17 anos de idade adoptou um estilo de vida delinquencial, referenciado então como figura proeminente de um gang formado na zona de Lagoa entre 2003 e 2004. No meio era temido pelo seu temperamento impulsivo e violento, conhecido pelo uso de armas e desafiador das autoridades fazendo-se conduzir em veículos de elevada cilindrada, ainda que inabilitado. Mais era conhecido o seu envolvimento em tráfico de produtos estupefacientes, amplificando-se o seu temperamento temerário sob efeito de substâncias como o álcool ou a cocaína de que era consumidor regular.

Foi sendo constituído arguido em vários processos de natureza diversa, alguns dos quais absolvido por falta de provas, outros resolvidos só mais tarde depois de ter sido preso em Espanha em Abril de 2010.

Em Espanha cumpriu na íntegra, pena privativa de liberdade de quatro anos e meio, no Centro Penitenciário de Huelva, por tráfico de estupefacientes e posse ilegal de armas. Em meio prisional registou comportamento irregular.

Até ser preso em Espanha o arguido alterava então o paradeiro entre Portugal e sul de Espanha, tendo designadamente encetado relação marital e posteriormente de matrimónio com jovem espanhola, da qual se terá divorciado recentemente e de cujo relacionamento tem uma filha actualmente com 7 anos de idade, entregue à respectiva família materna.

Neste período por várias vezes veio conduzido aos Tribunais portugueses para responder a múltiplos processos que tinha pendentes, todos resolvidos em penas de prisão suspensas na sua execução, cujo período suspensivo decorreu durante o período de prisão em Espanha

Após ter saído em liberdade (Setembro de 2014) ainda viveu algum tempo em Huelva com a mulher e a filha na Isla Cristina, vindo a separar-se cinco meses depois.

Em Fevereiro de 2015 voltou ao meio de origem entre a zona de Silves /Lagoa Albufeira/Quarteira.

Refez a vida marital com uma cidadã brasileira, Soraia, pautando-se a relação, segundo o próprio e companheira por recorrentes separações e reconciliações.

À data da reclusão em Fevereiro de 2017, o arguido cumpria sob acompanhamento deste serviço e no âmbito do processo Nº ---/06.0GBSLV, pena de prisão de 1 ano e meio por crimes de ameaça, suspensa por igual período, transitada em julgado em 15.09.2015. Neste contexto o arguido manifestou dificuldades de mudança, mantendo uma rede social frágil e pró-criminal, descentrando-se gradualmente dos objectivos delineados no âmbito do PRS, persistindo num modo de vida desfavorável à regras sociais o que culminou na prisão preventiva do presente processo.

Tem ainda pendentes os processos Nº ---/05.9 GBABF do Tribunal Judicial de Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão –Juiz 1 – no âmbito do qual foi condenado numa pena de prisão de 1 ano e 8 meses, suspensa por três anos com regime de prova com trânsito em julgado em 12.12.2016, pela prática de crimes de trafico de estupefacientes de menor gravidade, crime de ofensa à integridade física qualificada, injuria agravada e o Processo Nº ---/09.4GBABF,Tribunal de Comarca de Faro, Inst. Central 2ª Seção Criminal – J3. no âmbito do qual foi condenado numa pena efectiva de sete anos, por sentença de 25.11.2016.

Actualmente, tendo dado entrada no EP de Setúbal como preso preventivo, à ordem dos presentes autos, o arguido viria entretanto a iniciar cumprimento da pena de prisão efectiva de quatro anos, no âmbito do Processo Nº ---/10.4JAPTM do Tribunal de Comarca de Faro – Portimão – Inst. Central – Secção Criminal – J3.

À data da reclusão FB residia sozinho, encontrando-se incompatibilizado com a companheira, Soraia Conceição, conforme corroborado por ambos, em Olhos de Água/ Albufeira, em apartamento arrendado mediante uma renda de 450€.

A companheira viria a reconciliar-se com o arguido já durante o período de reclusão surgindo o relacionamento no presente valorado por ambos os elementos do casal como próximo e de intra ajuda.

À data da reclusão e desde há cerca de dois anos (conforme informação decorrente da medida de execução na comunidade com acompanhamento deste serviço), FB mantinha um modo de vida pouco favorável às convenções, sem vínculos de trabalho e sem ocupação estruturada regulada.

Em termos económicos, não aparentava dificuldades ao nível da sua subsistência, que alegadamente assegurava com base em negócios de compra e venda de automóveis, actividade que desenvolvia informalmente, manifestando resistência à regularização daquela actividade, ou outra estruturada em termos legais.

Mantinha acentuada mobilidade geográfica, alterando frequentemente de residência na zona do Algarve entre barlavento e sotavento, mantendo a morada da bisavó, Alcantarilha-Gare, como referência para notificações judiciais. Esta mobilidade geográfica viria a inviabilizar nomeadamente o cumprimento de um dos objectivos do plano de reinserção social que correspondia à premente necessidade de obtenção da carta de condução. Iniciou o procedimento sem concluir, constatando-se e através então dos contactos com as OPC´s que incorreu num crime de condução sem habilitação legal ainda em 2017.

Do seu modo de vida sobressaía então, a limitação de interesses e das ocupações, relatando um quotidiano centrado na cultura física, cumprimento obsessivo de um regime dietético, adição de produtos anabolizantes e frequência de ginásio, afirmando ter abandonado o consumo de álcool e de estupefacientes.

Mantinha um relacionamento de proximidade com amigos e conhecidos conotados com comportamentos anti-sociais, nomeadamente com alguns dos co-arguidos.

Globalmente apresenta vínculos fracos a contexto convencionais como trabalho e mesmo com a família, o que se constitui como significativo factor de risco.

No decurso da presente avaliação, o arguido procurou dar uma imagem optimizada de si e assumiu uma atitude positiva e de adesão à lei e ás figuras de autoridade, percepcionando-se incongruências entre as suas verbalizações (manifestamente defensivas) e o seu comportamento ao longo do seu percurso criminal, num crescendo de intensidade e gravidade.

O arguido apresenta ainda fragilidades em termos de competências pessoais e sociais, principalmente ao nível da antecipação das consequências dos seus actos e assunção de responsabilidades.

Face ao presente processo o arguido verbaliza dificuldades na sua aceitação distanciando-se cabalmente da alegada matéria de facto, contextualizando os acontecimentos como associados e ou decorrentes de relações de amizade com alguns dos co-arguidos.

Face aos vários confrontos com o sistema de justiça penal, o arguido tende a minimizar a sua frequência e legitimar/racionalizar o seu comportamento na origem dos mesmos e a atribuir a responsabilidade a terceiros.

Em meio Institucional, nomeadamente no EP de Olhão tem registado adequação às regras e normas institucionais, aderindo e participando em actividades ocupacionais/formativas.

Usufruiu do apoio da companheira, a qual o visita regularmente, bem como a progenitora e irmã, estas emigradas em Inglaterra.

99º À data dos factos em causa neste processo o arguido AG residia com um irmão mais novo, numa casa arrendada situada em meio rural no conselho de Silves. Profissionalmente dedicavam-se à exploração de gado bovino e caprino. Não tinha actividades organizadas de tempos livres, convivendo com amigos e com a namorada, privilegiando ambientes restritos ou o espaço habitacional.

Natural de Portimão, AG integrou o grupo familiar materno reconstituído após a separação dos pais na infância. O pai emigrou para França e mãe a manteve-se no Algarve.

Dispunham de uma situação económica avaliada como boa: mãe era cozinheira, chegou a explorar um snack-bar e o padrasto era construtor civil. Destaca no seu processo de socialização o contacto precoce com vivências agrícolas enquadradas na família, tendo como figura de referência o avô materno, criador e negociante de gado.

Concluiu o 7º de escolaridade e interrompeu os estudos por falta de motivação, numa altura em que já começara a fazer trabalhos de jardinagem e a acompanhar o avô. Convivia com pares de idêntica faixa etária, sendo pouco apreciador de saídas nocturnas, desenvolveu interesse pela pesca de cana. Foi ainda em contexto de lazer que começou na adolescência a fazer consumos recreativos de substâncias estupefacientes e tabaco, hábitos que mantém.

Procurou autonomizar-se da família de origem aos 18 anos de idade, referindo algum distanciamento relacional com a mãe. Tem subsistido com trabalhos em jardinagem em situação não regularizada, complementando os rendimentos com a criação de gado. Referiu-se a um período de desorganização económica em 2017 após a morte de três dezenas de cabeças de gado; neste contexto, o arguido tende a justificar o seu envolvimento judicial e associação a pares problemáticos. Reconhecendo a ilicitude dos factos agora em julgamento, referiu mudanças de atitude, nomeadamente evitando o contacto com os anteriores pares. Procura cumprir a medida de coacção de apresentações regulares na GNR de Armação de Pêra.

Expressou-se de modo evasivo face ao impacto desta situação no núcleo familiar, não pretendendo envolver os familiares no contacto com este serviço. Revelando sentido de autocrítica, manifestou-se receoso face a uma eventual sanção condenatória. Além do actual processo, em auto-relato o arguido referiu uma condenação em pena de multa pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (informação não aferida).

No presente AG vive com a companheira/Júlia… e a filha/Lia … comum com dois meses de idade, em …, Pêra, relacionamento afectivo que mantém desde há 10 anos. A companheira é auxiliar de educação em Silves, está agora de licença de maternidade e o arguido trabalha como jardineiro num campo, …, Empreendimento Turístico e Golfe, S.A. com contrato celebrado em 15-05-2017.

Continua a ter criação de gado de pequeno porte, referindo uma situação económica suficiente.

100º À data dos factos como no presente, o arguido HV apresenta uma situação familiar estruturada, junto à companheira, de 27 anos. O agregado inclui a sogra, de 50 anos, em casa de quem habitam e os dois filhos do casal, de 10 anos e de um ano e meio. À data dos factos HV ocupava-se na exploração do Café Cabrita, empresa proveniente da família da companheira, mas optou por encerrar o estabelecimento e passou a trabalhar como operador de armazém no Algoz.

Em termos económicos permitem-se recursos suficientes para as necessidades do agregado, sendo que habitualmente todos os elementos do grupo se apresentam profissionalmente activos.

HV descende de uma família numerosa, antepenúltimo de nove irmãos. Cresceu junto da família de origem, acompanhando as particularidades do modo de vida itinerante da mesma, dada a actividade comum de feirantes. Em todo o caso permaneceu maioritariamente no concelho de Silves, com residências entre Alcantarilha, Armação de Pêra e Algoz.

Frequentou a escola na idade própria, mas as mudanças e a desvalorização comum da literacia terão contribuído para uma elevada desmotivação, não progredindo além do 6º ano. Em contrapartida, à semelhança dos irmãos, desde criança foi habituado a colaborar nas lides da venda ambulante, iniciando-se dessa forma no trabalho. Só depois de autonomizado da família de origem passou a trabalhar fora, com funções de armazém e reposição em diversos hipermercados. Em contexto de trabalho e no meio social onde vive revela-se um indivíduo com boas competências, não sendo referenciado por hostilidades ou questões transgressivas, contrariamente a outros elementos da fratria, marcados pela reincidência em vários tipos de crimes e cumprimentos de penas de prisão.

No seu modo de vida são especialmente valorizadas as actividades em família, inexistindo hábitos de risco ou consumos de substâncias, fora de situações recreativas pontuais. Encetou a actual união de facto há 11 anos atrás, quando tinha 19 anos e a companheira 16 e mantêm uma relação avaliada como sólida e harmoniosa. O sogro havia falecido recentemente na altura e sempre mantiveram a coabitação com a sogra, num registo de entreajuda.

Além de situações de condução sem habilitação, resolvidas na juventude, não faz referência a confrontos com o sistema de justiça penal.

Não reconhece oportunidade às acusações que sobre si impendem no presente processo, demarcando-se de qualquer comportamento criminal. Atribui a incriminação à ligação ao co-arguido FB, na qualidade de seu conhecido desde a infância e, nos últimos tempos, cliente do estabelecimento que explorava. Empola o impacto negativo da situação, designadamente pelo aparato descrito das rusgas efectuadas, afectando a imagem social e vida familiar, incluindo a perda de movimento no café, que passou a ser mal referenciado no meio e a decisão de mudar de actividade profissional.

101º ACM mantém, tal como por altura dos factos em apreço, o enquadramento familiar junto da mãe. O agregado, presentemente abrangente de um tio materno da arguida, reside em apartamento próprio, de tipologia T2, avaliado como detentor de normativa condições de habitabilidade, situado no centro da cidade de Albufeira. O apartamento em causa insere-se num prédio em que dois dos três andares encontra-se divididos em quartos explorados, pela mãe da arguida, sob a forma de arrendamento local – XXXGuest House.

ACM é filha única da relação marital dos pais, que antes do seu nascimento haviam emigrado para Moçambique. Aos 5 anos de idade da arguida o casal optou pela separação tendo ACM regressando a Portugal com a mãe, permanecendo o pai em Moçambique numa postura de marcado distanciamento afectivo relativamente à descendente.

O processo de desenvolvimento da arguida decorreu, assim, junto da mãe e, posteriormente, do padrasto, que já faleceu, num clima relacional descrito como coeso e afectivamente investido, inerente ao qual encontramos, contudo, o vivenciar de um precoce processo de autonomia na gestão do seu quotidiano.

A arguida concluiu o 12º ano, em idade própria, e ingressou no ensino superior – curso de desporto.

Após um semestre ACM abandonou a frequência universitária, por alegados problemas económicos, e enveredou pela actividade de nadadora salvadora. Após 3 anos vinculada às Piscina Municipais a arguida optou pelo exercício da referida actividade nas praias locais, através da Associação de Nadadores Salvadores de Albufeira. Tal alteração, embora associada a maiores benefícios económicos, viria, a acarretar uma maior precariedade laboral imposta pela sazonalidade da referida profissão o que aliado ao crescimento do negócio materno motivou que ACM se desvinculasse da actividade de nadadora salvadora para auxiliar a mãe no negócio de família.

Em novembro de 2017 a arguida optou por tentar a integração no mercado de trabalho no Reino Unido, país onde detinha relações de amizade e onde se manteve durante os cerca de 5 meses subsequentes. No presente mês de março ACM regressou a Portugal passando a auxiliar, com contrato de trabalho, a mãe na gestão da Guest House, actividade que lhe permite auferir um rendimento na ordem do ordenado mínimo nacional bem como a devida estruturação do seu quotidiano.

Em contexto social pese embora a imagem da arguida ainda se encontre associada à tendência para a reactividade comportamental são reconhecidas melhorais a este nível.

No que concerne ao presente contacto com o sistema de justiça conquanto ACM expresse a adequada noção do interdito em causa, não o legitimando, e denote entender a oportunidade da intervenção da justiça tende a afastar-se da forma como os factos se encontram descritos.

A mãe, que se constitui a sua principal figura afectiva de referência, expressa a sua disponibilidade para manter o apoio à descendente.

102º JD mantinha à data dos factos em apreço, enquadramento familiar junto dos pais, avós, namorada e filha de 8 meses de idade.

O arguido nasceu em Espanha há 31 anos, inserido numa família de parcos recursos económicos, constituída por 4 elementos, tendo o seu processo de crescimento e socialização decorrido em moldes qualificados como ajustados.

O seu percurso escolar surge relativamente investido, tendo abandonado com cerca de 16 anos de idade os estudos após a conclusão do equivalente ao 9º ano de escolaridade em Portugal.

Posteriormente, como forma de contribuir para a economia do agregado, passa a participar na gestão diária do agregado, contribuindo com parte da sua remuneração mensal, como trabalhador por conta de outrem, nas áreas da agricultura, montagem de ar condicionado e pescador.

Mesmo assim, o arguido era chamado em vários momentos para trabalhar com o cunhado, na área das pescas – proprietário de um barco de pesca – como forma de reforçar as receitas do agregado de origem.

Foi assumido pelo arguido, desde o início da idade adulta, o consumo regular de haxixe e cocaína, primeiro em contexto de grupo de pares e, depois, atenta a sua dependência aditiva, de forma autónoma, minimizando cabalmente o dano para o próprio e/ou terceiros, não tendo evidenciado capacidade ao longo do tempo e até à data dos factos, qualquer intenção de se sujeitar a tratamento.

Contudo, após o início da sua relação marital com a actual companheira e o nascimento da sua filha, este evidenciou vontade em desvincular-se da sua problemática aditiva, tendo solicitado apoio institucional - médico e medicamentoso – sem sucesso.

Face ao contexto descrito, o arguido vivenciava à data dos factos uma condição económica insuficiente para as despesas do quotidiano, uma vez que canalizava a maioria das receitas auferidas provenientes da sua actividade profissional para a aquisição de substâncias psicoactivas e uma pequena parte que entregava à sua companheira, que actualmente padece de doença do foro oncológico e se encontra grávida.

JD tem antecedentes criminais, tendo cumprido pena de prisão entre 2013 e 2015, pelo crime de tráfico de estupefacientes.

Presentemente, e no que se reporta à sua vivência no Estabelecimento Prisional de Faro, JD nunca foi alvo de qualquer procedimento disciplinar mantendo um comportamento de acordo com as normas e regras instituídas, evitando conflitos em ambiente protegido e/ou contentor. Tem beneficiado de apoio de retaguarda do agregado constituído e de origem, através de visitas regulares ao EP.

JD vivencia a sua situação jurídico-penal na actualidade com manifesta preocupação, decorrente das eventuais implicações daí advenientes, situação agravada pelo facto de desconhecer os procedimentos e lei aplicável em Portugal, relativamente aos factos pelos quais se encontra acusado, assim como uma grande preocupação pelo estado de saúde da companheira. Paralelamente, adopta um discurso de vítima, referindo com veemência que terá sido coagido a deslocar-se a Portugal, devido a antecedentes decorrentes da sua aditividade, sendo que ainda assim o arguido aceita e compreende a intervenção da justiça criminal.

Dos Antecedentes Criminais dos arguidos.
(…)
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Dispõe o artº 374º, nº 2 do CPP, na parte em que estabelece os requisitos da fundamentação da decisão da matéria de facto, que “a fundamentação” deve conter “uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos (…) que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Deste modo, passamos a fazer uma exposição concisa, mas completa, dos motivos que levaram o Tribunal a dar como provados e como não provados os factos supra referidos, indicando os meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal e fazendo o seu exame crítico, cabendo neste, a razão de ciência das testemunhas (em que o Tribunal se baseou), a forma como depuseram e a sua relação com o litígio, os tipos de documentos em que o Tribunal se baseou, seu valor e origem, bem como o valor, origem e credibilidade da demais prova que acudiu à formação da convicção do colectivo de julgadores, sem esquecer o recurso às regras da experiência comum.

Evitaremos reproduzir o teor da prova, uma vez que, tal não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, mas sim através da leitura dos documentos e relatórios periciais e da audição das gravações dos depoimentos prestados.

a) Quanto aos factos provados:

O Tribunal fundou a sua convicção, quanto aos factos que resultaram provados constantes da acusação, no depoimento de alguns arguidos, das testemunhas e da prova documental e pericial junta aos autos.

A saber,
No que se reporta aos arguidos SF e JF,

A arguida SF admitiu o transporte do estupefaciente, referindo que o fazia a mando de um Filipe que andou com ela na escola mas que não se lembra do apelido. Ganhava com esse transporte a quantia de 4000 euros, sendo que o montante que lhe foi apreendido era o pagamento do serviço. Também admite que o haxixe que se encontrava na arrecadação da casa da mãe da JF era do Filipe que que tinha sido ela que pediu à JF para lá guardar. No que se reporta aos telefones apreendidos foi o que o Filipe lhe disse para fazer, um era para ela e não sabe para quem seriam os demais. Mais acrescentou que ela e a JF viviam juntas há cerca de 3 anos antes da detenção que que a JF sabia que o que tinha guardado na arrecadação era produto estupefaciente.

A arguida JF referiu que apenas soube que ia buscar droga quando já estava a ir para Espanha e não tinha forma de voltar para trás. Encontraram-se nas Bombas de Ayamonte e as pessoas falaram com a SF, voltaram para o carro e já em Portugal foram interceptadas. Não sabia das caixas de telemóveis e não ganhou nada directamente mas como cuidava dos filhos da SF e esta pagava-lhe ordenado, a SF tinha que ter dinheiro para lhe pagar. No que se reporta à arrecadação, a SF pediu-lhe para guardar droga na arrecadação. Ao início disse que não mas depois cedeu. Não sabe que quantidade nem o tipo de estupefaciente que lá estava guardado, sendo que nunca recebeu qualquer instrução.

No que se reporta a estas arguidas
O Tribunal levou em consideração,
O depoimento dos elementos policiais que confirmaram todas as escutas telefónicas, Relatórios de vigilância, detenção e apreensão de produto estupefaciente, referindo ainda que foi a própria JF que disse que teria produto estupefaciente numa arrecadação tendo-lhes entregue a chave que possuía e tendo autorizado as respectivas buscas.

- O auto de notícia por detenção de fls. 2/5/732, efectuado a 01.07.2016, com a apreensão de 35.600,00gramas de haxixe;

- O auto de busca e apreensão de fls. 8 assinado pela advogada da JF (que em depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento referiu que foram observados todos os requisitos da lei e pela JF;

- O termo de autorização de busca de fls. 11, assinado pela mãe da JF, SS e pela JF (fls. 12);

- O auto de apreensão de fls. 14/735 – chave da arrecadação e telemóvel à arguida JF;

- o Auto de apreensão de fls. 16/737 às arguidas SF e JD: 35.600,00gr de haxixe, dinheiro e 11 telemóveis;

- O auto de busca e apreensão de produto estupefaciente/haxixe na arrendação de fls. 740.

- Relatório fotográfico do produto estupefaciente e dos telemóveis dentro da viatura apreendida a fls. 31 e seguintes e 742 e seguintes, onde se pode verificar que cada telemóvel novo tinha um destinatário;

- A reportagem fotográfica da arrecadação em causa, de fls. 37 e seguintes;

- O Relatório Pericial ao produto estupefaciente apreendido de fls. 1935, onde consta que o produto estupefaciente encontrado no veículo das arguidas dava para 109.038 doses diárias individuais e o produto estupefaciente encontrado na arrecadação da mãe da arguida JF dava para 29.731 doses individuais;

- Os Relatório de vigilância de fls. 744 e 746;
- O relatório operacional de fls. 726
- O relatório de vigilância de fls. 750 iniciado às 11horas do dia 01.07.2016, que confirma na íntegra as escutas telefónicas, devidamente validadas nos autos que se se descreverão sucintamente de seguida;

- O auto de exame e avaliação dos telemóveis apreendidos de fls. 3790 e seguintes.

- A nota de encomenda e factura dos 12 telemóveis «selectline» apreendidos à arguida SF de fls. 3830 e 3831,

- As doze facturas da Loja Nos, relativas à compra de cartões da operadora Nos – cartões SIM – que se encontravam inseridos nos telemóveis de fls. 3832;

- Os apensos de transcrições de escutas telefónicas,
Como seja,

Apenso Audio Vox Quebec, onde entre muitas outras conversações, se pode ler

Dia 24.05.2016, onde o CC pede o estupefaciente à SF. A SF, por sua vez telefona ao João a dizer que o irmão precisa de mais e este diz para lhe dar o resto que lá está em casa e para deixar logo o dinheiro. A SF telefona novamente ao CC e diz que deixou em cima do micro-ondas e diz para deixar o dinheiro também em cima do micro-ondas.

Dia 06.06.2016, onde um desconhecido encomenda produto estupefaciente à SF e ela diz que mais logo vai ter com ele.

Dia 11.06.2016 (chamada/sessão 15834), onde um desconhecido envia sms à SF a pedir 5 camisolas, ao que ela responde ok

Dia 11.06.2016 (chamada 16088), onde um desconhecido pergunta à SF (tratando-a pelo nome na decorrência da conversa telefónica) se pode levar 10 músicas ao que a SF responde que com ela só tem 5 musicas com ela, se quer 10 tem que ir buscar a casa, sendo que passados trinta minutos a SF envia SMS ao mesmo desconhecido a dizer que vai lá e cerca de uma hora depois envia sms a dizer que está à porta.

Dia 12.06.2016 (chamada 16577), onde um desconhecido pergunta à SF se tem e ela pergunta se é calinca, ao que o desconhecido diz que é do outro. O desconhecido acaba por perguntar se ela tem calina e a SF diz que tem amanhã.

Dia 13.06.2016 (chamada 17002) onde o CC que trata a irmã por SF diz que precisa de mais mambo e a SF pergunta quer do dela emprestado ao que ele diz que sim. Entretanto a SF diz para ele lhe trazer o dinheiro pois vai lá amanhã.

Dia 13.06.2016 (chamada 17248) onde a SF pede ao Gabriel que lhe sirva de batedor pelas oito horas e pede-lhe igualmente para comprara um telemóvel e um cartão dos mais baratos no pão de açúcar. «Tratas disso com a JF que eu agora vou treinar».

Dia 14.06.2016 (chamada 17596) onde a SF telefona para o João a dizer que vai ao outro lado hoje (Espanha) buscar coiso (haxixe), ao que o João diz para ela não inventar que esteve lá ontem e não há nada da nossa cena ao que a SF diz que quer da verde. O João diz que acha que também não há, pois ontem trouxe o que havia para o AG.

Dia 14.06.2016 (chamada 17738) onde a SF telefona à JF para que esta ligue para o número que havia ligado para dizer que vai para lá para eles terem as coisas preparadas, ao que a JF assente. SF volta a telefonar à JD a perguntar se já o fez, ao que a JF responde que eles estão a preparar tudo. A SF diz para ela telefonar novamente e dizer que é 300. A JF refere que vai ligar ao espanhol e poe em conferência com ela, entretanto entra na ligação um desconhecido que fala espanhol e que pergunta se ela vai para lá ao que a SF diz que sim e que precisa de 300 e que tem que ser boa, ao que o espanhol diz para ela vir. Na decorrência deste telefonema, a SF telefona à JF para esta não sair de casa pois tem que ir lá buscar o dinheiro. Duas horas e meia depois, a SF telefona para o João a dizer que já trouxe tudo e trouxe o dobro, pelo que também trouxe para o irmão…

Acto contínuo, a SF envia SMS a desconhecido (chamada 17822) a dizer «já tenho aquilo» e no dia seguinte, envia sms a outro desconhecido a dizer «querias neve», sendo que a resposta do desconhecido é «também quero mas tenho que ver. Agora quero 5 audi mas das melhores»

Dia 17.06.2016, (chamada 19422) A SF liga para a Nina (ACM) em resposta a uma chamada não atendida, ao que a Nina lhe pergunta se trouxe aquilo. A SF diz que está lá em casa numa gaveta e que pode ir buscar. A Nina pergunta se já está separada ao que a SF diz que não mas que confia nela.

Nesse mesmo dia, a SF envia SMS à JF a dizer que para ela dizer a ele amanhã que anda bué de bófias em armação e que está a haver muitas rusgas.

Dia 18.06.2016 (chamada 19505) a SF envia mensagem à Andreia e pergunta se dá para ir cortar paca (estupefaciente) que anda ai muitas rusgas.

Dia 18.06.2016 (chamada 19572) a SF liga para o João e este pergunta onde estão as cenas que são dos dois ao que ela responde que as guardou bem, não fossem lá de manhã fazer uma rusga, tendo o João dito que se calhar era melhor trabalharem em separado.

Dia 18.06.2016 (chamada 19632) onde a SF liga para o João e o João diz que precisa pois já não tem nada, sendo que a SF diz para ir buscar, se não estiver lá a JF sabe onde está, é só pedir e ela vai buscar.

Dia 19.06.2016 (chamadas/SMS 19849, 19850, 19851) onde um desconhecido pede 3 placas à SF e ele diz que só amanhã.

Dia 19.06.2016 (chamada 19901) onde a SF telefona para a JF e pergunta se só existe uma chave da arrecadação, pede para ela confirmar pois o João atrofia com isso.

Dia 21.06.2016 (chamada 20195/20203) onde um desconhecido envia uma SMS à SF a dizer que só tem dinheiro para 3 mas se ela trouxesse 5 depois acertava contas, ao que a SF responde que está do outro lado, já liga.

Dia 21.06.2016 (chamada 20275) onde um desconhecido pergunta se já tem cassetes ao que a SF diz que sim mas só amanhã pois ainda não viu aquilo.

Dia 22.06.2016 (chamada 20364) onde a SF diz ao João que tem uma pessoa que precisa de 3, ao que o João diz para não falar disso ao telefone. O João acaba por dizer que tem muito dinheiro para lhe dar.

Dia 24.06.2016 (chamada 20598/20599) onde a SF pede à JF o número do espanhol e diz para ela ligar pois precisa de mais 100 igual à anterior. A JF diz que vai ligar e fazer a conferência.

Dia 24.06.2016 (chamada 20652) onde a JF pergunta à SF o que é que ela vem buscar e a SF diz que é o dinheiro. A JF disse que pensava que era para ir entregar ao que a SF diz que não.

Dia 24.06.2016 (chamadas/sms 20675/20681/ 20682/20691/20692/ 20693/20694/20700/20702/20704/20705/20706/20707/20708/20709/20710) onde um desconhecido combina com a SF a compra de produto estupefaciente, a SF vai entregar e apos o desconhecido envia sms à SF a dizer que falta uma, ao que reponde que deve ter ficado para trás e que amanhã lhe dá. O desconhecido acrescenta que são de 9 marcas diferentes e que outra só está metade. A SF diz que amanhã compensa.

Dia 24.06.2016 (chamada 20773) onde a SF liga para o João e diz que o Fernando está farto de a chatear e que quer 100.

Dia 25.06.2016 (chamada 20929) onde a SF envia sms para o João a dizer que vai buscar neve para o Samuel e para o Fernando já que ele não vai e que vai sair agora.

Dia 25.06.2016 (chamada 20931- 5 minutos depois) a SF liga para a JF para que esta faça conferencia com o Espanhol e pede ao espanhol 150, para ter tudo preparado e separado.

Dia 25.06.2016 (chamada 21000) o João liga para a SF na decorrência do sms que ela lhe enviou e a SF diz que vai buscar neve pois as pessoas estão fartas de chatear a pedir. Ela entrega e depois eles fazem contas com o João. A SF pergunta qual o preço que ele costuma fazer, ao que o João responde que ao Samuel faz a 45 e ao Fernando faz a 43, ao que a SF responde que ao Samuel fez a 47 e ao outro a 43 senão ele não quer. A SF diz que assim não ganham nada ao que o João responde que ganham 700 euros. Mais acrescenta o João que tem que se pedir logo o dinheiro ao Fernando.

Dia 25.06.206 (chamada 21011 a 21062) a SF envia SMS ao Fernando a dizer que tem que trazer a pca (dinheiro) pois vai agora buscar e o João disse-lhe para trazer logo os documentos. O Fernando pergunta de que marca é ao que a SF responde que é da neve. O Fernando diz que se for boa na semana seguinte quer o dobro.

Dia 25.06.2016 (chamada 21131) onde a SF diz ao João que tem os ganhos dele e que vai depositar tudo numa conta bancaria que abriu em nome da JF.

Dia 29.06.2016 (chamada 22533) A SF envia SMS para CC a perguntar se tem 5 g sem corte ao que o irmão (22538) responde que só tem cortada

Dia 30.06.2016 (chamada 22698) A SF telefona para o CC e diz que precisa dos 80 paus pois vai ao outro lado e que precisa para já.

Dia 30.06.2016 (chamada 22704) A SF liga para a JF e pede para fazer conferencia com o Tapa e diz ao Espanhol que precisa de sete do bom e pergunta-lhe o preço ao que o espanhol responde que lhe fica a 1380 e que vai dar os preços por whatsapp

Dia 30.06.2016 (chamada 22734) a SF telefona para o irmão LC e como atente a Andreia ela diz para dizer ao irmão que dá tudo 24.080.

Dia 01.07.2016 (chamada 22978) a SF telefona à JD e diz para ela se despachar para ir com ela. A JF pergunta onde e a SF diz que ela sabe, ao que a JF diz que o Tapa já lhe telefonou. A SF responde que sabe disso e por isso ela que se despache.

Ora, aqui chegados tendo em atenção os factos que constam da acusação, este Colectivo de Juízes não tem dúvidas que, desde Maio de 2016 – data das primeiras intercepções telefónicas - a SF se dedicava à venda de, pelo menos, resina de canábis (como vem acusada e produto estupefaciente apreendido). Esta actividade era quase diária, consoante se retira das escutas telefónicas e em grandes dimensões e consequentes ganhos. A arguida SF posteriormente revendia a grosso (à placa) a varias pessoas desconhecidas, entre as quais de nome Samuel, Gabriel, Fernando e Queimado.

Ainda que apenas tenha sido apreendido o produto estupefaciente que ela trazia nesse dia, verifica-se das conversações telefónicas que o estupefaciente que se encontrava no sótão (e validamente apreendido) também era dela e do companheiro João e que a arguida ia amiúde a Espanha comprar produto estupefaciente para revenda, pois que tanto existem conversações telefónicas a referir que vai como conversações telefónicas posteriores a dizer que já o tem.

No que se reporta à arguida JF, transparece das escutas telefónicas devidamente validadas, algumas supra transcritas, que a mesma funcionava como ‘secretária’ da SF, muito embora soubesse exactamente do que se tratava, porquanto era ela que fazia as chamadas telefónicas com o fornecedor espanhol, acompanhava-a em algumas viagens (como a que foi detida) e entregava produto estupefaciente ou dinheiro quando lhe era mandado pela SF.

Ainda no que se reporta à arguida JF, foram ouvidas três testemunhas de defesa que referiram que a JF é pessoa calma e tranquila e é boa pessoa.

Igualmente perante toda aprova supra referida, cai por base a versão da arguida SF que apenas estava a fazer o transporte por conta de outrem (um tal Filipe) que que o seu ganho foi o dinheiro que lhe foi apreendido e cai igualmente por base a versão dos factos apresentada pela arguida JF que apenas soube ao que ia quando já estava a ir para Espanha.

No que se reporta ao Arguido CC e AH,

Os mesmos não quiseram prestar declarações, encontrando-se plenamente no seu direito, pelo que foram ouvidas as testemunhas de acusação,

APV, coordenador da investigação que referiu ter procedido à detenção dos mesmos e que viu o arremesso de um embrulho pela janela do carro, embrulho esse que veio a ser recuperado como consta do auto de apreensão e que se tratava de produto estupefaciente que havia acabado de adquirir, que se encontrava em 3 pacotes de 50 gramas cada.

Confirmou na íntegra o relatório de vigilância que se encontrava em tempo real com as escutas telefónicas, efectuado pelo próprio e assinado pelo próprio e referiu que foram chamados os elementos dos GOE pois das escutas retirava-se que o mesmo trazia uma arma. Após ter sido detido e tratado dos documentos e respectivos autos foi efectuada busca em casa dele. Admite que a busca não foi na hora seguinte, pois que estavam na auto-estrada, ainda foram para a estação de serviço e só posteriormente - mas ainda nessa noite - efectuaram a busca à casa, pelo que a mesma acabou por ser contínua a todo o expediente que é necessário.

Mais acrescentou que como os vidros do veículo eram fumados pelo que não viu quem arremessou o produto, porém sabe que foi atirado através do vidro direito do lugar do pendura, sendo que foi o próprio que recuperou pois fixou o local muito embora tenham sido pedidos binómios cinotécnicos para proceder à recolha.

Foi tido em atenção igualmente,
- A comunicação da detenção de fls.1023, dos arguidos CC e AH;
- O Auto de notícia por detenção de fls. 1025 e seguintes
- O auto de apreensão de fls. 1028 onde consta 3 embalagens de cocaína com o peso de 159,85 gramas, um mercedes com a matrícula aí indicada e um telemóvel;
- O auto de busca e apreensão de fls. 1030, a casa do arguido CC, a qual foi acompanhada pela mãe do arguido e onde foi apreendido, entre outras coisas, Redrate (produto normalmente utilizado para corte de cocaína) uma balança digital, dinheiro e um papel manuscrito onde constam nomes e dividas;
- O auto de apreensão de fls. 1033 à arguida AH – telemóvel);
- O Relatório fotográfico do estupefaciente apreendido de fls. 1043, à viatura apreendida de fls. 1044 e do dinheiro apreendido de fls. 1047;
- O exame pericial ao produto apreendido de fls. 2301, onde consta que se trata de 150 gramas de cocaína com um grau de pureza de 78,2% e que dá para 586 doses diárias.
- O relatório de vigilância externa de fls. 1204, datado de 02.08.2016, referentes aos arguidos CC e

AH, elaborado em tempo real com as escutas telefónicas, confirmando assim as escutas telefónicas que se elencarão infra,

- Auto de exame e avaliação de fls. 3752, ao veiculo apreendido ao arguido CC;

- Os apensos de transcrições de escutas telefónicas,

Como seja,
Apenso Audio Uniforme, onde entre muitas outras conversações, se pode ler

Dia 02.07.2016 (sessão 474) onde a AH diz que foi comprar telemóveis com o cigarrinho e o Luís está no carro

Dia 05.07.2016 (sessão 1462) onde o CC diz a um desconhecido que vai preparar metade para ele;

Dia 08.07.2016 (Sessão 2589) onde o CC diz a um desconhecido que vai a casa dele guardar uma cena e apanhar outra.

Dia 13.07.2016 (sessão 4856/4923) onde o CC e a ACM combinam a ida a Espanha depois de a ACM se chatear/reclamar com ele pois ele diz que vai e não vai. O CC pergunta se já tem o dinheiro (ferro) para levar.

Dia 15.07.2016 (sessão 5547) O CC diz a um desconhecido que o que dá para fumar só consegue arranjar à noite.

Dia 19.07.2016 (sessão 7113) Um individuo chamado Jorge telefona ao CC a pedir duas daquelas pequenas.

Dia 21.07.2016 (sessão 7521) um desconhecido pede ao CC «aquilo grande» para logo, ao que o CC pergunta se são 10.

Dia 22.07.2016 (sessão 7788) O CC recebe uma SMS a pedir 2 chocolates para a noite e mais quatro para ele, ao que o CC diz que sim.

Dia 24.07.2016 (sessão 8228/8230) O CC telefona ao LC e pergunta onde está. O LC diz que está quase em Olhão, ao que o CC diz para voltar para trás que não é ele que vai.

Dia 24.07.2016 (sessão 8373) O CC pergunta ao LC se já está tudo tratado para amanhã e o LC diz que sim.

Dia 25.07.2016 (sessão 8517) O CC diz à AH que está a guardar aquilo

Dia 31.07.2016 (sessão 10420) O CC vende 5 placas a 500 euros a um desconhecido.

Dia 01.08.2016 (sessão 10622) O CC fala com a ACM e diz que vai lá amanhã sem falta e que lhe trás aquilo

Dia 01.08.2016 (sessão 10606) onde o CC negoceia o preço com um desconhecido diz que lhe faz a 8 (800 euros), sendo que o desconhecido lhe pede duas ou três.

Dia 01.08.2016 (sessão 10692) onde o CC telefona para um individuo espanhol e pede-lhe para preparar 150 que vai buscar amanhã.

Dia 02.08.2016 onde o CC telefona para o mesmo espanhol a confirmar a ida

Dia 02.08.2016 (sessão 11047) onde a Nina (ACM) envia SMS ao CC a perguntar se já tem isso, ao que ele responde que vai lá agora (sessão 11049)

Dia 02.08.2016 (sessões 11026 e seguintes) onde não obstante estar indicado que é o LC nos contactos, trata-se de lapso manifesto, pois o alvo é 84041040 (CC), até pela decorrência logica das conversas, como seja o CC a falar com a namorada AH a perguntar se ela quer ir com ele e a AH a fazer uma cena de ciúmes que ele vai sempre acompanhado com amigos, sendo que acaba por ir pois ele diz que vão só os dois.

Apenso Audio Uniforme IE, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir o CC a fazer vendas directas a consumidores com encontros e combinação de preços, como seja,

Dia 23.06.2016 (sessão 6039) onde o CC, por SMS, pergunta quanto queria e o desconhecido diz que tem dinheiro para 3 mas se lhe puder dar 5 paga na próxima

Dia 24.06.2016 (sessão 6351) onde é enviado um SMS ao CC a pedir 100

Dia 24.062016 (sessão 6113) onde o CC diz a um desconhecido que hoje dá-lhe o que ele lhe pediu e amanhã dá as outras, sendo que no dia seguinte o desconhecido volta a pedir o que falta (sessão 6411)

Ora, aqui chegados não restam dúvidas a este Tribunal que se encontram provados os factos 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º, 30º, 31º, 32º, 33º, 34º, 35º, 81º 82º e 90º com base em toda a prova supra.

Na verdade o arguido CC desenvolve esta actividade ilícita diariamente, sendo que se constata já um número elevado de vendas, sendo que são vendas de estupefaciente não ao consumidor final mas sim a intermediários, por forma a escoar uma grande quantidade de produto estupefaciente.

Já no que se reporta à arguida AH, para além do que ficou provado de que a mesma se encontrava no veículo quando o CC foi detido e que igualmente foi alvo de detenção, mais nada existe em termos de prova carreada para os autos que a mesma tenha tido qualquer intervenção ainda que diminuta na actividade do namorado, pelo que soçobra aqui o elemento subjectivo. Na verdade, mesmo socorrendo-nos das escutas telefónicas, apenas se verifica que a mesma assentiu a ir com o namorado nesse dia e existe uma outra escuta a referir que o namorado teria ido adquirir telemóveis o que é manifestamente insuficiente para dar como provado o elemento subjectivo.

Quanto ao arguido LC,

O mesmo não quis prestar declarações, sendo que foram ouvidas algumas testemunhas, como seja,

As testemunhas Órgãos de Policia Criminal, confirmaram a totalidade das vigilâncias efectuadas e respectivas intercepções telefónicas que os mesmos escutaram e transcreveram.

Foi tido em atenção igualmente,
- O Auto de notícia por detenção de fls. 3019 e seguintes
- O auto de busca e apreensão de fls. 3023, à residência do arguido LC, onde consta que foram apreendidos 4 telemóveis, um aerossol e quantias monetárias num total de €24.310,00;
- O auto de busca e apreensão de fls. 3025, do veículo automóvel do arguido LC;
- Reportagem fotográfica de fls. 3744, do veiculo automóvel do arguido LC;
- Os apensos de transcrições de escutas telefónicas,

Como seja,
Apenso Audio Vox Alfa Zulu, onde entre muitas outras conversações, se pode ler

Dia 29.09.2016 (sessão 159) onde um desconhecido pede 10 braceletes (placas) ao LC e ele diz que sim

Dia 04.10.2016 (sessão 365), onde o FB se zanga com o LC porque pediu a aquilo e agora não aparece, porem pede-lhe logo o dinheiro porque precisa de entregar; Ainda nesse dia o FB pergunta ao LC se quer o maço de tabaco fechado (fardo inteiro) ao que o LC diz que sim e ele volta a pedir-lhe o dinheiro todo.

Dia 18.10.2016 (sessão 704) onde o FB lhe pede o dinheiro para amanhã e o LC diz que sim, ao que o FB diz para não falhar que isto é de homens e não de crianças.

Dia 19.10.2016 (sessão 715) onde o FB diz ao LC que faltam 100 paus no monte que tinha duas notas verdes (100 euros), ao que o LC diz que depois lhe dá.

Dia 23.10.2016 (sessão 796), onde um desconhecido pede para o LC trazer 5 pulseiras novas (placas)

Dia 25.10.2016 (sessão 826) onde um desconhecido lhe envia SMS a dizer 10 pães (placas), ao que o LC telefona (sessão 828) a preguntar se dez pães chega e o desconhecido diz que sim.

Dia 26.10.2016 (sessão 844) onde um desconhecido reclama da droga com o LC: «o peixe não tá capaz»

Dia 31.10.2016 (sessão 1094) onde um desconhecido diz ao LC que tem quem fique com tudo mas tem que lhe dizer qual o preço que quer

Apenso Audio Vox Alfa Mike, onde entre muitas outras conversações, se pode ler

Dia 22.08.2016 (sessão 224) onde o CC diz ao irmão LC para ele apertar com as pessoas que vão ser ouvidas para avisar que tem que dizer não senão estão fodidos, sendo que o CC diz que vai enviar os nomes por sms.

Dia 22.08.2016 (sessão 225/226/229/230/231/234) vários sms que o CC envia ao irmão com os nomes das pessoas que ele tem que apertar.

Dia 26.08.2016 (sessão 427), onde o LC fala com o arguido FB, sendo que este ultimo lhe pergunta se anda a orientar o Pires. O LC Assente e o FB diz que o Pires anda a vender a 120 e dá cabo do negocio a todos, ao que o LC diz que pode falar com ele para começar a vender a 140.

Dia 26.08.2016 (sessão 439) onde o FB pede ao LC para lhe desenrascar 4 gramas de cocaína (4 de giz) e 600 (haxixe), ao que o LC diz que sim.

Dia 26.08.2016 (sessão 444) onde o FB está a falar com o LC e diz que acabou de fugir à polícia porque estava com uma cena e que até a deitou fora pelo que a tem que ir apanhar.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Alfa Victor, onde entre muitas outras conversações, se pode ler

Dia 10.01.2017 (sessão 1065) onde o LC telefona para o FB pois quer trocar o «paquete» ao que o FB diz que depois troca;

Dia 11.01.2017 (sessão 1107) o FB pergunta ao LC se é só um que quer trocar, ao que o LC diz que sim.

Ora, tendo em atenção a prova supra referida, ou seja, as escutas telefónicas devidamente validadas com a informação nos autos de que o mesmo exerce a profissão de ajudante de publicidade com o pai e bem assim com a detenção de cerca de €24.000,00, não deixam dúvidas que este arguido se dedicava à prática de tráfico de estupefacientes, nomeadamente de haxixe como consta da acusação.

Quanto aos arguidos FB, JD e JCC

O arguido FB não pretendeu prestar declarações.
O arguido JCC referiu que não sabia de nada e que o JD apenas lhe pediu boleia para ir ao Centro Comercial ao que o mesmo assentiu. Quando estavam no centro comercial, entraram dois espanhóis no seu carro que lhe ofereceram dinheiro para conduzir o outro carro ao que ele recusou. Não é consumidor de canábis nem tem nada a ver com isso. (foi ouvida a mulher do arguido como testemunha de defesa que referiu que o marido trabalha de 2ª a sexta feira e que passa os fins de semana em casa. Naquele dia, o marido disse-lhe que como p barco avariou ia levar um rapaz e já voltava, sendo que o JD não é amigo da família mas apenas conhecido da cidade).

O arguido JD referiu ser verdade que estava a trazer droga para o ‘cigarrinho’ (alcunha do FB, sendo que o arguido apontou para o arguido FB quando se referiu a «cigarrinho») pois como é consumidor de cocaína devia muito dinheiro ao Isla (cerca de 3500 euros), por isso o Isla o começou a ameaçar e disse-lhe que para abater a divida teria que lhe fazer uns trabalhos. Deu-lhe um telemóvel disse para ir a Cádiz buscar a droga e a ir entregar em Portugal ao FB. Entretanto o FB começou a regatear o preço e o Isla disse para não entregar nada ao FB. Foram ao Centro comercial e após a saída o outro carro (que transportava a droga, pois ele era o batedor) perdeu-se e aí é que percebeu que estavam a ser seguidos. Telefonou para o FB para este os ajudar e foi para Espanha. Quando voltou para os ir buscar é que foi detido. Mais acrescentou que o JCC não sabia de nada pois ele propôs-lhe dar 100 euros para ir com ele e mais a gasolina. Referiu que a droga já não era para o Cigarrinho mas não sabe para quem era, sendo que esperou cerca de uma hora do centro comercial pois o FB atrasou-se. O encontro era numa gasolineira às 22 horas, perto de Tunes. Porem, questionado pelo Tribunal, não conseguiu esclarecer porque é que pediu ajuda ao FB se a droga já não era para ele. Igualmente questionado se tinha vindo a Portugal no dia anterior respondeu que não e finalmente disse que assim ia abatendo a divida que tinha com o Isla, de nome FJBG e não ganhava mais nada.

Foram inquiridos os órgãos de polícia criminal que ouvidos em audiência de discussão e julgamento confirmaram a realização e audição das escutas telefónicas, todos os relatórios de vigilância externa e apensões e detenções que se encontram nos autos.

Assim, foi tido em atenção,

- Relatório de Vigilância externa do arguido FB de fls. 1501, datado de 13.09.2016, quando o arguido se dirige ao Barranco Longo

- Informação de serviço de fls. 1754;
- Relatório de vigilância de fls. 1815, datado de 19.10.2016, onde o FB se encontra com um veículo de matrícula espanhola;

- Relatório de vigilância de fls. 1898, datado de 19.10.2016, onde visualizam os carros do FB e seguidamente do LC a dirigirem-se para o mesmo local o qual corrobora as escutas telefónicas validadas;

- Relatório de vigilância externa de fls. 2272, datado de 27.11.2016, onde o FB Cigarrinho se dirige para o Barranco Longo;

- O Relatório Operacional de fls. 2959, datado de 06.02.2017 e de 07.02.2016, onde o FB e o JD se encontram no Centro Comercial da Guia (confirmando as escutas infra)

- O Relatório de vigilância externa de fls. 2979, onde confirmam através da visualização com as escutas em tempo real que o veículo automóvel Renault clio arremessa pela porta traseira do lado direito os três fardos de haxixe (20h56), fardos esses que são recolhidos e que se encontram na apreensão infra referida, confirmando assim as escutas telefónicas.

- O auto de apreensão de fls. 2985 de três fardos de haxixe com o peso de 95.900,00 gramas
- Relatório pericial do produto estupefaciente de fls. 4185
- O auto de visionamento de fls. 3629, datado de 07.02.2017 no Centro Comercial da Guia
- Auto de notícia por detenção do arguido FB de fls. 3001;
- Auto de apreensão de fls. 3006 do veículo automóvel, dois telefones e um aparelho de barramento de rede;
- Auto de apreensão de fls. 3009, à residência do arguido FB, onde foram apreendidos €29.260,00 e quatro telefones;

- Reportagem fotográfica de fls. 3015;
- Auto de exame e avaliação dos telemóveis e do aparelho de barramento de rede de fls. 3660 e seguintes e 3680 e seguintes.
- Auto de exame e avaliação de fls. 3746, do veículo apreendido ao arguido FB;
- Auto de exame e avaliação de fls. 3749, do veículo apreendido ao arguido FB;
- O auto de exame e avaliação de fls. 3763, do Renault Clio
- O auto de exame e avaliação de fls. 3760 ao Nissan Qashqai

-Reportagem fotográfica de fls. 3642 ao Renault Clio
- o Auto de visionamento de fls. 3629 datado de 07.02.2016, dentro do centro comercial da Guia
- Auto de apreensão do veículo Nissan Quashqai de fls. 2988 e respectivo telefone de fls. 2992
- Auto de apreensão de fls. 2996 do Renault Clio
- Os apensos de transcrições de escutas telefónicas,
Como seja,

Apenso Audio Vox Zulu, onde entre muitas outras conversações, se pode ler

- Dia 13.07.2016 (sessão 30 e 37) – FB a receber reclamações de um desconhecido devido à qualidade da droga («o disco está riscado» «deve ter entrado humidade»)

- Dia 13.07.2016 (sessão 46 a 50) A ACM envia sms ao FB a dizer que se ele lhe desse o contacto ela ia lá, pois a SF disse que não havia problema.

- Dia 13.07.2016 (sessão 52) a ACM telefona para o FB que está com o CC no ginásio e o FB diz-lhe que o fornecedor desligou o telemóvel quando soube que a SF tinha sido detida e telefonou-lhe de uma cabine, mas que o CC está a dizer que vai lá à noite, sendo que a CC diz que não confia nele.

- Dia 13.07.2016 (sessão 54) onde o FB diz a um desconhecido que não podia trocar aquele pois era o único «mambo qua há aí na área» e o desconhecido diz-lhe que ninguém pega naquilo. O FB diz que não teve reclamações de mais ninguém e que os outros até levaram muito mais.

- Dia 17.07.2016 (sessão 133) O FB diz a um desconhecido que vende a 7 meia saca e a referir que da outra mais barata nem sempre consegue arranjar. O desconhecido refere que queria uma inteira mais para o fim do mês ao que o FB diz que se aparecer mais da outra cena fala com ele pois nem sempre aparece.

- Dia 19.07.2016 (sessão 211 e 212) – onde o FB faz contas com um desconhecido

- Dia 22.07.2016 (sessão 249) O FB pede a um desconhecido 240 euros que faltam da cena que levou;

- Dia 24.07.2016 (sessão 289) O FB diz a um desconhecido que vai ter que esperara pois se fosse uma cena grande ainda era como o outro, agora ir lá por causa disso, não.

Apenso Audio Vox Alfa Hotel, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 09.08.2016 (sessão 351) onde o FB está a falar com alguém enquanto está à espera de ligação e diz que como não consegue ir lá manda lá o rapaz, dá-lhe o dinheiro e ele já sabe onde é, mas ainda não conseguiu falar com o espanhol. Mais refere que são 2000 euros mas são 8 quilos.

- Dia 09.08.2016 (sessão 495) O BB liga para o FB e pergunta onde quer que guarde aquilo pois já a tem, ao que o FB diz que vai ter com ele.

- Dia 10.08.2016 (sessão 627/628/629/630/631) a (Ex) namorada do FB, Juliana envia-lhe sms a dizer que está com a balança dele, aquela que ele utiliza para pesar cocaína e para ficar com a nova que ela vai ter muito tempo para o visitar na prisão.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Delta, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 17.10.2016 (sessão 45) onde o FB reclama de um carregamento que estava estragado, sendo que o espanhol diz que tem lá da boa para ir buscar, ao que o FB diz que já leva muitos anos daquilo pelo que não é parvo

- Dia 17.10.2016 (sessão 48) onde o Espanhol diz ao FB que se não for boa trás de volta, sendo que agora só há uma

- Dia 17.10.2016 (sessão 50) onde o espanhol diz ao FB que não tem nada «está tudo seco», e que vai dar uma volta para ver se encontra alguma coisa

- Dia 18.10.2016 (sessão 77) o FB diz ao BB que está seco e que precisa de ir buscar ao que o BB diz que não dá pois está a trabalhar. O FB responde-lhe que uma pessoa tem que fazer sacrifícios para ganhar algum.

- Dia 18.10.2016 (sessão 78) O FB diz ao espanhol que falou com o gordinho (BB) e ele não pode ir pois está a trabalhar mas que aquilo lhe está a fazer falta e que não pode deixar as pessoas «penduradas». O espanhol diz que pode mandar entregar e discutem o preço.

- Dia 18.10.2016 (sessão 84) o FB confirma com o espanhol que é o espanhol que trás, sendo que, no dia seguinte, quando estiver perto telefone.

- Dia 18.10.2016 (sessão 85) o FB telefona ao BB que amanhã não dá e que fica para a próxima.

- Dia 18.10.2016 (sessão 87) o FB diz ao espanhol que vai dar o dinheiro das 3 caixas e que se ele quiser esperar por amanhã, leva logo metade.

- Dia 18.10.2016 (sessão 103) o FB liga ao LC e pede-lhe o dinheiro

- Dia 19.10.2016 (sessão 124) o FB telefona para o espanhol e confirma a hora e o local

- Dia 19.10.2016 (sessão 136) o FB liga para um desconhecido para lhe perguntar se o mambo que cortou era bom ao que o outro responde mais ou menos e comenta que existiu um que se queixou e não percebe porquê porquanto fumou e estava fixe.

- Dia 19.10.2016 (sessão 137) O FB telefona ao LC e diz que faltam 100 euros no maço das notas verdes (notas de 100), sendo que o LC diz que depois lhe dá.

- Dia 19.10.2016 (sessão 138) o espanhol diz ao FB que tem um fumo de «puta madre» (muito bom) e que está barato, a 500. Acrescenta que se não o quiser o vende lá, ao que o FB diz para trazer.

- Dia 19.10.2016 (sessão 140) O FB pede ao espanhol para trazer 3 e negoceiam o preço.

- Dia 19.10.2016 (sessões 143/153/157) O FB envia varias SMS ao espanhol com as indicações do local

- Dia 19.10.2016 (sessão 158) 5 minutos depois, o FB telefona para o LC para ir buscar a parte dele.

- Dia 20.10.2016 (sessão 268) o espanhol diz ao FB que não tem mais droga e promete outra

- Dia 21.10.2016 (sessão 307/308/310) o espanhol envia sms ao FB a dizer que dentro de uma hora está no local e que só arranjou 25 pelo que ele faça logo as contas

- Dia 21.10.2016 (sessão 323/324) o FB reclama com o espanhol com a droga recebida, diz que estão 4 M’s e que são muito duros. Reclama igualmente que estão abertos e desmanchados pelo que não pode dar aquilo assim, pois que não é para fumar, é para despachar.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Oscar, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 03.11.2016 (sessão 10) onde o FB diz a algum que estava policia na fronteira e eles tiveram que mandar os fardos fora. Mais refere que tem uma pessoa a quem vender um fardo inteiro.

- Dia 3.11.2016 (sessão 19) o FB a referir a alguém enquanto está à espera de fazer ligação que se comprara 10 fardos de pólen o fornecedor tem que lhe fazer mais barato

- Dia 3.11.2016 (sessão 21) O FB fala com um espanhol, sendo que o espanholo, está em Lepe e está a referir que esta a ver uma coisa boa.

- Dia 3.11.2016 (sessão 55) o FB confirma ao espanhol que fica com a droga

- Dia 04.11.2016 (sessão 80) O FB confirma com o espanhol se já tem a droga

- Dia 4.11.2016 (sessão 84) o BB diz ao FB que não tem ninguém para ir com ele pois eles tem medo e pede ao FB a «puta» dele (pistola) ao que o FB diz para a ir buscar.

- Dia 4.11.2016 (sessão 101) o FB, enquanto espera pela ligação telefónica, diz a alguém que comprou a 1900 e vendeu a 3200, um quilo.

- Dia 4.11.2016 (sessão 102) o FB a encomendar mais droga ao espanhol pois já não tem nada em mãos, ao que o espanhol diz amanhã.

- Dia 5.11.2016 (sessão 144) o FB confirma com o espanhol a vinda

- Dia 5.11.2016 (sessão 153) o BB pergunta ao FB quanto é que ele está pensar traçar/riscar aquilo, sendo que o FB diz que se meter metade fica fixe ao que o BB diz para meter só 300 ao que o FB diz metade porque fica bem.

- Dia 5.11.2016 (sessão 156) o FB combina com o espanhol o local

- Dia 5.11.2016 (sessão 165) O FB diz ao BB que já está com ele, ao que o BB diz que vai já.

- Dia 5.11.2016 (sessão 179) O FB, meia hora depois, liga para o espanhol a reclamar que faltam 100 gramas e pergunta quem foi o parvo que lhe vendeu aquilo. Bem lhe parecia que aquilo não tinha um quilo. O espanhol responde que pesou 590 gramas e 590 gramas pelo que iam até 180 gramas a mais. O espanhol diz que vai ligar ao outro.

- Dia 6.11.206 (sessão 212) o FB diz que vai ligar ao outro que tem a cena guardada.

- Dia 06.11.2016 (sessão 221) o FB discute os preços da droga com o espanhol

- Dia 6.11.2016 (sessão 231) o FB telefona para um desconhecido e pergunta se o mambo é bom e se está a sair bem, ao que o outro diz que é bom mas está caro, ao que o FB acaba por lhe baixar o preço

- Dia 6.11.2016 (sessão 248) O FB telefona para o fornecedor e pede 3 caixas urgente, sendo que o fornecedor espanhol dia que leva amanhã (sessão 250)

- Dia 7.11.2016 (sessão 252) O FB diz ao BB que vai agora buscar

- Dia 7.11.2016 (sessão 254) O FB combina a entrega com o fornecedor espanhol.

Dia 7.11.2016 (sessão 257) o BB envia sms ao FB a dizer que vai lá buscar as amostras

- Dia 7.11.2016 (sessão258) O BB dia ao FB que vai buscar agora amostras ao que o FB diz que também lhe vão trazer umas dentro de uma hora ou duas, sendo que depois se encontram para ver as amostras e o preço.

-Dia 7.11.2016 (sessão265) O FB e o BB discutem o preço da droga dos seus fornecedores, sendo que acham uma caro.

- Dia 7.11.2016 (sessão 267) o fornecedor espanhol pergunta ao FB se já viu as amostras, sendo que o FB diz que a do Messi quer as outras ainda vai ver.

- Dia 7.11.2016 (sessão 268) o FB refere a alguém que vai perguntar ao Caveirinha se ele quer comprar a aquele preço, pois não consegue arranjar preço igual. Ainda em voz off, o FB comenta que deve 10 quilos ao LC (sessão 271)

- Dia 7.11.2016 (sessão 294) o FB fala com o BB e diz que parte do haxixe está mais barato porque está muito duro muito embora não cheire mal a fumar. Acrescenta que a única boa (Messi) é para o LC e só há uma. O BB diz que tem que ver isso e que vai ter com ele.

- Dia 7.11.2016 (sessão 297) O BB liga ao FB a dizer que veio ver as que tinha.

- Dia 7.11.2016 (sessão 307) O FB pergunta a um desconhecido se a que ele levou era boa, ao que o desconhecido diz que era fraquinha. O FB diz que tem uma 20 x melhor, ao que o outro diz que amanhã vê.

- Dia 7.11.2016 (sessão 308) O FB combina novo encontro com o fornecedor espanhol

- Dia 8.11.2016 (sessão 314) o Fornecedor espanhol – Isla – diz que já tem novamente e que pode mandar o JD levar. Acrescenta que o que vai levar o FB já lhe pagou ontem mas que falta pagar cerca de 20.000,00. Ainda regateiam o preço do que o fornecedor tem e acordam que o FB fica com 8 fardo se for a 140 a placa.

- Dia 8.11.2016 (sessão 315) o JD telefona ao FB e diz que a entrega tem que ser hoje pois depois fica sem carro, ao que o FB diz para vir depressa.

- Dia 8.11.2016 (sessão 320) O FB telefona ao BB e diz que tem coisas fixes ao que o BB pergunta o preço.

- Dia 8.11.2016 (sessão 321) o FB pergunta ao fornecedor quantas tem daquela, ao que o mesmo reponde cinco. (confirma a entrega do JD). O FB telefona para o BB a dizer que tem cinco (sessão 322)

- Dia 9.11.2016 (sessão 364) O Isla telefona ao FB e diz-lhe que encontrou droga daquela boa, ao que o FB diz para ele trazer amostras.

- 15.11.2016 (sessão 493) O FB telefona para um desconhecido a pedir-lhe o dinheiro.

- Dia 15.11.2016 (sessão 500) um desconhecido pergunta ao FB se tem dos de 1000 paus, ao que o FB diz que só tem dos outros. O desconhecido responde que eles acham esse caro.

- Dia 15.11.2016 (sessão 504) o FB acaba por dizer ao desconhecido que se ele levar mais, ele baixa o preço, se levar 10 ele faz a 1050.

Dia 15.11.2016 (sessão 506) o FB recebe um telefonema de um desconhecido a encomendar uma cena igual.

- Dia 15.11.2016 (sessão527) O FB telefona para um individuo (Quarteira) depois de este ter ido ter com ele e diz que está dinheiro a mais. Devia estar 22450,00 e estão 22.880,00.

- Dia 16.11.2016 (sessão 540) O FB diz ao BB que o fornecedor mandou o rapaz para vir buscar o dinheiro (12.000,00)

- Dia 17.11.2016 (sessão 573) onde o FB diz ao desconhecido (Quarteira) que o outro de deve 1070,00.

- Dia 17.11.2016 (sessão 590) FB reclama com um desconhecido pois ele só lhe deu 2400,00 euros, ao que o desconhecido diz que num maço estavam 1700 euros e noutro estavam 1100 euros. O FB volta a ligar (sessão 591) e diz que afinal estavam 2700 euros.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Papa, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 12.11.2016 (sessão 2) o Fornecedor espanhol Isla diz ao FB que o JD foi apanhado em Espanha com amostras, ao que o FB diz que podem dizer que era para fumar. O Isla diz ainda que tem da boa para o FB ir lá, ao que este diz que vai.

- Dia 12.11.2016 (sessão 3) o FB telefona ao BB a contar que o JD foi apanhado e a confirmar que o Isla tem lá uma melhor e tem que ser sempre mais ou menos ao mesmo preço.

- Dia 13.11.2016 (sessão 27) O FB telefona para o Isla a confirmar a entrega das amostras e a consequente entrega de dois tipos de droga e discutem os preços.

- Dia 13.11.2016 (sessão 42) o JD liga ao FB e diz que é ele que vai levar. O FB diz que esta no hospital e combina para o dia seguinte.

- Dia 13.11.2016 (sessão 52) o FB liga ao BB a dizer que partiu o pé e que o outro vai trazer as amostras agora, pelo que ele tem que ir lá.

- Dia 13.11.2016 (sessão 60) O JD confirma com o FB o sitio para se encontrarem.

- Dia 13.11.2016 (sessão 61) O FB telefona ao BB a dizer que já está com o fornecedor e que a droga é de alta gama, sendo que o BB diz que vai já para lá.

- Dia 14.11.2016 (sessão 79) o FB fala com o fornecedor espanhol Isla e negoceia os preços da droga que o JD lhe trouxe, sendo 680 a melhor e a outra o FB tenta que o Isla lhe faça a 580, falando numa caixa.

- Dia 15.11.2016 (sessão 111) o FB pergunta ao Isla se ainda tem aquelas 5 ao que o espanhol diz que sim.

- Dia 16.11.2016 (sessão 125) O FB pede para o Isla lhe guardar a droga que é para ele e que tem 12.000,00 para lhe entregar, ao que o Isla diz que vai tentar ir buscar.

- Dia 16.11.2016 (sessão 128) O JD fala com o FB e diz que está lá dentro de 5 minutos para ir buscar o dinheiro, ao que o FB diz que vai mandar alguém pois ele esta em casa.

- Dia 16.11.2016 (sessão 129) O FB diz ao JD que vai mandar o colega ir ter com ele para o trazer.

- Dia 16.11.2016 (sessão 137) O FB liga ao Isla e diz-lhe que está com o JD pelo que lhe vai dar os 12.000,00 mais 5.000,00 euros.

- Dia 18.11.2016 (sessão 156) o FB telefona ao Isla e diz que se enganou pois enviou-lhe 18.000,00 em vez de 17.000,00 ao que o Isla diz que não que o dinheiro estava certinho. O FB diz que vai ver pois faltam-lhe 1000 euros.

- Dia 22.11.2016 (sessão 222) O FB telefona ao Isla e diz que o rapaz quer um desses e que vai buscar. O Isla pergunta se tem que cobrar mais para a comissão dele (FB) ao que este responde que não que é a 680 igual.

- Dia 22.11.2016 (sessão 225) O FB telefona ao BB a dizer que o Isla tem lá aquilo para ele.

- Dia 22.11.2016 (sessão 233) O FB telefona ao Isla e diz que o rapaz vai lá agora e que sabe onde é a casa dele. Pede ainda ao Isla erva para fumar ao que o Isla diz que lhe vai mandar 40 gramas.

- Dia 22.11.20146 (sessão 234) O FB telefona ao BB a confirmar a ida.

- Dia 22.11.2016 (sessão 239) o BB envia SMS ao FB a dizer que está lá em 20 minutos

- Dia 22.11.2016 (sessão 240) O FB telefona ao Isla a dizer que o rapaz está a chegar

- Dia 22.11.2016 (sessão 241) O BB envia sms a dizer que já está

- Dia 22.11.2016 (sessão 248) o LC telefona ao FB a pedir 50 mambos, sendo que o FB telefona-lhe de volta a dizer que consegue arranjar e se quer passar por lá agora (sessão 250)

- Dia 22.11.2016 (sessão 252) O FB pergunta ao Isla se mandou também para ele e o Isla diz que mandou a prima Maria (erva) e um pedacinho da pequena

- Dia 25.11.2016 (sessão 323) O BB pergunta ao FB se o «coiso» ainda tem lá «coiso», ao que o FB diz que vai ligar.

-Dia 25.11.2016 (sessão 330) o FB pergunta ao Isla se ainda tem que que este responde que sim e que também tem o dele e se ainda está servido. O Isla diz para o rapaz ir ter com ele.

- Dia 25.11.2016 (sessão 335) O FB diz ao BB que ele ainda tem lá uma cenita que era para ele mas o BB diz que não tem onde guardar. O FB diz que não faz mal e que o outro tem lá a cena para ele.

O BB diz que se vai despachar para ir buscar.

- Dia 27.11.2016 (sessão 449) O FB pede o dinheiro ao LC e este diz que ainda faltam 300 ou 400 euros.

- Dia 28.11.2016 (sessão 473) O FB diz ao Isla que o colega quer do euro estrela, ao que este responde que vai à procura.

- Dia 29.11.2016 (sessão 475) O FB diz ao Isla que tem o dinheiro para ele ao que o Isla diz que está à procura do Euro para ele e que apanha o dinheiro depois.

- Dia30.11.2016 (sessão 510) O Isla diz ao FB que já tem o euro e combinam a hora da entrega.

- Dia 31.11.2016 (sessão 512) O Isla diz que vai levar um tipo de estupefaciente e o FB pergunta pelo outro, sendo que o Isla diz que desse esta à espera. O FB pede para trazer 15 do «2», o do euro estrela, as amostras e erva para fumar.

- Dia 31.11.2016 (sessão 519) onde o JD diz ao FB que vai sair agora

- Dia 1.12.2016 (sessão 547) o Isla pergunta ao FB se já viu a droga ao que o FB diz que sim e encomenda o que quer.

- Dia 13.12.2016 (sessão 767) O FB pergunta ao Mauro se já tem o dinheiro ao que este responde que só tem mil e tal pois aquilo está fraco

- Dia 17.12.2016 (sessão 868) O FB confirma com o Isla que lhe tem que dar 20.400,00 euros.

- Dia 30.12.2016 (sessão 1079 a 1083) A ACM, através de SMS, pede ao FB 10 gramas de cocaína emprestado.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Alfa Lima, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 20.1.2017 (sessão 8) onde o FB pergunta à ACM quantas tem ao que ela responde 12

- Dia 20.01.2017 (sessão10 e 11) onde o FB reclama com o JD e o Isla sobre a qualidade da droga, pois o carregamento veio todo estragado.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Alfa Quebec, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 06.02.2017 (sessão 109) onde o FB pergunta ao JD o que há e ele diz que não há nada. Apenas tem amostras. O FB diz que precisa de dois fardos, ao que o JD diz que amanhã.

- Dia 06.02.2017 (sessão 116/117) onde o JD diz que está lá para entregar as amostras.

- Dia 07.02.2017 (sessão 124) O JD telefona ao FB a dizer que já lá está (entrega do dinheiro) ao que o FB diz que ainda vai a casa procurar aquilo.

- Dia 07.02.2016 (sessão 143) O Isla telefona ao FB a dizer que falta 180 euros e o FB diz que estava 19.500,00 mas que não contou o dinheiro.

- Dia 07.02.2016 (sessão 144/145) o FB telefona ao JD a dizer para mandar as 3 iguais que as outras são muito caras e ele quer as de 650 euros, ao que o JD diz não ser possível pois já têm as caixas prontas mas que vai telefonar ao Mame. O FB diz então que não faz mal para trazer na mesma mas que não paga mais do que 650 e 680 e paga como quiser, sendo que essas já estão pagas.

- Dia 07.02.2016 (sessão 150/155/159) O JD diz que já vai a caminho ao que o FB responde que está atrasado uma hora e meia

- Dia 07.02.2016 (sessão 160) o FB diz para irem para o sitio combinado

- Dia 07.02.2016 (sessão 161) O JD pergunta ao FB que carro tem e diz que existe um Peugeot preto que vem atras deles. O FB diz para eles irem para o sítio combinado que ele parte o outro carro todo.

- Dia 07.02.2016 (sessão 174) onde o JD diz que o outro carro não atende o telefone e conta novamente o que se passou confirmando que era o outro carro que trazia os 3 fardos.

- Dia 07.02.2016 (sessão 184) O JD diz que os outros fugiram mas que mandaram os fardos fora;

- Dia 07.02.2016 (sessão 187) onde o FB fala com o condutor do Renault e pergunta onde estão e diz para esperar.

- Dia 7.02.2016 (sessão 196) o FB diz ao JD que agora não vai lá à procura deles pois a policia deve estar por lá e já tem os 3 fardos

- Dia 07.02.2016 (sessão 209) onde o condutor/pendura do outro carro (Renault) conta ao FB que atirou a droga pela parte de trás do carro.

- Dia 07.02.2016 (sessão 211) onde o JD diz ao FB que agora está ele a ser seguido

E finalmente Apenso Audio Vox Alfa Alfa Alfa Romeu, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir (para alem das referidas supra em que o alvo é agora JF mas que são iguais)

- Dia 07.02.2016 (sessão 481) onde o JD liga para o Isla e diz que está à espera. Chama parvo ao FB e diz que ele é capaz de ter ido ao Ginásio enquanto eles estão à espera. O Isla diz que compraram, aquela a 650, estão acordados desde as 7 da manhã e só vão ganhar 30 euros.

- Dia 07.02.2016 (sessão 484) onde o JD liga para o outro carro e diz que está chateado pois diz que o filho da puta não atende, o maricas deve ter ido para o ginásio e diz para eles irem para o centro comercial esperar.

- Dia 07.02.2017 (sessão 485) em que o JD liga para o Isla e diz que vai alterar os preços para 670 que ele sempre nos fez de parvos, ao que o Isla diz que sim.

- Dia 07.02.2017 (sessão 486) o FB telefona para o JD e pergunta onde está e que ainda vai demorara 40 minutos.

- Dia 07.02.2016 (sessão 648) o JD liga ao Isla e diz que aconteceu qualquer coisa ao chato e ao outro (Renault) pois não atendem e disseram que estavam a ser seguidos.

- Dia 07.02.2016 (sessão 728) O JD liga ao Isla e diz que os outros estão escondidos

- Dia 7.02.2016 (sessão 741) onde o JD diz ao Isla que o FB não quer ir busca-los.

Ora, da prova carreada supra, dá o Tribunal como provado os factos que constam da pronúncia. Na verdade, muito embora não tenha sido apreendida qualquer produto estupefaciente ao arguido FB, facto é que foi apreendido quantias monetárias de cerca de €29.000,00 que corroboram a actividade ilícita do arguido, sendo que dos relatórios de vigilância externa e nas respectivas escutas telefónicas, retira-se sem margem para quaisquer duvidas que o arguido se abastecia de produto estupefaciente em Espanha e que se socorria de pessoas (como seja o arguido BB) para o transporte ou, na maioria das vezes, eram os próprios espanhóis que a vinham entregar (verifica-se à saciedade o JD a vir entregar amostras e estupefaciente). Esta actividade, atento as escutas telefónicas, era quase diária, escoando uma grande quantidade a grosso de produto estupefaciente. Retira-se igualmente das escutas que o arguido revendia o produto e que antes de ir pagar ao fornecedor recolhia o dinheiro. Acresce que a actividade já se mostrava elevadamente organizada porquanto o arguido pretendia primeiro amostras e se fosse boa encomendava, sendo que se fosse enganado não pagava. Não olvidemos que, muito embora esta última transacção tenha saído gorada, porquanto os três fardos de haxixe foram apreendidos ainda antes de chegar ao destino (FB) facto é que as escutas mostram à amiúde a inúmeras outras compras de produto estupefaciente com a respectivo comprovativo do recebimento, porquanto o fornecedor espanhol tinha o cuidado de lhe telefonar sempre a perguntar se já tinha recebido e se era de boa qualidade.

Já no que se reporta a esta ultima transacção, ainda que o arguido JD apenas tenha confessado parte, não restam duvidas que o mesmo igualmente mandava (escutas telefónicas a fazer o preço da droga com o Isla sendo que não parecia que estava a ser ameaçado) e que aquele produto estupefaciente se destinada de facto ao FB e era para lhe ser entregue, por isso mesmo estiveram à espera dele no centro comercial e só quando o FB telefonou a dizer para irem para o local do encontro (bombas de gasolina em Tunes) eles saíram do C.Comercial – conforme o relatório de vigilância externa elaborado em tempo real com as escutas e já referido.

Por fim, no que concerne ao arguido JCC, para além das declarações do próprio e das declarações do arguido JD a referir que ele não sabia de nada, não foi carreada mais prova para os autos que confirmasse que o mesmo sabia de toda a situação, ainda que das escutas se retire que o mesmo ia a conduzir e que andou de um lado para o outro à procura dos outros dois espanhóis, é de facto insuficiente para confirmar que o mesmo sabia o que se tratava, pelo que resultando provado que o mesmo conduzia o veiculo nada mais ficou provado, nomeadamente no que se reporta ao elemento subjectivo.

Quanto ao arguido AG

O arguido AG optou por não prestar declarações, sendo que os órgãos de policia criminal confirmaram uma vez mais todas as detenções e autos de apreensão e escutas telefónicas,
Assim, foi tido em atenção,

- O auto de notícia por detenção do arguido AG de fls. 3070;

- O auto de busca e apreensão à cada do arguido AG de fls. 3075, onde são encontrados:

€1010,00
Uma balança de precisão
2,91 gramas de canábis
2593,38 gramas de canábis no quarto
210,96 gramas de cocaína
3201,96 gramas de canábis

Duas armas de fogo (uma metralhadora marca Scorpion e uma espingarda Emilio Rizzini com o numero de serie rasurado)

- O relatório fotográfico da apreensão de fls. 3078
- O relatório perícia de fls. 4117 (produto estupefaciente)
- O relatório pericial de fls. 3400 e seguintes, 3402 e seguintes

- O Relatório de vigilância externa datado de 4 de Novembro de 2016, de fls. 1821 onde é visualizado o veículo de AG.

- Apenso Audio Vox Alfa Alfa Golf, onde entre muitas outras conversações, se pode ler/ouvir

- Dia 26.10.2016 (sessão 24) onde o FB telefona para o AG e diz que vai passar na casa dele agora

- Dia 29.10.2016 (sessão 120) onde o FB telefona ao AG e diz que passa por lá daqui a pouco ao que o AG responde que é capaz de não estar mas que deixa com o irmão

- Dia 29.10.2016 (sessão 121) onde o FB volta a telefona e diz que já está lá.

- Dia 30.10.2016 (sessão 176) onde o FB telefona novamente para o AG e diz que vai lá agora, ao que o AG diz que ainda lá não está e que vai ter que esperar;

Ora, aqui chegados, tendo em atenção o produto estupefaciente que foi apreendido em casa do arguido AG e bem assim as armas de fogo em consonância com as escutas telefónicas e sendo certo que o arguido FB não guardava produto estupefaciente em casa (o que se verifica à saciedade das escutas ouvidas pois que assim que trazia a droga de Espanha telefona para ir esconder num sitio ou distribuía logo) faz concluir a este Tribunal que o produto apreendido e as respectivas armas são pertença do FB. Não olvidemos, no que se reporta às armas que o FB não possuía qualquer arma em casa aquando da apreensão, no entanto emprestou uma ao BB quando este teve que ir a Espanha sozinho pois que não encontrou ninguém para ir com ele nem para fazer de batedor (conforme se pode ouvir nas escutas telefónicas supra descritas). Inexiste igualmente qualquer prova que o arguido AG procedesse à venda, ele próprio, de produto estupefaciente, sendo que dos factos supra provados e que constam da pronúncia, apenas guardava o produto estupefaciente e armas para o arguido FB.

Quanto ao arguido BB,
O arguido optou por prestar declarações referindo que o produto que lhe foi apreendido era para seu consumo pois era consumidor de haxixe há alguns anos sendo que não transportava produto estupefaciente por conta do FB nem vendia qualquer produto estupefaciente.

Ora, toda a prova vai em sentido contrario,

Desde logo – e como acima referido – os elementos policiais confirmaram todos os relatórios, apreensões e audições junto aos autos, sendo que o Tribunal se socorreu de

- O relatório de vigilância externa de fls. 1515, datado de 20.09.2016

- O relatório de vigilância externa de fls. 1517, datado de 22.09.2016

- O Relatório de vigilância externa de fls. 1820, datado de 30.11.2016 (o BB a conduzir o veiculo automóvel de fls. -CH-

- O relatório de vigilância externa de fls. 1828, datado de 06.11.2016 e respectivo mapa de fls. 1829

- O relatório de vigilância externa de fls. 2042

- A informação de serviço de fls. 1832

- O auto de notícia por detenção do arguido de fls. 3042

- O auto de busca e apreensão de fls. 3048, à residência do arguido, onde foram apreendidos 4 telemóveis, €645,00 e uma pistola de alarme com munições de salva (na mesa de cabeceira do arguido)

- O relatório fotográfico de fls. 3053 à pistola de alarme

- A autorização de busca e respectivo auto de fls. 3059 do veículo pertencente ao arguido Opel Astra, onde foi encontrado €180,00 no porta-luvas

- A autorização de busca e respectivo auto de fls. 3062/3063 ao veículo pertencente ao arguido Seta Leon, onde foram encontrados 183,48 gramas de canábis (relatório fotográfico de fls. 3067)

- Exame pericial de fls. 3425 à pistola de alarme
- Exame pericial de fls. 4175 do produto estupefaciente apreendido
- Auto de exame e avaliação de fls. 3754 ao veículo -XR
- Auto de exame e avaliação de fls. 3757 ao veículo Seat Leon

- Os apensos de transcrições de escutas telefónicas,

Como seja,
Apenso Audio Vox Alfa Lima, onde entre muitas outras conversações, se pode ler (para além dos supra referidos em relação ao arguido FB que se reportam ao arguido BB)

- Dia 26.08.2016 (sessão 85) onde o Isla combina com o BB encontro para o dia seguinte

- Dia 26.08.2016 (sessão 86) o BB telefona de seguida para o FB e confirma a ida a Espanha

- Dia 27.08.2016 (sessão 87) onde o BB telefona para o FB a fim de combinarem o encontro entre eles para posteriormente irem ter com o Isla

- Dia 27.08.2016 (sessão 90) o BB telefona para o Isla a dizer que está a ir

- Dia 27.08.2016 (sessão 93) O BB diz ao FB que já passou a fronteira de volta, sendo que o FB (sessão 94) zanga-se com o BB porque ele diz tudo ao telefone.

- Dia 27.08.2016 (sessão 104) O BB telefona ao Isla a dizer que já chegou e o Isla pergunta se ele viu a mercadoria e diz-lhe que da próxima lhe dá, pelos menos, duas (placas) para ele

- Dia 15.09.2016 (sessão 160) onde o BB telefona ao Isla para negociar directamente a compra de 8 quilos para ele e diz que tem pelo menos já dois contactos compradores como o FB.

- Dia 17.09.2016 (sessão 172) onde o BB telefona para o Isla a dizer que vai ter com ele ao que o Isla lhe diz para ir

- Dia 17.09.2016 (sessão 188) onde o BB negoceia directamente com um individuo

- Dia 20.09.2016 (sessão 212) o Isla telefona para o BB pois não consegue falara com o FB e diz-lhe para dizer ao FB que tem 53.

- Dia 20.09.2016 (sessão 227) O Isla diz ao BB que quando vier que diga para já ter tudo preparado

- Dia 22.09.2016 (sessão 269 e 272) onde o BB vende directamente duas placas ao JS;

- Dia 26.09.2016 (sessão 284 e 310) onde o BB vende ao Abel duas (placas) de haxixe.

- Dia 04.10.2016 (sessão 326 e 335) onde o BB telefona ao Isla e diz que vai ter com ele à noite e confirmam o encontro.

- Dia 18.10.2016 (sessão 385) onde o FB telefona para o BB e diz que tem que ir buscar pois está mesmo seco e ainda por cima é uma cena fixe. O BB diz que hoje não dá para ir pois trabalha ao que o FB diz-lhe que tem que fazer sacrifícios se quer ganhar algum

- Dia 23.10.2016 (sessão 412 e 419) O FB telefona para o BB e combinam ir ver a droga à noite, mas acaba por ser muito tarde e combinam para o dia seguinte

- Dia 24.10.2016 (sessão 424) onde o FB diz ao BB que não vale a pena ir pois não há produto estupefaciente (veja-se que se no telefonema anterior eles tratam o produto estupefaciente por javali, aqui tratam-no por passarinho)

- Dia 28.10.2016 (sessão 434) onde o BB pergunta ao Isla se não tem nada ao que o ISla diz que só no Domingo e combinam logo o encontro.

- Dia 30.10.2016 (sessões 437/438/439/443) o BB telefona para o ISla a confirmar o encontro e telefona a dizer que está a chegar.

- Dia 2.11.2016 (sessões 463) O BB telefona para o Isla e pergunta se pode ir buscar no fim-de-semana ou na sexta ao que o Isla lhe diz que pode ir quando quiser.

- Dia 02.11.2016 (sessão 464) Onde o Abel pede ao BB duas placas a 180 e não a 200;

- Dia 04.11.2016 (sessão 479) O BB telefona ao Isla e confirma nova ida no dia seguinte

- Dia 05.11.2016 (sessão 485) O Isla pede ao BB para não demorara pois o Cigarrinho também lá está para ir buscar para ele.

- Dia 05.11.2016 (sessão 495) O BB diz ao Abel que a droga que leva é de qualidade superior pelo que ele tem que pagar mais por ela.

- Dia 05.11.2016 (sessão 515) O BB telefona ao Isla e diz-lhe que já despachou tudo e tem dinheiro para lhe dar. Vai buscar mais na segunda-feira e pede para que a droga seja um pouco mais barata pois a outra era muito cara.

- Dia 07.11.2016 (sessões 547 e seguintes) onde o BM envia SMS ao BB e pede-lhe droga ao que o BB lhe diz que tem que pagar logo

- Dia 8.11.2016 (sessão 585) onde o João diz ao BB que já tem 200 euros para lhe dar e que faltam 100

- Dia 13.11.2016 (sessão 601) onde o João faz uma encomenda de droga ao BB.

Apenso Audio Alfa Alfa Uniforme, onde se pode ler/ouvir

- Dia 29.11.2016 (sessão 15) onde o BB telefona para o Isla e pergunta se pode ir lá hoje. O Isla pergunta se vai a mando do cigarrinho e o BB responde que não, que é para ele. Acrescenta que tem dinheiro para lhe pagar e pergunta se tem alguma coisa para ele ao que o Isla diz que sim.

- Dia 6.12.2016 (sessão 54) onde o FB telefona para o BB e diz que a polícia tem o nome dele todo, confirmando o nome completo do Alvo.

Ora, do que se acaba de reproduzir, considera este Colectivo de Juízes que ficaram provados, pelo menos, todos os factos que constam do Despacho de pronúncia. Na verdade, actividade deste arguido é espelhada nas escutas telefónicas com a sua participação direta da compra e transporte de produto estupefaciente por conta do arguido FB (e igualmente por conta do próprio). Porém, focando-nos apenas nos factos que constam da pronúncia, Fica demonstrado que o BB, pelo menos, semanalmente, buscar produto estupefaciente ao Isla, sendo que quando voltava telefonava para o FB e este dizia para onde se dirigir. Simpaticamente, o arguido BB igualmente, de cada vez que se deslocava a Espanha, fazia questão de ir dizendo ao FB onde estava e que já tinha o produto estupefaciente com ele, pelo que como se referiu perante tal prova e bem assim perante as apreensões efectuadas ao arguido, não restam dúvidas que os factos se encontram provados.

Quanto ao arguido HV

O arguido HV pretendeu prestar declarações referindo que a droga que foi apreendida não se encontrava na sua casa mas sim num barracão do outro lado da rua que ele não sabe a quem pertence mas que lá via uns marroquinos que, coincidentemente, deixaram de ser vistos quando a polícia apareceu. Apenas se encontrava dentro de casa, as armas que pertenciam ao sogro (facto de que agora não vem acusado)

Foi a ouvida a sogra do arguido que confirmou que as armas eram do falecido marido e que a droga estava num barracão do outro lado da estrada, sendo que eles não tinham acesso a este. Mais referiu, aliás como o arguido havia dito, que começou a ouvir barulhos e arrombamentos de varias casas até chegarem à deles e que apenas chegaram ao arguido – que estava a dormir – pois era dia de folga do café onde trabalha, caso contrario não teria sido constituído arguido.

Na verdade, o único órgão de policia criminal que depôs sobre este facto referiu ter assistido à busca mas que não participou, sendo que acha que a droga estaria no quintal.

Por seu turno, o auto de busca e apreensão de fls. 3098 foi efetuado na decorrência da emissão do mandado de busca e apreensão em nome do FB ao Barranco Longo (fls. 3093), sendo que até ao momento do cumprimento dos mandados inexistia qualquer prova ou noticia de que o arguido HV tivesse algum contacto com o FB, sendo que apenas foram emitidos aqueles mandados com base no relatório de vigilância externa datado de 13.09.2016, onde é visualizado o FB a dirigir-se para o Barranco Longo, a virar numa estrada sem nome perto do café cabrita (café pertencente ao arguido HV), porem nesse relatório nem sequer é descrito que o mesmo tenha parado para ir ao café conversar com alguém nem existe qualquer conversação telefónica contemporânea com o arguido HV nessa altura.

Assim, ainda que o arguido HV tenha referido conhecer o arguido FB, considera este Tribunal existir duvidas suficientes quanto à posse/propriedade do produto estupefaciente apreendido naquele anexo, não conseguindo o Tribunal ter a certeza que se impõe, para além de ser armazém de droga do FB, de que o arguido HV tinha conhecimento de tal e bem assim que se encontrava na propriedade do mesmo. Soçobra aqui a acusação, não se dando como provados tais factos.

Quanto à arguida ACM,

A arguida não pretendeu prestar declarações, sendo que os órgão de polícia criminal confirmaram as apreensões, relatórios de vigilância externa e demais escutas telefónicas ouvidas pelos próprios.

Assim, teve o Tribunal em atenção,

- O Auto de notícia por detenção da arguida de fls. 3029
- O Auto de busca e apreensão de fls. 3033, onde foram apreendidos €3415,00, 2,92 gramas de MDMA, 38,07 gramas de haxixe, dois telemóveis e uma soqueira
- A reportagem fotográfica a casa da arguida de fls. 3037
- O exame pericial de fls. 4109 (produto estupefaciente)
- O exame pericial de fls. 3423 (soqueira)
- Os apensos de escutas telefónicas, nomeadamente,

- O apenso Audio Vox Bravo Bravo, onde se poe ler/ouvir, entre outras

Dia 28.07.2016 (sessão 149) onde um individuo (Ricardo) pede MDMA à arguida ACM e ele diz que é a 30 euros

Dia 31.07.2016 (sessão 249) onde um individuo (AG) pede droga à ACM e diz que tem lá dinheiro para lhe dar.

Dia 01.08.2016 (sessão 283) onde a ACM pergunta ao CC quando é que vai lá buscar e ele diz que vai amanhã.

Dia 01.08.2016 (sessão 290) onde a ACM telefona para o João pois acha que o CC a está a enganar ao não querer que ela vá, nomeadamente cobrar-lhe mais, ao que o João diz que não e que era o combinado com a SF não lhe levar mais. Ainda acrescenta o João que o CC não quer que ela vá pois leva a abécula (namorada AH)

Dia 01.08.2016 (sessão 319) onde um individuo telefona à ACM e pergunta se ela tem aquilo que se respira (cocaína) e ela diz que sim, ao que ele lhe pede 2 (gramas)

Dia 02.08.2016 (sessão 412) a ACM envia SMS ao CC a perguntar se já tem aquilo (droga)
Dia 02.08.2016 (sessão 414) o CC envia sms a dizer que vai buscar agora

Dia 02.08.2016 (sessão 425) onde a ACM envia SMS ao CC a perguntar se está tudo bem, onde o CC responde (sessão 428) que já está a vir e ao que a ACM diz par ele ir ter com ela (sessão 428)

Dia 03.08.2016 (sessão 446) onde o João comenta com a ACM que o CC não atende mas que deve estar tudo bem ao que a ACM responde que «o otário de merda tem a minha cena» referindo-se ao CC.

Dia 03.08.2016 (sessão 487) onde a ACM telefona ao LC e conversam sobre a detenção do CC, sendo que o LC diz que já mandou o advogado («o Melo») para lá e que são os mesmos que prenderam a irmã (SF). Mais referiu que o irmão mandou a droga fora mas que eles viram e foi apanhada e que o advogado disse que ele está «fodido» pois não há nada a fazer e que foram as escutas telefónicas.

Dia 09.08.2016 (sessão 836) onde a ACM diz a um individuo (Vítor) que o advogado disse que o CC está fodido e que ele deitou fora 150 gramas, sendo que 70 gramas eram para ela e o resto era do CC.

Apenso Audio Vox Alfa Alfa Quebec, onde se pode ler/ouvir,
Dia 15.11.2016 (sessão 550) uma rapariga (Nicole) a pedir à ACM produto estupefaciente e a falarem sobre o preço e o troco que a CC lhe dará

Apenso Audio Vox Alfa X-Ray, onde se pode ler/ouvir

Dia 26.09.2016 (sessão 30) onde o FB telefona à ACM e pede-lhe «um bocado» e ela diz para ele passar às 8h

Dia 03.10.2016 (sessão 245) onde o FB pede à ACM o dinheiro da droga que ele lhe forneceu

Dia 03.10.2016 (sessão 247) onde um individuo pede à ACM «três pequenas»

Dia 03.10.2016 (sessão 254) onde um individuo pede à ACM «uma grande»

Dia 05.10.2016 (sessão 298) onde um individuo pede à ACM «uma grande»

Dia 06.10.2016 (sessão 307) onde um individuo pede à ACM «uma».

Audio Vox Alfa Alfa Alfa Juliete, onde se pode ler/ouvir,

Dia 24.01.2017 (sessão 1074) A ACM fala sobre os lucros da droga com o FB, referindo que este tem muito mais andamento. O FB diz que ela quando leva a cocaína que ele lhe fornece mete o produto de corte que quiser e ganha muito dinheiro.

Ora, aqui chegados, perante a apreensão de produto estupefaciente que existe nos autos, e as escutas telefónicas supra descritas (as mais relevantes) constata-se que pelo menos desde Julho de 2016 adquiria produto estupefaciente para revenda a terceiros, sendo que adquiriu ao CC até à sua detenção e ao FB após a detenção do CC.

Foi tido igualmente em atenção,

No que concerne aos factos constantes dos pontos 91.º a 102º (dos factos provados) baseou-se o Tribunal no relatório social dos arguidos, junto aos autos, cuja finalidade é precisamente o apuramento da situação pessoal e social do arguido, é proveniente de entidade isenta, elaborado com recurso a um conjunto de fontes e diligências aptas ao apuramento dos factos referidos, e nenhum outro elemento de prova constante dos autos contraria ou infirma os factos que o Tribunal deu como provados com base no referido relatório, pelo que o mesmo nos mereceu credibilidade.

O Tribunal teve ainda em atenção o Registo Criminal dos Arguidos, para prova dos factos 103.º e seguintes.

No que se reporta aos factos não provados, não foi feita prova suficiente em audiência de discussão e julgamento, como referido para casa um dos arguidos.

4. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Do Crime de Trafico de Estupefacientes.

Nos termos do artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, “quem, sem para tal se encontrar autorizado (…) oferecer, puser à venda, vender, distribuir (…), ceder (…) proporcionar a outrem (…) ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

São, assim, elementos típicos do crime previsto no artº 21º, nº 1:
- a oferta, o colocar à venda, vender, a distribuição, a cedência, o proporcionar a outrem ou a detenção, sem autorização;

- de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, que não se destinem ao consumo do próprio;

Como é sabido,

“quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva, desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples”- vd. Ac. do STJ de 25/11/2004, de que é relator o Sr. Consº Simas Santos, in www.dgsi.pt, proc. 04P3970.

Tratando-se de tráfico de estupefacientes
- com relevância para a apreciação do caso dos autos –

o crime-tipo vem previsto no art. 21º/1 do DL 15/93 de 22/1, sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas”, nos termos do qual

“quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos”
(sendo que as substâncias que ao caso concreto importam, cocaína, MDMA, haxixe e heroína, constam das tabelas I-B e I-A e I-C anexas ao diploma, e o art. 40º respeita ao consumo de estupefacientes),

- e os tipos privilegiados, vêm previstos no art. 25º/a) e 26º do mesmo diploma, nos termos dos quais,

no art. 25º, sob a epígrafe “Tráfico de menor gravidade”, se prevê -

“se, nos casos do art. 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I, III, V e VI”,

e, no art. 26º, sob a epígrafe “traficante-consumidor”, se prevê –
“1 - Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV. …”

A propósito desta construção e estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefaciente, como é jurisprudência pacifica do Supremo Tribunal de Justiça, sobre o tipo privilegiado do art. 25º cita-se, por clarividente, o Ac. do STJ de 22/3/2006, de que foi relator o Sr. Consº Henriques Gaspar, publicado na CJ STJ 2006, I, 216 e também acessível em www.dgsi.pt, proc. 06P664:

“Trata-se como é entendido na jurisprudência e na doutrina … de um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de art. 21º. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre ‘consideravelmente diminuída’, em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos. A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado, reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída) mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas, que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência de considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde.

…A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico”.

Assim, o crime de tráfico de menor gravidade comporta previsão na generalidade dos sistemas jurídico-penais, justificado, por um lado, por uma razão de justiça material e de proporcionalidade, não sendo legítimo que a sua punição se assemelhe à do tráfico simples , de maior gravidade , além de que é instrumento de preferência dos grandes traficantes na difusão dos estupefacientes, cumprindo dissuadir dessa prática , que agrega elevado número de agentes , dotados de grande mobilidade , eficácia e à margem de elevado e incontornável grau risco.

De um ponto de vista empírico o tráfico de menor gravidade é , como o nome sugere , um tráfico de reduzida, pequena , diminuta danosidade social , com escassa ressonância ético-jurídica , produtor de uma impressão juridicamente abaladora, limitadamente apenas à fímbria da norma de estatuição e de punição .

A ilicitude, genericamente, é a relação de antagonismo a estabelecer entre uma conduta humana e voluntária e o ordenamento jurídico; no aspecto formal ela assume a forma de acto contrário a uma proibição estabelecida pela ordem jurídica ; de um ponto de vista material representa o ataque a bens individualmente relevantes ou colectivamente significantes.

A antijuridicidade é anterior à lesão ou perigo de lesão sociológica, no dizer de VON LIZT ; diverge da culpa porque esta reveste a natureza de um juízo de reprovação individual, de desvalor subjectivo, sendo ambas passíveis de graduação, consoante a maior intensidade da lesão de bens jurídicos ou de perigo de ofensa .

A ilicitude exigida no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade é , ou tem de ser, não apenas diminuta , mas mais do que isso , consideravelmente diminuta , pelo desvalor da acção e do resultado , funcionando , exemplificativamente, “ os meios utilizados , a modalidade ou as circunstâncias da acção , a quantidade ou a qualidade das plantas , substâncias ou preparações “ , como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde , em que a quantidade não é nem o único e nem, eventualmente, o mais relevante.

E, sobre o tipo privilegiado do art. 26º,

cita-se o Acórdão do STJ de 4/1/2006 de que foi relator o Sr. Consº Oliveira Mendes, acessível em www.dgsi.pt, proc. 04P1253:

“Da hermenêutica do preceito resulta ser elemento ou requisito essencial do crime de traficante-consumidor que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no artigo 21º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal.”

Ora, revertendo ao caso dos autos, perante o que fica provado e no que se reporta agora aos arguidos,
SF,CC,JD,FB,BB, LC, e ACM, resulta que os arguidos SF, CC, JD, FB e BB transaccionavam/importavam produto estupefacientes (cada um de sua especialidade) e abasteciam terceiros e bem assim LC e ACM para que estes procedessem a vendas a terceiros, verificando-se já uma estrutura minimamente organizada, ainda que uns tivessem mais intervenção que os outros (o que se aferirá necessariamente na moldura da pena).

Acresce que muito embora o período que consta da acusação seja de cerca de um ano os mesmos não continuaram porque foram detidos e não por sua iniciativa e mesmo nesses meses, todos os arguidos tem grande actividade, uns quase diária de entregas.

Assim, temos de concluir que já teve alguma dimensão e repercussão, as suas actividades criminosa, escoando grandes quantidades estupefaciente, todos eles com a sua intervenção necessária e relevante para a prática do ilícito, não olvidando as quantias monetárias que foram apreendidas para aferir do volume dos negócios.

Nestes termos, não estamos seguramente perante uma situação de diminuição considerável da ilicitude da conduta dos arguidos supra referidos, para efeitos do disposto no artº 25º, do D.L. nº 15/93, mas antes perante uma actividade com elevada expressão e não despicienda dimensão.

Entendimento diverso é, não querendo ver a realidade, “tapar o sol com a peneira”.

Ao nível subjectivo, exige-se que os agentes tenham actuado com dolo, conforme resulta do disposto no artº 13º do C.P.

Ora, da factualidade apurada resulta que, os arguidos conheciam a natureza estupefaciente do produto, tendo agido deliberada e conscientemente, sabendo que tal conduta não lhes era permitida.

Refira-se aqui, que o que acima se referiu basta para dar como provado o elemento subjectivo, inexistindo qualquer necessidade de acrescentar que eram punidas por lei penal, pois que isso não faz parte do elemento subjectivo tout court.

Na verdade, consagra o disposto no artigo 14º, n.º1, do CP que Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção do realizar. Ora, o preenchimento do dolo, que exprime a representação e vontade de o agente realizar os pertinentes elementos objectivos do tipo legal, exige que o mesmo preveja o resultado e a relação causal e tenha vontade de concretizar essa acção e isso, claro está provado pois que foi extraído dos factos dos factos objectivos, isto é, inferido através da consideração do circunstancialismo objectivo com indoneidade suficiente para revelá-lo.

Terão, assim, actuado com dolo directo, nos termos do artº 14º, nº 1 do C.P.

Estão, portanto, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime previsto no artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

Porque não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, importa concluir que os arguidos cometeram os crimes de que vêm acusados.

Já no que se reporta aos arguidas JF e AG, muito embora estejamos perante um crime de tráfico de estupefacientes, face ao que resulta provar teremos que aferir da co-autoria da prática ou da cumplicidade.

Na verdade, nos termos do artº 26º do Código Penal, é punível como autor, quem tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.

Já a cumplicidade (27º) pressupõe a existência de um facto praticado dolosamente por outro, estando subordinada ao princípio da acessoriedade.

O cúmplice não toma parte no domínio funcional dos actos constitutivos do crime, isto é, tem conhecimento de que favorece a prática de um crime, mas não toma parte nela, limitando-se a facilitar o facto principal (Ac. do STJ de 5/6/2012, de que é relator o Sr. Consº Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt, processo 148/10.3SCLSB.L1.S1)

Assim, na comparticipação criminosa a co-autoria diferencia-se da cumplicidade pela ausência de domínio do facto que esta traduz. O cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se a prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.

Na cumplicidade material haverá sempre a exterioridade de um comportamento, uma acção exterior, revelada e visível, dirigida ao favorecimento do agente do facto.

De igual modo, a cumplicidade psíquica (auxílio moral) supõe um qualquer meio, palavra, gesto, ou comportamento, que revele a vontade de reforçar a acção do agente de facto; a mera cogitatio ou a aceitação passiva não pode constituir cumplicidade, não revelando, nesta perspectiva, o ponto de vista do agente do facto, mas apenas a perspectiva e a vontade do suposto cúmplice.

Ora, resulta da factualidade provada que estes arguidos apenas serviram para guardar os produtos relacionados com o trafico, quer seja, produto estupefacientes, como produto de corte ou balanças ou armas e bem assim para efectuar conversar telefónicas com o fornecedor a mando da arguida SF que tinha o domínio do facto.

Estes arguidos não possuíam domínio do facto mas antes facilitavam o facto principal através do seu auxílio, pelo que considera este Colectivo de Juízes que os arguidos actuaram como cúmplices e não como co-autores.

Porque não se verificam em relação a estes arguidos quaisquer causas que excluam a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, importa concluir que os arguidos cometeram os crimes de que vêm acusados, por cumplicidade.

Do Crime de Detenção de arma proibida.

O arguido FB encontra-se acusado pela prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelas disposições conjugadas do artigo 86º, n.º 1, alínea a) e c)) da Lei n.º 5/2006, de 23.02 com as sucessivas alterações, sendo que como atras referido o arguido AG vinha igualmente pronunciado como co-autor mas o Tribunal alterou a qualificação jurídica para cúmplice.

A arguida ACM vem acusada da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 86º, n.º1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23.02 com as sucessivas alterações.

Quanto a este ilícito penal, dispõe o do referido artigo que " 1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:

a) Equipamentos, meios militares e material de guerra, arma biológica, arma química, arma radioactiva ou susceptível de explosão nuclear, arma de fogo automática, arma longa semiautomática com a configuração de arma automática para uso militar ou das forças e serviços de segurança, explosivo civil, engenho explosivo civil, engenho explosivo ou incendiário improvisado, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;

c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;

(d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias. ".

Por seu turno, o artigo 3º, n.º 2, alínea g) do mesmo diploma legal consagra que “são armas, munições e acessórios da classe A: (…) g) quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão”.

No caso dos autos

E no que se reporta à arguida ACM estamos perante uma soqueira. A arguida não justificou a sua posse.

A referida “soqueira” é, sem dúvida, uma arma de agressão, na medida em que não tem qualquer outro uso que não seja esse.

E, no caso, face à factualidade assente, tal arma funcionou como instrumento sem aplicação definida, já que, inexiste justificação para as possuir

Destarte, não se mostra, a qualquer título, maxime de acordo com as regras da experiência comum, justificada a posse da soqueira.

Logo, ter-se-á de concluir que a arguida ACM praticou o crime previsto e punível pelas disposições conjugadas do artigo 86º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio com referência aos artigos 3º, n.º 2, alínea g) e 4º, n.º1, do mesmo diploma legal, pelo qual vem acusado.

No que se reporta aos arguidos FB, como autor, e ao arguido AG, como cúmplice:

Estamos perante uma arma de fogo automática, com carregador que mediante uma única acção sobre o gatilho faz uma serie contínua de vários disparos, estando apta a disparar.

Nos termos do disposto no artigo 3º, n.º2, alínea b) da Lei 5/2006, de 23.02 trata-se de uma arma de classe A, por se tratar de arma de fogo automática.

Destarte, não se mostra, a qualquer título, maxime de acordo com as regras da experiência comum, justificada a posse, nem a mesma é justificável.

Logo, ter-se-á de concluir que o arguido FB praticou o crime previsto e punível pelas disposições conjugadas do artigo 86º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 5/2006, de 23.02 pelo qual vem acusado e o arguido AG praticou o mesmo crime como cúmplice, face aos factos provados.

Foi igualmente apreendida uma arma modificada porquanto rasurada, arma essa de tiro a tiro que se carrega por acção directa do operador, através da introdução de munições. Tal arma encontra-se em mau estado de conservação. Acresce que tal arma de fogo foi modificada mediante a intervenção não autorizada nas suas partes essenciais, sendo classificada como arma de classe A, conforme o disposto no artigo 3º, n.º2, alínea l) do mesmo diploma legal, sendo proibida a sua detenção conforme o disposto no artigo 4º, n.º1, da Lei 5/2006, de 23.02.

Destarte, não se mostra, a qualquer título, maxime de acordo com as regras da experiência comum, justificada a posse, nem a mesma é justificável.

Logo, ter-se-á de concluir que o arguido FB praticou o crime previsto e punível pelas disposições conjugadas do artigo 86º, n.º 1, alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02 pelo qual vem acusado e o arguido AG praticou o mesmo crime como cúmplice, face aos factos provados.

De referir que ainda que não venham acusados de dois crimes mas tão-somente um, será necessariamente aferido na moldura penal do crime previsto de forma mais grave.

5. ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
O crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos (artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93).

Nos termos do disposto no artigo 27º, n.º2, do CP, é aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.

Assim, temos que em relação à arguida JF e AG (cumplicidade) a pena situa-se entre os 9 (nove) meses e 18 (dezoito) dias e os 8 (oito) anos de prisão.

Da aplicação do Regime especial para jovens delinquentes.

Resulta da factualidade provada que a arguida JF nasceu no dia 23.01.1997, tendo sido os factos praticados no período temporal de Julho de 2016, pelo que, lhe é aplicável o regime penal especial para jovens, constantes do D.L. nº 401/82, de 23 de Setembro, nos termos do seu artº 1º, nºs 1 e 2.

Considerando a tenra idade da arguida, a ausência de antecedentes criminais de ambos, entendemos que, desta vez, a atenuação especial da pena, nos termos do artº 4º do D.L. nº 401/82 de 23 de Setembro, poderá trazer vantagens para a respectiva ressocialização.

Efectuando a atenuação especial, nos termos do artº 73º, nº 1, als a) e b) do Código Penal, ficaremos com a seguinte moldura abstractas:

- 1 (um) mês a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes aplicável à arguida JF).

Por seu turno, o crime de detenção de arma proibida é punido pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias (arguida ACM) e de 2 a 8 anos de prisão (arguido FB), sendo de um mês a 5 anos e 4 meses) ao arguido AG porquanto será condenado como cúmplice

Nos termos do disposto no artigo 70º do Código Penal, quanto ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dará preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

De acordo com o artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, essas finalidades consistirão na prevenção geral, isto é, a estabilização das expectativas comunitárias da validade da norma violada, e na prevenção especial, ou seja, a necessidade de socialização que o arguido demonstra.

No presente caso, e no que se reporta à arguida ACM as finalidades da punição apenas permitem que se aplique uma pena privativa de liberdade.

De facto, haverá que ponderar que a arguida possui antecedentes criminais pelo mesmo crime. Na verdade, a aplicação de uma pena privativa de liberdade é a única que acautela a tutela do bem jurídico protegido pelas normas criminais em causa e garante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada.

Na determinação da medida concreta da pena, importa atender à culpa do agente, às exigências de prevenção de futuros crimes e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (artº 71º do C.P.).

Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (“As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o artº 71º, nº 2, al. a) do C.P.

A culpa, como fundamento último da pena funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (artº 40º, nº 2 do C.P.). A prevenção geral positiva (“protecção de bens jurídicos”), fornecerá o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada. Por último, é dentro daqueles limites que devem actuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (F. Dias, ob. cit., págs. 227 e segs.; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e segs.; e Ac. S.T.J. de 9/11/94, B.M.J. nº 441, pág. 145).

As necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo à frequência com que crimes desta natureza vêm ocorrendo.

Atendendo, à quantidade do produto estupefaciente detidos pelos arguidos e à não despicienda dimensão da sua actividade e atras referida, alicerçada aos montantes em dinheiro apreendidos (bastante elevados), é de concluir que ser elevado o grau de ilicitude dos factos, não estando perante o pequeno tráfico de estupefacientes de rua mas perante tráficos de grande dimensão.

Os arguidos actuaram com dolo directo, no cometimento do crime.

Não olvidemos no que se reporta à medida da pena,

Os arguidos SF, JF e JD confessaram parcialmente os factos, ainda que o Tribunal não tenha considerado parte das suas justificações (como atras foi referido)

Os demais arguidos não confessaram os factos, uns pretendendo ludibriar o Tribunal inclusivamente.
Os arguidos AG, JF e SF, tal como o arguido JD não possuem antecedentes criminais registados,

Sendo que os arguidos CC e FB já possuem condenações, cada um, por crime de trafico de estupefacientes e bem assim o arguido FB condenação por dois crimes de detenção de arma proibida, sendo que tal não os afastou a pratica de novos ilícitos.

Igualmente os arguidos LC e BB possuem antecedentes criminais ainda que sejam de diversa natureza.

Já no que se reporta ao crime de detenção de arma proibida, não olvidemos que nenhum dos arguidos pretendeu prestar declarações.

Fazem-se, assim, sentir elevadas exigências de prevenção especial positiva em relação a todos os arguidos, ainda que menos prementes em relação ao arguido AG.

Nestes termos, e à luz do disposto nos artigos 21º, nº 1 do D.L. 15/93, 86º, n.º1, alínea a), c) e d) do RJAM e 71º, nºs 1 e 2, 26º e 73º do Código Penal, entendemos adequado e proporcional aplicar:

À arguida SF, como autora material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 6 anos e 6 meses de prisão

À arguida JF como cúmplice, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 3 (três) anos de prisão;

Ao arguido CC, como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão

Ao arguido JD, como autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão

Ao arguido FB, como co-autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 8 anos de prisão

Ao arguido FB, como co-autor material e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea a) e c) da Lei 5/2006, de 23.02, a pena de 3 anos de prisão

Ao arguido BB como co-autor material e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

Ao arguido AG, como cúmplice e na forma consumada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 4 anos;

Ao arguido AG, como cúmplice e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea a) e c) da Lei 5/2006, de 23.02, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão

Ao arguido LC, como autor material e na forma consumada, na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão.

À arguida ACM como autora material e na forma consumada na prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro a pena de 6 anos

À arguida ACM, como autora material e na forma consumada pela prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea d) da Lei 5/2006, de 23.02, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão

Determinadas as penas (parcelares) dos crimes cometidos pelos arguidos FB, AG e ACM, importa determinar a pena do concurso, em ordem a condenar os arguidos numa pena única, em conformidade com o disposto no artº 77º, nº 1 do C.P. (cfr. Ac. do S.T.J. de 24/03/99, in C.J., tomo I, pág. 255).

Nos termos do artº 77º, nº 2 do C.P., “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes.

No caso sub judice,
Quanto ao arguido FB, temos uma pena concreta de 8 anos e uma pena de 3 anos de prisão.

Assim, a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 8 (oito) anos e como limite máximo 11 (onze) anos de prisão.

Quanto ao arguido AG, temos uma pena concreta de 4 anos e uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Assim, a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 4 (quatro) anos e como limite máximo 5 (cinco) anos e seis meses de prisão.

Quanto à arguida ACM, temos uma pena concreta de 6 anos e uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Assim, a moldura abstracta da pena única a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 6 (seis) anos e como limite máximo 1 (um) ano e seis meses de prisão.

Dentro da moldura encontrada, é determinada a pena concreta do concurso, a aplicar aos arguidos, tomando em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do respectivo agente (artº 77º, nº 1 do C.P.).

Assim, e à luz dos critérios supra expostos, tendo em consideração, no seu conjunto, os factos praticados pelos arguidos (crimes de diversa natureza) e a personalidade revelada pelo mesmo e as considerações supra expostas, entendemos adequado e proporcional fixar a pena única:

- do arguido FB , em 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- do arguido AG, em cinco anos;
- da arguida ACM, em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Da suspensão da execução da pena de prisão.

Consagra o disposto no artigo 50º do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior o crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma suficiente as finalidades da punição”.

Apenas os arguidos AG e JF reúnem estas condições, pois apenas a estes arguidos foi aplicada pena inferior a 5 anos de prisão.

Para aplicação da pena de substituição é, pois, necessário que se possa concluir que os arguidos presumivelmente não voltarão a cometer novo crime. Trata-se, no dizer de Anabela Rodrigues, de alcançar a socialização, prevenindo a reincidência.

Tal conclusão tem de se extrair de um juízo de prognose antecipado, que seja favorável aos arguidos, o qual assenta essencialmente na prevenção especial sobre a possibilidade de ressocialização dos arguidos, tendo-se ainda em conta as necessidades de prevenção geral, não tanto na dependência do seu efeito negativo, de pura intimidação, mas mais no seu efeito positivo, de integração, de reforço da norma e da orientação sócio-cultural que nela se contém.

Ou seja, em relação ao próprio condenado tem de se fazer o juízo de prognose positiva da sua “auto-adesão (…) à indispensabilidade social dos valores essenciais (bens jurídico-penais) para a possibilitação da realização pessoal de todos e de cada um dos membros da sociedade”. E ainda de que, com elevado grau de probabilidade não voltará a reincidir.

No que à prevenção geral diz respeito, importa afirmar que ela desdobra-se e desenvolve-se “num duplo sentido: prevenção geral positiva ou de integração e prevenção geral negativa ou de dissuasão.

Prevenção geral positiva ou de integração significa que a pena é um meio de interpelar a sociedade e cada um dos seus membros, para a relevância social e individual do respectivo bem jurídico tutelado penalmente; por outras palavras, a pena serve a função positiva de interiorização ou aprofundamento dessa interiorização dos bens jurídico-penais. Ora, esta função da pena começa por se realizar com a criação da lei criminal-penal (interpelação legal) e consuma-se com a aplicação judicial da pena e sua execução (interpelação judicial e fáctica).

Naturalmente que quanto mais importante for o bem jurídico, mais intensa deve ser a interpelação. E, por isto, necessariamente que quanto mais grave for o crime (mais valioso o bem jurídico a proteger) mais grave terá de ser a pena legal, e, no geral, também maior a pena judicial. (…)

Mas a prevenção geral positiva tem, ainda, a dimensão ou objectivo da pacificação social ou, por outras palavras, do restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal estatal dos bens jurídicos fundamentais à vida colectiva e individual. Esta mensagem de confiança e de pacificação social é dada, especialmente, através da condenação penal, enquanto reafirmação efectiva da importância do bem jurídico lesado”.

Importa considerar como intervêm e como se relacionam a prevenção especial (positiva e negativa) e a prevenção geral (positiva e negativa) na determinação, legal e judicial, da pena, e na escolha da espécie de pena.

Afirma Taipa de Carvalho que “a resposta a esta questão parece-me dever ser a seguinte: o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). É este o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal. E, assim, quanto ao legislador, ele deve apresentar e, efectivamente, apresenta quer molduras penais suficientemente amplas, quer uma relativamente ampla gama de espécies de penas. E, quanto ao juiz, deve este seguir o critério estabelecido no art. 40° - l, 2ª parte. Por conseguinte, a determinação da medida da pena e a escolha da espécie de pena, quando legalmente permitida, reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o «fim» é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes.

Porém, este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral.

Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à «medida» da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais. Isto é: mesmo que a perigosidade criminal do delinquente exigisse uma pena maior do que a gravidade da culpa, em ordem a uma adequada recuperação social do delinquente e/ou a uma socialmente necessária dissuasão do mesmo delinquente, nunca a pena pode ser superior à culpa. Numa palavra, a culpa constitui o limite máximo da pena determinada pelo critério da prevenção especial.

Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial. (…).

Como diz Figueiredo Dias: “a pena alternativa só não será aplicada se a pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”.

Assim, face à factualidade assente, o juízo de prognose há-de ditar que, com toda a probabilidade, os arguidos não voltarão a cometer novos crimes; e ainda que as expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, não saem defraudadas.

Extraindo-se esta conclusão, deve decretar-se a suspensão da execução da pena.

Concluindo-se em sentido contrário, deve negar-se a suspensão.

É esta também a posição do Supremo Tribunal de Justiça.

O nosso mais alto Tribunal, porém, nos casos de tráfico de estupefacientes, acentua as necessidades de prevenção geral.

Entende que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, a suspensão da execução da pena apenas pode ter lugar em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido.

A título meramente exemplificativo, citando alguns arestos:

“Importa, para começar, afirmar com clareza que não é de afastar «liminarmente» a suspensão da execução da pena de prisão nos crimes de tráfico de estupefacientes, embora seja incontestável que se trata de uma infracção em que os interesses da prevenção geral se fazem especialmente sentir.

Por isso, a par do juízo de prognose favorável sobre o comportamento do agente, cumpre indagar se a suspensão satisfaz «de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (art. 50º, nº 1 do CP), ou seja, a finalidade da prevenção geral. (…)

Por isso, só havendo um quadro circunstancial particularmente favorável ao agente, fundamentando uma prognose especialmente consistente, se justificará a suspensão da pena, pois só então é exigível impor a esses interesses uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora”.

“Sempre que aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, o tribunal deve suspender a execução da pena, se «atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». A suspensão da execução da pena constitui, portanto, um poder vinculado do julgador, que a deverá decretar sempre que se encontrem reunidos os pressupostos para aplicação da medida.

Conforme o Supremo Tribunal de Justiça decidiu, «não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas». (acórdão de 10-11-1999 – Proc. 823/99, relatado pelo Cons. Armando Leandro).

Nos crimes de tráfico de estupefacientes as razões de prevenção geral só excepcionalmente se satisfazem com uma pena de substituição. Os efeitos nocivos para a saúde resultantes do tráfico, especialmente quando se trata de drogas duras, e as situações em que os actos de venda se prolongam no tempo e/ou atingem um elevado número de pessoas despertam «um sentimento de reprovação social do crime», para usar as palavras do Prof. Beleza dos Santos, que impedem a aplicação da suspensão da execução da pena, sob pena de «ser posta em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais» (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 243). Por isso, razões de prevenção geral afastam a aplicabilidade deste instituto, por mais favorável que pudesse ser o juízo de prognose a formular acerca do arguido” .

“O instituto de suspensão da pena de prisão assenta na confiabilidade em como o delinquente enquanto cidadão, face à dimensão do delito cometido satisfará o projecto da sua ressocialização.

Este projecto é realizável em termos abstractos, mas o agente de um crime enquanto tal, não é uma abstracção, nem pode ser tido como cobaia para ver como é que as coisas poderão correr. Neste projecto o juiz tem de considerar forçosamente os índices de que dispõe e particularmente com a seriedade e vontade do arguido no sentido da sua reintegração e reencontro com os valores da sociedade com que esbarrou.

É de se realçar o papel da prevenção geral na repressão ao crime de tráfico de estupefacientes tendo em vista a tutela dos bens jurídicos com referência à vida de jovens e estabilidade familiar e a saúde e segurança da comunidade, como expressivamente decorre do objectivo nacional estratégico referido na Resolução de Conselho de Ministros 46/99, de 26-05”.

“Esta medida, dada a nova redacção do n.º 1 do art. 50.º do C. Penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, impõe que se considere a possibilidade de suspensão da execução da pena.

Face àquele texto deve entender-se, e tem-se entendido, que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos (cfr. preâmbulo do Código Penal de 1982).

Mas esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade e à devida protecção aos bens jurídicos postos em causa.

A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

«O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa» (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art. 50.º).

Os n.ºs 1 e 2 do art. 50.º indicam-nos os elementos a atender nesse juízo de prognose: (i) - a personalidade do réu; (ii) - as suas condições de vida; (iii) - a conduta anterior e posterior ao facto punível; e (iv) - as circunstâncias do facto punível.

Isto é, todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial.

E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão.

Neste sentido tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça: «o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste. Só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade» (Ac. de 11-01-2001, proc. n.º 3095/00-5). (…)

Por outro lado, são fortes as razões de prevenção geral de integração e de intimidação. Sempre que o Estado enfraquece a sua reacção contra as condutas de tráfico, não diminui e recrudesce a respectiva prática.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que «as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação...No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia».

A aplicação da legislação nacional em matéria de drogas ilícitas tem como finalidade reduzir a sua disponibilidade e acessibilidade nos mercados, sendo por isso também da maior importância no âmbito da monitorização das tendências dos mercados de drogas, os indicadores relativos à percepção das populações sobre a facilidade de acesso a drogas ilícitas.

[Os estudos mais recentes evidenciam que a cannabis continua a ser a droga ilícita percepcionada como de maior acessibilidade, reflectindo as prevalências de consumo na população portuguesa. Segundo os resultados do estudo Flash Eurobarometer realizado em 2014 entre os jovens europeus de 15-24 anos, os jovens portugueses tinham uma percepção de menor facilidade de acesso à cannabis, mas de maior facilidade de acesso à heroína e às novas substâncias psicoactivas. A evolução das percepções dos jovens portugueses entre 2011 e 2014 evidencia que aumentou ligeiramente a facilidade percebida de acesso à heroína, à cocaína e ao ecstasy.

Em Portugal, as tendências recentes expressas através de diversos indicadores no domínio da oferta de drogas ilícitas enquadram-se, de um modo geral, nas tendências europeias.

Uma vez mais foi consolidado o predomínio crescente da cannabis a nível dos vários indicadores da oferta, reflectindo a prevalência do seu consumo no país. A cocaína continua a ser a segunda droga com maior visibilidade no mercado nacional, tendência iniciada na segunda metade da década anterior, apesar da estabilidade constatada nos anos mais recentes a nível da maioria dos indicadores.

Em 2014 constatou-se novamente uma diminuição da visibilidade da heroína, reforçando assim a quebra registada em 2011, após o pico pontual em 2009 e 2010 com alguns indicadores a registarem os valores mais elevados da década.
Em relação a outras drogas, apesar dos aumentos verificados nos últimos 3 anos em alguns indicadores, continuam a apresentar valores relativos residuais.

Em 2014, uma vez mais o haxixe foi a substância com o maior número de apreensões (3 472). Reforçando a tendência iniciada em 2005, seguiu-se-lhe a cocaína (1 042) e, pela primeira vez o número de apreensões de cannabis herbácea (771) foi superior ao de heroína (690). As apreensões de ecstasy continuam a registar números bastante inferiores (138). Como habitualmente, foram confiscadas várias outras substâncias, nomeadamente benzodiazepinas, anfetaminas e algumas substâncias alucinogénias.]

Assim, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral”

“Os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba o própria coesão social, desde o enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que andas associadas, quer nas famílias, quer por infracções concomitantes, ou pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico.

A dimensão dos riscos e das consequências faz surgir, neste domínio, uma particular saliência das finalidades de prevenção geral – prevenção de integração para recomposição dos valores afectados e para a afirmação comunitária da validade das normas que, punindo as actividades de tráfico, protegem tais valores.

Mas também, por isso mesmo, a dimensão da ilicitude que impõe o primado das finalidades de prevenção geral tem de estar conformada pela situação concreta e pelas variadas formulações, objectivas e subjectivas, da actividade que esteja em causa”.

“A aplicação da pena de suspensão de execução da pena de prisão só pode e deve ser aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade – artigo 40º, n.º 1, do Código Penal –, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela pena de suspensão de execução da prisão.

Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade. Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos.

Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste. (…)

Como vem sendo enfaticamente salientado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.

Com efeito, só no ano de 2005 foram distribuídos no Supremo Tribunal de Justiça 40 processos relativos a correios de droga provenientes do estrangeiro, quando no ano de 2004 deram entrada cerca de 20 processos, no ano de 2003 cerca de 15 processos e no ano de 2002 cerca de 10 processos.

No âmbito das decisões judiciais ao abrigo da Lei da Droga, em 2014 registaram-se 1 187 processos-crime findos, envolvendo 1 706 indivíduos, 1 483 (87%) dos quais foram condenados.

Destes, cerca de 79% foram condenados por tráfico, 20% por consumo e 1% por tráfico-consumo.

Por outro lado, parte significativa da população prisional portuguesa cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada com o tráfico e o consumo de estupefacientes.

No ano de 2005 o tráfico de estupefacientes era a principal causa de condenação em pena detectiva, com 2592 condenações.

A 31/12/2014 estavam em situação de reclusão 2 217 indivíduos condenados ao abrigo da Lei da Droga, número ligeiramente inferior (-3%) ao registado a 31/12/2013. Após a descida contínua do número destes reclusos entre 2002 e 2008, verifica-se uma tendência para o acréscimo, apesar dos valores se manterem aquém dos registados até 2007. Estes reclusos representavam a 31/12/2014 cerca de 19% do universo da população reclusa condenada, proporção que se enquadra no padrão registado nos últimos anos. A maioria (82%) estava condenada por tráfico, 17% por tráfico de menor gravidade, 0,3% por tráfico-consumo e 0,9% por outros crimes ao abrigo da Lei da Droga.

Porém, para além da criminalidade directamente relacionada com a Lei da Droga, há a considerar todo um leque de criminalidade indirectamente relacionada com o consumo de drogas, designadamente a praticada para obter dinheiro para a aquisição das drogas e a cometida sob o efeito destas.

De acordo com os resultados do Inquérito Nacional sobre Comportamentos Aditivos em Meio Prisional, 2014, cerca de 22% dos reclusos declararam como motivo do/s crime/s que levaram à actual reclusão, a obtenção de dinheiro para o consumo de drogas (24% em 2007 e 23% em 2001), e 42% declararam estar sob o efeito de drogas quando cometeram o/os crime/s que motivaram a actual reclusão. Em relação aos crimes cometidos sob o efeito de drogas, destacaram-se o furto, o roubo, o tráfico e o tráfico para consumo, seguidos das ofensas à integridade física e dos crimes de condução sem habilitação legal.

As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico.
Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

Como recentemente se decidiu no Supremo Tribunal, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes em que não se verifiquem razões ponderosas, seria atentória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral.

Aliás, o crime matriz de tráfico foi balizado em matéria de punibilidade pelo legislador de 1993 de modo a impedir a aplicação de pena de suspensão da execução da prisão, o que foi alcançado mediante a fixação do limite mínimo da pena aplicável em 4 anos de prisão, sendo certo que as circunstâncias que conduziram o legislador penal àquela solução, decorrentes das necessidades de prevenção geral, se mantêm integralmente, quando não acentuado”.

Muitos outros acórdãos poderiam ser citados, todos no mesmo sentido, cuja doutrina não nos oferece qualquer reserva.

Temos, por isso, como bom o entendimento de que, nos crimes de tráfico de estupefacientes, comuns ou agravados, só perante um quadro circunstancial particularmente favorável ao agente, fundamentando uma prognose especialmente consistente, se justificará a suspensão da pena, pois só então é exigível impor uma compressão proporcional à salvaguarda de outras finalidades das penas, como a prevenção especial, na vertente ressocializadora.
*
In casu, conforme supra exposto, apenas podemos ponderar a pena aplicada aos arguidos JF e AG, porquanto são a únicas passíveis de aplicação de tal instituto.

No que se reporta à arguida JF, para além de não possuir antecedentes criminais e de ter sido condenado como cúmplice e não como autora ou co-autora, facto é que a mesma teve alguma intervenção nos autos, prestou auxilio material à arguida SF e tentou ludibriar o Tribunal referindo que não sabia de nada até ir para Espanha, quando se retira à saciedade da prova produzida que, ainda que não tenha o domínio do facto, prestava enorme ajuda à arguida SF. Claro está que o arrependimento referido pela arguida não é valorado porquanto arrependeu-se de uma justificação apresentada que não logrou convencer o Tribunal.

Assim, inexistindo um quadro circunstancial particularmente favorável ao agente, fundamentando uma prognose especialmente consistente, neste caso em concreto nem favorável tout court, não consegue este Colectivo de Juízes justificar a suspensão da pena, pelo que a pena deste arguido será efectiva.

No que se reporta ao arguido AG, igualmente não possui antecedentes criminais e consta do seu relatório social que se apresenta inserido num contexto sociofamiliar afectuoso. Ademais, este arguido, para alem de ter sido condenado como cúmplice, tem um papel muito menos revelante do que a arguida JF (que para alem de guardar produto estupefaciente, também se deslocava a Espanha e fazia contactos telefónicos com o fornecedor)

Pelo que, o tribunal, pese embora os crimes em análise e as necessidades de prevenção geral que este crime implica, ainda consegue fazer um juízo de prognose favorável a este arguido, considerando que a simples ameaça da aplicação da pena de prisão são suficientes para o afastar da prática de novos crimes, o que se determina.

6. OBJECTOS
Por se tratarem, respectivamente, de instrumentos do crime e de sua vantagem, ao abrigo do disposto nos arts 109º e 111º, do Código Penal, e 35º, 36º e 62º, do D.L. nº 15/93, determinaremos a perda a favor do Estado, tanto do estupefaciente, como dos telefones, dos demais produtos, veículos automóveis e do dinheiro apreendido, sendo que o estupefaciente, os telemóveis, objectos e veículos automóveis (que não foram objecto de entrega aos seus proprietários) serão entregues ao MºPº (para promover o destino a dar-lhes) e o dinheiro terá o legal destino.

Os objectos em ouro e demais objectos apreendidos na residência do arguido HV (nomeadamente ouro) ser-lhe-ão devolvidos, bem como o telemóvel apreendido à arguida AH, pois que o veículo automóvel apreendido ao arguido JCC já foi entregue ao seu legitimo proprietário (fls. 3832)

REVISÃO DA ESTATUTO PROCESSUAL DO ARGUIDO (MEDIDAS DE COACÇÃO)

Os arguidos SF, JF, CC, JD e FB encontram-se desde 02.07.2016, 04.08.2016 e 08.02.2017 presos preventivamente à ordem do presente processo, por existirem fortes indícios da prática do crime de tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida, pelos quais vão, agora, no presente acórdão, ser condenados a penas não despiciendas.

A prisão preventiva foi decretada, por existir forte perigo de continuação da actividade criminosa, e como única forma de o acautelar, conforme se pode ler na pormenorizada fundamentação dos doutos despachos, quando decretaram a prisão preventiva dos arguidos.

Não só se mantém o apontado perigo, a que acresce agora o de fuga (que mais adiante referiremos), como os pressupostos de facto e de direito em que assentou a sujeição dos arguidos a prisão preventiva ficaram, entretanto, fortemente reforçados, com a condenação no presente acórdão.

Vejamos porquê.

Impõe a Lei que, neste momento e no presente acórdão, o Tribunal Colectivo proceda ao reexame do estatuto processual do arguido, sujeitando-o às medidas de coacção admissíveis e adequadas às exigências do caso (cfr. arts 213º, nº 1, al. b), e 375º, nº 4, ambos do CPP).

A opção do legislador pela imposição ao julgador, da necessidade de revisão do estatuto coactivo do arguido, no momento em que é proferida a decisão condenatória, resulta, necessariamente, da introdução, com tal prolação, de importantes alterações dos requisitos de aplicação das medidas de coacção.

Desde logo, porque, nesta fase, o que até aí eram meros indícios do cometimento do crime, converteu-se em certeza da sua prática e da respectiva autoria. Na verdade, realizado o julgamento, no qual foi ampla e solidamente apurada a factualidade, através da produção e discussão de toda a prova, com totais garantias e em pleno respeito pelo contraditório, o Tribunal, neste caso com a acrescida garantia de ser Colectivo, tem um pleno convencimento sobre o efectivo cometimento, pelos arguidos, dos crimes pelos quais vão ser condenados, bem como dos completos contornos do grau de participação e do papel dos arguidos no cometimento dos crimes e uma perfeita noção sobre a respectiva personalidade e modo de vida.

Assim, neste momento, estão qualitativamente alterados, por substancialmente reforçados, os pressupostos que presidiram, em fases anteriores do processo, à sujeição dos arguidos a prisão preventiva.

À solução legislativa adoptada não é, seguramente, alheio o facto de que, a concreta pena aplicada aos arguidos, associada ao seu pouco consistente modo de vida, gerar nos arguidos a pretensão de se eximir ao cumprimento da respectiva pena, colocando-se em fuga, logo que a mesma se torne definitiva.

Para obstar aos apontados intensos perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, o primeiro fortemente potenciado pela efectiva condenação na referida pena de prisão, nem sequer a simples obrigação de permanência na habitação, ainda que vigiada electronicamente, se revela suficiente.

Pois na verdade, ninguém, razoavelmente, pode duvidar de que os arguidos, condenados nas penas referidas, não deixarão de se sentir fortemente impelidos a colocar-se em fuga, para se eximir à execução da aludidas penas.

Por outro lado, será gravemente perturbador da ordem e tranquilidade públicas, que alguém, que após ser condenado em pena de prisão de não despicienda dimensão, por tráfico de droga, com elevada repercussão social, não continue a aguardar, em prisão preventiva, o trânsito em julgado de tal condenação. É que, só dessa forma é possível repor, na comunidade, o sentimento de segurança e tranquilidade.

No mesmo sentido, aliás, se pronunciaram, entre muitos outros, os doutos Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/03/2004 (in www.dgsi.pt), Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/12/1995 (in BMJ de nº 452, pág. 509), Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/01/1996 (in BMJ nº BMJ nº 453, pág. 585).

Efectivamente, os citados Acórdãos da Relação de Évora de 12/12/1995, da Relação de Coimbra de 09/01/1996, e da Relação de Lisboa de 24/03/2004 pronunciam expressamente no sentido de que uma condenação em pena de prisão constitui, só por si, uma forte razão para que o condenado se sinta motivado para fugir, de forma a não ter de cumprir a pena se a mesma se tornar exequível.

Também o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 14/05/1997 (in BMJ nº 467, pág. 644) vai nesta linha de argumentação, ao defender que, a condenação em pena de prisão “altera substancialmente a situação do arguido, uma vez que, passa de um juízo de probabilidade para um juízo de certeza sobre a prática de um crime, mesmo que tal juízo seja provisório por não ter transitado em julgado a respectiva sentença; essa alteração e o conhecimento da pena que terá de cumprir provocam no arguido uma alteração do seu estado de espírito, passando a ser maior a sua apetência para a fuga”.

Na verdade, dúvidas não podem subsistir de que, provado o crime, a pena aplicada é da máxima relevância na determinação das medidas de coacção, pois dá a dimensão da gravidade concreta do crime praticado e estabelece a confiança da comunidade na reposição da norma violada, assegurando a confiança no funcionamento do ordenamento jurídico (emanação do direito à segurança, inscrito no artº 27º nº 1 da Constituição da República), mas também impede a perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, que constitui um dos perigos visados acautelar com a aplicação de medidas de coacção, nos termos e por força do disposto no artº 204º, nº 1 do Código de Processo Penal.

Em suma, o que legitima a reapreciação das medidas de coacção são pois, não a decisão condenatória em si mesma, mas os factos típicos provados constantes de tal decisão, a gravidade provada destes, a existência de um juízo de certeza sobre a culpa do agente na produção dos mesmos, tornando, assim, necessário o reexame da situação do arguido, para que fique sujeito às medidas de coacção admissíveis e adequadas às exigências cautelares que o caso requer, neste momento e face a tal decisão (neste sentido: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/11/2006, proferido no nº 2525/06 da 1ª Secção Criminal, no processo comum colectivo nº 160/02.6JFLSB do 1º Juízo Criminal de Portimão).

Em resumo, a dimensão das penas, associada às circunstâncias concretas supra expostas, que indica serem elevados os perigos de fuga e de continuação da actividade criminosa, aliados ao intenso perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas (pelo elevado sentimento de insegurança que gera na comunidade a não manutenção dos arguidos em prisão preventiva), impõem que o Tribunal Colectivo conclua que os apontados perigos apenas poderão ser atalhados com continuação dos arguidos em prisão preventiva, pois qualquer outra medida de coacção é manifestamente insuficiente para prevenir, de forma eficaz, a ocorrência dos apontados perigos.

Sendo de afastar, face à sua manifesta insuficiência e clara ineficácia, a obrigação de permanência na habitação, por não conseguir atalhar (pelas razões supra expostas), e ainda que acompanhada de vigilância electrónica, os apontados perigos de fuga, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.

Ademais, não se mostra excedido o prazo máximo, agora de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, de duração da prisão preventiva (artº 215º, nºs 1, al. d), e 3, do Código de Processo Penal).

Nestes termos, o Tribunal Colectivo conclui que os arguidos SF, JF, CC, JD e FB terão que continuar a aguardar, o trânsito em julgado da decisão condenatória, em prisão preventiva, não olvidando que os arguidos JD e FB foram desligados dos presentes autos para cumprir pena noutros processos.

Cumpre agora apreciar e decidir os presentes recursos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

I. O recurso do despacho do Juízo Central Criminal de Faro que se declarou incompetente em razão do território e do despacho do Juízo Central Criminal de Portimão que se declarou territorialmente competente para o julgamento.

1. Em articulado conjunto, os arguidos CC , SF, JF, FB, LC, AH e ACM, interpuseram recurso do despacho de fls 4274 a 4277 dos autos, proferido em 12.12.2017 pelo Juízo Central Criminal de Faro que se declarou territorialmente incompetente para o julgamento, considerando competente o Juízo Central Criminal de Portimão, que, por despacho de 18.12.2017 se limitou a considerar-se competente.

O recurso, que abrange aquelas duas decisões, foi recebido com efeito meramente devolutivo para subir nos próprios autos com a decisão final.

Dos sete arguidos que recorreram daqueles despachos interlocutórios, apenas os arguidos CC, SF, FB, LC e ACM, recorreram do acórdão condenatório e, depois de notificados para o efeito, declararam manter interesse naquele recurso que, assim, se mantém devido ao impulso destes cinco arguidos, impondo-se conhecer da alegada incompetência territorial do Juízo Central Criminal de Portimão onde decorreu a audiência de discussão e julgamento e foi proferido o acórdão igualmente recorrido e, concomitantemente, da incompetência do Juízo Central Criminal de Faro afirmada por este mesmo tribunal, sendo certo que os recorrentes consideram, em síntese, que sempre o Juízo Central Criminal de Portimão é territorialmente incompetente para o julgamento, independentemente de se considerar que o tribunal competente para o efeito é o Juízo Central Criminal de Faro ou de Setúbal.

2. No essencial, o recurso da decisão das decisões interlocutórias ora em apreço assenta nos seguintes fundamentos:

-Estamos perante uma conexão de processos nos termos do art. 24º d) do CPP, pois seriam vários os tribunais territorialmente competentes caso os arguidos fossem julgados em separado;

- O conflito resolve-se nos termos do art. 28º CPP, cuja al. a), porém, não é aplicável uma vez que os vários arguidos estão acusados pelo mesmo crime de tráfico de estupefacientes, sendo este o crime mais grave;

- Nos termos da al. b) do art.º 28º CPP também não é possível definir o tribunal competente porque as arguidas JD e SF foram ouvidas e presas à ordem do processo 15/16 de Faro e os arguidos FB e CC foram ouvidos e presos no Tribunal de Setúbal, mas nenhum dos arguidos foi ouvido ou preso no Tribunal de Portimão;

- O primeiro ato localizável dos arguidos ocorreu em Tunes- Faro (pontos 11º a 14º da acusação), território do juízo central criminal de Faro e a notícia do crime foi adquirida primeiro com a detenção e prisão das arguidas SF e JD ou, quando muito, com o início da investigação no DIAP de Setúbal. Em qualquer caso, também sem qualquer ponto de conexão com Portimão.

Concluem os recorrentes no texto da sua motivação que dúvidas não podem existir de que o juízo central criminal de Faro ou Setúbal são os competentes para o julgamento destes autos, mas nunca o juízo central criminal de Portimão.

3. Vejamos
Procurando enquadrar devidamente a questão de competência territorial a apreciar e decidir nos presentes autos, importa começar por ter em conta que está em causa a competência territorial do tribunal para julgamento determinada pela conexão verificada nos presentes autos, pois estamos perante uma pluralidade de crimes cometidos por diversos arguidos em locais distintos, sendo certo que no caso de julgamento separado de cada um dos processos de acordo com o princípio segundo o qual a cada crime cabe um processo, seriam territorialmente competentes para esses processos tribunais com jurisdição em diferentes áreas, de acordo com a regra geral fixada no art.º 19º nºs 1 e 3: Juízos Centrais Criminais de Setúbal, Juízos Centrais Criminais de Faro e Juízos Centrais Criminais de Portimão.

Assim sendo, importa convocar os critérios sucessivamente estabelecidos no art.º 28º do CPP, segundo os quais:

- É competente para conhecer dos processos em conexão o que seria competente para conhecer do crime a que couber a pena mais grave, de acordo com as regras gerais fixadas no art.º 19º CPP (al.a);

- Em caso de crimes de igual gravidade, é competente o tribunal a cuja ordem o arguido estiver preso ou, havendo vários arguidos presos, aquele à ordem do qual estiver preso o maior número (al.b);

- Se não houver arguidos presos ou o seu número for igual, o tribunal da área onde primeiro tiver havido notícia de qualquer dos crimes (al.c).

Vejamos da sua aplicabilidade ao caso concreto.

1. Todos os arguidos vêm condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de janeiro, que é o crime mais grave abrangido pelas diversas condenações, pelo que, estando em causa crimes praticados em diversas áreas jurisdicionais de igual gravidade, não vale o critério estabelecido na al. a) do art.º 28.

2. Cabe, assim, verificar da aplicabilidade do critério estabelecido na al. b).

In casu, há mais que um arguido em prisão preventiva, sendo certo que o momento a considerar na aplicação deste segundo critério de determinação da competência do tribunal para julgamento é o da distribuição do processo para julgamento, por referência ao objeto do processo tal como este se encontre definido no despacho de pronúncia ou na acusação. Com efeito, é este o momento em que deve considerar-se a ação proposta para efeitos da regra fixada no art. 38º da Lei 63/2013 de 26 de agosto, LOSJ, segundo a qual “A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.”. Encontrando-se autonomamente definida e organizada a competência do tribunal para cada uma das fases em que se divide o processo penal (Inquérito, Instrução e Julgamento), havendo mesmo distribuição do processo entre os juízos material e funcionalmente competentes em cada uma dessas fases, é por referência a cada uma das fases que deve determinar-se (também) a competência em razão do território, independentemente da competência definida para a fase anterior – vd., por todos, Ac STJ de 21.06.2006, rel. H. Gaspar e AFJ 2/2017.

Ora, aquando da distribuição do processo para julgamento (e da prolação do despacho dos Juízos Centrais Criminais de Setúbal que, em 19.10.2017, se declarou territorialmente incompetente), eram cinco os arguidos em prisão preventiva.

As arguidas SF e JF encontravam-se em PP à ordem do processo nº --/16.7PEFAR, dos Juízos Centrais de Faro, desde 2.07.2016.

Os arguidos CC, FB e JD encontravam-se em PP à ordem deste processo 35/15.9PESTB, dos Juízos Centrais da Comarca de Setúbal desde 4.08.2016 (o primeiro) e 9.02.2017 (os restantes), respetivamente, tendo o arguido JD sido desligado dos autos apenas em 16.11.2017. Nenhum dos arguidos se encontrava preso à ordem dos Juízos Criminais de Portimão.

Significa isto que de acordo com o critério legal estabelecido na al. b) do art. 28º CPP, aplicável no caso concreto, o tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos era o Juízo Central Criminal de Setúbal, uma vez que se encontravam três arguidos em prisão preventiva à sua ordem e apenas dois arguidos em PP à ordem dos Juízos Centrais Criminais de Faro, contrariamente ao decidido no referido despacho do Tribunal da Comarca de Setúbal que se declarou incompetente.

Ao mesmo resultado se chegaria por aplicação do critério previsto na al. c) do art. 28º, pois foi no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal que primeiro houve notícia da prática de alguns dos crimes de tráfico de estupefacientes que vieram a ser objeto de inquérito nos presentes autos, a qual deu origem à autuação do vol. I em 31.07.2015 por alegados factos de 27.07.2015, e apenas em 2.05.2016 houve notícia na área de competência do Tribunal da Comarca de Faro dos factos que envolveram as arguidas SF e JD, levando à sua detenção nessa data, com o que se deu início ao processo --/16.7PEFAR , que foi mais tarde apensado a este processo 35/15.9PESTB na sequência do despacho de fls 1330.

Em todo o caso, salienta-se, como referido, que é logo em face do critério previsto na al. b) do art. 28º do CPP que o tribunal territorialmente competente para conhecer dos presentes autos era o Juízo Central Criminal de Setúbal.

4. Assim sendo, impõe-se confirmar o despacho de 12.12.2017 (fls 4274 a 4277) do Juízo Central Criminal de Faro, ora recorrido, na parte em que em se declarou territorialmente incompetente para o julgamento a realizar nos presentes autos,

Reconhecida, assim, pelo presente acórdão a incompetência do Juízo Central Criminal de Faro, do qual não cabe recurso, e transitado anteriormente em julgado o despacho do Juízo Central Criminal de Setúbal que se declarara territorialmente incompetente para o julgamento, do qual não foi interposto recurso, configura-se no caso presente uma situação de conflito negativo de competência em razão do território entre aqueles dois tribunais, prevista no art. 34º CPP.

Sucede, porém, que, como referido, ao declarar-se incompetente, o Juízo Central Criminal de Faro ordenou a remessa do processo para os Juízos Centrais Criminais de Portimão, nos termos do art.º 33º CPP, por considerá-lo competente, pelo que este último encontra-se igualmente envolvido no conflito de competência gerado pelas decisões contrárias dos juízos Centrais de Faro e de Setúbal, tendo a decisão do tribunal de Portimão que se considerou territorialmente competente para o julgamento a virtualidade de pôr termo ao conflito, por aplicação da norma estabelecida no art. 34º CPP.

Ou seja, se bem vemos a questão, tudo se passa neste momento, em termos processuais, como se o Tribunal de Portimão se tivesse declarado igualmente incompetente quando o Juízo Central Criminal de Faro lhe remeteu o processo, mas, depois de transitadas as decisões respetivas, o Tribunal de Portimão viesse a declarar-se competente, pondo assim termo ao conflito nos termos do art.º 34º nº2 CPP. Na verdade, como diz H. Gaspar relativamente ao art. 34º nº 2, “Instalado e declarado o conflito … o poder de decisão dos juízes cujas posições divergentes sobre a competência instalaram o conflito, ficaria, por regra, esgotado com a decisão tomada. A utilidade da norma poderá ser então no sentido de permitir, a todo o tempo e antes da solução do conflito, que um dos tribunais possa reverter a sua própria decisão, eliminando a causa do conflito” – Cf. CPP comentado, 2ªed., 2016, p. 104.

Esta solução pragmática do art.º 34º nº2 permite que em nome de razões de economia e celeridade processuais se passe por cima do caso julgado formado sobre as decisões em conflito, bem como sobre os critérios legais determinativos da competência, pois prevê que qualquer dos tribunais envolvidos reverta unilateralmente a sua decisão anterior e se considere competente posteriormente, independentemente de qual fosse a decisão do tribunal de conflito por aplicação dos critérios legais determinativo de competência.

Assim, mal se compreenderia que no caso concreto o conflito negativo de competência tivesse que prosseguir para decisão sobre qual dos dois tribunais que se declarara incompetente seria o competente para o julgamento, só porque o terceiro tribunal envolvido na questão da competência territorial (Portimão) aceitou a competência previamente recusada pelos tribunais de Setúbal e Faro (procedendo à audiência de discussão e julgamento e proferido decisão final no processo), sem que, antes, se tivesse declarado territorialmente incompetente, pois se o tivesse feito e voltasse atrás na sua decisão, aceitando a competência já no decurso da resolução do conflito de competência entre os três tribunais, não se suscitariam dúvidas sobre a sua competência por mero efeito da declaração de aceitação, face ao teor literal do art.º 34º CPP.

Verifica-se, pois, que tendo transitado em julgado a decisão do Juízo Central Criminal de Setúbal que se declarou territorialmente incompetente e considerando este Tribunal da Relação, por decisão irrecorrível, que o Juízo Central Criminal de Faro é, por sua vez, territorialmente incompetente para julgar o processo, é legal e relevante a decisão do Juízo Central Criminal de Portimão em que se declarou competente para conhecer dos presentes autos, por aplicação da norma do art.º 34º nº2 CPP ao caso presente, por igualdade de razões, confirmando-se assim essa mesma decisão.

5. Julga-se, pois, improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho do Juízo Central Criminal de Portimão de 18.12.2017 em que se declarou competente para conhecer dos presentes autos, ao mesmo tempo que se confirma a decisão do Juízo Central Criminal de Faro que, declarando-se territorialmente incompetente, considerou competente para o julgamento o Juízo Central Criminal de Portimão.

II. Objeto dos recursos interpostos do acórdão condenatório.

A. Recurso do arguido CC

Este arguido vem suscitar as seguintes questões nas suas conclusões de recurso:

- 1. Nulidade da busca realizada a fls 1028 no nº --- da travessa Visconde… , Carvoeiro, pelo que não podem ser utilizadas as provas obtidas através dela, nos termos dos arts 125º e 126º, CPP;

- 2. Os pontos 4, 8, 10, 21, 23, 33, 34, 35, 36 e 70 contêm matéria de facto genérica, conclusiva e conceitos de direito, não concretizada, pelo que devem ser removidos dos factos provados;

- 3. Impugnação da decisão recorrida na parte em que julgou provados os pontos 4, 8, 10, 21, 33, 34, 35, 70 e 73, bem como pontos 23 a 28, todos da matéria de facto dada como provada, por considerar serem tais factos julgados não provados;

4. Não se deu como provado o elemento subjetivo do tipo do dolo, pelo que faltou demonstrar o elemento intelectual e volitivo do dolo, não se tendo provado que a arguida tivesse agido com a consciência da ilicitude penal, pelo que também por este motivo deve a recorrente ser absolvida do crime de tráfico de estupefacientes;

5. Ao declarar perdidos a favor do Estado a quantia monetária de €3.900,00 apreendida na sua residência e uma viatura automóvel – fls. 1028 e 1030 dos autos - a decisão recorrida não observou qualquer critério de causalidade, necessidade e proporcionalidade, antes cominando com um efeito da pena, pelo que o veículo automóvel e dinheiro apreendido devem ser-lhe restituídos.

6. Alteração da qualificação jurídica, pois em vez do tipo previsto no art. 21º do DL 15/93 de 22 de janeiro, os factos integram os elementos constitutivos do tipo previsto no art.º 25º DL 15/93, tendo em contra a falta de precisão dos factos provados,

7. A pena concreta aplicada deve ser substancialmente reduzida e suspensa na sua execução.

B. Objeto do recurso interposto do acórdão final pelo arguido FB:

1. Nulidade/proibição de prova da intercepção ao número de telefone 926---, por inexistência de uma suspeita qualificada de o recorrente ter praticado o ilícito de catálogo, pretensão que o acórdão recorrido indeferiu com fundamento na circunstancia de que o arguido FB, naquele momento processual, já era suspeito da prática do referido ilícito penal, mas sem que tal se verificasse, conforme resulta do despacho (fls.783) que autorizou a referida escuta telefónica;

2. Nulidade das escutas telefónica, conforme se suscitou nos pontos 15 a 39 do requerimento interposto em audiência de julgamento, pois contrariamente ao decidido no acórdão recorrido ao prazo de 48 horas concedido ao Ministério Público para se pronunciar não acresce o prazo de 48 horas para o funcionário dos respetivos serviços abrir conclusão ao Magistrado;

3 O acórdão não procedeu a adequado exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal;

4. Os factos dados como provados, relativamente ao recorrente FB nos pontos 22º, 36º, 38º, 40º e 62º, 41º e 42º, 43º e 73º, são genéricos, abstractos e conclusivos e, como tal, não assumem relevância jurídica;

5. O recorrente impugna os factos dados como provados no ponto 45º a 49º e 54º a 56º uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento impunha decisão diversa da recorrida;

6. O acórdão não deu como provado os elementos subjectivos do tipo, pois em nenhum momento se deu como provado que o arguido FB agiu sabendo que a sua conduta era proibida ou que tenha agido com a consciência da ilicitude. E, mais precisamente com a consciência de realizar o ilícito criminal típico dos crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção de arma; uma interpretação das normas constantes dos artigos 14º, 16º e 17º do Código Penal que não imponham a prova da falta de consciência da ilicitude e do conhecimento da punição penal inquinam aquelas normas de inconstitucionalidade material por violarem o disposto nos artigos 18º, 27º, 29º e 32º da CRP.

7. A acção do recorrente não ultrapassa os meros actos preparatórios. No momento em que o arguido iniciou as negociações do produto estupefaciente o seu transporte já estava em marcha. Ou seja, o coarguido JD já vinha a caminho de Portugal com a droga. Portanto, a droga não foi transportada por impulso ou acção do recorrente FB. Acresce que em nenhum momento chegou a existir acordo quanto à venda do produto estupefaciente. O negócio nunca chegou a consumar-se uma vez que tal só aconteceria com a entrega efectiva do produto estupefaciente, pelo que o recorrente ser absolvido, ou, no limite, ser condenado por tentativa do crime de tráfico de estupefacientes numa pena não superior a 2 anos de prisão;

8. No caso de o Venerando Tribunal considerar impertinentes os argumentos aduzidos pelo recorrente sempre se dirá que a pena aplicada excede a ilicitude e a culpa. Com efeito, estamos em presença de uma droga leve sendo que a pena de 8 anos é pesadíssima para condutas desta natureza. Atente-se ainda na pena fixada para a “posse” da arma de fogo que se revela excessiva assim como a pena encontrada para o cúmulo jurídico;

9. Foram apreendidos ao recorrente FB vários bens, conforme consta, designadamente de fls. 3006, 3009 e 3017, sem que a pronúncia lhe imputasse que esses bens tenham sido adquiridos com dinheiro de proveniência ilícita ou que tivessem sido instrumentos dos ilícitos, pelo que não pode agora o acórdão decidir pela perda desses bens quando não são objecto de imputação na pronúncia. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 109º e 111º do Código Penal e 35º, 36º e 62º do DL 15/93 em que são declarados perdidos a favor do Estado Português bens que não foram levados ao texto da acusação/pronuncia, a fim de aí se imputarem as razões do perdimento e formulado o respectivo pedido, inquinam essas normas de inconstitucionalidade material por contenderem com o estatuído no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. A interpretação mais conforme à supracitada disposição constitucional é a acima perfilhada, ou seja, para que um bem seja declarado perdido a favor do Estado é mister que tal seja devidamente descriminado no texto da acusação/pronuncia.

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e em consequência absolver-se o recorrente, ou caso assim se não entenda condenar-se no limite mínimo legalmente admissível.»

C. Recurso da arguida SF:

1. É nula a busca realizada à arrecadação da Rua…., Lagoa, pois sendo visadas as arguidas JF e SF, o acórdão recorrido entendeu que era suficiente o consentimento prestado pela visada JF e pela mãe da JF, porque tinha a disponibilidade do lugar. A nulidade da busca domiciliária acarreta como consequência a nulidade das apreensões efetuadas durante a diligência.

2. Em todo o caso, não se deu como provado o elemento do tipo subjetivo do dolo, pois dizer-se que a arguida sabia que haxixe/cocaína/heroína/etc. têm natureza estupefaciente está bem longe da demonstração de que o arguido Joaquim Fortes sabia que essas condutas constituíam um crime. Não se provou, no fundo, que a arguida tenha agido com consciência da ilicitude penal, pelo que também por este motivo deve o recorrente ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes;

3. Redução substancial da pena e suspensão da sua execução.

D. Recurso do arguido JD:

-1. Existe no caso do Arguido JD, diminuição considerável da ilicitude da sua conduta, para efeitos da aplicação do disposto no art° 25°, do D.L. no 15/93, sendo a sua atividade menor e sem qualquer relevância significante.

- 2. O Arguido atuou sob influência de ameaça grave, circunstância que diminui a ilicitude do facto, a culpa do agente, bem como a necessidade da pena, pelo que deve ser especialmente atenuada a pena nos termos do artigo 72.º/2/a) do Código Penal, sendo suspensa na sua execução a pena concreta que vier a ser fixada; em todo o caso, parece-nos dever concluir-se da pouca assertiva motivação do recorrente, revela-se arrependido e confessou parte dos factos, pelo que a pena concreta sempre deve ser inferior à pena de 7 anos e seis meses de prisão aplicada pelo tribunal recorrido.

E. Recurso do arguido BB:
- 1. O Acórdão não deu como provado os elementos subjectivos do Tipo, referindo apenas que as suas condutas não lhe eram permitidas, pois o acórdão não deu como provado que o recorrente tenha agido com a consciência de praticar o ilícito criminal típico do crime de tráfico de estupefaciente;

- 2. No ponto 82º, descreve-se que os arguidos pretendiam vender o referido estupefaciente, sabendo que tal não lhes era permitido, o que fizeram”, o que está em contradição com todos os factos antes descritos relativos ao arguido BB, que eram referentes a “transporte”, (negrito nosso);

- 3. O acórdão é nulo nos termos do previsto no art.º 379.º, n.º 1 al) a) do CPP, por faltar a apreciação crítica da prova exigida pelo art. 374º nº 2 CPP;

- 4. O Acórdão deu como provados factos genéricos, conclusivos e abstractos, nos pontos 40º e 62º a 66 e 68 da factualidade provada, pelo que tais factos deveriam ser expurgados da matéria de facto dada como provada;

- 5. Impugna-se a decisão recorrida na parte em que julgou provados os pontos 62º e 63º, 65, 66 e 68, da factualidade provada, devendo o arguido ser absolvido;

- 6. A medida da pena aplicada ao arguido foi demasiado severa, devendo ser reduzida em 2 (anos), ou seja, para uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão e suspensa na sua execução, ou caso assim não se entenda, para uma pena nunca superior a 5 (cinco) anos devendo ser suspensa na sua execução ainda que com subordinação a deveres e regras de conduta.

O arguido menciona ainda os artigos 72º e 73º do C.Penal, mas não indica qualquer fundamento para a atenuação especial da pena a que se reportam aqueles preceitos, nem se vislumbra qual pudesse ser, pelo que sempre seria tal alegação manifestamente improcedente no caso presente.

- 7. A declaração de perda a favor do Estado da viatura automóvel Seat Leon de matrícula CH, e das quantias monetárias de € 645 e € 188 viola as normas constantes dos artigos 109º e 111º do Código Penal e 35º, 36º e 62º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, nem tal consta do texto da acusação/pronúncia, pelo que não pode o acórdão decidir pela perda desses bens, sob pena de clara violação o artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

- 8. O recorrente BB conclui que deve ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21°, n.º1, do Decreto-lei n.º15/93 ou, caso assim se não entenda, deve o arguido ser condenado na pena de 4 (quatro) anos e seis meses de prisão com execução suspensa, ou caso assim não se entenda, numa pena nunca superior a 5 (cinco) anos devendo ser suspensa na sua execução ainda que com subordinação a deveres e regras de conduta

F. Recurso da arguida ACM:

- 1. Os pontos 21, 70, 71, 72 e 73 contêm matéria de facto genérica, conclusiva e conceitos de direito, não concretizada, que por este motivo deve ser removida dos factos provados, devendo ser dados como não provados;

-2. Impugna-se expressamente os factos dados como provados nos pontos 21, 70, 71, 72 e 73, bem como no ponto 32, todos da matéria de facto provada, que devem ser julgados como não provados.

- 3. Não se deu como provado o elemento do tipo subjetivo do dolo, tal como resulta de modo claro do provado em 81, 82 e 90 e da página 97 do acórdão recorrido, faltando demonstrar o elemento intelectual e volitivo do dolo, pois não se provou que a arguida tivesse agido com a consciência da ilicitude penal, colidindo a interpretação dos artigos 21º do DL 15/93, 1º, 13º e 17º do Código Penal com o sentido de que é possível ser condenado pela prática de um crime sem que da factualidade dada como provada resulte que o arguido conhecimento dos elementos objetivos do tipo legal de crime, isto é, agiu com consciência da licitude penal, com o estatuído no artigo 29.º, 32º, nºs 1 e 5 da CRP, pelo que também por este motivo deve a recorrente ser absolvida do crime de tráfico de estupefacientes;

- 4. Alteração da qualificação jurídica – art.º 25º DL 15/93 – tendo em conta que face à falta de precisão dos factos provados, as vendas imputadas à arguida não estão concertadas no tempo, na quantidade ou na qualidade de produto estupefaciente, pelo que se devem considerar pequenas quantidades e dentro ainda da previsão do artigo 25º do DL 15/93 de 22.1;

- 5. Que a pena seja substancialmente reduzida e suspensa na sua execução, parecendo manifestamente excessiva a pena aplicada de 6 anos quanto ao crime de tráfico e a de 1 ano e 6 meses pela guarda da soqueira, sendo certo que tendo em conta as suas condições pessoais provadas e o teor do relatório social, a pena que vier a ser-lhe aplicada deve ser inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

G. Recurso do arguido LC:-

- 1. Alega o arguido que os pontos 4, 8, 10, 33, 34, 35, 36, 37 e 42 contêm matéria de facto genérica, conclusiva e conceitos de direito, não concretizada, e que por este motivo deve ser removida dos factos provados.

- 2. Impugna expressamente os factos dados como provados naqueles mesmos pontos da matéria dada como provada, devendo os mesmos ser agora julgados como não provados, pelo que também por este motivo deve o recorrente ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes;

- 3.Pugna ainda pela alteração da qualificação jurídica – art.º 25º DL 15/93 – tendo em conta a falta de precisão dos factos provados, pois as vendas imputadas à arguida não estão concretizadas no tempo, na quantidade ou na qualidade de produto estupefaciente, pelo que se devem considerar pequenas quantidades e dentro ainda da previsão do artigo 25º do DL 15/93 de 22.1.

- 4. Embora não seja claro que venha pôr em causa a pena concretamente aplicada em face da factualidade provada, consideramos que a medida concreta da pena integra o objeto do recurso, pelo que nos pronunciaremos sobre ela.

São estas as questões a decidir relativamente a cada um dos recursos do acórdão condenatório.

III – Decidindo os recursos interpostos do acórdão condenatório

1. Começaremos por decidir as questões suscitadas em mais que um dos recursos que possam ser conhecidas unitariamente, pelo que passamos a apreciar a questão que os recorrentes CC, FB, SF, BB, ACM e LC identificam, ora como sendo falta de prova do elemento do tipo subjetivo do dolo, ora como “falta do elemento intelectual e volitivo do dolo” por não ter sido dado como “… provado que a recorrente tivesse agido com a consciência da ilicitude penal”, de que resultará a sua absolvição do crime de tráfico de estupefacientes. Vejamos

a) Pode ler-se do acórdão recorrido ao referir-se ao dolo, em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos, o seguinte:

- «… da factualidade apurada resulta que os arguidos conheciam a natureza estupefaciente do produto, tendo agido deliberada e conscientemente, sabendo que tal conduta não lhes era permitida.

Refira-se aqui, que o que acima se referiu basta para dar como provado o elemento subjectivo, inexistindo qualquer necessidade de acrescentar que eram punidas por lei penal, pois que isso não faz parte do elemento subjectivo tout court.

Na verdade, consagra o disposto no artigo 14º, n.º1, do CP que Age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção do realizar. Ora, o preenchimento do dolo, que exprime a representação e vontade de o agente realizar os pertinentes elementos objectivos do tipo legal, exige que o mesmo preveja o resultado e a relação causal e tenha vontade de concretizar essa acção e isso, claro está provado pois que foi extraído dos factos objectivos, isto é, inferido através da consideração do circunstancialismo objectivo com indoneidade suficiente para revelá-lo.

Terão, assim, actuado com dolo directo, nos termos do artº 14º, nº 1 do C.P. Estão, portanto, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos típicos do crime previsto no artº 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro. Porque não se verificam quaisquer causas que excluam a ilicitude dos factos ou a culpa do agente, importa concluir que os arguidos cometeram os crimes de que vêm acusados».

b) Por outro lado, enumera-se sob os nºs 81º a 89º da factualidade provada que os arguidos quiseram praticar os atos integradores da conduta objetiva a que se refere cada um daqueles números, quer se trate da posse de produto estupefaciente, da venda de produto estupefaciente, da introdução de resina de canábis em Portugal e do seu armazenamento, da posse de armas ou de mantê-las escondidas, sabendo que tal não lhe era permitido, dizendo-se sob o nº 90, relativamente a todos os pontos de facto anteriores, que os arguidos atuaram de modo livre, deliberado e consciente.

c) Ora, tendo presente que em matéria de descrição factual e de prova sempre estão em causa enunciados de facto, parece-nos não se colocarem dúvidas pertinentes quanto à articulação dos factos relativos ao elemento subjetivo do ilícito típico, que no caso concreto se reconduz ao dolo, ou seja, ao conhecimento e vontade de praticar os factos que integram o respetivo elemento objetivo do ilícito típico, que correspondem aos elementos intelectual e volitivo do dolo - cf. art. 14º CP.

Vejamos porquê.

c.1. Em primeiro lugar, encontram-se suficientemente articulados , nos pontos 81, 82, 83, 84 e 90, da factualidade provada, o conhecimento e vontade de os cinco arguidos recorrentes ora em causa praticarem os factos que integram os elemento objetivos do ilícito típico p. e p. pelo art.º 21º do DL 15/93 de 22 de janeiro, enquanto factos de natureza psicológica, ou seja a detenção, venda, transporte e armazenamento de resina de canábis, cocaína, MDMA ou planta de canábis.

Na verdade, diz-se no ponto 81 da factualidade provada que os arguidos quiseram ter na sua posse o estupefaciente, nos termos acima descritos, no ponto 82 que os arguidos aí discriminados ”pretendiam …vender o referido estupefaciente” e nos pontos 83 e 84 da factualidade provada que a arguida SF e os arguidos FB e BB agiram com o propósito de introduzir em Portugal e armazenar resina de canábis, afirmando-se por último no ponto 90 que todos eles atuaram de modo livre, deliberado e consciente, afirmação tabelar consagrada na praxis judiciária que na generalidade dos casos, incluindo o presente, encerra suficientemente a afirmação do dolo do tipo (ainda que não seja a mais precisa e concretizada forma de o fazer ), pois entende-se que ao dizer-se que o arguido agiu de forma “consciente” afirma-se que agiu com conhecimento, com consciência, dos elementos da ação objetiva que se descreve e que ao agir de forma “deliberada” o fez com o propósito, com a intenção, de realizar aquela mesma ação, pelo que, em conjunto, repetem mesmo, pelo menos parcialmente, tanto o elemento intelectual ou cognitivo como o elemento volitivo, do dolo.

Com efeito, ao dizer-se no ponto 81 da factualidade provada que “os arguidos - aí discriminados - quiseram ter na sua posse o estupefaciente, nos termos acima descritos” e no ponto 82 que os mesmos arguidos ”pretendiam …vender o referido estupefaciente”, afirma-se, concludentemente, que aqueles conheciam a natureza estupefaciente do produto que sabiam ter na sua posse, fosse ele resina de canábis, cocaína, MDMA ou planta de canábis, para além de se afirmar expressa e claramente o elemento volitivo, sob a forma de dolo direto, elementos que se reafirmam no ponto 90 da factualidade provada, como referido.

O mesmo se diga relativamente aos atos de transporte e armazenamento de produto estupefaciente a que se reportam os pontos 83 e 84, bem como aos atos de detenção de armas proibidas descritos nos pontos 85 a 89, igualmente conjugados com o ponto 90, todos da factualidade provada.

c.2 Em segundo lugar, no que concerne à alegada “falta do elemento intelectual e volitivo do dolo” por não ter sido dado como “… provado que a recorrente tivesse agido com a consciência da ilicitude penal”, não têm os arguidos razão, essencialmente por duas ordens de razões. Desde logo porque, como refere o acórdão recorrido, o que acima se referiu basta para dar como provado o elemento subjectivo, inexistindo qualquer necessidade de acrescentar que eram punidas por lei penal, pois que isso não faz parte do elemento subjectivo tout court.

Com efeito, conforme temos entendido, o conhecimento do caráter proibido da conduta não integra o dolo do tipo de ilícito, que corresponde no nosso Código penal à representação ou conhecimento do facto que preenche um tipo de crime e age com vontade de realizá-lo por qualquer das formas previstas nos três números do seu art. 14º, como vimos, sem que se inclua aí qualquer referência à consciência ou conhecimento do caráter proibido da conduta, apesar de o legislador ter optado por definir positivamente o dolo naquele mesmo art. 14º.

A consciência da ilicitude respeita antes à culpa, conforme decorre do regime do erro respetivo acolhido no art. 17º do C.Penal e do contraponto com o regime estabelecido no art. 16º do mesmo C.Penal, tal como desenvolvidamente procurámos fundamentar no acórdão do TRE de 20.01.2011, destes mesmos juízes, (proc. 89/09.7TAABT.E1) e mais recentemente, já com referências ao AFJ 1/2015, no acórdão do TRE de 06.02.2018 , proc. 54/16.8T9CBA.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt

Ou seja, embora possa entender-se que o conhecimento das proibições a que se reporta o art. 16º nº 1, 2ª parte, tem que ser articulado e provado juntamente com os elementos objetivos do tipo e o dolo reportado a esses mesmos elementos, por considerar-se que o conhecimento das proibições concretas não pode pressupor-se nesses casos, tal não sucede no chamado direito penal clássico em que se insere o caso presente.

A consciência da ilicitude enquanto facto psicológico de conteúdo positivo não tem que ser alegada e provada em cada caso nos chamados “crimes em si” do direito penal clássico - de que são exemplos paradigmáticos o tráfico de estupefacientes ou a detenção de arma proibida -, em que é pressuposta a consciência da ilicitude, por ser patente para a generalidade dos cidadãos que, relativamente a estes crimes, o comportamento típico e ilícito nega os valores socialmente instituído, sendo social, ética e penalmente censurável, sem prejuízo de poder verificar-se excecionalmente erro relevante por falta de consciência da ilicitude que opera, então, como causa de exclusão da culpa ou de atenuação da pena nos termos do art. 17º C. Penal.

Assim, nos crimes do chamado direito penal de justiça apenas há que articular e provar a falta de consciência da ilicitude quando, por ser alegada ou resultar da discussão da causa, a hipótese de erro se coloque, podendo verificar-se então exclusão da culpa por falta de consciência da ilicitude ou persistência da punição prevista a título de dolo quando o erro for censurável ou indesculpável, nos termos do art. 17º do C. Penal, podendo a pena aplicável ser especialmente atenuada nestes casos.

Daqui decorre que não obstante a praxis judiciária de alegar e dar como provado que o arguido «sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal», ou formulação equivalente, tal facto psicológico não tem que ser casuisticamente questionado, objeto de prova e julgado provado em cada um dos crimes do chamado direito penal clássico, como é o caso presente, conforme referido.

Sempre se diga, porém, que mesmo que se entendesse ser necessária a articulação e prova de que o arguido sabia ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal, a locução usada no caso concreto, ou seja, que os arguidos sabiam que a conduta descrita não lhes era permitida sempre devia considerar-se equivalente à locução tabelar consagrada na prática, pois não é outro o sentido a atribuir-lhe no contexto em que é usada, tanto na acusação como na pronúncia e acórdão recorrido, ainda que, como referimos, o facto psicológico respetivo não respeite ao dolo nem, por outro motivo, tenha que ser articulado e provado em cada caso concreto.

c.3. Por último, não se vê em que medida a interpretação das normas constantes dos artigos 14º, 16º e 17º do Código Penal que se deixou exposta viola o disposto nos artigos 18º, 27º, 29º e 32º, nomeadamente os seus nºs 1 e 5, da CRP.

O art.º 14º do C. Penal acolhe a noção de dolo conforme com os contributos da doutrina finalista, segundo a qual no direito penal clássico (aqui em causa) a consciência da ilicitude não integra o dolo do tipo mas antes a culpa, pelo que é em sede de erro e da verificação de causa de exclusão da culpa que o problema se coloca, assegurando-se no art. 17º de forma cabal que não seja punido quem – por incorrer em erro não censurável – tenha atuado sem consciência da ilicitude do facto. Em nada se mostra violado, pois, o princípio da Proporcionalidade acolhido no art. 18º , o Direito à liberdade estabelecido no art. 27º , o princípio da legalidade acolhido no art. 29º da CRP ou o Direito às garantias de processo penal , máxime às garantias de defesa do arguido, reconhecido no art. 32º todos da CRP, pois o arguido sempre pode alegar falta de consciência da ilicitude nos casos “residuais” em que a mesma possa verificar-se no direito penal clássico, levando o tribunal de julgamento a ponderar e decidir expressamente o facto psicológico subjacente ao erro invocado, tal como o fará oficiosamente se a questão resultar da discussão da causa.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso dos arguidos CC, FB, SF, BB, ACM e LC.

2. Nulidade de sentença por falta de exame crítico da prova, arguida pelos recorrentes FB e BB.

Depois de tecer algumas considerações de caráter mais geral sobre a fundamentação do acórdão recorrido em matéria de facto, o arguido FB alega que o acórdão limita-se a invocar que dos relatos e das escutas telefónicas foi permitido dar os factos dados como provados, ao afirmar que “Foram inquiridos os órgãos de policia criminal que ouvidos em audiência de discussão e julgamento confirmaram a realização e audição das escutas telefónicas, todos os relatórios de vigilância externa e apreensões e detenções que se encontram nos autos.”. No entender do recorrente, tal «…é manifestamente insuficiente! Que órgãos de policia criminal foram inquiridos? Qual o conteúdo e sentido dos respectivos depoimentos? De que modo serviram para formar a convicção do tribunal? Qual o raciocínio seguido pelo tribunal na valoração desses depoimentos? Em boa verdade nenhum policia confirmou qualquer relato de vigilância externa relativamente ao recorrente FB!

(…) . Era mister que o acórdão pegasse num relato ou outro, bem assim no conteúdo da escuta telefónica e reportando-se aos factos dados como provados explicitasse o seu raciocínio. (…) Os destinatários da decisão não percebem qual foi o raciocínio do acórdão para dar como provados, por exemplo os factos assentes nos pontos 36º a 44º do acórdão. Esta omissão é mais gritante quando olhamos para a inexistência de vigilâncias ao recorrente FB. Este arguido apenas foi visto pelos agentes da PSP no dia em que foi detido. O mesmo se diga relativamente aos factos dados como provados nos pontos 57º a 63º da matéria dada como assente. O exame critico é completamente deserto sobre o raciocínio seguido pelo acórdão para dar como provados estes factos. ».

Por sua vez, o arguido BB alega que «… o Acórdão limitou-se a elencar escutas telefónicas e relatos, referindo que, (a fls. 5559) …” – os elementos policiais confirmaram todos os relatórios, apreensões e audições junto aos autos, sendo que o Tribunal se socorreu de “ e enumera relatórios de vigilância.

Cremos que isto é manifestamente insuficiente. Não especifica que elementos policiais é que foram inquiridos. Qual o conteúdo dos depoimentos que prestaram. De que forma contribuíram para a convicção do Tribunal. O Acórdão não faz a ligação entre os relatos e as escutas e os factos que deu como provados, deste modo impedindo que os visados com a decisão percebam o seu conteúdo. Não se compreende o raciocínio seguido pelo Tribunal para considerar determinado facto provado, como nos pontos 62.º a 69.º, do Acórdão.».

Assim, em síntese, os recorrentes FB e BB alegam que o acórdão recorrido se limita a invocar que dos relatos dos elementos policiais inquiridos e das escutas telefónicas realizadas foi permitido dar os factos como provados, sem indicar que órgãos de policia criminal foram inquiridos, qual o conteúdo e sentido dos respectivos depoimentos, de que modo serviram para formar a convicção do tribunal, qual o raciocínio seguido pelo tribunal na valoração desses depoimento, o que não cumpre o dever de apreciar criticamente a prova.

Vejamos.

a) Nos termos do art. 379º nº 1 a) do CPP, é nula a sentença que viole o dever de fundamentação imposto pelo art. 205º nº1 da CRP e especificamente regulado pelo 374º nº2 do CPP, ao qual se reconhecem – ultrapassando meras diferenças de formulação -, essencialmente três finalidades:

- (1) Permitir o controlo da legalidade do acto em via de recurso (2) convencer os interessados e os cidadãos em geral da correção e justiça da decisão e (3) obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autocontrolo.

O dever de fundamentação da sentença inclui o dever do tribunal de julgamento apreciar criticamente as provas que serviram para formar a sua convicção, a qual consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida. Esta exposição – ainda que concisa, como refere o nº2 do art.º 374º – deve permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva sobre os factos em causa, variando o nível de especificação consoante a natureza direta ou indireta da prova, os meios de prova em causa e a existência de provas sobre o facto de sinal oposto ou simplesmente num outro sentido.

Em todo o caso, é a falta de cumprimento do dever “formal” imposto pelo art. 374º nº2 CPP que dá origem à nulidade de sentença prevista no art. 379º nº 1 a), independentemente do mérito respetivo, nomeadamente no que concerne à existência de prova ou à correspondência entre ela e o julgamento de facto, bem como dos termos e relevância da factualidade em causa, designadamente no que concerne à questão de saber se alguns dos pontos da factualidade provada encerram apenas imputações genéricas aos arguidos, questão de que conheceremos adiante.

b) Ora, no que especificamente concerne ao caso concreto, importa, em primeiro lugar, ter em conta que o acórdão recorrido discrimina - relativamente ao arguido FB a fls 5542 e 5543 e ao arguido BB a fls 5559 e 5560 dos autos - diversos relatórios de vigilância externa, informações de serviço, relatórios operacionais, autos de apreensão, relatório pericial, autos de visionamento, reportagens fotográficas, autos de exame e avaliação, relevantes para a decisão em matéria de facto relativamente ao arguido FB.

Para além disso, o acórdão reporta-se a diversas conversações telefónicas escutadas a ambos os arguidos, referenciando-as através da data, número de sessão e síntese do objeto da conversação, de fls 5543 a 5556 (quanto ao arguido FB) e de fls 5560 a 5562 (quanto ao arguido BB. Dos elementos documentais ali devidamente referenciados resulta a identificação de quem neles teve intervenção, nomeadamente das testemunhas que depuseram sobre os factos em que intervieram. A título de exemplo, menciona-se a fls 5542 o relatório de vigilância externa do arguido FB de fls 1501, datado de 13.09.2016, no qual se identifica claramente a pessoa que procedeu à ação de vigilância em causa, o Chefe da PSP AV, que prestou declarações em audiência de julgamento na sessão de 4.4.2018, conforme se menciona na ata respetiva a fls 5350.

O mesmo se diga relativamente às diversas conversações telefónicas escutadas, cujas transcrições se encontram devidamente referenciadas permitindo a identificação de quem a elas procedeu e ao respetivo conteúdo, através do registo da conversação escutada e respetiva transcrição, o que permite a identificação dos meios de prova e de obtenção de prova determinantes para a prova dos diversos factos, nomeadamente os descritos nos pontos 36º e 38º a 44º, 57º e 58º, 59º, 62 e 63º, no que concerne ao arguido FB e, relativamente ao arguido BB, nos pontos 62º a 65º, sendo certo que a prova dos pontos 66º a 69º da factualidade provada assenta antes nas buscas e apreensões respetivas.

Constata-se, pois, que os elementos de prova discriminados na apreciação crítica da prova encontram-se devidamente contextualizados e enquadrados, permitindo identificar as vigilâncias externas e as escutas telefónicas em causa, bem como os OPC que foram inquiridos sobre elas, através da articulação dos dados e elementos devidamente referenciados na apreciação crítica da prova. Assim, independentemente de saber se no caso de verificar-se a omissão apontada esta seria geradora de nulidade, não têm os arguidos FB e BB razão ao alegar que o acórdão recorrido está ferido de nulidade de sentença, devido a falta de apreciação crítica da prova por não ter identificado as testemunhas em causa e as conversações telefónicas relevantes.

c) Também no que concerne à alegada falta de indicação do conteúdo e sentido dos respetivos depoimentos, de que modo estes serviram para formar a convicção do tribunal e qual o raciocínio seguido pelo tribunal na valoração desses depoimento, não têm os recorrentes razão ao arguir nulidade de sentença por falta de apreciação crítica da prova com tal fundamento.

Desde logo porque, como diz o tribunal recorrido ao começar por referir-se sumariamente à estrutura e conteúdo da apreciação crítica da prova a fls 5527 dos autos, a reprodução do teor da prova não constitui requisito legal para a fundamentação da decisão da matéria de facto, sendo o seu conteúdo sindicável, não por via da motivação da decisão da matéria de facto, mas sim através da leitura dos documentos e relatórios periciais e da audição das gravações dos depoimentos prestados

Com efeito, contrariamente ao que parece entender o recorrente, não é exigível ou sequer adequado que o tribunal a quo transcreva as declarações prestadas em que se baseia para decidir em matéria de facto, fazendo verdadeiras e inúteis assentadas, ou transcrevendo o teor de prova documental, de relatórios periciais, de transcrições de conversações telefónicas ou outros elementos escritos, pois tais elementos constam dos autos, sendo diretamente acessíveis aos sujeitos processuais interessados e ao tribunal de recurso, bastando que se proceda à sua indicação e respetivo enquadramento.

Por outro lado, a explicação sobre o sentido das declarações e de que modo estes serviram para formar a convicção do tribunal e qual o raciocínio seguido pelo tribunal na valoração desses depoimentos, varia muito em função do caso concreto, sendo certo que em casos como o presente a relevância e credibilidade dos depoimentos testemunhais deriva, à partida, da relação que se estabelece ente os factos incriminatórios e a razão de ciência das testemunhas OPC, a qual resulta da sua participação nas diligências probatórias em causa, sejam elas vigilâncias externas ou registo de conversações telefónicas escutadas, sem necessidade de esclarecimentos suplementares na generalidade dos casos.

Isto é, da invocada participação das testemunhas naquelas diligências probatórias, confirmando a sua realização e o teor dos respetivos relatórios, resulta concludentemente da referências às suas declarações que estas visaram confirmá-las e que o seu conhecimento dos factos advém dessa mesma participação, sem prejuízo de os sujeitos processuais interessados, máxime o arguido, poderem pôr em causa o sentido e conteúdo das declarações concretamente prestadas, através dos meios de impugnação processualmente previstos.

Concluímos, pois, pela realidade e suficiência da apreciação crítica da prova realizada pelo tribunal a quo, mostrando-se devidamente cumprido o estabelecido no art. 374º nº2 do CPP, pelo que improcede totalmente a nulidade de sentença arguida pelos recorrentes FB e BB.

3. Quanto à contradição alegada pelo recorrente BB entre a referência feita no ponto 82º da factualidade provada ao propósito e venda de produto estupefaciente por parte do arguido BB – que aí é mencionado juntamente com outros - e os factos anteriormente descritos relativamente ao arguido BB, que eram referentes a “transporte”, verifica-se que estes últimos, ou seja, os descritos nos pontos 40º e 62º a 64º da factualidade provada encontram-se entre os que os recorrentes entendem conterem imputações genéricas, pelo que só após conhecer desta questão retomaremos a apreciação do referido vício de “contradição insanável”, pois pode suceder que os pontos de facto alegadamente genéricos venham a ser considerados não escritos, total ou parcialmente.

4. Os arguidos CC, FB, BB, ACM e LC alegam também que o acórdão recorrido contém diversos factos genéricos, abstratos e conclusivos, entre a factualidade provada, que devem ser daí expurgados não podendo fundamentar a condenação dos arguidos.

O arguido CC alega serem factos genéricos os que integram os pontos 4, 8, 10,21, 23, 33, 34, 35 e 70 da factualidade provada. O arguido refere-se também ao ponto 36, mas certamente por lapso, pois este não lhe respeita, faltando-lhe, pois legitimidade, pôr em causa tal ponto de facto.

Simultaneamente impugna aqueles mesmos factos, bem como os pontos 24, 25, 26, 27 e 28 da factualidade provada nos termos do art. 412º nº3 CP, considerando que todos eles devem ser julgados não provados. Refere-se ainda ao ponto de facto 73, mas também por lapso, certamente, pois este não respeita à sua responsabilidade jurídico-penal, faltando-lhe, pois legitimidade, para impugnar tal ponto de facto.

O arguido FB refere-se aos pontos 22º, 36º, 38º, 40º e 62, 41, 42, 43 e 73º alegando que são conclusivos, não sendo passíveis de contraditoriedade, pois era mister que se indicasse quando, como, quantidades e circunstancias em que o coarguido LC adquiriu estupefacientes ao recorrente FB, que o acórdão concretizasse as circunstancias em que o recorrente se socorreu de terceiros para o transporte de produtos estupefacientes, o momento temporal, espacial bem como as quantidade, quando, em que circunstancias, que produto estupefaciente o arguido entregou a quem quer que seja designadamente ao seu coarguido LC para vender ou a quem o recorrente entregou o estupefaciente, quando, como, em que circunstancias e que tipo de estupefaciente entregou.

Simultaneamente, impugna os pontos de facto 22, 36, 41, 42, 38, 43, , 57, 58, 59, 62 , 63 45 a 49 e 54 a 56, da factualidade provada, nos termos do art. 412º nº3 CPP, considerando que os mesmos devem ser julgados não provados;

O arguido BB refere-se aos pontos 40.º, 62, 63, 64, 65, 66 e 68, alegando que a acusação devia indicar quando e em que circunstâncias o arguido BB recolhia o estupefaciente e que estupefaciente, em que dia, em que circunstâncias o arguido procedia ao transporte do estupefaciente, que estupefaciente, que quantidade, quando é que eram dadas as instruções em que moldes eram dadas, quali a origem do estupefaciente, de que modo surgiu na viatura, nem de onde proveio o dinheiro, qual a sua origem, se tinha alguma ligação com factos ilícitos.

Simultaneamente, o arguido BB impugna os ponto de facto 62, 63, 65, 66 e 68, da factualidade provada, nos termos do art. 412º nº3 CPP, considerando que os mesmos devem ser julgados não provados;

Por sua vez, a arguida ACM refere-se aos pontos 21, 70, 71, 72 e 73, alegando que no seu caso apenas uma situação se concretizou, a provada no ponto 32º, mais nada se concretiza[ndo] em relação a supostas vendas ou em relação ao arguido FB.

Simultaneamente impugna os factos dados como provados nos pontos 4, 8, 10, 33, 34, 35, 36, 37 e 42 da matéria dada como provada, considerando que os mesmos devem ser julgados não provados;

Por último, o arguido LC refere-se aos pontos 4, 8, 10, 33, 34, 35, 36, 37 e 42 que, como diz, contêm matéria de facto genérica, conclusiva e conceitos de direito, não concretizada, e que por este motivo deve ser removida dos factos provados;

Impugna ainda estes mesmos pontos 4, 8, 10, 33, 34, 35, 36, 37 e 42 da matéria dada como provada, considerando que os mesmos devem ser julgados não provados.

Vejamos.

4.0. Considerações de ordem geral sobre a imputação de factos genéricos e respetivas consequências jurídicas.

Tal como deixámos exposto no Ac TRE de 8.01.2013, acessível em www.dgsi.pt, resulta da jurisprudência do STJ aí citada e enquadrada, que as afirmações genéricas não individualizadas, nomeadamente por falta de indicação do lugar, tempo e modo da prática de factos concretos e determinados que possam integrar a prática de um crime, violam os direitos de defesa do arguido, em especial o seu direito ao contraditório, pelo que são insuscetíveis de suportar uma condenação penal, nomeadamente pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do Dec-lei 15/93 de 22 de janeiro. Não obstante, são admissíveis referências genéricas integradas por descrições atomísticas feitas noutros pontos da matéria de facto, que concretizam aquelas, podendo as referências genéricas complementar ou enquadrar num quadro mais amplo as descrições factuais concretas que, em todo o caso, contêm as balizas factuais inultrapassáveis a ter em conta para efeitos da decisão sobre a culpabilidade e a determinação da sanção.

Apreciemos, pois, se no caso concreto se verificam as imputações genéricas atribuídas ao acórdão recorrido pelos recorrentes e qual a respetiva consequência jurídica, sendo certo que, em princípio, as imputações genéricas não integram vício processual, nomeadamente dos previstos no art. 410º do CPP ou erro de julgamento em matéria de facto impugnável nos termos do art. 412º nº3 do CPP, mas antes erro de julgamento em matéria de direito que, nos casos mais graves, se traduz na condenação sem factos que integrem a prática do crime, mas que pode refletir-se apenas na escassez de factos para a qualificação do crime ou a determinação da sanção.

4.1. Como referido, o arguido CC alega serem factos genéricos os que integram os pontos 4, 8, 10, 21, 23, 33, 34, 35, e 70, da factualidade provada. O arguido refere-se também ao ponto 36, mas certamente por lapso, pois este não lhe respeita, faltando-lhe, pois legitimidade, pôr em causa tal ponto de facto.

a. Quanto ao ponto 4, a sua formulação é genérica, efetivamente, pois não se imputam atos concretos, individualizados, a qualquer dos arguidos nele referidos (CC e Luís), nem tão pouco se fazem referências genéricas reportadas a uma pluralidade de entregas de dinheiro feitas à arguida SF pelo ora recorrente CC (e pelo arguido Luís), visto que da factualidade provada consta apenas um ato daquela natureza para cada um dos arguidos, respetivamente nos pontos 8º e 10º, da FP.

Assim, não contendo o ponto 4 da FP referência genérica que abrangesse uma pluralidade de atos atomisticamente descritos, nem a imputação de atos concretos, individualizados aos arguidos CC e LC, como referimos, estamos efetivamente perante imputação genérica de factos, não admissível, pelo que há que considerar aquele ponto 4 como não escrito.

b. Diferentemente, resulta da leitura integrada dos pontos 8 e 10, com o descrito em 9 e de 11 a 14, que não são ali imputados ao arguido CC factos genéricos mas antes atos concretos, localizados no tempo e no espaço, que integram a concreta compra de resina de canábis em Espanha por intermédio de sua irmã e coarguida SF, a qual foi apreendida na sua posse no dia 1.7.2016.

c. O ponto 21 reporta-se a uma atividade – aquisição de estupefaciente que depois vendia a várias pessoas - constituída necessariamente por uma pluralidade de atos que, porém, não se encontram enunciados na factualidade provada, pois os pontos 22º a 32º da factualidade provada descrevem uma única operação de compra e venda devidamente concretizada, nomeadamente em relação à arguida ACM. Assim, considera-se não escrito todo o ponto 21 da factualidade provada, na medida em que não se concretiza aí – ou em qualquer outro ponto da factualidade provada - a atividade genericamente imputada ao arguido CC.

d) Os pontos 23 e 33 são1igualmente genéricos porquanto não individualizam minimamente as deslocações a Espanha e os contactos com o arguido LC a que se referem, pois não indicam quando e como aqueles terão ocorrido, tal como nem tão pouco se reportam a uma pluralidade de atos individualizados noutros pontos da factualidade provada, pelo que se consideram não escritos para todos os efeitos.

e) Os pontos 34 e 35 são igualmente genéricos e devem ter-se por não escritos, pois também eles não se reportam a uma pluralidade de factos ou a atividade concretizada no modo e no tempo para além do próprio teor das conversas telefónicas referenciadas no ponto 35.

f. O mesmo se verifica quanto ao ponto 70, pois não se concretizam ali quaisquer operações de venda entre o arguido CC e a arguida ACM de Julho de 2016 até à data da sua detenção do arguido CC (8.02.2017), tanto neste ponto 70 como em qualquer outro, considerando-se igualmente não escrito,

4.2. O arguido FB considera genéricos os pontos de facto 22, 36, 38º, 40, 41, 42, 43, 62, e 73.

a) Tal como se encontra formulado, o ponto 22 não descreve um facto concreto, contraditável e suscetível de prova, pois é genérico, para além de ser realmente inócuo, como alega o recorrente, pelo que se considera o mesmo não escrito.

b) O ponto 36 menciona genericamente a aquisição de resina de canábis feita pelo arguido LC ao arguido FB e, consequentemente, a correlativa cedência por parte deste, sem a mínima contextualização que pudesse constituir complemento de atomística alegação factual de atos concretos de venda do arguido FB ao arguido LC, que não é feita, pelo que, sendo genérica a imputação, considera-se não escrito aquele ponto 36.

c) Os pontos 38 e 40 são igualmente genéricos, pois não se concretizam quaisquer atos de venda de resina de canábis e de cocaína desde o verão de 2016 e 7.02.2017, nem qualquer situação concreta em que o mesmo arguido recorresse ao arguido BB ou outra pessoa determinada para se deslocarem a Espanha. Assim consideram-se não escritos também aqueles pontos da factualidade provada.

d) Também os pontos 41 e 42 se referem a aspetos genéricos do seu procedimento de venda de estupefaciente a terceiros que não se reportam a concretos atos de venda do arguido FB, nomeadamente caraterizando-os, para além do que se descreve nos pontos 45 e 46, pelo que se consideram não escritos os pontos 41 e 42, sendo-o o ponto 42 também relativamente ao arguido LC.

e) O ponto 43º é igualmente genérico pois refere-se a um comportamento padrão, sem que reporte a uma pluralidade de atos concretos e individualizáveis descritos noutros pontos da FP relativamente aos quais aquele comportamento padrão se verificasse, pelo que se considera não escrito.

f) O ponto 62 encerra igualmente mera imputação genérica aos arguidos FB e BB, porquanto não se concretiza ali ou em quaisquer outros pontos de facto atos de transporte de estupefaciente feito pelo arguido BB por determinação do arguido FB. Assim, considera-se não escrito o ponto 62, relativamente a ambos os arguidos, bem como o ponto 84 da factualidade provada, por depender daquele.

g) O ponto 73 refere-se genericamente à aquisição ao arguido FB do estupefaciente que a arguida ACM vendia, sem concretizar aí ou noutro ponto da factualidade provada quaisquer aquisições nem, tão pouco, quaisquer vendas feitas pela arguida ACM a terceiros, pelo que o mesmo considera-se não escrito para todos os efeitos.

4.3. Como referido supra, o arguido BB invoca o caráter genérico dos pontos 40, 62 a 66 e 68, dos quais foram já considerados como tal os pontos 40 e 62, pelo que falta apenas apreciar se tem igualmente razão quanto aos pontos 63 a 66 e 68.

a) Os pontos 63 e 64 encerram, efetivamente, imputação genérica ao arguido FB, uma vez que, referindo-se à atividade genérica mencionada em 62, não concretiza nenhum dos contactos a que se alude em 63 e 64, mencionando-se neste último a venda e apreensão de 7.02.2017 apenas para referenciar o dito “Isla” e não a ocasião em que teria decorrido alguma das conversas entre este e o arguido BB. Consideram-se, pois, os pontos 63 e 64 não escritos para todos os efeitos .

b) É manifesta a falta de razão do recorrente BB ao alegar que os pontos 65, 66 e 68, encerram imputação genérica, pois individualiza-se com clareza a detenção de estupefaciente pelo arguido no interior do automóvel e da casa referenciados nos pontos 65 e 66, tal como se individualiza suficientemente a mera a presença da quantia em causa no automóvel utilizado em regra pela mulher, independentemente das eventuais implicações jurídico-penais dessa situação de facto, tal como se encontra descrita.

c) Como vimos agora em 4.3., corpo, e a), os pontos 40º e 62º a 64º da factualidade provada consideram-se não escritos, pelo que fica prejudicado o conhecimento do vício de contradição insanável invocado pelo arguido BB por serem os “factos” deles descritos referentes a transportes, e o ponto 82º da factualidade provada que menciona o propósito de venda de produto estupefaciente por parte do arguido BB, que aí é mencionado juntamente com outros.

4.4. Por sua vez, a arguida ACM insurge-se contra o caráter genérico das imputações contidas nos pontos 21, 70, 71, 72 e 73, tendo sido já reconhecido supra o caráter genérico dos pontos 21, 70 e 73.

Relativamente ao ponto 71, não se concretiza aí ou noutro ponto da factualidade provada nenhum contacto telefónico da arguida ACM com vendedores ou compradores utilizando os números de telefone ali mencionados (ou outros), pelo que se considera não escrito, por ser genérico, o ponto 71.

No que concerne ao ponto 72 é totalmente genérica a imputação feita, pois não se concretiza aí ou noutro ponto da factualidade provada qualquer dos atos de venda ali aludidos, pelo que se considera não escrito aquele ponto 72 para todos os efeitos.

4.5. Por último, alega o arguido LC que a imputação que lhe é feita nos pontos 4, 8, 10, 33 a 37 e 42, tem caráter genérico como referido supra, o que foi reconhecido relativamente aos pontos 4, 33 a 36 e 42, não escritos.

a) Os pontos 8 e 10 encerram a imputação de factos concretos ao arguido LC, tal como ao arguido CC, uma vez que a sua relevância não depende de outras concretizações no caso concreto, como sejam o produto a adquirir ou a respetiva quantidade, antes constituindo dados que integram a operação de compra a realizar para si, suficientemente concretizada nos pontos 9 e 11 a 17.

b) Quanto ao ponto 37 tem o recorrente razão, pois nenhuma das vendas aludidas é concretizada através de referências espaciais e temporais que permitissem atribuir-lhe existência própria, independentemente identidade dos compradores, resultando, assim, em imputação genérica, pelo que também aquele ponto 37 se considera como não escrito.

5. Para além da invocação de imputações genéricas, como vimos, os arguidos CC, FB, BB, ACM e LC, impugnam ainda a decisão do acórdão em matéria de facto nos termos do art. 412º nº3 do CPP.

Para além disso, o arguido CC arguiu a nulidade da busca realizada a fls 1028 no nº ---da travessa …, Carvoeiro, alegando que não podem ser utilizadas as provas obtidas através dela, nos termos dos arts 125º e 126º, CPP e o arguido FB arguiu nulidade/proibição de prova da interceção ao número de telefone 9260---, e nulidade de escutas telefónica em virtude de não ter sido respeitado o prazo de 48h previsto no art.º 188º/4 CPP. Também a arguida SF arguiu a nulidade da busca realizada à arrecadação da Rua…, Lagoa, pelo que se decidirá daquelas nulidades de buscas e escutas telefónicas antes de apreciarmos as aludidas impugnações da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 412º nº3 CPP.

Vejamos então.

5.1. – Da nulidade da busca invocada pelo arguido CC.

O recorrente alega, no essencial, que a busca teve lugar no seu domicílio pelas 4h do dia 3.08.2016, mas não foi consentida nem realizada aquando de flagrante delito, por falta dos requisitos da sua atualidade e visibilidade, pois a busca teve lugar cinco horas depois de o arguido ter sido detido em local que fica a cerca de 70Km daquele domicílio, pelo que, sendo ilegal, constitui um meio proibido de prova, não podendo ser utilizadas as provas obtidas através dela, nos termos do disposto nos artigos 125.º e 126.º, n.º 3 do CPP.

Vejamos.

a) A busca cuja nulidade é arguida pelo arguido e recorrente CC foi realizada no nº … da Travessa …, União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro e encontra-se documentada no auto de busca e apreensão que constitui fls 1030 a 1032 dos autos, que menciona ter sido aquela busca realizada em residência particular, domicílio, entre as 4h e as 4h50 do dia 3.08.2016., tendo sido então apreendida uma balança digital de precisão apresentando resíduos de cocaína, uma caixa de redrate com várias saquetes (substância usualmente utilizada para adicionar à cocaína) e a quantia de 3 900 euros em dinheiro, entre a qual se contam 625 euros que pertenciam à arguida SF, conforme descrito nos pontos 29 e 30 da factualidade provada, não impugnados.

Por sua vez, refere-se no auto de notícia por detenção de fls 1025 a 1027 que o arguido CC foi intercetado na autoestrada pelas 23h do dia 02.08.2016, quando se transportava no automóvel ligeiro de passageiros Mercedes, CLK 200 Kompressor com a matrícula DO- vindo de Espanha e dirigindo-se à área de serviço de Olhão, tendo consigo cocaína com o peso de 159,85 gr e o mais descrito naquele auto e nos pontos 25 a 28 da factualidade provada, não impugnados.

Confirmam-se, assim, os dados de facto com que o recorrente CC fundamenta a arguição de nulidade da busca realizada à sua residência na madrugada de 03.08.2016, cerca de 5h depois de ter sido detido no autoestrada quando se deslocava de automóvel, na posse de 159,85 gr de cocaína, sem que a busca tivesse sido consentida ou objeto de mandado judicial ou de magistrado do MP.

A primeira questão jurídico-processual a decidir é, pois, a de saber se aquela busca foi realizada legalmente, o que no caso concreto depende de considerar-se que a busca domiciliária noturna foi realizada aquando de detenção em flagrante delito nos termos do art.º 177º nºs 2 c) e 3 b), do CPP, como parece ter decidido o acórdão recorrido a fls 5482 e é posto em causa pelo arguido CC.

Com razão, diga-se, pois conforme decidiram já os mesmos juízes que subscrevem o presente acórdão ”… «Da conjugação da noção legal de flagrante delito e da caraterização legal da busca como meio de obtenção de prova, resulta que a busca domiciliária noturna apenas é legalmente admissível com fundamento em flagrante delito, nos termos do art. 177º nº 2 c) ex vi do nº3 b) do mesmo art. 177º, se existirem indícios de que no domicílio em causa se encontram objetos ou pessoas relacionados com o crime, nas seguintes circunstâncias:

- Quando puder considerar-se que o crime, punível com pena superior a 3 anos de prisão, está-se cometendo ou acabou de ser cometido no domicílio em causa, aquando da intervenção do OPC em que inserirá a realização da busca;

- Quando o agente intercetado tenha sido perseguido desde o local da prática do crime e este corresponda ao domicílio em causa;

- Quando o agente intercetado tiver sido encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que o crime acabou de ser cometido no domicílio em causa.» - cf. Ac TRE de 04.02.2014, rel. António Latas, Proc. 41/11.2.PEVR.E1, onde se desenvolve a fundamentação deste entendimento.

Ora, in casu, a busca foi realizada quando o arguido CC regressava de Espanha onde se deslocara para adquirir a cocaína que detinha sem que na factualidade provada se relacione de qualquer modo a detenção de cocaína em flagrante delito por parte do arguido com o seu domicílio, pelo que não se vê como pode invocar-se neste caso a atualidade ou visibilidade de uma situação de flagrante delito que envolvesse aquele mesmo domicílio, pois é esta relação entre a situação de flagrante e o domicílio que legitima a busca domiciliária noturna sem mandado nos termos do art.º 177º nºs 2 c) e 3 b), do CPP, e não uma qualquer situação de flagrante delito envolvendo o arguido. Ainda que uma situação de flagrante delito não relacionada com o domicílio possa constituir indício de que o detido guarda estupefaciente no seu domicílio, fundamentando, assim, a emissão de mandado de busca domiciliária, tal não se confunde com a ocorrência de flagrante delito envolvendo o domicílio, enquanto pressuposto da realização de busca em flagrante por iniciativa de OPC, nos termos do art. 177º nº 2 c) e nº3 b), do CPP.

Mesmo a entender-se diferentemente, sempre o ora recorrente teria razão ao alegar que a situação de flagrante delito não se mantinha no momento da busca, realizada cerca de 5 horas depois de o arguido ter sido intercetado em fuga na posse de cocaína e de ter sido o mesmo detido, pelas razões que podem ver-se, por todos, no ac RL de 22.01.2015, rel. Antero Luís., em cujo sumário pode ler-se: “1. É ilegal a busca domiciliária nocturna, não consentida, realizada por órgão de polícia criminal, após o arguido estar na esquadra policial há cerca de duas horas e formalmente detido há 34 minutos, por já não estar abrangida pelo flagrante delito”.

b) A busca noturna no domicílio do arguido CC é, assim, ilegal, impondo-se determinar agora qual o valor negativo que afeta a busca no caso concreto– nulidade ou proibição de prova - , pois embora o art.º 177º nº1 apenas se refira a nulidade, o art.º 118º/3 do CPP estabelece que as disposições do título dedicado às nulidades, onde se insere, não prejudicam as normas do CPP relativas às proibições de prova no art.º 126º nº 3, que qualifica como tal a obtenção de prova mediante intromissão no domicílio fora dos casos previstos na lei e sem consentimento do respetivo titular.

Ou seja, como pode ler-se no AFJ 1/2018 « … ao sistema de nulidades de atos processuais, que podem muito bem ser meios de obtenção de prova (exames, revistas, buscas, apreensões ou escutas telefónicas), o Código justapõe um regime próprio de proibições de prova. E é assim que nos surge com autonomia o art. 126.º, do CPP, que contempla os “Métodos proibidos de prova”.

Deste modo, a realização de busca domiciliária sem consentimento do próprio, sem autorização judicial e fora de alguma das situações previstas no art.º 177º que a dispensam, nomeadamente por não ter lugar em flagrante delito, não pode deixar de considerar-se meio proibido de prova, nos termos do art.º 126º nº 3 CPP, pelo que, como refere, por todos, o citado AFJ 1/2018, «… Enquanto as nulidades atingem o ato processual, as proibições de prova dirigem-se diretamente à utilidade que o ato se propôs obter. Não só o ato será inválido, como o contributo que fornece para a reconstituição dos factos tem que ser ignorado. Por outras palavras, estar-se-á perante uma prova que o deixa de ser enquanto tal, na medida em que no processo não serve para nada. É dizer, estamos no domínio da proibição da valorização da prova.».

Assim, a detenção dos objetos e quantias apreendidos na busca, a que se referem os pontos 29º e 30, da factualidade provada, não vale para prova de quaisquer factos ilícitos imputados ao arguido, sendo certo que no caso concreto a questão verdadeiramente não se coloca, pois na factualidade provada não se menciona qualquer relação entre aquela quantia e o crime de tráfico de estupefacientes imputado ao arguido.

Procede, pois, o recurso do arguido CC nesta parte.

5.2 SF:

A arguida SF arguiu a nulidade da busca realizada à arrecadação da Rua…., Lagoa, pois sendo visadas as arguidas JF e SF, esta não deu o seu consentimento, tendo o acórdão recorrido entendido que era suficiente o consentimento prestado pela visada JF e a sua mãe, porque tinha a disponibilidade do lugar. Em todo o caso, as autorizações de busca prestadas por estas não incluíam a arrecadação onde foi encontrado produto estupefaciente, pelo que sempre seria nula por esse motivo. A nulidade da busca domiciliária acarreta como consequência a nulidade das apreensões efetuadas durante a diligência.

Sem razão, porém.

Em primeiro lugar, porque apesar de a arguida SF ser visada pela diligência a busca não foi realizada no seu domicílio ou em outro lugar de que ela tivesse a disponibilidade, contrariamente ao que se verificava nos Ac TC 507/94 e 126/2013, citados pela recorrente, conforme se constata pela mera leitura da decisão proferida neste último, que é do seguinte teor: « a) Julgar inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 34.º da Constituição, a norma da alínea b) do n.º 3, com referência al. b) do n.º 2, do art.º 177.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que o “consentimento” para a busca no domicílio do arguido possa ser dado por pessoa diferente deste, mesmo que tal pessoa seja um co-domiciliado com disponibilidade da habitação em causa».

Em segundo lugar, conforme se refere no ponto 18 da factualidade provada, as placas de resina de canábis aí mencionadas encontravam-se numa arrecadação da habitação da arguida JF, pelo que não tem suporte factual a alegação de que aquela habitação não incluía a dita arrecadação, mostrando-se a busca cabalmente autorizada por quem nela residia, conforme Termos de Autorização de Busca de fls 11 e 12, do processo 15/16.7PEFAR, oportunamente apensado aos presentes autos (1º vol).

Improcede, assim, o recurso da arguida SF nesta parte.

5.3. Nulidade/proibição de prova relativamente a escutas telefónicas, arguidas pelo recorrente FB.

5.3.1. O arguido FB argui a nulidade/proibição de prova da intercepção ao número de telefone 926 029 434, por inexistência de uma suspeita qualificada de o recorrente ter praticado o ilícito de catálogo, pretensão que o acórdão recorrido indeferiu com fundamento na circunstancia de que o arguido FB, naquele momento processual, já era suspeito da prática do referido ilícito penal, mas sem que tal se verificasse, conforme resulta do despacho (fls.783) que autorizou a referida escuta telefónica.

Sem razão, porém, pois resulta da articulação entre o teor da informação de serviço de fls 742-3, requerimento do MP de fls 780-1 e despacho do JI que sobre ele recaiu, que a autorização para interceção e gravação das conversações telefónicas e demais comunicações de e para o número 926…, a operar na MEO, assentou na circunstância de o então suspeito CC manter contactos regulares com aquele mesmo número, a propósito da entrega e distribuição de estupefacientes, revelando-se a realização de escutas também àquele número essencial para a recolha da prova, pois de outro modo não será possível conhecer os contactos mantidos entre todos nem o momento ou local em que os suspeitos terão estupefaciente na sua posse, conforme expressamente exposto no requerimento do MP de fls 780 e implicitamente considerado no despacho judicial de fls 783.

Assim, verifica-se, que para além dos requisitos a que se reportam os nº 1, corpo, e nº 1 b) CPP, do art. 187 do CPP, mostra-se igualmente preenchido o requisito imposto pelo art. 187º nº 4 a) do CPP, dado que, contrariamente ao que pretende o recorrente, a interceção e gravação das conversações telefónicas de e para o número 926 02--- eram dirigidas contra suspeito de prática de crime de tráfico de estupefaciente, ou seja, o titular daquele número telefone respetivo (que veio a ser identificado como o arguido FB), que tinha contactos regulares com o arguido CC que incidiam sobre entrega e distribuição de estupefacientes.

Com efeito, a noção legal de suspeito, contida na al. e) do art. 1º do CPP, pressupõe que existam indícios da prática de um crime por uma pessoa determinada, mas tal não se confunde com a exigência da sua identificação completa, bastando-se com a existência de dados factuais tendentes a essa identificação, com base nos quais possa individualizar-se uma pessoa determinada, como veio a ocorrer com o arguido FB – cf. ac TRE de 30/9/10, proc. nº 49/10.5JAFAR-A.E1, proferido por estes mesmos juízes.

Improcede, pois, o recurso do arguido FB nesta parte.

5.3 2. O recorrente FB argui ainda a nulidade das escutas telefónicas, conforme suscitado nos pontos 15 a 39 do requerimento que apresentou em audiência de julgamento, pois entende que, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, ao prazo de 48 horas concedido ao Ministério Público para se pronunciar não acresce o prazo de 48 horas para o funcionário dos respetivos serviços abrir conclusão ao Magistrado.

A questão foi já suscitada na fase de Instrução perante o JI e perante o tribunal coletivo que, no acórdão recorrido, julgou igualmente improcedente aquela arguição.

O presente recurso, sem pôr em causa os pressupostos de facto da decisão recorrida, cinge-se à questão de direito aludida., a qual pode enunciar-se assim: - aos prazos previstos nos nºs 3 e 4 do art. 188º do CPP para, respetivamente, o OPC levar ao conhecimento do MP os suportes técnicos, autos e relatórios referidos no seu nº1, e para o MP levar ao conhecimento do juiz aqueles mesmos elementos, é aplicável o disposto no art.º 106º nº1, que prevê o prazo de dois dias para que os funcionários de justiça lavrem os termos no processo?

– Vejamos.
Respondendo à questão formulada, entendemos com o JI e o tribunal coletivo recorrido que é aplicável àqueles prazos o disposto no citado art. 106º, porquanto a movimentação dos processos entre as entidades judiciárias que neles intervêm tem lugar através das secretarias judiciais e do MP, sendo os respetivos funcionários de justiça que lavram os termos respetivos, incluindo as “conclusões” que acompanham a sua apresentação aos magistrados do MP e aos juízes.

Assim, uma vez que do art.º 188 nada resulta em contrário, é depois de decorrido o prazo de 15 dias previsto no nº 3 do art.º 188º que o OPC juntará os elementos ao processo e providenciará para que sejam levados ao conhecimento do MP através da secretaria respetiva e é no prazo máximo de 48h que o MP ordenará aos seus serviços que leve ao conhecimento do JI aqueles mesmos elementos através da secretaria judicial, que, por sua vez, apresentará o processo ao juiz no mesmo prazo máximo de dois dias previsto no art. 106º do CPP – vd neste sentido os acórdãos do TRE de 13.05.2008, rel. Martinho Cardoso, de 15.10.2013, rel. Carlos Berguete e de 12.04.2016, M. Filomena Soares. Note-se que, conforme decidimos no ac TRE de 22.01.2008 (rel. António Latas), quando o prazo a que se reporta o art. 188º nº4 (na atual redação) termine a um domingo, o ato pode ser praticado no dia útil seguinte, mesmo que pudesse considerar-se estarmos perante ato urgente.

Alega o recorrente que, deste modo, os autos seriam apresentados ao juiz apenas no 21º dia o que contraria a letra e o espirito da lei que prevê que o material gravado não possa chegar ao juiz para além do 17º dia, mas tal não constitui um verdadeiro argumento, mas antes o resultado, aritmético, da conjugação do prazo regra geral previsto no art. 106º com os prazos especialmente fixados no art. 188º nºs 3 e 4, ambos do CPP, sendo certo queo art. 188º não estabelece um prazo máximo de 17 dias para que os elementos cheguem ao conhecimento do juiz, nem se verifica necessariamente que tal ocorra apenas no 21º dia, pois tanto o prazo de 48h como o prazo de dois dias, previstos, respetivamente, nos arts 188º/4 e 106º/1, do CPP, são prazos máximos.

Assim, considera-se que não foi excedido qualquer daqueles prazos relativamente aos alvos de “escuta telefónica” referidos nos pontos 15 a 39 do requerimento apresentado pelo arguido FB em audiência de julgamento, conforme discriminado no despacho de pronúncia, de fls 4527 a 4531, para o qual se remete, pois os dados de facto aí discriminados não foram postos em causa pelo recorrente, pelo que se julga improcedente o recurso do arguido FB também nesta parte.

Não se vê em que medida esta interpretação das disposições do art. 188º nº3 e 4 do CPP as inquinaria de inconstitucionalidade material por afronta do princípio das Garantias de defesa do arguido estabelecido no artigo 32º, bem como o princípio da Inviolabilidade do domicílio consagrado no art. 34º, ambos da CRP, tanto mais que estamos perante normas acessórias que visam regular aspetos do acompanhamento judicial da interceção e registo de conversas telefónicas, que não sofre qualquer alteração relevante pela circunstância de se considerar que na prática dos atos em causa deve ter-se em conta o prazo de dois dias estabelecido no art.º 106º CPP.

6. Decididas as invocadas nulidades de buscas e de escutas telefónicas, cabe agora apreciar a impugnação da decisão do acórdão recorrido em matéria de facto, nos termos do art. 412º nº3 do CPP, deduzida pelos arguidos CC, FB, BB, ACM e Luís, conforme referimos antes.

6.1. O arguido CC veio impugnar os pontos 4, 8, 10, 21, 23,33, 34, 35, 70, para além dos pontos 24, 25, 26, 27 e 28, mas destes foram considerados não escritos os pontos 4, 21, 23, 33, 34, 35, e 70, pelo que apenas há que decidir da impugnação relativamente aos pontos, 8 e 10, 24, 25, 26, 27 e 28, da factualidade provada, na parte que lhe respeita.

6.1.1. Os pontos 8 e 10, lembremo-lo, são do seguinte teor:

- “ 8. [No dia 30 de Junho de 2016, a arguida SF] contactou com os arguidos CC e LC pedindo-lhes o dinheiro para ir buscar o estupefaciente a Espanha (sessões 22698, 22734 do alvo 83423040)” e “10.A arguida deslocou-se a Espanha para adquirir estupefaciente para si e para os arguidos CC e LC, sendo que este pagou a quantia de €24.080 pelo estupefaciente que pretendia comprar”.

Como pode ver-se das alíneas a) a l) da sua conclusão 3ª, o arguido CC não põe concretamente em causa que a coarguida SF lhe pediu o dinheiro para ir a Espanha adquirir estupefaciente e que aquela se deslocou efetivamente a Espanha (também) com essa finalidade no dia 1.07.2016, pelo que é manifestamente improcedente a impugnação do arguido CC relativamente aos pontos 8 e 10 da factualidade provada.

6.1.2. Impugnação relativamente aos pontos 24, 25, 26, 27 e 28, da factualidade provada.

Também relativamente a estes pontos de facto, o arguido CC, apesar de afirmar pretender impugnar todos eles, apenas põe verdadeiramente em causa que o arguido tenha arremessado pela janela do automóvel onde seguia 150,068 g de cocaína, como descrito no ponto 28, pois nada diz no texto e conclusões da sua motivação que contrarie a prova dos factos descritos nos pontos 24 a 27, tal como não especifica quaisquer provas a esse respeito.

Quanto à matéria do ponto 28 da factualidade provada, não se mostram minimamente pertinentes as dúvidas que o arguido CC pretende lançar sobre o depoimento da testemunha AV, agente da PSP, que depôs sobre aquele facto em audiência de julgamento como testemunha presencial, afirmando que viu ser arremessado um embrulho por uma das janelas do automóvel conduzido pelo arguido CC que, momentos antes, não obedecera à ordem de paragem da autoridade policial.

Com efeito, nada tem de estranho que a testemunha procurasse fixar o local onde vira ser arremessado o embrulho para o procurar mais tarde e que efetivamente o procurasse logo depois de o arguido ter imobilizado o veículo, por suspeitar, naturalmente, que se tratasse de produto estupefaciente.

Também nada tem de estranho que a localização do embrulho não tivesse ocorrido na presença do arguido, precisamente porque este encontrava-se já noutro local com outros agentes da PSP mercê das suspeitas de que teria consigo produto estupefaciente adquirido em Espanha, fundamentadas nas interceções telefónicas e nas deslocações do arguido conforme referido nos pontos 24 a 26, independentemente da conduta que assumiu após a interceção policial descrita em 27.

Assim, não resulta da impugnação do arguido CC qualquer erro de julgamento do tribunal a quo ao julgar provado os factos descritos nos pontos 24 a 28, pelo que improcede totalmente a referida impugnação em matéria de facto.

Relativamente ao arguido CC há, pois, que ter em conta, em síntese, que se consideram não escritos os pontos 4, 21, 23, 33, 34, 35, e 70, por serem factos genéricos e conclusivos, bem como os pontos 29 e 30, todos da factualidade provada, sendo-o estes dois últimos por ter sido julgada prova proibida a busca de que resultou a apreensão dos bens e objetos ali mencionados, mantendo-se sem qualquer alteração o teor dos pontos 24 a 28 da factualidade provada.

6.2. O arguido FB veio impugnar os pontos 22, 36, 38, 40, 41, 42, 43, 62 e 73 da factualidade provada e todos eles foram considerados não escritos pelo que nada resta para decidir em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

6.3. O arguido BB veio impugnar os pontos 62, 63, 65, 66 e 68, da factualidade provada, mas destes foram considerados não escritos os pontos 62 e 63, pelo que apenas há que decidir da impugnação relativamente aos pontos 65, 66 e 68.

Vejamos.
6.3.1. É manifesta a improcedência da impugnação relativamente ao ponto 65º da factualidade provada, pois não se refere ali qualquer transporte efetuado pelo Arguido BB, mas apenas que o arguido guardava no veículo automóvel -CH- o produto estupefaciente mencionado, o que não é posto em causa pelo recorrente BB.

6.3.2. Apesar de mencionar o ponto 66 juntamente com o ponto 68 nas suas conclusões, o recorrente nada diz sobre a detenção de arma e munições nele mencionados, para além de não lhe ser atribuída responsabilidade criminal relacionada com aqueles factos, pelo que improcede manifestamente a impugnação também nesta parte.

6.3.3. É ainda manifestamente improcedente a impugnação relativamente ao ponto 68, pois o arguido não põe em causa que “No automóvel com a matrícula -XR, em regra utilizado pela mulher do arguido, encontravam-se ainda €180 em dinheiro”, sem que se afirme ali que aquela quantia resultou de qualquer operação ilícita, que é o que o arguido põe em causa no seu recurso.

6.4. A arguida ACM veio impugnar os pontos 21, 70, 71, 72 e 73, da matéria dada como provada, mas destes foram considerados não escritos todos aqueles pontos de factos, pelo que nada resta para decidir em sede de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

6.5. O arguido LC veio impugnar os pontos 4, 8, 10, 33, 34, 35, 36, 37 e 42 da matéria dada como provada, mas destes foram considerados não escritos os pontos 4, 33, 34, 35, 36, 37 e 42, pelo que apenas há que decidir da impugnação relativamente aos pontos 8 e 10.

Tal como vimos relativamente ao arguido CC, também o arguido LC, apesar de mencionar o ponto 8 da factualidade provada nas conclusões de recurso, não põe concretamente em causa que a coarguida SF tenha contactado consigo no dia 30 de junho de 2016 pedindo-lhe dinheiro para ir a Espanha adquirir estupefaciente, como se descreve no ponto 8 da factualidade provada.

Das als. e), f) e g) das conclusões de recurso do arguido Luís apenas resulta impugnado o descrito em 10, ou seja, que pagou à arguida SF a quantia de € 24 080 para que esta comprasse estupefaciente para si, afirmando ali (f) que “Na fundamentação de facto não resulta nenhuma escuta telefónica que se refira à situação provada em 10, (…) pelo que não pode deixar de considerar-se procedente a impugnação nesta parte… (g).

Improcede, porém, esta impugnação, uma vez que se refere na apreciação crítica da prova (fls 5533 dos autos) que “Dia 30.06.2016 (chamada 22734) a SF telefona para o irmão LC e como atente a Andreia ela diz para dizer ao irmão que dá tudo 24.080”, sendo que foi nessa mesma “chamada 22 734” feita para o alvo 83423040, que a arguida SF pediu dinheiro ao arguido LC para ir buscar estupefaciente a Espanha, conforme consta do ponto 8 da factualidade provada.

Isto é, contrariamente ao alegado pelo recorrente LC, a interceção da conversa telefónica de 30.06.2016, sessão 22 734, refere-se à situação provada em 10, nos termos aludidos, pelo que, como referido, improcede a impugnação daquele arguido relativamente ao ponto 10 da factualidade provada.

7. Da alteração da qualificação jurídica pretendida pelos arguidos CC, JD , ACM e LC – art.º 25º DL 15/93

7.0. Considerações de ordem geral.

A grande diferença que se verifica entre a moldura penal prevista no artº 25 (1 a 5 anos de prisão) e no art. 21º (4 a 12 anos de prisão), por um lado, e o conceito normativo aberto utilizado pelo legislador no art. 25º (ilicitude consideravelmente diminuída), por outro, tem levado a que a questão do preenchimento de um ou outro dos tipos penais se coloque frequentemente nos nossos tribunais, que têm desenvolvido critérios que reflitam a necessária densificação do que deva tomar-se por ilicitude consideravelmente diminuída.

Desde logo importa ter presente que o artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém a descrição fundamental - o tipo essencial – no que respeita à previsão e ao tratamento penal das atividades de tráfico de estupefacientes que, dão entre nós origem à tipificação de crimes de perigo, de proteção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas.

O legislador, porém, pressupõe a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo para os bens jurídicos protegidos, respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º) (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234), apud Ac STJ de 23.02.2005 (proc. 05P130), relator-H. Gaspar, acessível em www.dgsi.pt.

O art. 25º do Decreto-Lei nº 15/93, epigrafado de "tráfico de menor gravidade" constitui um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação ao tipo fundamental de artigo 21º, pressupondo, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da ação, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado situa-se, pois, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objetivas que a revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

Na verdade como se diz no Ac STJ de 23.02.2005 ora citado (e reafirmado, entre outros, no Ac STJ de 17.04.2008, do mesmo relator, igualmente acessível em www.dgsi.pt), a diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico, como já aludido.

Estas categorias, porém, são meramente indicativas ou aproximativas, não correspondendo a categorias legais ou sequer sociológicas bem delimitadas. Daí não poder afirmar-se que no tipo base do artigo 21º apenas caibam os grandes agentes do tráfico de estupefacientes, integrados em organizações mais ou menos extensas e sofisticadas, detentores, em regra, de grandes fortunas pessoais, ou ainda os traficantes que circulem na respetiva órbita dando corpo e consistência à atividade organizada. Na verdade, os critérios legalmente fixados e as razões de prevenção geral que lhe subjazem, impõem que se abranja no tipo base de tráfico de estupefacientes (art. 21º) realidades sociológicas que claramente extravasam daquele quadro, abrangendo situações que, por exemplo, envolvem os chamados traficantes de rua ou os chamados correio de droga, cuja atividade, que apresenta igualmente grandes diferenças entre si, é essencial às formas organizadas de tráfico.

Com efeito, ao apelar à diminuição considerável da ilicitude do facto por mera referência a fatores como a modalidade da ação, de entre a extensa panóplia enumerada no artigo 21º (compra, venda, detenção, troca, transporte, etc), ou às circunstâncias da mesma ação, onde se incluirá v.g. o ato esporádico, pontual pouco frequente, ao lado da qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto da ação, de onde se destacam a espécie do produto estupefaciente (cocaína, heroína, haxixe) ou a sua pureza, o tipo privilegiado do artigo 25º parece deixar de fora quadros fatuais e pessoais que, por referência a critérios densificadores como o volume de negócio, lucro do agente ou a pertença a quadros organizativos acabados, encaixam-se melhor no chamado tráfico médio que no grande tráfico. Aliás, podem mesmo caber na previsão ampla do art. 21º algumas hipóteses que na representação social dos traficantes de produtos estupefacientes são consideradas de pequeno tráfico, mas que em face dos critérios exemplificativamente indicados no artigo 25º ou outros igualmente relevantes do ponto de vista da ilicitude (v.g. modalidade da ação, a qualidade ou quantidade de estupefaciente, aqui incluídas, em nosso ver, a sua maior ou menor perigosidade intrínseca, a duração da atividade ilícita ou a dimensão do universo de compradores e/ou consumidores abrangidos por aquela mesma atividade), não têm cabimento naquele artigo 25º, antes se integrando no artigo 21º.

Estando em causa a diminuição considerável da ilicitude, é em função do grau de lesão do bem jurídico protegido pelos crimes de tráfico de estupefacientes[1] que a conduta concretamente abarcada pela descrição típica do art. 21º do Dec-lei 15/93 pode considerar-se antes abrangida pelo tipo privilegiado do art. 25º, seja em função de um menor desvalor do resultado, seja de um menor desvalor da ação[2], mas sobretudo em função do desvalor do resultado[3], ou seja, em função dos elementos relativos ao tipo objetivo exemplificativamente indicados no art. 25º: meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações que, no seu conjunto, permitirão captar o que a nossa jurisprudência tem designado de imagem global do facto.

Posto isto, começamos por enumerar a factualidade relevante para a configuração do quadro de ilicitude respeitante aos arguidos recorrentes, expurgada das imputações genéricas abrangidas pelos recursos interpostos pelos ora recorrentes (CC, JD, ACM e LC) e como tal consideradas supra, marcando-se a tracejado as imputações genéricas, objeto da aludida decisão prévia, e mantendo a numeração do acórdão recorrido. Procede-se de modo idêntico relativamente aos pontos 29 e 30 da factualidade provada, que se consideram não escritos porque a busca realizada na residência do arguido CC constitui prova proibida.

Consideremos, pois, os seguintes factos:

- «1º Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Maio de 2016 e até à data da sua detenção em 2 de Julho de 2016, a arguida SF vem-se dedicando à venda de resina de canábis;

2º A arguida adquiria o estupefaciente a uma pessoa que não foi possível identificar e que apenas se sabe atender pela alcunha “Tapa”, deslocando-se a Espanha para o ir buscar, transportava-o para Portugal e distribuía-o depois por outras pessoas que o vendiam aos consumidores;

3º Para o efeito a arguida estabelecia contacto com a pessoa a quem adquiria o estupefaciente, bem como com as pessoas a quem a entregava posteriormente, através do telefone com o número 961---, correspondente ao cartão SIM utilizado no aparelho com o IMEI 353311----;

A conduta da arguida era do conhecimento dos arguidos CC e LC, seus irmãos, para quem trazia estupefaciente quando se deslocava a Espanha, sendo que os mesmos lhe entregavam previamente o dinheiro correspondente ao preço;

5º A arguida contava ainda com a colaboração da arguida JF, com quem mantinha contactos telefónicos dando-lhe instruções para a realização as viagens a Espanha e que a acompanhava nessas viagens;

6º Para além disso a arguida JF guardava o estupefaciente que ambas traziam de Espanha;

7º No âmbito desta actividade, no dia 30 de Junho de 2016, a arguida SF efectuou contactos telefónicos com a arguida JF, destinados a combinar o encontro com o já mencionado “Tapa”, com o propósito de adquirir estupefaciente (sessões 22704, 22768, 22978 do alvo 83423040);

8º No mesmo dia a arguida contactou com os arguidos CC e LC pedindo-lhes o dinheiro para ir buscar o estupefaciente a Espanha (sessões 22698, 22734 do alvo 83423040);

9º Pelas 12h45m do dia 1 de Julho de 2016, a arguida SF circulava na A22 em direcção a Ayamonte, ao volante do automóvel com a matrícula ---HKC, tendo saído do território nacional pela ponte que liga Vila Real de Santo António a Ayamonte;

10º A arguida deslocou-se a Espanha para adquirir estupefaciente para si e para os arguidos CC e LC, sendo que este pagou a quantia de €24.080 pelo estupefaciente que pretendia comprar;

11º Pelas 14h17m, a arguida SF regressou a Portugal pela mesma estrada e pelas 15h15m encontrava-se na área de serviço da A22 em Olhão;

12º A arguida foi mandada parar pelas autoridades policiais, já depois de ter saído da referida área de serviço e quando circulava em direcção a Faro e, depois de ter tentado fugir, imobilizou o veículo numa zona de descanso existente na auto-estrada;

13º A arguida SF encontrava-se acompanhada pela arguida JF que se deslocou consigo a Espanha;

14º Na bagageira do automóvel as arguidas transportavam várias placas de resina de canábis;

15º No interior do automóvel as arguidas transportavam nove telefones ainda no interior das respectivas embalagens, mas contendo cada um, um papel com um nome manuscrito;

16º Na sua mala pessoal a arguida SF transportava €4.785 em dinheiro;

17º A arguida SF tinha também consigo o telefone mencionado no Artº 3º;

18º A arguida JF guardava ainda, numa arrecadação da sua habitação, sita na Rua … Lagoa, um saco de desporto contendo várias placas de resina de canábis;

19º O estupefaciente que a arguida JF guardava pertencia à arguida SF (sessão 22768 do alvo 83423040);

20º As arguidas tinham em sua posse o total de 680 placas de resina de canábis, com o peso global de 54.956,424g, correspondentes a 138.769 doses individuais;

21º A partir desta data, e face à detenção da arguida SF, o arguido CC passou a organizar ele próprio a aquisição do estupefaciente que depois vendia a várias outras pessoas, designadamente à arguida ACM (entre outras as sessões 1462, 1939, 1951, 1975, 2603, 2775, 4908 do alvo 84041040);

22º Assim o arguido estabeleceu contacto com o também arguido FB, que atende pela alcunha de “Cigarrinho”, destinado a obter os contactos das pessoas que vendiam o estupefaciente (sessão 4790 do alvo 84041040);

23º O arguido CC passou então a deslocar-se a Espanha para adquirir o estupefaciente que vendia a terceiros;

24º Assim, e no âmbito desta actividade, o arguido CC, no dia 1 de Agosto de 2016, combinou com uma das pessoas a quem adquire o estupefaciente encontrar-se com ele no dia seguinte, à noite, pedindo-lhe que tivesse “150” preparados (sessão 10692 do alvo 84041040);

25º No dia 2 de Agosto, o arguido CC encontrou-se com a arguida AH no restaurante “Haweli” na Estrada do Farol pelas 21h13m e pelas 21h22m, ambos abandonaram o referido estabelecimento no automóvel com a matrícula DO-, conduzida pelo arguido;

26º Os arguidos dirigiram-se para Espanha, onde entraram pelas 22h25m através da A22 e da Ponte Internacional sobre o Guadiana, regressando a território nacional pela mesma estrada e onde entrou pelas 22h40m;

27º O arguido foi interceptado por veículos policiais quando circulava na A22 em direcção à área de serviço de Olhão, tendo-lhe sido dada ordem de paragem;

28º O arguido não obedeceu de imediato, tendo diminuído a velocidade e arremessado 150,068g de cocaína, correspondentes a 586 doses individuais, pela janela do automóvel após o que parou imobilizou o veículo (sessão 487 do alvo 84930040);

29º Na sua residência, sita na Travessa ---, Lagoa, o arguido guardava uma balança digital de precisão apresentando resíduos de cocaína, uma caixa de Redrate com várias saquetas (substância usualmente utilizada para adicionar à cocaína) e €3.900 em dinheiro;

30º Entre a quantia apreendida, contam-se €625 que estavam enrolados num papel no qual estava escrito o nome “SF”, pelo que esse valor pertencia à arguida SF (sessão 2585 do alvo 84041040);

31º O arguido CC tinha ainda em sua posse um papel contendo apontamentos manuscritos nos quais se encontram registados nomes e valores correspondentes, com os dizeres “divida” e/ou “”pago”;

32º Parte da cocaína apreendida, concretamente 70g, destinava-se a ser entregue à arguida ACM (sessões 412, 414, 417, 425, 427, 428, 446, 487, 836 do alvo 84930040)

33º Depois de se encontrar detido, o arguido CC estabeleceu vários contactos com o arguido LC, destinados a tentar alterar o eventual depoimento das pessoas a quem vendia estupefaciente por um lado e, por outro, a dar instruções para a cobrança de dinheiro que essas pessoas lhe deviam a propósito da transacção de estupefaciente (apenso de transcrição de do alvo 85386040);

34º O arguido CC, nas deslocações que passou a fazer a Espanha, adquiria não só o estupefaciente que ele próprio vendia, como também o estupefaciente que o arguido LC, seu irmão, vendia;

35º O arguido CC recebia o dinheiro correspondente ao preço que lhe era entregue pelo arguido LC, adquiria o estupefaciente, transportava-o para Portugal e entregava-lho ou, outras vezes, deslocavam-se ambos a adquirir o estupefaciente (entre outras as sessões 8373, 8501 e 8506 do alvo 84041040);

36º O arguido LC adquiria também estupefaciente ao arguido FB, designadamente resina de canábis (entre outras as sessões 170, 214, 274, 322 e 406 do alvo 84935040, 365, 710, 715 do alvo 85971040);

37º Depois de estar na posse do estupefaciente o arguido LC vendia-o a várias pessoas que não foi possível identificar (entre outras as sessões 159, 796, 826, 828, 844, 1094 do alvo 85971040)

38º Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o Verão de 2016 e até à data da sua detenção em 7 de Fevereiro de 2017, o arguido FB vem-se dedicando à venda de resina de canábis e cocaína;

39º O arguido adquiria o estupefaciente a um indivíduo em Espanha que não foi possível identificar, e que apenas se sabe atender pelo nome “Isla”, sendo que em regra o mesmo era-lhe trazido a Portugal;

40º Quando assim não era, o arguido FB recorria a terceiros para se deslocarem a Espanha a fim de recolherem o estupefaciente, designadamente, ao arguido BB;

41º O arguido não vendia o estupefaciente directamente aos consumidores, mas sim a pessoas que depois o distribuíam por esses consumidores;

42º Entre essas pessoas conta-se, como já em cima foi dito, o arguido LC;

43º FB não mantinha o estupefaciente consigo, entregando-o imediatamente ao destinatário ou socorrendo-se de terceiros para o armazenarem, designadamente o arguido AG (sessões 1465 e 1466 do alvo 87402040);

44º O arguido FB organizava os encontros para receber o estupefaciente por meio de contactos telefónicos, tendo alterado o número de contacto por diversas vezes no período temporal mencionado, no decurso do qual utilizou pelo menos os seguintes números: 9260---, 9669---, 9259---, 9670---, 9636---, 9636---, 96365---, 96818--, 9672----, 92602---, 96493---, 9641---, 9685--- e 9641;

45º No âmbito da mencionada actividade o arguido FB, no dia 7 de Fevereiro de 2017, organizou a aquisição de três “fardos” de resina de canábis (correspondentes a 30kg cada um), que lhe deveriam ser entregues em Portugal;

46º Assim, pelas 13h36m do dia 7 de Fevereiro, o arguido iniciou uma série de vários contactos com o arguido JD, que intermediava o negócio com o mencionado “Isla”, destinados a combinar a entrega dos três fardos de estupefaciente (apenso de transcrição de escutas do alvo 88866040)

47º A essa hora já o arguido JD se encontrava a caminho de Portugal com o estupefaciente, razão pela qual não garantiu ao arguido FB que o mesmo lhe seria vendido pelo preço que este pretendia;

48º Depois de realizados vários contactos entre os arguidos FB e JD, tendo alguns deles tido a intervenção do próprio “Isla”, pelas 19h38m, JD encontrava-se no parque de estacionamento do Centro Comercial Guia Shopping, num automóvel com a matrícula ---HYX conduzido pelo arguido JCC;

49º Dentro do automóvel encontravam-se mais dois indivíduos que não foi possível identificar e que, pelas 20h55m, depois de JD ter recebido instruções de FB, saíram do mesmo e introduziram-se no automóvel com a matrícula ---BSM que se encontrava estacionada dois lugares depois do automóvel em cima mencionado;

50º Pelas 20h56m, ambos os veículos abandonaram o referido Centro Comercial e entraram na A22 na direcção de Loulé da qual saiu o veículo ---BSM no referido nó;

51º O veículo em causa efectuou então uma manobra súbita de inversão do sentido de marcha, com o objectivo de despistar o veículo policial que o seguia, voltou a entrar na A22 tomando o sentido de Tunes saindo no respectivo nó;

52º Após o referido veículo percorreu várias estadas secundárias e, quando perceberam que não conseguiriam furtar-se à intercepção policial, os seus ocupantes arremessaram por uma janela três fardos de resina de canábis, contendo 896 placas, com o peso total de 90.533,620g;

53º O veículo prosseguiu a fuga tendo sofrido um acidente, local onde foi abandonado e os respectivos ocupantes fugiram a pé, por terrenos de mato;

54º Enquanto tudo isto sucedia, os ocupantes do veículo ---BSM estiveram em contacto com o arguido JD e com o arguido FB, sendo que este lhes deu instruções para que não parassem assumindo a tarefa de interceptar a passagem dos veículos policiais que o perseguiam;

55º O arguido FB recolheu os ocupantes do veículo, cerca das 23h, e levou-os para Quarteira (sessão 34313 do alvo 85386040)

56º A resina de canábis em causa destinava-se a ser entregue ao arguido FB o que só não aconteceu em virtude da intervenção policial;

57º No dia 8 de Fevereiro de 2017 o arguido AG guardava em sua casa, sita na Rua…, Pêra, 26 embalagens de resina de canábis com o peso total de 2.502,472g, três embalagens de cocaína com o peso total de 207,3g, 69 embalagens de resina de canábis com o peso total de 3.041,451g e uma metralhadora marca Scorpion;

58º Os objectos em cima referidos encontravam-se na casa do arguido AG mas pertenciam ao arguido FB, a quem o mesmo os deveria entregar quando solicitado;

59º O arguido AG guardava o estupefaciente que lhe era entregue pelo arguido FB e, sempre que este necessitava de tal produto, entregava-lho (entre outras as sessões 120, 121 e 176 do alvo 86700040

60º Para além desses objectos o arguido AG guardava ainda em casa uma balança digital de precisão, uma munição marca Fiocchi calibre 12mm, três munições marca Sulbeja calibre 12mm, um gorro passa montanhas, uma espingarda marca Emilio Rizzini e €1.010 em dinheiro;

61º A espingarda Emilio Rizzini apresenta o número de série rasurado, pelo que consiste numa arma de fogo modificada;

62º O arguido BB, pelo menos no período compreendido entre 18 de Agosto de 2016 e a data da sua detenção em 8 de Fevereiro de 2017, procedia ao transporte do estupefaciente pertencente ao arguido FB, sempre que este lho determinava;

63º Para o efeito mantinha contacto telefónico com o arguido FB, utilizando os telefones com os números 96628---, 96543---, 969602-- e 9656--, assim recebendo as instruções para o transporte mencionado (entre outras as sessões 19 e 54 do alvo 87396040, 86, 93,94, 97, 98, 326, 335, 385 do alvo 85357040);

64º Para além disso, o arguido BB manteve também conversas directas com um indivíduo que não foi possível identificar, mas que atente pela alcunha “Isla” que vendeu ao arguido FB os três fardos de resina de canábis que foram apreendidos na noite de 7 de Fevereiro de 2017 (entre outras as sessões 15 do alvo 87396040, 85, 88, 90, 104, 160, 177, 434, 437, 438, 439, 443, 463 do alvo 85357040)

65º No dia 8 de Fevereiro de 2017, o arguido BB guardava no automóvel que utiliza, com a matrícula -CH-, três embalagens de resina de canábis com o peso total de 177,930g;

66º Em casa, sita em Murteiras, Grândola, o arguido guardava uma arma de fogo e respectivo carregador bem como 6 munições de salva calibre 8mm e €645 em dinheiro;

67º A arma em causa é uma arma de alarme, que apenas dispara munições de salva, mas susceptível de adaptação ao disparo de projécteis calibre 8mm, pelo que é uma arma proibida;

68º No automóvel com a matrícula -XR, em regra utilizado pela mulher do arguido, encontravam-se ainda €180 em dinheiro;

69º O arguido tinha ainda consigo vários telefones, entre os quais o IMEI 865363--- contendo o cartão SIM com o número 965432--, correspondente aos alvos 86704040 e 86704050 bem como o IMEI 358317065125409 contendo o cartão SIM com o número 96567---;

70º A arguida ACM, pelo menos no período compreendido entre Julho de 2016 e a data da sua detenção em 8 de Fevereiro de 2017, adquiria estupefaciente a várias pessoas, entre as quais se conta o arguido CC pelo menos até à data da sua detenção, para depois o vender a terceiros (sessões 283, 290, 412, 414, 417, 425, 427, 428 do alvo 84930040);

71º Para o efeito mantinha contactos telefónicos quer com os vendedores quer com os compradores, utilizando os números 925250---, 92619---, 92757--- e 96416---;

72º A arguida vendia estupefaciente aos utilizadores dos números 91900---, 96150---, 91583--, 91840---;

73º Depois de dia 2 de Agosto de 2016, data em que o arguido CC foi detido, a arguida passou a adquirir o estupefaciente que vendia ao arguido FB (sessões 22, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 42, 245 do alvo 85863040, 1074 do alvo 88358040)

74º No dia 8 de Fevereiro de 2017 a arguida tinha em sua casa, sita na Rua 5 de Outubro---, €3.315 em dinheiro, 2,602g de MDMA e 37,357.g de resina de canábis;

75º A arguida guardava ainda em casa uma soqueira;
76º A arguida tinha também em sua posse o telefone com o IMEI 353845---, correspondente ao alvo 87167050;

77º No dia 8 de Fevereiro de 2017, no interior de um anexo sito no Barranco Longo, Algoz, foram apreendidos 54 embalagens de resina de canábis com o peso total de 9987,990gramas, uma faca de cozinha e cinco canivetes apresentando vestígios de resina de canábis e uma balança digital de precisão;

78º Foi apreendido ainda no mesmo anexo uma estufa em cujo interior se encontravam 17 pés de plantas de canábis, com o peso de 1.421,6g;

79º Na residência onde o arguido HV reside encontrava-se uma carabina marca Remington, calibre. 22 com o número de série C8020853, registada em 30 de Julho de 2003 em nome de JFD;

80º E, uma espingarda marca Baikal, calibre 12GA, registada em 18 de Setembro de 2002 em nome de JMCC;

81º Os arguidos SF, JF, CC JD, FB, AG, BB, ACM e LC quiserem ter na sua posse o estupefaciente, nos termos em cima descritos, o que fizeram sabendo que tal não lhes é permitido;

82º Pretendiam os arguidos SF, JF, CC JD, FB, AG, BB, ACM e LC vender o referido estupefaciente, sabendo que tal não lhes era permitido, o que fizeram;

83º A arguida SF actuou com o objectivo de introduzir resina de canábis em Portugal e de a armazenar até ao momento em que a mesma fosse entregue ao destinatário, o que fez com o auxílio da arguida JF;

84º Os arguidos FB, BB actuaram conjuntamente e com o objectivo comum de introduzirem resina de canábis em Portugal e de a armazenar até ao momento em que a mesma fosse entregue ao destinatário, o que fizeram com o auxilio de AG;

85º O arguido FB quis ter na sua posse as armas que foram apreendidas em casa do arguido AG com o auxílio deste, o que fizeram sabendo que essa detenção não lhes era permitida;

86º O arguido JD actuou com o objectivo de introduzir resina de canábis em Portugal;

87º Os arguido FB actuou com o objectivo de manter escondidas armas cuja detenção sabiam ser proibida, o que fez com o auxilio do Arguido AG;

88º O arguido BB quis ter em sua posse a arma que lhe foi apreendida, o que fez sabendo que essa detenção não lhe era permitida;

89º A arguida CC quis ter em sua posse a soqueira que lhe foi apreendida, o que fez sabendo que essa detenção não lhe era permitida;

90º Os arguidos SF, JF, CC JD, FB, AG, BB, ACM e LC actuaram de modo livre, deliberado e consciente;

Das condições pessoais dos arguidos.
(…) »

7.1. Vejamos então se o arguido CC tem razão ao pretender que a factualidade provada que lhe respeita – i.e. os pontos 9, 10, 14, 24, 25, 26, 27, 28, 31, 32, 81, 82 e 90, da factualidade provada - apenas integra os elementos constitutivos do crime de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25º do DL 15/93 de 22 de janeiro e não o crime fundamental previsto no art. 21º do mesmo Diploma legal, pelo qual vem condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

Por um lado, do descrito nos pontos 24 a 28, 31 e 82, da factualidade provada decorre que no dia 2 de agosto de 2016 o arguido CC detinha, transportando-a em veículo automóvel, 150,068 gr de cocaína, correspondente a 586 doses, que comprara para venda. Por outro lado, do descrito nos pontos 9, 10 e 14 decorre que no dia 1.07.2016 o arguido CC comprara através da arguida SF, quantidade não determinada de várias placas resina de canábis que estava transportava no veículo automóvel de matrícula --- HKC quando foi intercetada pelas autoridades policias conforme descrito em 12.

A prática destes factos, integra o tipo objetivo fundamental descrito no art. 21º do DL 15/93, sob as modalidades ora referidas, ou seja, compra, detenção e transporte de cocaína, sendo que, sem ter relevância típica mas relevando para a gravidade do ilícito, se apurou ainda que o arguido CC destinava a venda o estupefaciente que adquirir.

Ora, em face do quadro factual agora referido, não pode concluir-se que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta levada a cabo pelo arguido CC, máxime, a modalidade e as circunstâncias da ação, com destaque para os meios utilizados pelo agente, que incluem a utilização de automóvel em deslocação considerável entre Portugal e Espanha e a tentativa de fuga após perseguição policial, a qualidade e a quantidade do produto estupefaciente por si transportado que, por um lado, tem uma maior perigosidade intrínseca para o bem jurídico protegido, pois trata-se de cocaína e, por outro, é destinado à venda, que constitui o móbil mais danoso e persistente dentro do universo de condutas que integram o crime de tráfico de estupefacientes. Concluímos, pois, que a imagem global do facto, no sentido supra referido, não permite enquadrar a conduta típica do arguido CC no tráfico de menor gravidade a que se reporta o tipo privilegiado do art. 25º do DL 15/9, pelo que improcede o seu recurso nessa parte.

7.2. O arguido JD invoca um conjunto de circunstâncias que, sem distinguir, entende constituírem fundamento de diferente qualificação jurídica dos factos e de atenuação especial da pena aplicável, nos termos do art. 72º do C.Penal, que se apreciarão em conjunto.

Entende o recorrente que os factos provados que lhe respeitam – i.e. os pontos 45, 46, 47, 48, 49, 50 a 54, 56, 81, 82 e 90, da factualidade provada - apenas integram a prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto no art. 25º do DL 15/93 de 22 de janeiro e não o crime fundamental previsto no art. 21º do mesmo Diploma legal, pelo qual vem condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, mas é manifesta a sua falta de razão, desde logo porque – independentemente de relevarem ou não em sede de ilicitude –nenhuma das circunstâncias factuais que invoca, à exceção da confissão, ou seja, arrependimento, colaboração voluntária com a justiça, ter agido por medo do que lhe poderia acontecer a si, à sua família e à sua namorada que estava na altura grávida, resulta minimamente da factualidade provada, pelo que aquela alegação não pode ser considerada em sede de recurso. Quanto à confissão parcial dos factos que o tribunal a quo refere a fls 5579 dos autos, esta não releva em sede de ilicitude pois é, naturalmente, posterior à prática do crime e não assume relevância que pudesse fundamentar a pretendida atenuação especial da pena que, nos termos do art. 72º nº 1 do C.Penal, apenas pode ter lugar em face de circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, sendo certo que a confissão, que não é sequer exemplificativamente elencada no nº2 daquele preceito, não assume particular relevância no caso concreto.

O arguido JD alega ainda dispor de parcos recursos e uma situação económica precária, para além de inexistência de sinais exteriores de riqueza, o que entende ser facto contraditório com a inexistência de qualquer tipo de envolvimento em organização criminosa de tráfico de estupefacientes, para além de não ter retirado nenhum lucro nem ser suposto que fosse retirar lucro da transação em que se envolveu, pois nada tinha a ver com a organização criminosa que organizou o transporte pelo qual foi detido, sendo que apenas fez o que foi mandado pelo “Isla”, não tendo qualquer autonomia nas decisões acerca de tais transações, mas antes o contrário.

À parte a sua situação económica, nenhuma das demais circunstâncias constam da factualidade provada, sendo certo que por não se ter apurado o grau de envolvimento e autonomia do arguido na sua relação com os demais arguidos não pode considerar-se verificada a realidade contrária, sendo certo que os diversos contactos telefónicos em que interveio ou foi referido com relação a atos de tráfico não concretizados no processo, não apontam sequer no sentido por si invocado. Tão pouco a existência de grandes lucros ou de um estilo de vida coerente com os mesmos é elemento relevante para o preenchimento do tipo fundamental do art. 21º, como vimos anteriormente, pelo que não se verifica qualquer contradição entre o preenchimento do tipo legal e a sua situação económica, sendo certo que o preenchimento do tipo privilegiado art. 25º depende do grau de ilicitude do facto e não de considerações de culpa, conforme referido antes em sede de considerações gerais.

Pelas mesmas razões, ou seja, por serem alegadas mas não constarem da factualidade provada, é manifesto que as circunstâncias posteriores ao facto invocadas pelo arguido, tal como a alegada situação de coação anterior ao facto, não podem fundamentar a pretendida atenuação especial da pena aplicável, nos termos do art. 72º C.Penal, independentemente de outras considerações.

Quanto à alegada precariedade da sua situação económica, que a factualidade provada refere ser vivenciada pelo arguido à data dos factos, é matéria que não releva em sede de ilicitude para efeitos da aplicação do art. 25º Dl 15/93, e mesmo em sede de culpa não constitui circunstância suficientemente ponderosa que fundamentasse a atenuação especial da pena nos termos do art. 72º C.Penal, apenas podendo relevar a favor do arguido em sede de determinação concreta da pena (cf. art. 71º C.Penal) e ainda assim de forma ténue, dado ser situação comum a muitos arguidos, nomeadamente entre os implicados e condenados por tráfico de estupefacientes. Improcede, pois, o recurso nesta parte.

7.3. Considerada não escrita a factualidade genérica que se referia à arguida ACM, há que ter em conta, conforme descrito nos pontos 32, 28º, 74 e 82º da factualidade provada, que no dia 2 de agosto de 2016 a arguida ACM adquiriu por intermédio do arguido CC 70 gr de heroína, correspondentes a cerca de 273 doses, que foi apreendida na posse daquele arguido CC e destinava-se a ser-lhe entregue, e que no dia 8 de fevereiro de 2017 tinha em sua casa 2,602g de MDMA e 37,357.g de resina de canábis, produtos estupefacientes que pretendia vender.

Com base nesta factualidade a arguida vem condenada na pena de 6 anos de prisão pela prática de um ilícito típico previsto no art. 21º do DL 15/93, qualificação jurídico-penal que o MP não pôs em causa e pretende a arguida que a quantidade de droga em causa não é de tal modo relevante que impeça a qualificação dos factos pelo art. 25º do DL 15/93.

Sem razão, porém, em atenção à qualidade do produto estupefaciente, a sua quantidade e à concreta modalidade da ação. O produto estupefaciente adquirido por intermédio do arguido CC é cocaína, que é uma das chamadas drogas duras que cria maior habituação e dependência, em quantidade não despicienda (70g) que daria para cerca de 273 doses, conforme decorre do descrito no ponto 28; parte do produto estupefaciente que tinha em sua casa a 8.02.2017 é MDMA, droga que para além de poder criar episódios de perigo para a vida cria dependência química e psicológica, a que acresce 37,357 g de haxixe, sendo ainda de considerar, no plano da gravidade do ilícito, que a arguida pretendia vender os estupefacientes em causa e que o ilícito se reporta a duas ocasiões distintas.

Assim e tendo em conta o expendido anteriormente em sede de considerações gerais não estamos perante ilícito de menor gravidade, subsumível à previsão do art. 25º do DL 15/93, pelo que improcede o recurso da arguida ACM nesta parte.

7.4. Da factualidade descrita nos pontos 7, 8, 9, 10, 14 e 82, decorre que o arguido LC comprou em Espanha através da arguida SF, sua irmã, quantidade não especificada das placas de resina de canábis que esta transportava no dia 1 de julho de 2016, pela qual pagou a quantia de € 24 080, a qual destinava a venda.

Contrariamente ao que, conclusivamente, pretende o recorrente, embora o produto estupefaciente comprado pelo arguido Luís se enquadre nas chamadas drogas leves, o preço pago pelo estupefaciente adquirido para si e o propósito de proceder à sua revenda, implicam que se trate de compra e propósito de venda de quantidade de tal forma significativa, com o consequente número de consumidores a quem chegará, o que nos afasta de um quadro de diminuição considerável da ilicitude da sua conduta, quer do ponto de vista do desvalor do resultado quer do desvalor da ação, e, portanto, de uma imagem global do facto que permitisse enquadrá-lo no tráfico de menor gravidade previsto no art.º 25º do DL 15/93. Improcede, pois, o recurso do arguido LC nesta parte.

8. Do supra decidido relativamente à factualidade genérica imputada ao arguido BB, decorre que em matéria de tráfico de estupefacientes apenas se encontra provado que no dia 8.07.2017 este arguido detinha três embalagens de resina de canábis com o peso total de 177,930g, guardadas no automóvel que utiliza, conforme descrito no ponto 65 da factualidade provada, pelo que se impõe apreciar a respetiva qualificação jurídica, nomeadamente por força do disposto no artº 402º nº3 CPP, apesar de este arguido não ter suscitado expressamente a questão.

8.1. Ora, dada a qualidade do produto estupefaciente – resina de canábis – e a pequena quantidade detida, entendemos, sem necessidade de outras considerações face aos considerandos de ordem geral antes expendidos a propósito do tipo legal privilegiado previsto no art. 25º do DL 15/93, que a factualidade provada integra os elementos constitutivos do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º do DL 15/93 com pena de 1 a 5 anos de prisão e não o tipo fundamental previsto no art. 21º daquele Diploma legal, pelo qual o arguido BB vem condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

8.2. Face à nova moldura legal aplicável, há que proceder à determinação concreta da pena a aplicar, levando-se em conta as considerações do arguido ao recorrer em matéria de determinação da pena, cujo conhecimento fica prejudicado.

Assim, impõe-se considerar a gravidade do ilícito, para a qual releva a favor do arguido tratar-se de uma única situação de detenção e, ainda assim, de pequena quantidade e, contra ele, destinar o estupefaciente à venda que, todavia, não se concretizou dada a apreensão verificada. Do ponto de vista da prevenção especial positiva, relevam contra o arguido os seus antecedentes criminais, embora em medida pouco significativa, pois apesar de serem várias as condenações anteriores, todas elas respeitam ao crime de condução sem habilitação legal e refere-se mesmo na fundamentação do acórdão (fls 5503) que o arguido já se encontra habilitado com carta de condução.

Deste modo e tendo ainda em conta as condições pessoais do arguido, entendemos ser adequada a pena de 2 anos de prisão no caso concreto, que decidimos suspender na sua execução, por ser tal pena de substituição suficiente e adequada para satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial presentes no caso concreto.

Com efeito, são diversos os aspetos da sua situação pessoal referidos no acórdão recorrido que apontam para um juízo de prognose positivo no que respeita à reintegração do arguido em liberdade.

A relação familiar estável e significativa depois de terminar anterior relação, situação profissional e económica igualmente estável e equilibrada, afastamento do consumo de canábis, e atitude perante a prática dos factos. Assim, decide-se suspender a execução da pena de 2 anos de prisão, como referido, por igual período de tempo, pois a versão do artº 50º nº5 do C. Penal anterior às alterações pela Lei 94/2017 de 23 de agosto, que veio permitir a suspensão por período superior à medida da pena, é mais favorável ao arguido.

9. Da alteração da qualificação jurídica pretendida pelo arguido FB – tentativa.

Alega o arguido FB, no essencial, que a sua “… acção não ultrapassa os meros actos preparatórios. No momento em que o arguido iniciou as negociações do produto estupefaciente o seu transporte já estava em marcha. Ou seja, o coarguido JD já vinha a caminho de Portugal com a droga. Portanto, a droga não foi transportada por impulso ou acção do recorrente FB. Acresce que em nenhum momento chegou a existir acordo quanto à venda do produto estupefaciente; … o negócio nunca chegou a consumar-se uma vez que tal só aconteceria com a entrega efectiva do produto estupefaciente. No momento em que o estupefaciente foi apreendido estava na posse formal e material do coarguido JD/Isla. A droga ainda não era nem formal nem materialmente do recorrente FB. Quem tinha o seu domínio de facto era o coarguido JD, o Isla bem como os que a transportavam…”.

Vejamos.
Embora possa assinalar-se alguma falta de assertividade na descrição fática, decorre suficientemente do teor dos pontos 39, 44, 45, 46, 47, 48, 49 e 50 a 56 e 82, da factualidade provada, lidos articuladamente entre si, que no dia 7.02.2017, o arguido FB adquiriu em Espanha a um indivíduo que atendia pelo nome de “Isla”, que não foi possível identificar, três fardos de resina de canábis contendo 896 placas com o peso total de 90 533,620g, que foram transportados para Portugal pelo arguido JD juntamente com dois indivíduos não identificados, os quais foram apreendidos nos autos, sendo propósito do arguido FB vender aquela quantidade de resina de canábis.

Assim, não faz sentido a alegação de que os fardos de “haxixe” não eram formal ou materialmente do recorrente FB, uma vez que foi ele quem negociou a sua compra, que se consumou no momento em que se concretizaram os termos do negócio entre o arguido FB e o vendedor Espanhol – por si ou por interposta pessoa –, respeitando os atos subsequentes ao transporte do estupefaciente adquirido pelo arguido FB, a cuja posse material se destinava. Mesmo no estrito plano jurídico-civil, a compra e venda dá-se independentemente da entrega da coisa vendida e do pagamento do preço, pelo que sempre é manifesta a falta de razão do recorrente FB ao pretender que não chegou a comprar os fardos de haxixe porque os mesmos não lhe foram entregues.

Deste modo, independentemente de outras considerações, improcede o recurso do arguido FB nesta parte.

10. Vejamos agora a pretendida diminuição da medida concreta da pena de prisão aplicada a todos os arguidos recorrentes: CC, FB, SF, JD, BB, ACM e LC.

10.1. O arguido CC insurge-se contra a media concreta da pena de 7 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes pelo qual vem condenado, alegando ser “… importante ainda considerar os factos provados quanto às condições pessoais: tem apoio familiar forte; conduta normativa em meio prisional; tem capacidade de análise do bem jurídico em causa; vive em união de facto com a coarguida AH; tem um filho menor; ».

Quanto às três últimas circunstâncias, o arguido não explica em que medida as mesmas podem ditar a redução do quantum de pena de prisão e a verdade é que, por si, não assumem tal virtualidade no caso concreto. Ter um filho menor, viver em união de facto e ter capacidade de análise do bem jurídico, onde quer que se pretenda enquadrar esta referência entre as circunstâncias previstas no art. 72º CP, não implicam diminuição da pena concreta aplicada ao arguido entre o limite mínimo de 4 anos e máximo de 12 anos, da pena de prisão aplicável. A conduta do arguido em meio prisional não releva em sede de prevenção especial positiva dados os condicionalismos da reclusão e o referido apoio familiar, que tem sido uma constante, conforme decorre da factualidade provada, não é igualmente significativo pois não tem sido suficiente para que o arguido se mantenha sem praticar crimes.

Já quanto ao grau de ilicitude há que assinalar as alterações à enumeração da matéria de facto provada operadas no presente recurso ao considerar-se não escritas as imputações genéricas constantes dos pontos 4, 21 a 23 e 33 a 35, pois o quadro factual concretamente provado relativamente ao arguido CC cinge-se à situação descrita nos pontos 24 a 28 e 82, que, assim, deixa de enquadrar-se numa atividade continuada e organizada – ainda que abstratamente referenciada - como decorria das referências genéricas aceites pelo tribunal a quo. Também os pontos 29 e 30 não assumem qualquer relevância em sede de responsabilidade criminal do arguido, incluindo na determinação da pena, dado que a busca que levou à apreensão dos objetos e bens ali referidos constitui prova proibida, conforme decidido.

Porém, esta alteração na enumeração dos factos tem de ser apreciada em confronto com o grau de ilicitude do facto praticado, face à qualidade e quantidade do produto estupefaciente adquirido, ou seja, cerca de 80 g de cocaína (70g foram compradas para a arguida ACM-ponto 32), o transporte de todo o estupefaciente apreendido desde Espanha pelo próprio arguido, destinar-se o mesmo a venda e procurar o arguido desfazer-se daquele mesmo produto, furtando-se à responsabilidade pelos seus atos, o que releva particularmente das necessidades de prevenção especial, tal como os seus antecedentes criminais. Antecedentes que se traduzem na prática de dois crimes graves, há cerca de 10 e 9 anos com referência aos factos ora em apreço, embora cumpra considerar que o arguido esteve entretanto em cumprimento de pena de prisão e que praticou os factos ora em causa quando se encontrava em liberdade condicional, tudo significando fortes necessidades de prevenção especial positiva.

Decide-se, pois, alterar a medida da pena de prisão de 7 anos e 6 meses para 6 anos e 6 meses de prisão, procedendo nesta medida o recurso do arguido CC.

10.2 O arguido FB vem impugnar a medida concreta das penas parcelares de 8 anos e 3 anos, de prisão, que lhe foram aplicadas, respetivamente, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea a) e c) da Lei 5/2006, de 23.02, impugnando ainda a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão aplicada em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares.

Alega para tanto que a pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes excede a ilicitude e a culpa [por estarmos] em presença de uma droga leve, sendo que a pena de 8 anos é pesadíssima para condutas desta natureza, e que a pena fixada para a “posse” da arma de fogo se revela excessiva assim como a pena encontrada para o cúmulo jurídico. Vejamos.

10.2.1. Como referido, este recorrente fundamenta especificamente a pretendida redução da pena de 8 anos de prisão na circunstância de se tratar de uma droga leve, mas tal não significa, no caso concreto, que o grau de ilicitude do facto seja significativamente menor, pois apesar de se tratar de uma “droga leve” a quantidade objeto dos atos de tráfico pode determinar o grau de ilicitude do facto.

Ora, tal como vimos relativamente ao arguido CC, também quanto ao recorrente FB foram consideradas não escritas as imputações genéricas constantes dos pontos 22, 36, 38 e 40 a 43, pelo que resulta do quadro factual concretamente provado relativamente ao arguido FB que a sua conduta ilícita reconduz-se à situação concreta descrita nos pontos 39, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50 a 56 e 82, da factualidade provada, lidos articuladamente entre si, e à situação descrita nos pontos 57, 58, 59 e 82.

Ou seja, quanto à primeira situação, que no dia 7.02.2017, o arguido FB adquiriu em Espanha a um indivíduo que atendia pelo nome de “Isla”, que não foi possível identificar, três fardos de resina de canábis contendo 896 placas com o peso total de 90 533, 620g, que foram transportados para Portugal pelo arguido JD juntamente com dois indivíduos não identificados, sendo propósito do arguido FB vender a terceiros aquela quantidade de resina de canábis, que foi apreendida nos autos; quanto à segunda situação concreta, que o arguido FB tinha guardado em casa do coarguido AG 26 embalagens de resina de canábis com o peso total de 2 502,472g, três embalagens de cocaína com o peso total de 207,3g e mais 3 embalagens de resina de canábis com o peso total de 3 041,451g, que este último lhe entregava quando necessitasse daqueles produtos.

Assim sendo, não pode deixar de considerar-se bastante significativo o desvalor do resultado inerente à compra para venda de cerca de 90 Kg de haxixe, bem como a detenção igualmente para venda em casa do coarguido AG de cerca de 5,50 Kg do mesmo estupefaciente, pois se é menor o grau de perigo resultante para cada um dos consumidores no caso das “drogas leves”, maior quantidade “traficada” põe em perigo um maior número de consumidores, pelo que, como aludido, o perigo que representa para o bem jurídico protegido (saúde pública e bens pessoais associados) pode ser igualmente importante implicando elevado grau de ilicitude do facto em função do maior desvalor do resultado, como se verifica no caso presente.

Para além de tudo isto, importa ter ainda em conta o facto de o arguido guardar em casa do coarguido AG cerca de 207g de cocaína igualmente para venda, associando-se, pois, na pessoa do arguido FB a detenção de grande quantidade de haxixe para revenda a número correspondente de consumidores, com a detenção de mais de 200g de cocaína, igualmente para venda, quantidade não despicienda de “droga dura”, pois repare-se que tal quantidade é superior a toda a cocaína negociada pelo arguido CC na situação antes analisada e bastante superior à parte da cocaína pertencente a este último arguido (cerca de 80g).

No caso concreto é, pois, manifesto que a circunstância de parte do estupefaciente adquirido e detido para venda ser haxixe, não é fundamento para diminuir a pena de prisão concretamente aplicada, dado estar em causa cerca de 95 kg daquele produto, sendo certo que acresce ainda cerca de 207,g de cocaína igualmente para venda, tudo implicando um elevado desvalor do resultado que se traduz em considerável grau de ilicitude do facto.

Assim, face ao grau de ilicitude do facto ditado pela quantidade de resina de canábis comprada para revenda e aos antecedentes criminais do arguido, nomeadamente por crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de crimes contra a autoridade pública, entende-se serem consideráveis as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial decorrentes do caso concreto, pelo que entende-se que a factualidade agora provada impõe pena não inferior a 8 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93.

Mantém-se, assim, a medida de pena parcelar que lhe fora aplicada pelo tribunal a quo, por ser esta a pena ajustada aos fatores de determinação da pena agora discriminados e analisados, independentemente, pois, de os factos enumerados no acórdão recorrido incluírem a factualidade genérica que julgámos não escrita no presente recurso.

10.2.2. No que concerne à pretendida redução da pena de 3 anos de prisão aplicada pelo crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1 , alínea a) e c) da Lei 5/2006, de 23.02, o arguido não indica razões que concretamente a impusessem, nem nós as vislumbramos, pois sendo de 2 anos o limite mínimo e de 8 anos o limite máximo, da moldura legal aplicável, e tendo em conta que para além da posse da metralhadora marca scorpion, que dita aquela moldura penal (art. 86º nº1 a) da Lei 5/2006), o arguido FB guardava ainda em casa do coarguido AG as munições e a espingarda descritas no ponto de facto nº 60, a pena concreta de 3 anos de prisão é ajustada à gravidade do ilícito e às necessidades de prevenção geral e especial impostas pelo caso presente.

Mantém-se, assim, a pena parcelar de 3 anos de prisão aplicada pelo tribunal a quo.

10.2.3 No que concerne à medida da pena única que cabe ao cúmulo jurídico das referidas penas parcelares o arguido FB não indica igualmente razões para a pretendida diminuição da mesma, nem nós as vislumbramos, pois sendo de 8 anos o limite mínimo da moldura penal do cúmulo de penas e de 11 anos o seu limite máximo, a consideração, em conjunto, dos factos efetivamente provados e a personalidade do arguido, tal como resulta dos mesmos, incluindo o conjunto dos seus antecedentes criminais, levam-nos a entender que o tribunal a quo não fez errada aplicação dos critérios estabelecidos no art.º 77º do C.Penal, mantendo-se, assim, a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão.

10.3.A arguida SF impugna a decisão recorrida na parte em que lhe aplicou a pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93 de 22 de janeiro, invocando as seguintes circunstâncias:

a. A arguida confessou os factos em julgamento e em 1º interrogatório;
b. Todo o haxixe foi apreendido;
c. O haxixe é o produto estupefaciente com menor danosidade para a saúde;
d. A arguida é primária;
e. Forte apoio familiar;
f. Casou já depois de presa, o que permitiu reforçar os laços familiares;
g. Tem bom comportamento no EP;
h. Trabalha e desenvolveu as suas competências académicas;
i. Está presa há mais de 2 anos;
j. Te[m] 2 filhos menores, cuja ausência impõem a decisão já tomada de não se voltar a envolver com crimes sob pena de novamente ficar afastada dos seus filhos.

Vejamos.

Em primeiro lugar, a sua confissão parcial em nada relevou para a descoberta da verdade nem, tão pouco, revela ato de contrição pela sua conduta, contrariamente ao que alega no texto da sua motivação de recurso. Com efeito, a arguida foi detida em flagrante transportando resina de canábis que adquirira e o produto estupefaciente que guardava em casa da arguida JF foi encontrado em busca que não autorizou, procurando antes obter a sua invalidade. Por outro lado, sempre procurou alijar a sua responsabilidade, alegando agir a mando de pessoa que apenas identificou pelo nome de Filipe o que, face à factualidade provada, não corresponde à verdade.

Em segundo lugar, apesar da menor danosidade do haxixe em comparação com as chamadas “drogas duras”, a quantidade com que foi detida e aquela que guardava em casa da coarguida JF, no total aproximado de 54, 956 Kg, correspondente a 138 769 doses individuais, representa elevado desvalor do resultado, dado o grande número de pessoas que poderiam vir a consumir o estupefaciente que adquiriu e guardava com o propósito de revenda, pelo que, por esta via, é considerável o grau de ilicitude do facto, não obstante tratar-se de haxixe, o que impõe resposta contrafática capaz de satisfazer as correspondentes necessidades de prevenção geral positiva, que não permitem, adiante-se, pena de prisão inferior a 5 anos, contrariamente ao que pretende a arguida.

Em terceiro lugar, o seu comportamento disciplinar e atividade desenvolvida no EP pouco relevam em sede de prevenção especial, pois os condicionamentos da reclusão não permitem atribuir relevância consistente a esse aspeto do seu comportamento posterior aos factos na prognose sobre o seu comportamento futuro.

Quanto à ausência de antecedentes criminais e às alterações verificadas no agregado familiar da arguida, determinando a sua configuração atual, são fatores com alguma relevância na referida prognose sobre o comportamento futuro da arguida uma vez em liberdade, pois, aliados à sua idade (pouco mais de 30 anos) apresentam-se como fatores capazes de contribuir para que a arguida possa concluir com sucesso a sua ressocialização após o cumprimento da pena de prisão, contribuindo, assim, para que a pena de prisão possa ser fixada em medida inferior à fixada pelo tribunal a quo, sem esquecer, porém, que as necessidades de prevenção geral positiva, sob a forma do mínimo indispensável à proteção dos bens jurídicos, ditam o limiar mínimo da pena concreta a aplicar, “abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” – cf F. Dias, Direito Penal português. As Consequências Jurídicas do Crime, 1993 p. 229.

Assim sendo, entendemos ser ajustada a pena concreta de 6 anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes praticado pela arguida SF

10.4. Arguido JD
Embora o arguido JD ponha a tónica na pretendida alteração da qualificação jurídica dos factos e atenuação especial da pena e consequente aplicação de pena em medida inferior à pena de 7 anos e seis meses de prisão que lhe foi aplicada pelo tribunal a quo, decorre do conjunto da sua motivação de recurso e respetivas conclusões que o arguido pretende ver reduzida a medida concreta da pena com fundamento nas mesmas circunstâncias, mesmo que aquelas pretensões não fossem atendidas, como não foram, em sede recurso.

Assim, ainda que também nesta sede não possam ser levadas em conta as circunstâncias invocadas pelo arguido que não resultaram provadas, como seja o arrependimento pelos factos passados ou a confissão com relevância na descoberta da verdade, resulta da factualidade provada que o grau de ilicitude do facto é inferior ao que parece ter sido considerado pelo tribunal a quo. Com efeito, não resulta daquela factualidade que o arguido JD integrasse qualquer estrutura organizada com os demais arguidos identificados a fls 5571, apenas se demonstrado a sua participação na compra/venda e transporte de três fardos de haxixe com o peso total de cerca de 90 Kg que se referem os pontos 45 a 56 da factualidade provada e ainda assim como intermediário na compra e venda e transporte pelo lado do fornecedor espanhol.

Por outro lado, o arguido JD não tem antecedentes criminais registados e não obstante a ambivalência resultante da sua situação familiar e da ligação ao consumo de estupefacientes mencionado no relatório social e levado à factualidade provada, parece ser de considerar, em termos de prognose, que para a sua reintegração social será suficiente pena em medida inferior à aplicada pelo tribunal a quo, a qual se fixa em 6 anos e 6 meses de prisão, procedendo o recurso nesta medida.

10.5. Como decidido supra no ponto 8 deste acórdão, ficou prejudicado o recurso interposto da pena concreta pelo arguido BB, pois esta foi determinada ex novo em consequência da alteração da qualificação jurídica aí decidida.

10.6. A arguida ACM alega que “parece manifestamente excessiva a pena aplicada de 6 anos quanto ao crime de tráfico e a de 1 ano e 6 meses pela guarda da soqueira”, “sendo ainda importante considerar os factos provados quanto às condições pessoais e o teor do seu relatório social, segundo os quais:

o A arguida está perfeitamente integrada do ponto de vista familiar, vivendo com a sua mãe e tio

o Laboralmente, está integrada no negócio familiar com a sua mãe que explora uma guest house no centro de albufeira

o Entende a necessidade da intervenção da justiça no seu caso

o Concluindo-se que a CC reúne condições para o cumprimento de uma pena na comunidade com acompanhamento da DGRSP

Pelo que será sempre de aplicar uma pena suspensa na sua execução

Tudo factos não considerados pelo acórdão recorrido que permitem, caso venha a ser condenada até 5 anos de prisão, a suspensão da sua pena nos termos do artigo 50º do Código Penal.

Vejamos.
10.6.1 Como vimos antes, considerada não escrita a factualidade genérica que se referia à arguida ACM, no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93, está em causa a aquisição destinada a venda de 70 gr de heroína, correspondentes a cerca de 273 doses, e detenção para venda de 2,602g de MDMA e 37,357.g de resina de canábis, conforme decorre dos pontos 32, 28º, 74 e 82º da factualidade provada, o que representa grau de ilicitude não despiciendo, ainda que a factualidade provada não reflita envolvimento material da arguida em atos de tráfico, o que pode significar uma atitude interna de menor contrariedade para com a ordem jurídica com o consequente menor desvalor da ação e por essa via alguma diminuição do grau de ilicitude do facto.

Por outro lado, a arguida tem antecedentes de crimes contra a autoridade pública, a integridade física, a honra e a liberdade pessoal, sempre punidos com pena não privativa da liberdade, que, aliados ao presente tráfico de estupefacientes, implicam maiores reservas no que respeita às necessidades de prevenção especial, sendo que o seu quadro familiar e a atividade exercida no campo laboral, não parece particularmente estabilizador e integrativo.

Tudo ponderado, decide-se, pois, alterar a medida da pena de 6 anos para 5 anos e 6 meses de prisão, face ao mínimo de 4 anos e máximo de 12 anos, da moldura aplicável, procedendo nesta medida o recurso da arguida ACM.

10.6.2. Quanto à detenção da soqueira, a arguida praticamente nada diz no seu recurso, para além do que refere sobre a sua situação pessoal. Assim, atendemos, sobretudo, a que a soqueira foi encontrada em casa da arguida e não a ser utilizada ou na iminência de o ser, que é um dos instrumentos menos perigosos entre os previstos na al. d) do nº1 do art. 86º da Lei 5/2006 e que o limite mínimo da moldura aplicável corresponde ao mínimo legal de 30 dias, sendo de 4 anos o limite máximo. Em sentido contrário pesam os antecedentes criminais da arguida relacionados com alguma violência e agressividade quer relativamente às pessoas quer perante a autoridade pública, pelo que embora não se mostre necessária a medida concretamente aplicada pelo tribunal a quo, entendemos não ser adequada pena inferior a 1 ano de prisão pela medida concreta que se mostra necessária e suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção e geral ditadas pelo caso concreto, procedendo o recurso nessa medida.

Reformulando o cúmulo jurídico à luz dos limites e critérios estabelecidos no art. 77º do C. Penal, importa considerar que os factos não revelam existir relação entre a prática dos dois crimes, mas a detenção de arma proibida não pode deixar de ser associada aos antecedentes criminais das arguida e aos aspetos negativos da sua personalidade agora referidos e que aqueles antecedentes deixam perceber. Assim, tendo em conta, em conjunto, os factos e a personalidade da arguida entende-se adequada a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão, procedendo o seu recurso nesta medida.

10.7. Como vimos antes, consideradas não escritas as imputações genéricas que se lhe referiam, o arguido LC vem condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro pela prática dos factos descritos nos pontos 8 e 10, integrados com a factualidade descrita nos pontos 7, 9, e 82, todos da factualidade provada, ou seja, por ter comprado em Espanha através da arguida SF, sua irmã, quantidade não especificada das placas de resina de canábis que esta transportava no dia 1 de julho de 2016 mas pela qual pagou a quantia de € 24 080, a qual destinava a venda.

Com relevo para a medida concreta da pena, o arguido invoca no seu recurso as suas condições pessoais, que não terão sido consideradas pelo tribunal a quo: - vive em união de facto desde 2007; tem dois filhos menores e tem trabalho.

Vejamos.
Contrariamente ao que, conclusivamente, pretende o recorrente, as circunstâncias da sua vida pessoal que enfatiza não são de molde a conduzir a pena de medida inferior à que lhe foi aplicada pelo tribunal a quo, quer em atenção à sua escassa relevância, nomeadamente do ponto de vista da prevenção especial positiva, quer em face das exigências de prevenção geral positiva decorrentes, sobretudo, do grau de ilicitude decorrente da quantidade de haxixe adquirida, pois apesar de não se descriminar qual a quantidade que lhe correspondia entre o total apreendido na possa da arguida SF, o valor pago - € 24 080 – não pode deixar de reportar-se a quantidade significativa que o arguido LC destinava (cf. ponto 82) à venda a um número considerável de pessoas.

Deste modo, não se verificando razões para revogar a determinação concreta da pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada ao arguido LC improcede o seu recurso, mantendo-se aquela pena de prisão.

11. A pretendida revogação da decisão de perda de bens a favor do Estado, relativamente aos arguidos CC, FB e BB.

11.0 Conforme pode ler-se no acórdão recorrido ((fls 5595-6 dos autos), por se tratar, respetivamente, de instrumentos do crime e de sua vantagem, o tribunal a quo decidiu ao abrigo do disposto nos arts 109º e 111º, do Código Penal, e 35º, 36º e 62º, do D.L. nº 15/93, determinar a perda a favor do Estado, tanto do estupefaciente, como dos telefones, dos demais produtos, veículos automóveis e do dinheiro apreendido, que não foram objeto de entrega aos seus proprietários.

A respeito da perda de bens o MP limita-se a dizer na sua resposta aos diversos recursos que “A perda a favor do Estado dos bens apreendidos foi decidida de acordo com a legislação em vigor, nada havendo a modificar, não devendo proceder a argumentação dos arguidos por não ter suporte legal”.

Cumpre decidir, pois, se assiste razão aos recorrentes ao impugnarem aquela decisão relativamente aos bens apreendidos, nomeadamente por entenderem não poder considerar-se que os mesmos sejam instrumento ou produto do crime face à factualidade provada.

11.1 O arguido CC alega que foram apreendidos na sua residência €3.900,00 e uma viatura automóvel – fls. 1028 e 1030 dos autos; - sem que se diga na factualidade provada que as quantias monetárias apreendidas ao arguido constituem resultado do crime de tráfico de estupefacientes ou que o veículo automóvel foi vantagem do crime, pelo que não se mostra preenchida a previsão dos artigos 35 e 36.º do DL 15/93, de 22 de janeiro. Ao decidir pela perda da quantia monetária e veículo automóvel apreendidos, a douta decisão recorrida não observou qualquer critério de causalidade, necessidade e proporcionalidade, antes cominando com um efeito da pena, pelo que os bens devem ser-lhe restituídos.

Vejamos

11.1.1. A quantia de € 3 900,00 foi apreendida aquando de busca realizada à residência do arguido CC, a qual foi realizada sem respeito pelas disposições legais a que o art. 177º do CPP sujeita a realização de busca domiciliária, pelo que aquela busca foi considerada prova proibida, não valendo a detenção daquela importância para prova de quaisquer factos ilícitos imputados ao arguido, como vimos.

Por outro lado, conforme alegado pelo recorrente, não consta sequer da factualidade provada, tal como não constava da acusação e da pronúncia, qual a origem ou destino daquela quantia, pelo que, independentemente de outras considerações, impõe-se a revogação da decisão de perda daquela importância a favor do Estado, por não se encontrar demonstrado que a mesma constitui bem ou vantagem direta ou indiretamente obtida com tráfico de estupefacientes – cf art. 36º DL5/93 - , sendo certo que entre a quantia apreendida contam-se € 625 que pertencem à arguida SF – cf. ponto 30 da factualidade provada -, pelo que há que restituir este montante à arguida SF e a importância de € 3 275 ao arguido CC.

11.1.2. Quanto ao veiculo automóvel apreendido não resulta da factualidade provada que o mesmo foi adquirido com o produto da venda de estupefacientes, mas decorre do auto de apreensão de fls 1028-9 e do descrito nos pontos 25 e sgs da factualidade provada, que o veículo automóvel apreendido e declarado perdido a favor do Estado - ligeiro de passageiros, Mercedes CLK 200 Kompressor, com a matrícula DO - foi utilizado pelo arguido no dia 2 de agosto de 2016 na deslocação a Espanha para aquisição e transporte do produto estupefaciente que tinha consigo aquando da sua detenção (pontos 27 e 28), o que convoca a questão de saber se, desse modo, é aplicável o art. 35º do DL 15/83 citado pelo tribunal recorrido e não o art. 109º invocado pelo recorrente e, em caso afirmativo, se está preenchida a respetiva previsão legal.

Quanto à primeira questão, o art. 35º nº 1 do DL 15/93 é o aplicável, pois enquanto norma especial prevalece sobre a norma geral do art. 109º do C.Penal.

No que respeita aos termos de que depende a declaração de perda a favor do Estado dos objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração, nos termos do art. 35º do DL 15/93, apesar de não se exigir a perigosidade daqueles, contrariamente ao previsto no art.º 109º C. Penal sufragamos o entendimento doutrinário e jurisprudencial segundo o qual, não obstante o teor literal do preceito, a sua interpretação conforme à Constituição impõe a exigência de dois requisitos. A essencialidade do bem para a prática do crime aplicação e a proporcionalidade da declaração de perda, conforme decorre do princípio da proibição de efeitos automáticos das penas (art. 30/4 CRP), extensível aos efeitos automáticos ligados à condenação pela prática de certos crimes (cf. G. Canotilho e V. Moreira, CRP Anotada, 4ª ed, p. 505) e ao princípio da proporcionalidade acolhido no art. 18º da CRP. Isto é, exige-se que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o contributo do bem apreendido e que o prejuízo correspondente à perda a declarar represente uma medida justa e proporcional, face à gravidade do crime. – cf., por todos, Pedro Patto, Comentário das Leis Penais extravagantes, Vol. 2, e jurisprudência aí citada.

Ora, decorre da factualidade provada que a utilização de veículo automóvel pelo arguido CC foi essencial para o transporte do produto estupefaciente entre locais tão distantes entre si como são, no caso presente, o território espanhol e o local onde teve lugar a interceção e apreensão do veículo (A22, no Algarve) e, por outro lado, a perda do bem mostra-se proporcional à gravidade do crime, tanto em face da moldura penal aplicável como da pena concreta que cabe ao arguido CC.

Assim sendo, a declaração de perda daquele automóvel mostra-se conforme o disposto no art. 35º do DL 15/93 de 22 de janeiro, interpretado de acordo com o disposto no art. 30º nº4 e 18º, da CRP, pelo que improcede o recurso do arguido CC a seu respeito.

11.2. Por sua vez, o arguido FB vem pôr em causa a declaração de perda dos bens que lhe foram apreendidos, conforme consta, designadamente, de fls. 3006, 3009 e 3017, porque na acusação e na pronúncia não se refere a perda desses bens nos termos dos artigos 109º e 111º do Código Penal e 35º, 36º e 62º do DL 15/93, nem a pronúncia imputa ao arguido que esses bens tenham sido adquiridos com dinheiro de proveniência ilícita ou que tivessem sido instrumento da prática dos crimes.

Portanto, conclui, uma interpretação das normas constantes dos artigos 109º e 111º do Código Penal e 35º, 36º e 62º do DL 15/93 em que são declarados perdidos a favor do Estado Português bens que não foram levados ao texto da acusação/pronuncia, a fim de aí se imputarem as razões do perdimento e formulado o respectivo pedido, inquinam essas normas de inconstitucionalidade material por contenderem com o estatuído no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. Conforme diz, “a interpretação mais conforme à supracitada disposição constitucional é a acima perfilhada, ou seja, para que um bem seja declarado perdido a favor do Estado é mister que tal seja devidamente descriminado no texto da acusação/pronuncia”.

Vejamos.
Conforme se constata da mera leitura da factualidade provada, desta não consta qualquer referência aos veículos automóveis de marca BMW a que se reportam os autos de apreensão de fls 3006 e 3017, bem como a quantias detidas ou movimentadas pelo arguido FB, máxime as referidas no auto de apreensão de fls 3009, dizendo-se apenas no ponto 60 da factualidade provada que o arguido AG tinha em sua casa a quantia de € 1 010 em dinheiro, sem referir se a mesma pertencia ao arguido FB e, em todo o caso, sem relacionar a origem ou destino daquela importância com o tráfico de estupefacientes, omissão que já se verificava na acusação e na pronúncia.

Assim, nada se tendo apurado sobre a origem ou destino daqueles bens, não se encontra demonstrado que os mesmos tenham servido ou estivessem destinados a servir para o prática dos crimes de tráfico de estupefacientes ou de detenção de arma proibida, ou que fossem produto desse mesmo crime, como exigem o art.º 35º e 36º do DL 15/93 e os art.s 109º e 11º, do CP, carece de fundamento legal a respetiva declaração de perda que, assim, se revoga, procedendo o recurso nesta parte.

11.3 Também o arguido BB alega que se encontram apreendidas a viatura automóvel Seat Leon de matrícula CH- e as quantias monetárias de € 645 e € 188 sem que a pronúncia impute ao arguido que esses mesmos bens tenham sido adquiridos com dinheiro de proveniência ilícita ou que tivessem sido usados na prática dos ilícitos em causa, pelo que o acórdão recorrido não podia decidir pela perda desses bens. Conclui que declarar a perda de bens no caso presente é uma séria violação das normas constantes dos artigos 109º e 111º do Código Penal e 35º, 36º e 62º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, que não constam do texto da acusação/pronuncia, e do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.

Vejamos.
Conforme se constata da mera leitura da factualidade provada, também o arguido BB tem razão na sua alegação. Com efeito, não consta minimamente da factualidade provada que o veículo automóvel tenha sido adquirido com dinheiro proveniente de atividade ilícita do arguido, máxime da venda de produtos estupefacientes, ou que tenha sido utilizado para a prática de qualquer dos crimes pelos quais vem condenado, tal como não consta qual a origem ou destino das quantias apreendidas, pelo que é patente a falta de fundamento legal para a declaração da sua perda a favor do Estado, em face do disposto nos artigos 35º do DL 15/93 e 109º do CP. Revoga-se, pois, a decisão respetiva, procedendo o recurso do arguido BB nesta parte.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

A- Julgar improcedente o recurso interposto e prosseguido pelos arguidos CC, SF, FB, LC e ACM contra o despacho do Juízo Central Criminal de Faro que, declarando-se incompetente, considerou competente o Juízo Central Criminal de Portimão e contra o despacho do Juízo Central Criminal de Portimão que se declarou territorialmente competente para o julgamento nos presentes autos, mantendo-se esta mesma decisão.

B- Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos do acórdão condenatório, nos seguintes termos:

1. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido CC e, consequentemente:

- Revogar o acórdão recorrido na parte em que o condenou na pena de 7 anos e 6 meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, decidindo alterar a medida concreta dessa pena e aplicando-lhe pelo mesmo crime, em substituição, a pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

- Revogar o acórdão condenatório na parte em que declarou perdidos a favor do Estado a quantia de € 3 900 000 apreendida a este arguido, decidindo-se, em substituição, entregar, desse valor, a importância de € 3 275 ao arguido CC e a importância de €625 à arguida SF, por se encontrar provado que lhe pertence (ponto 30 da factualidade provada).

2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido FB, revogando o acórdão condenatório na parte em que declarou perdidos a favor do Estado os bens que lhe foram apreendidos, designadamente, os automóveis marca BMW ( fls 3006 e 3017) e as quantias referidas no autos de fls 3009, ordenando a sua restituição a este arguido, mantendo-se tudo o mais decidido.

3.Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida SF, revogando o acórdão recorrido na parte em que a condenou na pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, decidindo alterar a medida concreta dessa pena e aplicar-lhe pelo mesmo crime, em substituição, a pena de 6 anos de prisão.

4. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido JD, revogando o acórdão recorrido na parte em que o condenou na pena de 7 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, decidindo alterar a medida concreta dessa pena e aplicar-lhe pelo mesmo crime, em substituição, a pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

5. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido BB e, consequentemente:

- Revogar o acórdão recorrido na parte em que o condenou na pena de 6 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e em que declarou perdidos a favor do Estado a viatura automóvel Seat Leon de matrícula CH- e as quantias monetárias de € 645 e € 188, que lhe foram apreendidos, ordenando a sua entrega ao arguido;

- Decidir, em substituição, alterar a qualificação jurídica da factualidade provada a seu respeito e condená-lo como autor de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º do DL 15/93 na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo;

6. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela arguida ACM, revogando o acórdão recorrido na parte em que a condenou na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e na pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática, em concurso efetivo, com um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86º, n.º1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23.02, decidindo alterar a medida concreta daquelas penas e aplicar-lhe em substituição, a pena de 5 anos e 6 meses de prisão e pelo crime de tráfico de estupefacientes e a pena de 1 ano de prisão pelo crime de detenção de arma proibida.

Reformulando o cúmulo jurídico, vai a arguida condenada na pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.

7. Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido LC, mantendo integralmente o decidido no acórdão recorrido quanto a ele.

Custas do recurso da decisão interlocutória pelos arguidos CC, SF, FB, LC e ACM, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça a pagar por cada um deles – cfr art. 513º do CPP;

Custas do recurso do acórdão condenatório pelo arguido LC, único que decaiu totalmente neste recurso, fixando-se a taxa de justiça devida em 4 UC – cf. art. 513º do CPP e 8º nº5 do RCP.

Évora, 05 de Fevereiro de 2019

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

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(António João Latas)

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(Carlos Jorge Berguete)

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[1] Embora seja comum considerar-se a saúde pública como o bem jurídico protegido pelas incriminações do Dec-lei 15/93, é igualmente comum a ideia de que àquele conceito se reconduzem vários outros bens jurídicos protegidos de natureza pessoal, sejam eles a vida, a integridade física ou a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes. Para além destes, porém, a tutela penal visa ainda a proteção, pelo menos reflexa, de bens jurídicos essencialmente coletivos, máxime a vida em sociedade, na medida em que o tráfico de estupefacientes dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovada eficácia criminógena, mas também porque o tráfico, enquanto atividade criminal transnacionalmente organizada, põe em risco princípios estruturais da organização económica e política derivada dos Estados e mesmo de organizações internacionais onde estes se inserem – Vd, por todos, Pedro Vaz Patto, anotação ao art. 21º do Dec-lei 15/93 in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 2.

[2] Conforme explica, por todos, F.Dias, “Por desvalor de ação compreende-se o conjunto de elementos subjetivos que conformam o tipo de ilícito (subjetivo) e o tipo de culpa, nomeadamente a finalidade delituosa, a atitude interna do agente que preside ao facto e a parte do comportamento que exprime faticamente este conjunto de elementos. Por desvalor do resultado compreende-se a criação de um estado juridicamente desaprovado e, assim, o conjunto de elementos objetivos do tipo de ilícito (eventualmente também do tipo de culpa) que perfeccionam a figura do delito.” – Cfr Direito Penal. Parte Geral. Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora-2007, pp 285-6.

Adverte o autor que naquele contexto, ou seja, em sede de discussão sobre a relevância da distinção em sede de ilícito típico entre desvalor da ação e desvalor do resultado, «… a expressão “resultado” vale como afetação da situação de tranquilidade do bem jurídico protegido e não (como na expressão “crimes de resultado” ….), enquanto modificação do substrato do bem jurídico, temporal e espacialmente cindida da ação”. – idem p. 288.

[3] No seu estudo, Aspectos do resultado no direito penal (in Liber Discipulorum Figueredo Dias-2003 pp. 541-570, Helena Moniz, depois de assinalar que o conceito “resultado” é utilizado no âmbito do direito penal com diversos significados, começa por distinguir entre o”… conceito de resultado em sentido material , enquanto “mutação física” e o conceito de resultado no sentido jurídico-penal, enquanto “afetação do bem jurídico”. Referindo-se a este último, diz a autora, com especial interesse para os crimes de perigo, que «…o resultado enquanto lesão ou colocação em perigo do bem jurídico pode ser uma consequência da ação, como acontece nos crimes de perigo concreto, ou pode ser a própria conduta, como, em regra, acontece nos crimes de perigo abstrato.» - cfr. p. 544.

É, pois, neste ultimo sentido que nos referimos em texto ao desvalor do resultado enquanto elemento do tipo de ilícito do crime de perigo abstrato previsto no artigo 25º do Dec-lei 15/93.