Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
133/21.0TXEVR-D.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Apesar do bom comportamento prisional do recorrente, apesar de todas as proclamações de intenções positivas por parte do recluso, apesar de todas as declaração de bons propósitos futuros por banda do recorrente, entende-se que a natureza e a gravidade do crime praticado, as circunstâncias que motivaram a revogação da suspensão da execução da pena de prisão inicialmente decretada, a personalidade e as condições de vida do recorrente, tudo conjugado, evidenciam a ocorrência, neste concreto caso, de prementes exigências de prevenção especial e de irrenunciáveis exigências de prevenção geral, que são aspetos decisivos para a não concessão da liberdade condicional a metade do cumprimento da pena.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO.

O recluso PN encontra-se a cumprir a pena de um ano e três meses de prisão, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada.

Apreciada a situação prisional do recluso decorrido o cumprimento de metade da pena, por decisão proferida no processo de concessão de liberdade condicional nº 133/21.0TXEVR, do Tribunal de Execução de Penas de Évora (Juiz 3), foi-lhe negada a liberdade condicional.

Inconformado com a decisão, dela recorreu o recluso, extraindo da respetiva motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

“A. Foi o ora Recorrente condenado pela prática de crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa do pai, na pena de um ano e três meses de prisão, no âmbito do processo judicial nº 2611/16.3T9FAR, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro.

B. Tal pena foi suspensa na sua execução, tendo sido, após incumprimento pelo Recorrente de algumas das injunções que lhe haviam sido impostas, revogada a suspensão.

C. Encontra-se, assim, o ora Recorrente a cumprir pena efetiva de prisão, no Estabelecimento Prisional de Silves, desde o dia 07.04.2021, sendo certo que atingiu a metade da pena no pretérito dia 22.11.2021.

D. Tendo-se cumprido os requisitos formais para apreciação de eventual liberdade condicional a conceder ao Recorrente, foi o mesmo ouvido, assim como os conselhos técnicos, no dia 09.11.202.

E. Após tal audição, concluiu o douto tribunal a quo pela não concessão da liberdade condicional ao Recorrente, considerando não se encontrarem preenchidos os pressupostos materiais para a mesma.

F. Ora, porque inconformado com o teor da sentença proferida pelo douto tribunal a quo, interpõe o Recorrente o presente recurso, colocando em causa a decisão sobre a matéria de facto e alegando o erro de julgamento.

G. Em primeiro lugar, entende o Recorrente existir certa contradição entre o primeiro e último segmentos do 6º facto provado.

H. De facto, nada nos autos revela que o Recorrente tenha, atualmente, uma problemática aditiva.

I. Efetivamente, o próprio facto provado sob escrutínio contém a afirmação de que o Recorrente se encontra, atualmente, abstinente.

J. Ora, encontrando-se o Recorrente abstinente desde a sua reclusão, há cerca de sete meses - como resulta da análise dos documentos constantes dos autos, designadamente, o relatório da DGRSP, no seu ponto 3 -, não se poderá concluir que mantém qualquer histórico de dependência, pelo que não revela, no momento, qualquer adição.

K. Assim sendo, fácil será de perceber por que motivo não assume o Recorrente uma problemática aditiva, no momento atual: porque a mesma, a ter eventualmente existido, já não existe.

L. Na verdade, resulta dos documentos juntos aos autos e tidos em conta para a formação da convicção do douto tribunal a quo que o Recorrente se encontra perfeitamente estável, sem consumos, a realizar trabalho no bar dos funcionários do Estabelecimento Prisional e com bom comportamento - vide relatório da DGRSP.

M. Mais resulta, da análise das suas próprias declarações, que o Recorrente assume que, no passado, consumia, esporádica e recreativamente, canábis, nunca tendo, portanto, negado o consumo.

N. No entanto, não assume - e, dir-se-ia, não poderá assumir - qualquer problema na atualidade, uma vez que se encontra “limpo” de consumos há mais de sete meses, o que, contrariamente ao que sucedeu, deveria ter sido levado em conta pelo douto tribunal a quo.

O. Assim, tendo por base os elementos probatórios avançados, deverá o último segmento do 6º facto provado ter-se como não escrito, passando o mesmo a ter a seguinte redação: “6º - Tem historial de consumo de estupefacientes (canábis), estando atualmente abstinente”.

P. Por outro lado, não compreende o Recorrente quais os meios probatórios em que se ancorou o douto tribunal a quo para concluir o vertido sob o 11º facto provado.

Q. É que, de acordo com as declarações prestadas pelo próprio Recorrente - meio probatório essencial para a formulação do facto provado sob escrutínio -, quando questionado sobre o motivo da sua reclusão, o mesmo afirmou que “enervou-se com o pai, disse coisas que não devia ter dito, não se lembra muito bem do que disse. É uma pessoa bastante calma e não se revê nessa pessoa, vai tudo contra os seus princípios, não é assim”.

R. Ora, a partir da análise do pequeno trecho supra transcrito, fácil será concluir que o Recorrente não se orgulha da sua atuação com o pai, assumindo clara e textualmente que “não se revê nessa pessoa, vai tudo contra os seus princípios”.

S. Mais à frente, no seu depoimento, afirma o Recorrente, com comoção evidente, que sempre ajudou o pai e que não lhe deseja mal nenhum, acrescentando que “está preso por ter explodido e ter dito coisas que não devia ter dito”.

T. Assim, em nenhum momento do seu discurso, contrariamente ao que pretende o douto tribunal a quo, o Recorrente desvaloriza a sua anterior conduta, e, muito menos, atribui a sua situação prisional ao comportamento do seu pai.

U. Na verdade, pese embora deixe clara uma relação turbulenta com o pai, em fase alguma do seu discurso o responsabiliza pelo facto de se encontrar em reclusão.

V. Advirta-se, ainda, para o facto de o pai do Recorrente ter sido constituído arguido pelo crime de violência doméstica contra a sua mãe - conforme afirmado pelo mesmo em sede de tomada de declarações -, o que não deveria ter sido desconsiderado pelo douto tribunal a quo - como parece ter sido - na valoração do seu depoimento relativamente à postura e comportamento do pai em relação a si próprio e à sua mãe.

W. Acresce, ainda, que, de acordo com a ficha biográfica do Recorrente - meio de prova elencado na fundamentação da decisão do douto tribunal a quo -, elaborada pela técnica V com base na análise do comportamento do mesmo em contexto prisional, é referido que “o recluso faz assunção do crime pelo qual foi condenado. Tem consciência da ilicitude, sendo que, atualmente, arrepende-se e reprova a sua conduta. Consideramos existir interiorização do sentido da pena”.

X. Ora, tal ficha biográfica, considerando ter sido elaborada por técnica com formação na área da reinserção social que acompanha diariamente o Recorrente, deveria ter sido levado em muito maior conta aquando da tomada de decisão, o que parece não ter acontecido.

Y. Em suma, o ora Recorrente assume os erros que cometeu no passado e que o levaram à reclusão, na sua tomada de declarações, demonstrando uma postura de arrependimento e interiorização do desvalor da sua conduta anterior - o que também é comprovado pela ficha biográfica do mesmo -, razão pela qual nunca o douto tribunal de cuja decisão se recorre poderia ter, salvo o devido respeito, considerado como provado o 11º facto provado.

Z. Assim, o facto provado 11º deverá ser eliminado do elenco da factualidade assente, dando-se como não provado.

AA. De outra banda, não vislumbra o ora Recorrente em que prova se ancorou o douto Tribunal de Execução de Penas para inserir na factualidade assente o 12º facto provado.

BB. Em boa verdade, quando questionado sobre o motivo da revogação da suspensão da sua pena de prisão, o Recorrente respondeu simplesmente que havia incumprido as injunções que lhe haviam sido impostas porque, muitas vezes, se encontrava a trabalhar.

CC. Ora, tal resposta, por si só, não poderá ser valorada - dizemos nós - no sentido da conclusão de que o Recorrente não se mostra arrependido da sua conduta durante a suspensão da pena de prisão.

DD. Efetivamente, nada consta, nos diversos elementos probatórios mobilizados para fundamentar a decisão ora posta em crise, relativamente a esta alegada “falta de arrependimento”, à exceção da sobredita afirmação do Recorrente.

EE. Assim, para considerar o facto sub judice como provado, o douto tribunal a quo bastou-se com uma simples (e, arrisque-se, infundada) interpretação do que foi dito pelo Recorrente.

FF. E a prova cabal de que tal interpretação não se encontra conforme à realidade é o comportamento exemplar do mesmo no seio do Estabelecimento Prisional, que motivou, inclusive, um voto favorável à concessão da liberdade condicional dos serviços de vigilância, que estabelecem contactos diretos e diários com o Recorrente.

GG. Em bom rigor, reitere-se, de acordo com todos os relatórios juntos aos autos, o Recorrente apresenta bom comportamento, encontrando-se a trabalhar no Estabelecimento Prisional e a tentar concluir o 12º ano de escolaridade.

HH. De facto, todas as pessoas do meio prisional com quem o Recorrente tem contacto diário reconhecem o seu esforço e dedicação no sentido de se aperfeiçoar enquanto pessoa e cidadão, social e profissionalmente.

II. Ora, tal postura do Recorrente só poderá - dizemos nós - ter a interpretação inversa àquela pretendida pelo douto tribunal de que se recorre: efetivamente, o mesmo encontra-se arrependido de toda a sua atuação passada e pretende dar novo rumo à sua vida.

JJ. Nesta senda, incorreu o douto tribunal a quo em erro ao considerar como provado o facto provado 12º, pelo que deverá o mesmo ter-se por não provado, excluindo-se do elenco da factualidade assente.

KK. Finalmente, não compreende o Recorrente como poderá ter sido dado como provado o último segmento do 14º facto provado: “…apoio não contentor, pois não consegue controlar os impulsos do filho nem a sua problemática aditiva”.

LL. É que, resulta provado nos autos que a mãe do Recorrente pretende que o mesmo volte para casa, a fim de a ajudar e de lhe fazer companhia.

MM. Na verdade, aquando da sua prestação de declarações, pese embora não tenha ficado registado no respetivo auto, o Recorrente faz menção ao facto de a mãe ser cuidadora de um tio com 98 anos e necessitar da sua ajuda para desempenhar tais funções.

NN. Acresce, ainda, que em nenhum dos meios probatórios, elencados como base da convicção do douto tribunal a quo, consta qualquer referência sobre o facto de a mãe do Recorrente se afigurar, no momento, como um apoio não contentor, incapaz de “controlar” os impulsos do mesmo.

OO. Pelo contrário, todos os relatórios elencados como meios de prova pelo douto tribunal a quo apontam a mãe como um forte fator estabilizador do Recorrente em meio livre e como um grande e aconselhável apoio de retaguarda.

PP. Por outro lado, parece o douto tribunal a quo ignorar todo o percurso do Recorrente em contexto prisional, nomeadamente a situação de abstinência em que se encontra há mais de sete meses - comprovada, também, pela sua ficha biográfica - e a motivação que lhe é reconhecida, por quem com ele lida diariamente, para “começar de novo”.

QQ. Por desvalorizar por completo tal percurso - dizemos nós - foca-se, para a tomada da decisão, o douto tribunal recorrido, no período em que o Recorrente consumia substâncias estupefacientes, tendo sempre como pano de fundo que o mesmo tornará a consumir logo que seja restituído ao meio livre.

RR. No entanto, por tudo quanto se deixou exposto, não tem o douto tribunal a quo, salvo o devido respeito e melhor entendimento, prova que fundamente tal convicção, pelo que deverá o último segmento do 14º facto provado ter-se por não escrito, devendo o mesmo passar a ter a seguinte redação: “14º - Em liberdade, pretende viver com a mãe, que padece de problemas de saúde”.

SS. Ora, tendo em consideração tudo quanto se expôs a propósito da decisão sobre a matéria de facto, apenas poderá concluir-se que o caso em apreço exigia, salvo o devido respeito, uma decisão diametralmente oposta.

TT. É que, tendo o tribunal de execução de penas, por um lado, dado como não assentes os factos 11º e 12º, e, por outro lado, dado como provados os factos 6º e 14º, com as redações referidas sob a epígrafe I (Impugnação da decisão sobre a matéria de facto - tal como se impunha pela análise de toda a prova carreada para os autos -), teria, necessariamente, de decidir pela concessão da liberdade condicional ao ora Recorrente.

UU. Isto porque se verificam, no caso concreto sub judice, os pressupostos materiais de concessão dessa mesma liberdade, nos termos do artigo 61º, nº 2, do Código Penal.

VV. Na verdade, tendo como pano de fundo a factualidade que, nos termos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deveria ter sido dada como assente, temos que, com a concessão da liberdade condicional ao ora Recorrente, servir-se-iam as finalidades de prevenção geral e prevenção especial plasmadas no referido normativo legal.

WW. Em bom rigor, atento o comportamento do Recorrente em contexto prisional e a motivação - comprovada nos autos - que apresenta para se reintegrar profissional e socialmente e, bem assim, a sua situação de abstinência há mais de sete meses, não pode senão ser expectável que o mesmo, quando restituído ao meio livre, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos ilícitos criminais.

XX. Por outro lado, a libertação condicional do ora Recorrente, por tudo quanto se expendeu, não se afigura, de todo, como incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social, cumprindo-se, também, no caso sub judice, este último requisito material.

YY. Em face de tudo o exposto, entende o Recorrente ter o douto tribunal a quo violado o artigo 61º, nº 2, do Código Penal, pela sua não aplicação ao caso concreto, o que, atendendo a todos os elementos probatórios constantes dos autos e àquela que deveria ter sido a sua valoração, se impunha.

Termos em que, e nos melhores de Direito, que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, requer-se a Vªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, seja dado provimento ao presente recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a concessão da liberdade condicional ao Recorrente”.

*

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, entendendo que o recurso não merece provimento, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1 - Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a PN, tendo este atingido metade do cumprimento da pena de um ano e três meses de prisão que lhe foi aplicada no processo nº 2611/16.3T9FAR da Instância Local - Secção Criminal - J1 - da Comarca de Faro, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada perpetrado na pessoa do seu pai.

2 - Tal decisão baseou-se nos elementos constantes dos autos, designadamente nos relatórios juntos a fls. 64 a 66 e 70/71, na ficha biográfica de fls.67/68, no CRC de fls. 45/46 e nas declarações do recluso de fls. 92, encontrando-se a sentença recorrida devidamente fundamentada de facto e de direito.

3 - A esses elementos estão subjacentes fortes razões de prevenção especial, que se fazem sentir em relação ao condenado, derivadas de uma reduzida interiorização crítica relativa à sua conduta criminosa e suas consequências e de um percurso de ressocialização que não se mostra consolidado (sendo certo que nem sequer foi iniciada a reaproximação ao meio livre), das suas características de personalidade, dos seus antecedentes criminais, do historial aditivo, bem como do facto da execução da pena ter na sua origem a revogação da sua suspensão, por incumprimento dos deveres a que o mesmo se encontrava sujeito.

4 - Tanto vale por dizer, que não é razoável efetuar um juízo de prognose positivo de que aquele uma vez em liberdade adote um comportamento conforme à lei penal e afastado da prática de novos crimes.

5 - Acresce que, em face da gravidade do crime em causa, são, também, muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva, e tal libertação não se mostra compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

6 - Por estas razões, o Conselho Técnico (por maioria dos seus membros) e o Ministério Público emitiram pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.

7 - Por consequência, não se mostrando verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n º 2 do artigo 61 º do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.

8 - Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao não conceder a liberdade condicional ao recluso, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida”.

*

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também pela improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, o recorrente apresentou resposta, reafirmando, no essencial, o já alegado na motivação do recurso.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, e vistas as conclusões que o recorrente extrai da motivação do recurso, é apenas uma, em muito breve síntese, a questão a conhecer: saber se o recorrente beneficia (ou não) de condições para lhe ser concedida a liberdade condicional, atingida que foi metade da pena de prisão a cumprir, como possibilita o disposto no artigo 61º, nº 2, do Código Penal.

2 - A decisão recorrida.

A sentença revidenda é do seguinte teor (integral):

“I - Relatório

O presente processo de liberdade condicional reporta-se a PN, atualmente preso no Estabelecimento Prisional de ….

Com vista à apreciação dos pressupostos da liberdade condicional com referência ao 1/2 da pena em execução, foram juntos aos autos os relatórios a que alude o artº 173º, 1, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

Os elementos do conselho técnico reuniram e emitiram, por maioria, parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional ao recluso (com voto favorável dos serviços de vigilância) - ref.ª 2338979.

O recluso foi ouvido e declarou, além do mais, aceitar a liberdade condicional - ref.ª 2338978l

O digno magistrado do Ministério Público emitiu parecer de sentido desfavorável à concessão da liberdade condicional - ref.ª 2343852.

II - Dos factos

A) Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir, considera o tribunal que se mostram provados os seguintes factos:

1º - Por decisão proferida no processo nº 2611/16.3T9FAR do J1 do Juízo Local Criminal de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o recluso foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (sendo a vítima o seu pai, a quem agrediu física e verbalmente, em contexto associado ao consumo de substâncias psicoativas) - pena que primeiramente foi suspensa na sua execução, vindo a ser revogada em virtude de o recluso ter negado e evitado o tratamento à sua problemática aditiva, continuando a consumir produto estupefaciente e a demonstrar não ter qualquer motivação para alterar comportamentos, retirando objetos pessoais dos seus ascendentes para vender, assim como perpetrando agressões verbais e psicológicas sobre a sua ascendente, quando esta não acedia aos seus pedidos de dinheiro e apresentando-se nas instalações da DGRSP com urina alheia para realização do teste de despiste ao consumo de estupefacientes para ocultar a sua dependência aos técnicos da DGRSP);

2º - Iniciou o cumprimento desta pena em 07.04.2021, liquidando-se a sua execução da seguinte forma: 1/2 em 22.11.2021; 2/3 em 07.02.2022; e termo em 07.07.2022;

3º - Não lhe são conhecidos processos pendentes de julgamento nem penas autónomas de prisão por cumprir;

4º - Regista condenações pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples (tendo sido condenado em pena de multa, a qual se encontra extinta pelo pagamento);

5º - Não tem registo de infrações disciplinares e tem comportamento adequado no estabelecimento prisional;

6º - Tem historial de consumo de estupefacientes (canábis), estando atualmente abstinente, mas não reconhece a problemática aditiva e desvaloriza-a;

7º - Frequenta o RVCC em meio prisional para completar o ensino secundário;

8º - Desde 05.07.2021 que trabalha no bar dos funcionários (funções laborais que lhe são remuneradas) e dispõe de algum dinheiro próprio no fundo de reserva;

9º - Frequentou o Programa de Desenvolvimento Moral e Ético;

10º - Cumpre a pena em RAI condicionado e não beneficiou de licenças de saída jurisdicional;

11º - Não interioriza minimamente o desvalor da sua ação e as consequências da prática dos crimes para a vítima e restante núcleo familiar, atribuindo a sua situação prisional ao alegado comportamento do seu pai;

12º - Não se mostra arrependido da sua conduta durante a suspensão da pena de prisão;

13º - Não tem concreta proposta de emprego, mas existem perspetivas de reintegração profissional como motorista, sendo conhecido por ter competências e hábitos de trabalho;

14º - Em liberdade, pretende viver com a mãe, que padece de problemas de saúde (apoio não contentor, pois não consegue controlar os impulsos do filho nem a sua problemática aditiva).

B) Convicção

Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objetiva e criteriosa:

a) Certidão da decisão condenatória, do despacho que revogou a pena de prisão suspensa na sua execução e liquidação da pena – ref.as 461266 e 463337;

b) Relatórios da Direção Geral dos Serviços Prisionais – ref.as 479262 e 2347459;

c) Ficha biográfica – ref.ª 2347459;

d) Certificado do registo criminal do recluso – ref.ª 474885;

e) Declarações do recluso – ref.ª 2338978;

f) Documentação apresentada pelo recluso sobre o estado atual de saúde da sua mãe – ref.ª 481743.

III. Do direito

De acordo com o disposto no artº 61º do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional:

1. Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos.

2. Que aceite ser libertado condicionalmente.

São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

1. Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.

2. A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (este requisito não se mostra necessário para os casos de liberdade condicional aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa).

Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral.

Ponderados os factos supra elencados e subsumindo-os aos normativos citados, verificamos que os pressupostos formais da liberdade condicional se mostram preenchidos, pois que o recluso já cumpriu metade da pena de prisão e no mínimo 6 meses em que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional.

Já o mesmo não pode afirmar-se quanto aos requisitos substanciais.

Com efeito, o recluso não só não assume a prática dos factos que motivaram a condenação, como atribui a responsabilidade da sua situação prisional à vítima (o seu pai), não denotando qualquer espécie de empatia por esta.

Por outro lado, refere que a suspensão da execução da pena veio a ser revogada porque «estava sempre a trabalhar».

Ora, daqui resulta uma total falta de interiorização da gravidade dos seus atos, quer ao nível do crime, quer ao nível da sua postura durante o período de suspensão da pena de prisão.

Torna-se imperioso que o recluso reflita sobre as consequências que os seus comportamentos tiveram para terceiros (a vítima, seu pai, e também a sua mãe).

Enquanto tal não acontecer não pode afirmar-se que o recluso tem noção das implicações da prática de crimes e, por conseguinte, que não são elevados os riscos de reincidência, cumprindo destacar que a não ser feita esta evolução ao nível da consciência crítica facilmente a situação que o levou à reclusão voltará a repetir-se quando o recluso voltar a residir pelo menos com a sua progenitora, sendo muito elevados, atualmente, os riscos de reincidência.

Esta intensidade (de reincidência) é ainda agravada pelo facto de o recluso ter historial de consumo de produto estupefaciente, que não só não assume, como desvaloriza de todo (nas suas palavras, «fuma espontaneamente um charrinho»), sendo que esta problemática aditiva contribuiu em muito para os conflitos familiares (também com a sua mãe).

É do conhecimento comum que o consumo de estupefacientes funciona, também, como um fator de risco para voltar a delinquir, sendo que o primeiro passo para atenuar os riscos de reincidência é assumir a problemática e aderir a tratamento, o que está longe de se verificar.

Pese embora a atual abstinência, que é de valorizar, face à anterior postura do recluso - inclusive de não adesão a tratamento e utilização de urina alheia para iludir os técnicos da DGRSP de que não continuava a consumir produto estupefaciente -, entendemos que há que consolidar esta abstinência, uma vez que a problemática em apreço está longe de estar ultrapassada.

Acresce que, apesar de manter bom comportamento no interior do estabelecimento prisional, o seu comportamento durante a suspensão da pena de prisão demonstrou a grande dificuldade do recluso em cumprir regras, não sendo expectável que as fosse cumprir durante o período da liberdade condicional (tanto mais que nada assume).

E, por fim, não beneficiou de medidas de flexibilização da pena - através de licenças de saída jurisdicionais -, as quais são importantes, a fim de se avaliar o seu comportamento em meio livre, designadamente a sua eventual abstinência do consumo de drogas.

Deve, pois, ser avaliado o seu comportamento em meio livre - caso venha a reunir condições para tal - e testada a sua capacidade de resiliência bem como de determinação para uma mudança de estilo de vida, aspetos essenciais para que se mostrem reduzidos os fatores de risco que caracterizam a sua personalidade, e se atenue a possibilidade de reincidência criminal.

Há ainda que ter em conta que o crime praticado pelo recluso está fortemente associado a sentimentos de alarme e insegurança social, o que também eleva as exigências de prevenção geral sentidas, não compatíveis, pois, com a libertação antecipada do recluso.

Não se mostram, assim, preenchidos os requisitos previstos no artigo 61º, nº 2, do Código Penal, pelo que entendo não estarem reunidas as condições para que seja concedida a liberdade condicional ao recluso.

IV. Decisão

Face ao exposto, não concedo a liberdade condicional a PN.

Os 2/3 da soma das penas ocorrerão já em 07.02.2022.

No entanto, cumpre assegurar um período de tempo mínimo de reclusão entre apreciações, que permita ao recluso alguma evolução no seu comportamento, suscetível de avaliação diferente da que ora se fez - e que considero razoável fixar em 6 meses, conforme parece decorrer do disposto no artigo 61º, nºs 2 e 3, do Código Penal (cfr. também Ac. do TRE de 14/02/2012, proferido no âmbito do Proc. 1690/10.1TXEVR-A deste TEP).

Pelo que determino que a instância se renove por referência a 15.05.2022.

Noventa dias antes da data em causa, proceda às habituais diligências prévias e necessárias à apreciação dos pressupostos da liberdade condicional, designadamente solicitando os relatórios a que se alude no artigo 173º, nº 1, a) e b), do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Prazo de elaboração dos relatórios: 30 dias.

Com a mesma antecedência, notifique o recluso para, querendo e em 10 dias, requerer o que tiver por conveniente, nos termos do disposto na alínea c) do citado preceito legal.

Dispenso a junção de novo certificado do registo criminal do recluso.

Instruídos com os elementos atrás referidos, então vão os autos ao Digno Magistrado do Ministério Público para, querendo, dizer o que tiver por conveniente”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

De acordo com a liquidação da pena certificada nestes autos, verifica-se que o cumprimento da pena (de um ano e três meses de prisão) teve início em 07 de abril de 2021, o meio da pena ocorreu em 22 de novembro de 2021, os dois terços da pena ocorrerão em 07 de fevereiro de 2022, e o termo da pena terá lugar em 07 de julho de 2022.

A pena em causa resulta de uma condenação operada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, sendo a vítima o pai do recorrente, pessoa que o recorrente agrediu (física e verbalmente), num contexto associado ao consumo de produtos estupefacientes.

A referida pena, primeiramente, foi suspensa na respetiva execução.

Posteriormente, essa suspensão foi revogada, em virtude de o recorrente não ter cumprido os deveres impostos para o decretamento da suspensão, nomeadamente não tendo o recorrente efetuado tratamento à sua problemática aditiva ao consumo de estupefacientes, perpetrando, até, agressões verbais e psicológicas sobre a sua mãe (quando esta não acedia aos seus pedidos de dinheiro), e, além disso, apresentando-se nas instalações da DGRSP com urina alheia para realização do teste de despiste ao consumo de estupefacientes, com vista a ocultar a sua “dependência” aos técnicos da DGRSP.

Face a tudo o que vem de dizer-se, e com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, carece de sentido, manifestamente, a pretendida alteração das conclusões fácticas vertidas na sentença revidenda, pretensão essa baseada, quase sempre, nas próprias declarações prestadas pelo recluso (como se o Tribunal recorrido - ou este Tribunal ad quem - as tivesse de considerar como boas e verdadeiras), e pretensão que, a nosso ver, não se baseia em qualquer elemento probatório que “imponha” (e não apenas permita ou possibilite) decisão fáctica diversa da decisão recorrida.

Também nós, sopesando, de forma crítica e conjugada, todos os elementos probatórios constantes dos autos, chegamos às conclusões fácticas explicitadas na sentença sub judice, e, com base nas mesmas, também não nos é possível (como não o foi ao tribunal recorrido), fundadamente, fazer um juízo de prognose positivo de que o recorrente, uma vez restituído à liberdade, adote um comportamento responsável sob o ponto de vista criminal.

Por outro lado, independentemente da procedência ou da improcedência das pretendidas (na motivação do recurso) alterações fácticas, olhando ao crime praticado, ponderando a pena que foi aplicada ao recorrente (1 ano e 3 meses de prisão) e atendendo à personalidade e ao modo de vida do recorrente, a sua libertação antecipada (a meio da pena) é incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Senão vejamos (mais desenvolvidamente).

I - A vida anterior do recorrente, a sua personalidade e as concretas circunstâncias espelhadas nos factos delitivos que cometeu, e como se nos afigura evidente, não podem ficar olvidadas com o bom comportamento do recorrente durante a execução da pena de prisão (a qual apenas se iniciou em abril de 2021), nem, menos ainda, com proclamações, por banda do recorrente, de boas intenções e de bons propósitos futuros.

Ao contrário do que se alega na motivação do recurso (onde se coloca, sempre, especial enfoque nas declarações do recluso, e onde se possui dos factos uma visão parcelar, parcial e pouco complexiva - com o devido respeito -), lendo o teor dos relatórios elaborados pelos técnicos da DGRSP (cfr. fls. 64 a 66, e fls. 70 e 71), analisando a ficha biográfica de fls. 67 e 68, e analisando o Certificado de Registo Criminal do recluso constante de fls. 45 e 46, é possível concluir:

1º - Além do crime pelo qual agora cumpre pena (crime de ofensa à integridade física qualificada, perpetrado sobre a pessoa do seu pai), o recorrente regista outros antecedentes criminais, tendo sido condenado anteriormente pelo cometimento de um crime de ofensa à integridade física simples.

2º - O recorrente tem um longo e turbulento historial de toxicodependência (muito embora, ao que parece, esteja atualmente em fase de abstinência).

3º - O recorrente apresenta uma reduzida consciência crítica no tocante à prática de crimes e às consequências resultantes dos mesmos para as vítimas.

4º - O recorrente, preso desde abril de 2021, possui comportamento prisional adequado (sem registos disciplinares), encontra-se em RAI condicionado, trabalha na messe dos funcionários do EP, e não beneficiou ainda de qualquer medida de flexibilização da pena.

Perante os elencados elementos, analisados de forma conjugada, não só existe, a nosso ver, risco de recidiva criminal, como se revela imperioso consolidar, por mais algum tempo, o percurso e a tentativa de ressocialização do recorrente, nomeadamente face à existência de antecedentes criminais pela prática de crime de natureza idêntica à do crime pelo qual cumpre pena, face ao historial de consumo de produtos estupefacientes, e, em nosso entender, olhando às evidentes dificuldades de o recorrente controlar os seus impulsos e de cumprir as obrigações que, legitimamente, lhe são impostas (essas dificuldades são visíveis, de modo inequívoco, no facto de o recorrente não ter cumprido as obrigações que lhe foram impostas para o decretamento da suspensão da execução da pena de prisão em causa - o que implicou a revogação de tal suspensão -).

Face ao exposto, são muito elevadas as exigências de prevenção especial, as quais, a nosso ver, devem obstar à libertação antecipada (a meio da pena) do recorrente.

II - Numa outra ordem de ideias (exigências de prevenção geral), e em nosso entender, a libertação do recorrente ao meio da pena afronta, intoleravelmente, as expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma penal violada.

A tal libertação, operada a meio do cumprimento da pena, opõem-se exigências de prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, à libertação do recorrente obstaculiza a necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência e da validade da norma incriminadora.

Dito de outro modo: a libertação do recorrente a meio da pena, ponderadas todas as circunstâncias presentes no concreto caso destes autos, contende com o necessário restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

Na perspetiva agora em análise, não podemos esquecer que, in casu, estamos perante um crime consistente numa agressão física e verbal, perpetrada sobre a pessoa do progenitor do recorrente, sendo esse crime cometido em contexto associado ao consumo de produtos estupefacientes.

É um crime grave, tendo o arguido, apesar disso, beneficiado da aplicação de uma pena suspensa na respetiva execução, suspensão que foi revogada por incumprimento de deveres, e, por isso, a comunidade dificilmente compreenderia que, agora, alguém que cometeu o aludido crime e que desperdiçou a oportunidade de expiar a pena em liberdade, cumpra somente metade da pena aplicada.

III - À luz dos antecedentes considerandos, a pretensão recursiva, quer quanto à alteração da factualidade dada como assente na sentença revidenda, quer no tocante à verificação dos pressupostos legais para a concessão da liberdade condicional, é, manifestamente, de improceder.

Mais: mesmo que este Tribunal ad quem julgasse procedente a alteração fáctica pretendida na motivação do recurso (e ela não é de proceder, porquanto não existem elementos probatórios que “imponham” tal alteração, como acima referido), mesmo que a factualidade provada (e não provada) fosse a sugerida na motivação do recurso, ainda assim o recorrente não beneficiaria de condições para lhe ser concedida a liberdade condicional, atingida que foi apenas metade da pena de prisão a cumprir.

Esta nossa conclusão decorre, sem dúvidas ou hesitações, do preceituado no artigo 61º, nº 2, do Código Penal.

De harmonia com o estatuído em tal disposição legal (artigo 61º, nº 2, do Código Penal), só será concedida a liberdade condicional, mostrando-se cumprida metade da pena de prisão e no mínimo seis meses, quando “for fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes” (alínea a)), e “a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social” (alínea b)).

Ora, apesar do bom comportamento prisional do recorrente, apesar de todas as proclamações de intenções positivas por parte do recluso, apesar de todas as declaração de bons propósitos futuros por banda do recorrente, entendemos que a natureza e a gravidade do crime praticado, as circunstâncias que motivaram a revogação da suspensão da execução da pena de prisão inicialmente decretada, a personalidade e as condições de vida do recorrente, tudo conjugado, evidenciam a ocorrência, neste concreto caso, de prementes exigências de prevenção especial e de irrenunciáveis exigências de prevenção geral, que, com o devido respeito por diferente opinião, são aspetos decisivos para a não concessão da liberdade condicional a metade do cumprimento da pena.

Subscrevemos, pois, o que, a este propósito, ficou escrito na decisão revidenda: “pese embora a atual abstinência, que é de valorizar, face à anterior postura do recluso - inclusive de não adesão a tratamento e utilização de urina alheia para iludir os técnicos da DGRSP de que não continuava a consumir produto estupefaciente -, entendemos que há que consolidar esta abstinência, uma vez que a problemática em apreço está longe de estar ultrapassada. Acresce que, apesar de manter bom comportamento no interior do estabelecimento prisional, o seu comportamento durante a suspensão da pena de prisão demonstrou a grande dificuldade do recluso em cumprir regras, não sendo expectável que as fosse cumprir durante o período da liberdade condicional (…). E, por fim, não beneficiou de medidas de flexibilização da pena - através de licenças de saída jurisdicionais -, as quais são importantes, a fim de se avaliar o seu comportamento em meio livre, designadamente a sua eventual abstinência do consumo de drogas. Deve, pois, ser avaliado o seu comportamento em meio livre - caso venha a reunir condições para tal - e testada a sua capacidade de resiliência, bem como de determinação para uma mudança de estilo de vida, aspetos essenciais para que se mostrem reduzidos os fatores de risco que caracterizam a sua personalidade, e se atenue a possibilidade de reincidência criminal. Há ainda que ter em conta que o crime praticado pelo recluso está fortemente associado a sentimentos de alarme e insegurança social, o que também eleva as exigências de prevenção geral sentidas, não compatíveis, pois, com a libertação antecipada do recluso”.

IV - Ponderando tudo o alegado na motivação do recurso, e olhando à situação concreta posta nos autos, cumpre fazer algumas considerações adicionais:

1ª - Tanto na determinação como na execução das penas, devem sempre ser tidas em conta as finalidades das mesmas, que, segundo o disposto no artigo 40º, nº 1, do Código Penal, consistem na “proteção de bens jurídicos” e na “reintegração do agente na sociedade”.

Ou seja, a pena, enquanto instrumento político-criminal de proteção de bens jurídicos, tem, ao fim e ao cabo, uma função de paz jurídica, típica da prevenção geral.

Por isso é que o legislador, no citado artigo 61º do Código Penal, optou, nos seus nºs 2, 3 e 4, não só por uma diferenciação temporal dos pressupostos formais, situando-os em metade e 2/3 da pena de prisão cumprida, para a liberdade condicional facultativa, e em 5/6 da pena de prisão superior a 6 anos, para aquela de carácter obrigatório ou automático, como também por uma diferenciação material dos seus pressupostos discricionários.

Assim, quando está em causa a concessão da liberdade condicional respeitante ao cumprimento de metade da pena de prisão, acentuam-se, por um lado, razões de prevenção especial, seja negativa (de que o condenado não cometa novos crimes), seja positiva (de reinserção social), mas, por outro lado, são ainda mais evidentes razões de prevenção geral, isto é, compatibilidade da libertação do condenado com a defesa da ordem e da paz social.

Deve também salientar-se que o regime da concessão de liberdade condicional, em face dos pressupostos de que depende, excecionando, evidentemente, a obrigatória aos cinco sextos da pena, se o condenado nisso consentir, tem carácter excecional.

E bem se compreende essa excecionalidade, porquanto a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais abstratas previstas para os crimes, as quais têm a ver com a gravidade destes, sendo, por outro lado, o quantum concreto da pena determinado com respeito, além do mais, pelas exigências concretas de prevenção.

2ª - Em conformidade com a mencionada excecionalidade da concessão de liberdade condicional, e em nosso entendimento, a concessão da liberdade condicional a meio do cumprimento da pena deverá apenas ter lugar em situações muito pontuais, nas quais se revele, patentemente, que o condenado está apto a conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes, a que acresce o requisito de que a defesa da ordem e da paz social não seja posta em causa.

Quanto a este último pressuposto (o da alínea b) do nº 2 do artigo 61º do Código Penal), cumpre atentar na natureza do crime pelo qual o recorrente foi condenado (ofensa à integridade física qualificada), há que ponderar que, inicialmente, a pena aplicada foi suspensa na sua execução, com imposição de deveres, e que o recorrente não cumpriu tais deveres (motivo pelo qual foi revogada a suspensão), o que, tudo somado, nos revela a personalidade do recorrente, o qual, seguramente, tem dificuldade em respeitar as normas de salutar convivência social.

Por outras palavras: esse pressuposto legal (enunciado no artigo 61º, nº 2, al. b), do Código Penal) não se mostra verificado na presente situação, posto que a colocação do recorrente em liberdade, a meio do cumprimento da pena, não consente, ainda, a afirmação de que tal não bule com a preservação da paz social e da confiança que a comunidade depositou nas normas jurídicas violadas pelo comportamento do mesmo.

3ª - No tocante à verificação do pressuposto do artigo 61º, nº 2, al. a), do Código Penal, cuja existência igualmente não foi reconhecida na decisão revidenda, constatamos que os argumentos que o recluso contrapõe na motivação recursiva (inclusivamente as alterações fácticas propostas) não são bastantes para afastar ou para colocar em crise o que, a esse propósito, o tribunal a quo decidiu.

Isto é, e repetindo o acima dito, ainda que a pretensão recursiva consistente na alteração ou na eliminação das conclusões fácticas vertidas na factualidade dada como assente na sentença revidenda fosse de proceder (e não é, como vimos), tal não acarretaria a reversão da conclusão de direito a que chegámos para, também nesta instância recursória, denegar a concessão da liberdade condicional ao recorrente.

V - Em conclusão: é, para nós, clara a necessidade de o recluso consolidar o seu percurso pessoal e prisional, revelando-se prematura a concessão da pretendida liberdade condicional (atingida que foi apenas metade da pena de prisão a cumprir).

Posto tudo o que precede, o presente recurso é totalmente de improceder.

III - DECISÃO.

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso interposto pelo recluso PN, mantendo-se, consequentemente, a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 25 de janeiro de 2022

João Manuel Monteiro Amaro

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia