Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | MAFALDA SEQUINHO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL APRECIAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | Atingidos os marcos de cumprimento da pena em execução - o meio e os dois terços – não é legítimo sobrestar a apreciação da liberdade condicional, não instruindo o processo nos termos legais, com o fundamento de que a situação jurídico-processual da condenada ainda não se encontra estabilizada. Os pressupostos de concessão da liberdade condicional têm consagração legal (art. 61.º, do Código Penal), sendo os marcos temporais objetivos, cabendo ponderar se, atingidos os mesmos, o condenado pode ser libertado condicionalmente e, na positiva, em que termos. A regulamentação do incidente encontra lugar nos arts. 173.º a 181.º, do CEPMPL. Como resulta logo do primeiro preceito que regulamenta o incidente, até 90 dias antes da data admissível para a concessão da liberdade condicional, o juiz solicita os relatórios necessários à apreciação da liberdade condicional. Não se deteta qualquer margem para apreciação judicial, pois não se refere que o juiz pode solicitar, nem que aquela solicitação possa ficar dependente de qualquer condição. Não há margem, por isso, para a discricionariedade, para o juiz decidir que, num juízo de antecipação sobre a fundada prognose na concessão da liberdade condicional, não se instrui o processo e se mantém a situação da reclusa num limbo. Na leitura que temos dos preceitos, única que salvaguarda, em nosso entender os princípios constitucionais enunciados no art. 20.º, ns. 4 e 5, da CRP, com a antecipação prevista na lei tem o juiz do TEP a obrigação legal de instruir o processo destinado à apreciação da liberdade condicional com os elementos previstos nos arts. 173.º e ss. do CEPMPL, findar a instrução, ouvindo o conselho técnico, a reclusa e o M.º P.º e proferindo a correspondente decisão | ||
| Decisão Texto Integral: | Acórdão deliberado, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – RELATÓRIO No processo nº 666/23.3TXEVR-A do Tribunal de Execução das Penas de … (TEP), foi proferida decisão, em 04/09/2025, reiterando despacho anterior quanto à conclusão de que os autos não se encontram em condições para que seja encerrada a instrução com vista à apreciação da liberdade condicional, por indefinição da situação jurídico-penal da reclusa. Inconformada, veio a reclusa AA interpor recurso daquela decisão, pugnando pela revogação da mesma e substituição por outra que dê continuidade aos autos, com os procedimentos tendentes à apreciação da concessão da liberdade condicional, formulando as seguintes conclusões: «I – A reclusa AA foi condenada, por decisão transitada em julgado, na pena de 24 meses de prisão, tendo os dois terços do cumprimento da pena ocorrido em 06 de abril de 2025; II – Nesse seguimento e por entender que o Tribunal “a quo” não deu cumprimento ao preceituado nos Artigos 173.º e 174.º, ambos do TEP, a reclusa apresentou requerimento, datado de 18-07-2025, com a referência Citius n.º …, a peticionar a devida instrução do processo com vista à apreciação de eventual liberdade condicional; III - Não obstante e através do despacho com a referência Citius n.º …, datado de 04-09-2025, o Tribunal “a quo” decidiu pelo indeferimento do peticionado pela condenada, fundamentando, mutatis mutandis, pela impossibilidade de instrução de tal procedimento, por entender que a situação jurídico-processual da reclusa não se encontrar estabilizada; IV -A condenada não se conforma com tal decisão; V – Atento o lapso temporal que decorreu entre o requerimento apresentado e o despacho de que ora se recorre e tendo em consideração não só o caráter urgente do processo, como também o objeto do peticionado (liberdade condicional), com o devido respeito – que é muito – e salvo melhor opinião, colocou assim o Tribunal “a quo” em causa o princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo"; VII - Por seu turno e compulsado o requerimento com a referência Citius n.º …, apenas e só foi requerido pela condenada o encerramento da instrução com vista à apreciação da liberdade condicional, e não a sua concessão; VIII - Através da decisão que decorre do despacho de que ora se recorre, o Tribunal “a quo” mal andou e pior decidiu ao formar uma convicção (e valoração negativa) quanto ao elemento subjetivo que decorre da alínea a) do n.º 2 do Artigo 61.º do Código Penal, por remissão do n.º 3 do mesmo preceito legal; IX - Sem que para tal tenha dado cumprimento ao processo de instrução com vista à apreciação de eventual liberdade condicional, não tenha requerido a elaboração dos respetivos relatórios da DGRSP, nem tão pouco tenha ouvido a reclusa; X - Conforme entendimento – pacifico – e que decorre de Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 26-01-2023, com o processo n.º 177/19.1TXEVR-M.L1-9, in casu, apenas e só poderá o TEP adquirir conhecimento e formar a respetiva convicção quanto ao elemento subjetivo a que supra se alude, “Solicitando relatório da DGRSP, agendando o Concelho Técnico e ouvindo o condenado.”; XI - O Tribunal “a quo” através do despacho que ora se recorre, está efetivamente a proferir uma verdadeira decisão de não concessão da liberdade condicional, sem que para tal tenha dado cumprimento ao preceituado no Artigo 173.º e seguintes do CEP; XII – Estando tal decisão em violação do disposto nos Artigos 173.º, 174.º, 176.º e 177.º todos do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e ainda o n.º 2 do Artigo 32.º, n.º 4 e n.º 5 do Artigo 20.º, todos da Constituição da República Portuguesa.”. * O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo, nos termos previstos nos artigos 179.º, n.ºs 1 e 2 e 235.º, do CEPMPL. * O Ministério Público, na primeira instância, apresentou resposta, sustentando que a decisão recorrida configura um despacho meramente ordenador, não subsumível a nenhuma das situações previstas no art. 235.º, ns. 1 e 2 do CEPMPL, pelo que não é recorrível. Ainda que assim não se entenda, o recurso não merece provimento, porquanto a aferição da possibilidade de colocação do recluso em liberdade condicional pressupõe que a situação processual do condenado se mostre estabilizada. * Nesta Relação, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, sustentado que a decisão é recorrível, mas que deverá ser negado provimento ao recurso, concordando, neste segmento, com as razões adiantadas pelo Ministério Público junto do Tribunal de Execução das Penas. * Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo o recorrente apresentado resposta. * Teve lugar a conferência. * II – OBJETO DO RECURSO Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (artigos 403.º, 410.º e 412.º, nº 1, do Código de Processo Penal e AUJ de 19/10/1995, D.R. 28/12/1995). No caso, está em questão: - A recorribilidade da decisão; - Saber se, atingidos os marcos de cumprimento da pena em execução - o meio e os dois terços – é legítimo sobrestar a apreciação da liberdade condicional, não instruindo o processo nos termos legais, com o fundamento de que a situação jurídico-processual da condenada ainda não se encontra estabilizada. * III – DECISÃO RECORRIDA (transcrição) «Fls. 79 a 82: Conforme resulta do despacho proferido no dia 15 de Julho de 2025 (fls. 78), os autos não se encontram ainda em condições para que seja declarada encerrada a instrução com vista à apreciação da liberdade condicional facultativa, por não se encontrar estabilizada a situação jurídico-penal da reclusa, em função da pendência dos processos a que respeita a parte final de tal despacho (de resto, nem sequer se encontram nos autos os elementos necessários para a apreciação da liberdade condicional, designadamente os relatórios). Com efeito, a estabilização da situação jurídico-penal do recluso, aferida nomeadamente em função da inexistência de outros processos pendentes para além dos respeitantes à(s) condenação(ões) conhecidas pelo TEP, constitui condição sine qua non para que seja apreciada a concessão da liberdade condicional. E bem se compreende que assim seja, pois inerente ao instituto da liberdade condicional está necessariamente uma finalidade ressocializadora. Por essa razão, constituindo requisito material (ou substancial) da concessão da liberdade condicional facultativa a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de «que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável» (veja-se o art. 61º, nº 2, alínea a), do Cód. Penal), naturalmente que esse juízo não pode ser alcançado caso o recluso tenha pendentes contra si outros processos criminais. Por outras palavras, a liberdade condicional está prevista para permitir melhor adaptação do condenado à vida em sociedade, sendo que aquando da sua concessão devem existir fundadas expectativas de que aquele se manterá em situação de liberdade. Encontrando-se pendentes contra a reclusa os referidos processos, nunca seria possível que o juiz do TEP fizesse o referido juízo de prognose favorável (ou pelo menos seria temerário fazê-lo), pelo que sem definição da situação da reclusa nos referidos processos pendentes não se mostra possível o encerramento da instrução e a apreciação da concessão da liberdade condicional. Diferente seria caso se verificasse situação de concessão obrigatória da liberdade condicional aos 5/6 da pena, pois nessas situações não existe qualquer apreciação do juiz do TEP nos termos do referido art. 61º, nº 2, alínea a), do Cód. Penal, sendo a concessão da liberdade condicional dependente apenas do cumprimento do referido marco. Acontece que no caso dos autos a reclusa se encontra a cumprir uma pena que não ultrapassa 6 (seis) anos de prisão, pelo que a questão dos 5/6 da pena nem sequer se coloca (veja-se o art. 61º, nº 4, do Cód. Penal). Aliás, a jurisprudência aponta no mesmo sentido. Vejamos: - Em providência de Habeas Corpus, em situação paralela, embora não totalmente similar, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que «a liberdade condicional só poderá ser determinada pelo TEP quando a situação prisional do arguido estiver estabilizada» (Acórdão de 6 de Setembro de 2012, Proc. 87/12.3YFLSB.S1, in www.dgsi.pt); - Em decisão sumária proferida no dia 20 de Junho de 2012, no âmbito do processo nº 4624/10.0TXPRT-E.P1, o Tribunal da Relação do Porto considerou que «se não há lugar à apreciação da possibilidade de concessão liberdade condicional, por isso de haver uma condenação ainda não transitada em julgado em virtude da qual a situação jurídico-penal do recorrente ainda não se encontra estabilizada, não há lugar a Conselho Técnico. Claro como a água» (decisão não publicada). Em consequência, reitero o despacho de fls. 78 quanto à conclusão de que os autos não se encontram ainda em condições para que seja encerrada a instrução com vista à apreciação da liberdade condicional, por indefinição da situação jurídico-penal da reclusa. Notifique. Continuam os autos a aguardar conforme determinado no despacho de fls. 78.». Relevam, ainda, as seguintes circunstâncias processuais: - A recorrente cumpre a pena de 24 meses de prisão efetiva que lhe foi imposta no processo 52/15.9…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, Juízo local Criminal de … (J…); - Iniciou o cumprimento da pena em 6/12/2023, tendo atingido metade do cumprimento da mesma em 6/12/2024, os dois terços em 6/04/2025 e estando previsto o respetivo termo em 6/12/2025; - No apenso A (liberdade condicional), após várias solicitações com vista a apurar o estado dos demais processos pendentes contra a reclusa, foi proferido, em 15/07/2025, o seguinte despacho:« Consigna-se que o termo da pena em execução ocorrerá em 6 de Dezembro de 2025, encontrando-se sustadas as diligências com vista à apreciação da liberdade condicional, por falta de estabilização da situação jurídica da reclusa. À cautela, alarme com pelo menos 15 dias de antecedência daquela data, para ser tomada posição sobre a emissão de mandados de libertação, sem prejuízo de alteração da situação jurídica da reclusa.». IV- FUNDAMENTAÇÃO A) DA RECORRIBILIDADE DA DECISÃO O Ministério Público (junto do Tribunal de Execução de Penas de Évora) sustenta a irrecorribilidade da decisão, posição que não foi acompanhada pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação. Pese embora possa ser entendido que estamos perante pressuposto processual que deve ser aferido pelo relator no momento do exame preliminar, uma vez que se trata de questão controvertida cujos fundamentos não são inteiramente cindíveis dos que norteiam a apreciação do segmento subsequente a que se reconduz o mérito do recurso, foi a mesma deixada para apreciação em coletivo. O Tribunal de Execução das Penas admitiu o recurso interposto pela reclusa, nos termos previstos nos arts. 179.º, n.ºs 1 e 2 e 235.º, do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL). Vejamos o teor destes preceitos: Artigo 179.º Recurso 1 - O recurso é limitado à questão da concessão ou recusa da liberdade condicional. 2 - Têm legitimidade para recorrer o Ministério Público e o recluso, este apenas quanto à decisão de recusa da liberdade condicional. 3 - O recurso da decisão de concessão tem efeito suspensivo quando os pareceres do conselho técnico e do Ministério Público tiverem sido contrários à concessão da liberdade condicional e reveste natureza urgente, nos termos do artigo 151.º Artigo 235.º Decisões recorríveis 1 - Das decisões do tribunal de execução das penas cabe recurso para a Relação nos casos expressamente previstos na lei. 2 - São ainda recorríveis as seguintes decisões do tribunal de execução das penas: a) Extinção da pena e da medida de segurança privativas da liberdade; b) Concessão, recusa e revogação do cancelamento provisório do registo criminal; c) As proferidas em processo supletivo. Em matéria de execução de penas, a opção legislativa arreda a recorribilidade regra, que orienta o processo penal declarativo, tendo fixado diversos regimes específicos no que concerne à recorribilidade das decisões, tal como acontece nas proferidas no processo de concessão de liberdade condicional. A decisão recorrida recusou pedido da reclusa, no sentido de dar sequência às diligências com vista ao termo da fase de instrução do respetivo processo, o que determina, na prática, que a reclusa não pode ver apreciada a sua liberdade condicional. Negar-lhe o direito ao recurso seria colocar nas mãos do decisor a possibilidade de, arbitrariamente, por via ínvia e não sindicável, não conceder a liberdade condicional, o que, manifestamente, não foi vontade do legislador ordinário, que consagrou o direito do recluso recorrer em caso de decisão desfavorável, que não lhe conceda a liberdade condicional. A ratio subjacente à norma do art. 179.º, n.º 1 do CEPMPL (cuja letra aparenta referir-se à recorribilidade da decisão final) não pode ter a interpretação pretendida pelo Ministério Público junto TEP, pois que se assim se entendesse, negar-se a possibilidade de sindicar o incumprimento de comando legal que determina a instrução do processo com vista à concessão da liberdade condicional, com efeito prático equivalente à não concessão da mesma, diminuiria de modo ilegítimo e incompreensível quer os direitos de defesa, quer os próprios direitos do Ministério Público (a quem sempre cumpre assegurar a salvaguarda da legalidade). Nem é legítimo defender-se que estamos perante mero despacho de expediente. Despacho de mero expediente é aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo, sem decidir qualquer questão de fundo ou de forma, ou seja, sem que do mesmo importe denegação ou aceitação de qualquer direito (arts. 152.º, n.º 4, do Cód. Processo Civil, por dupla remissão – arts. 239.º, do CEPMPL e 4.º, do Cód. Processo Penal). Manifestamente, a decisão recorrida afeta o direito da reclusa a ver apreciada a liberdade condicional nos marcos temporais definidos por lei, pelo que não pode ser considerado como despacho de mero expediente (ou proferido no âmbito de qualquer poder discricionário pois que, como iremos ver de seguida, o promover a instrução do processo tendente à apreciação da liberdade condicional nos marcos temporais definidos não está na disponibilidade do juiz). Temos, assim, de concluir que a decisão que recuse o despoletar dos procedimentos tendentes à apreciação da concessão (ou não) da liberdade condicional deve ser considerada equivalente, para todos os efeitos legais, a uma decisão que denega liminarmente a sua concessão, sendo, por isso, recorrível1. B) SABER SE, ATINGIDOS OS MARCOS DE CUMPRIMENTO DA PENA EM EXECUÇÃO - O MEIO E OS DOIS TERÇOS – É LEGÍTIMO SOBRESTAR A APRECIAÇÃO DA LIBERDADE CONDICIONAL, NÃO INSTRUINDO O PROCESSO NOS TERMOS LEGAIS, COM O FUNDAMENTO DE QUE A SITUAÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL DA CONDENADA AINDA NÃO SE ENCONTRA ESTABILIZADA Na situação concreta, vemos que a recorrente já atingiu o meio e os dois terços da pena em execução, sem que, tendo-se iniciado o apenso com vista à concessão da liberdade condicional, tenham no mesmo sido solicitados os relatórios previstos no art. 176.º do CEPMPL, encerrada a instrução, convocado o conselho técnico, ouvida a reclusa, emitido parecer ou proferida decisão a conceder ou negar a liberdade condicional. A liberdade condicional configura-se, no nosso sistema penal, como um incidente de execução da pena de prisão e visa facilitar a reintegração do condenado na sociedade, isto é, proporcionar a adequada transição entre a vida em meio prisional e em liberdade, tendo em conta as finalidades da pena consagradas no artigo 40.º, do Código Penal. O instituto da liberdade condicional, alicerçado nas finalidades preventivas gerais de tutela de bens jurídicos e preventivas especiais de reintegração do agente na sociedade, traduz-se na ponderação, durante o período de execução da pena, da subsistência da necessidade de execução daquela em meio fechado, como forma de combate ao efeito criminógeno que possa advir das penas detentivas. Os requisitos necessários à concessão da liberdade condicional variam em face dos marcos temporais de cumprimento de pena, posto que esteja reunido o consentimento do condenado (art. 61.º, n.º 1, do Código Penal). O art. 61.º, n.º 2, do Código Penal estabelece nas suas als. a) e b) dois requisitos cumulativos (para a apreciação na metade da pena), intimamente conexionados com as finalidades de prevenção especial e geral que a imposição e execução da pena devem garantir. Mas, estando já cumpridos dois terços da pena (e no mínimo seis meses), o legislador basta-se com o preenchimento do requisito previsto na al. a), do n.º 2, do art. 61.º, do Código Penal. Independentemente destes marcos temporais de apreciação da concessão da liberdade condicional (ou da respetiva reapreciação anual, em renovação da instância), no caso de condenação em penas de prisão superiores a 6 anos, o recluso é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena (art. 61.º, n.º 4, do Código Penal). Não é o caso dos presentes autos, em que a pena em execução é inferior a 6 anos. Tendo já sido ultrapassado o marco dos dois terços da pena (sem que tenha sido apreciada a concessão da liberdade condicional ao meio da pena), importa apenas ponderar as finalidades preventivas de reintegração, que assim se privilegiam. Por isso, para a concessão da liberdade condicional é necessário que existam elementos que permitam prever que o condenado, uma vez em liberdade, irá conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer novos crimes. Para se alcançar este juízo de prognose favorável, a lei manda atender às circunstâncias do caso, sendo estas as relativas ao crime cometido e à pena imposta, à vida anterior do condenado, à sua personalidade e à evolução dessa personalidade durante a execução da pena. Se, ponderados tais critérios, for possível concluir, em termos de fundadamente ser expectável que, uma vez em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, será formulado juízo de prognose favorável e, consequentemente, a liberdade condicional poderá ser concedida, o que não ocorrerá no caso inverso. Mas se a existência de processos pendentes contra a reclusa, ou seja, a não estabilização da sua situação processual penal, pode relevar, na medida em que releva a vida anterior do condenado e a personalidade do mesmo na formulação do juízo de prognose, para a decisão e concessão da liberdade condicional, não vemos como, com observância da lei e dos princípios constitucionais, possa entender-se que tal constituiu um pressuposto legal (não escrito) do qual depende a instrução do processo previsto nos arts. 173.º a 181.º, do CEPMPL. Concluso o processo para esse efeito, pode o juiz entender que carece da verificação de determinadas circunstâncias ou condições ou elaboração e aprovação do plano de reinserção social, caso em que, como se refere no art. 178.º do CEPMPL, poderá suspender a decisão, mas por prazo não superior a três meses. Mas estas circunstâncias dizem respeito a motivos transitórios, de natureza prática, que obstam momentaneamente à colocação em liberdade condicional, mas que poderão ser ultrapassados a breve trecho. Só nessas condições se poderá suspender o procedimento e não por tempo indeterminado, o que sempre contende com as finalidades próprias de execução da pena. Com ou sem processos pendentes, o recluso tem o direito de ver apreciada a concessão de liberdade condicional dentro dos marcos legais, ressalvando a possibilidade de suspensão do incidente em circunstâncias muito concretas, mas que se prevê sejam ultrapassados num prazo curto, num máximo de até três meses e não na existência de processos pendentes, cujo resultado e duração são por natureza incertos e onde, convêm relembrar, a arguida goza da presunção de inocência enquanto não ocorra uma condenação transitada em julgado. Não o fazendo, diminui os direitos da reclusa a uma tutela jurisdicional efetiva, nomeadamente o direito a um processo célere e equitativo. Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional, ainda que a propósito da concessão de licença de saída jurisdicional, mas com inteira pertinência, «…entende-se que a falta de estabilização da situação jurídico-penal do recluso – situação que pode perdurar durante um período significativo – não implica, sempre e só por si, a impossibilidade de apreciação das condições legalmente previstas. Poderá projetar-se nelas com maior ou menos intensidade, poderá até inviabilizá-las, mas trata-se de um juízo casuístico, a ponderar perante as incidências concretas, e não de forma a transformar a falta de estabilização da situação jurídico-penal do recluso numa cláusula geral de indeferimento (ainda que sob as vestes de a decisão de “ficar a aguardar” sem prazo) que a lei não previu, no que substancialmente se aproxima de uma abstenção de decisão, gerando uma situação de desproteção do recluso especialmente carecida de tutela por via de recurso”. Resta, assim, concluir pelo provimento do recurso, devendo o TEP dar sequência à instrução do processo conducente à efetiva decisão a que a reclusa tem direito2. V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pela recorrente AA e, em consequência, revogar o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que dê continuidade aos autos com os procedimentos tendentes à apreciação da concessão da liberdade condicional. Sem custas. Notifique. * Évora, 25 de novembro de 2025 Mafalda Sequinho dos Santos Moreira das Neves Jorge Antunes
.............................................................................................................. 1 Neste sentido, Ac. TRL de 26/01/2023, Proc. n.º 177/19.1TXEVR-M.L1-9; Ac. TRP de 21/01/2014, Proc. n.º 12/12.1TXPRT-J. P1. 2 Neste sentido, para além das decisões já enunciadas em 1 temos: - o Ac. TRP de 10/09/2025, ECLI:PT:TRP:2025:641.18.0TXPRT.M.P1.7E; -Ac. TRC de 9/12/2009, ECLI:PT:TRC:2009:108.06.9TXCBR.A.C1.1B/. |