Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
159/10.9TBPST-A.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Tendo os executados deduzido atempadamente oposição à execução mediante embargos, alegando factos modificativos e extintivos da obrigação exequenda, execução que foi considerada extinta, sem prejuízo da sua renovação, nos termos do art.º 849.º/1, al. e) do C. P. Civil, não se pode considerar a inutilidade superveniente dos embargos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I- Relatório.
Por apenso à execução n.º 159/10.9TBPST, para pagamento de quantia certa, intentada pelo exequente Banco..., S.A. contra os executados A... e mulher M..., estes deduziram oposição à execução mediante embargos, pedindo a extinção da instância executiva, invocando a existência de um crédito sobre a exequente, no montante de € 21.734.402,97 e que se mostra extinta a hipoteca constituída através da escritura pública junta à ação executiva.
Contestou o exequente, sustentando a inexistência de qualquer crédito dos oponentes sobre a exequente e pugnando pela improcedência dos embargos.
Foi proferido saneador tabelar, tendo as partes apresentado a respetiva prova a produzir e realizaram-se diligências com vista à realização de uma perícia.
Entretanto, em 23 de maio de 2016, é proferido o seguinte despacho:
Nos autos de ação executiva em que é exequente Banco..., S.A. e executados A...e outro com os sinais dos autos, foi a execução extinta atento o disposto no artº 849º nº 1 al. e) do CPC.
A presente oposição à execução, sendo funcionalmente dependente da execução, perdeu assim a sua utilidade (cf. art.º 732.º nº 4, do CPC).
Nestes termos, em conformidade com o disposto no artº. 277º, al. e), do Código de Processo Civil, por inutilidade superveniente da lide, julgo extinta a instância de oposição.
Custas pelos Opoentes (art.º 536º nº 3 do CPC).
Notifique”.
Deste despacho vieram os oponentes interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A oposição à execução é equiparada à petição inicial na ação declarativa, estando o Executado em face da execução como estaria perante a ação declarativa, podendo deduzir na oposição os factos impeditivos, extintivos e modificativos do direito de crédito executado.
2. O novo C P Civil prevê a extinção da execução quando haja sustação integral da execução, mas não prevê que essa extinção se estenda ao excerto declarativo que corre por apenso e que constitui a instância da oposição à execução, o que também não previa o C P Civil antigo que aqui se aplica.
3. Visando a oposição à execução extinguir o direito de crédito executado pelo BCP nestes autos, e tendo o mesmo sido reclamado no âmbito de outro processo executivo em que houve penhora anterior de bens garantidos por hipoteca, não pode extinguir-se a instância da oposição pois não existe qualquer inutilidade superveniente da lide.
4. Ora, não é pelo facto de a execução ter sido extinta por sustação integral, atenta a reclamação dos créditos no âmbito do processo executivo com penhora anterior, que os direitos e as obrigações cuja existência se discute na oposição se extinguiram.
5. Assim como não desapareceram nem os sujeitos nem o objeto do processo, mantendo-se a possibilidade de ser atingido o resultado visado com a instância da oposição e por este mesmo meio.
6. Com efeito, o crédito do Exequente – contra o qual foi deduzida oposição com vista à sua extinção – mantém-se a ser exigido, mantendo-se os direitos e as obrigações das partes, bem como toda a relação jurídica processual daí decorrente e o respetivo interesse substantivo e processual dos Opoentes na instância da oposição.
7. A decisão recorrida de extinção da oposição à execução equivale à negação do direito de defesa dos Executados, atentando contra o princípio proibição da indefesa, bem como viola os princípios da segurança jurídica, da economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, do processo equitativo e da tutela jurisdicional efetiva.
8. A decisão recorrida violou as normas dos artigos 287º, alínea e), 813º, nº 1, 817º, nº 2 e 4, todos do C P Civil antigo e as normas dos artigos 849º, nº 1, alínea e) e 794º, nº 4 do novo C P Civil.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e ser revogada a decisão que declarou extinta a instância da oposição à execução, a qual deve prosseguir os seus trâmites normais.
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Não foram juntas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão a decidir consiste em saber se os presentes embargos de executado deviam ou não ter sido extintos, por inutilidade superveniente, decorrente da extinção da execução nos termos da alínea e) do n.º1 do art.º 849.º do C. P. Civil.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Descrita a dinâmica processual relevante no antecedente relatório, para a decisão do presente recurso, com transcrição do despacho recorrido, importa responder à questão colocada.
2. Os recorrentes entendem que não se verifica a inutilidade superveniente dos presentes embargos de executado, pois visando a oposição à execução extinguir o direito de crédito executado pelo exequente e tendo o mesmo sido reclamado no âmbito de outro processo executivo em que houve penhora anterior de bens garantidos por hipoteca, os direitos e as obrigações cuja existência se discute na oposição não se extinguiram.
Vejamos, pois, se a razão está do lado dos recorrentes.
É consabido que no atual regime processual da ação executiva, provindo da revisão de 2003, que deu nova versão ao artigo 919.º/1 e 2 do C. P. Civil, atual artigo 849.º/1 e 2, a verificação da extinção da execução deixou de ser feita pelo juiz, competindo ao Agente de Execução constatar a extinção da execução, salvo se, como refere Rui Pinto, “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, págs. 1018/1019, “o fundamento extintivo vier de atuação do juiz – máxime, sentença de procedência de oposição à execução – é que este notificará as partes e o agente de execução o qual fará depois o arquivamento eletrónico, ao contrário do que advinha da regra do n.º3, do art.º 919.º = 849.º, n.º3, nCPC”.
No mesmo sentido se pronuncia o Prof.º Lebre de Freitas, “ A Ação Executiva, À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª edição, Coimbra Editora, pág. 414 e segs, em que expressamente refere:
“(…) A sentença de extinção da execução não surtia, pois, eficácia fora do processo executivo.
Com a reforma da ação executiva, deixou de ter lugar essa sentença, produzindo-se automaticamente o efeito extintivo da instância (art.º 849.º/1). A questão da formação de caso julgado no processo executivo deixou, pois, de se poder pôr. Mas hoje, como ontem, o efeito de direito substantivo do facto extintivo da obrigação exequenda ( pagamento ou outro) invocada na ação executiva não deixa de produzir, obstando ao êxito duma nova ação executiva, mas não impedindo a propositura, pelo executado, duma ação de restituição do indevido” (nosso sublinhado).
Também Amâncio Ferreira, “ Curso de Processo de Execução”, 11.ª edição, pág. 423, sublinha que “A extinção da execução, por agora deixar de se basear em decisão judicial, é insuscetível de levar à formação de caso julgado, face ao disposto nos art.ºs 671.º e 672.º, como diversamente alguma doutrina vinha sustentando perante a redação do anterior art.º 919.º”.
Assim, decorre do art.º 849.º/3 do C. P. Civil, que a extinção da execução ocorre quando estão verificadas alguma das situações elencadas no seu n.º1, pelo agente de execução, dando lugar às notificações mencionadas no seu n.º2, devendo comunicar essa extinção ao tribunal, sendo assegurado o arquivo automático do processo sem necessidade de intervenção judicial ou da secretaria.
Donde, a extinção da execução não depende de despacho judicial e, consequentemente, não forma caso julgado formal.
No âmbito do art.º 45.º/1 do pretérito regime do C. P. Civil é o título que determina o “fim e os limites da ação executiva”, e como fim possível, o seu n.º2 indica o “pagamento de quantia certa”, a “entrega de coisa certa” ou a “prestação de facto, “quer positivo, quer negativo” – Eurico Lopes Cardoso, in “Manual da Ação Executiva”, pág. 31.
Idêntico regime passou a figurar no art.º 10.º, n.ºs 5 e 6 do atual C. P. Civil, sendo que o título, nas palavras do Prof.º Lebre de Freitas, ob. cit. pág. 43, “constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da ação executiva, isto é, o tipo de ação e o seu objeto, assim como a legitimidade, ativa e passiva”.
Como refere Rui Pinto, ob. cit., pág. 142/143, “deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coativa da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos”.
Neste sentido se escreveu no Acórdão do STJ de 15/3/2007, Proc. N.º 07B683 (Salvador da Costa): “A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança tida por suficiente da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
O fundamento substantivo da ação executiva é, pois, a própria obrigação exequenda, constituindo o título executivo o seu instrumento documental legal de demonstração. Ele constitui, para fins executivos, condição da ação executiva e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas (…)”.
Como já ensinava José Alberto dos Reis, in “Processo de Execução”, Vol. I. 3.ª Edição, pág. 147, a propósito dos requisitos substanciais do título executivo, “O segundo requisito não está expressamente previsto na lei, mas é uma exigência da própria natureza e função do título executivo. O título executivo pressupõe necessariamente a afirmação de um direito em benefício de uma pessoa e a constituição de uma obrigação a cargo de outra.”
Todavia, apesar do credor ser possuidor de um título executivo, que lhe permite intentar a ação executiva, não significa que o executado não possa pôr em causa a existência do crédito titulado, já que o direito de ação executiva é autónomo e independente do direito substancial, para além de poderem subsistir vícios processuais ou substantivos procedentes da formação do título – cf. Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 177.
Por isso, permite-se ao executado fazer valer as eventuais discordâncias com a realidade, fora do procedimento executivo propriamente dito, através exatamente da oposição à execução, na qual funciona “um normal juízo contencioso com contraditório pleno” – ibidem.
Como refere o Prof.º Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 193, “A oposição à execução visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta dum pressuposto, específico ou geral, da ação executiva”. E acrescenta, a págs. 212 e 213:” Quando veicula uma oposição de mérito à execução, visa um acertamento negativo da situação substantiva (obrigação exequenda), de sentido contrário ao acertamento positivo consubstanciado no título executivo (judicial ou não), cujo escopo é obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação, por via indireta, da eficácia do título executivo enquanto tal (…)”.
Daí a oposição à execução ter por fundamentos os referidos nos art.ºs 729.º a 731.º do C. P. Civil.
A oposição à execução mediante embargos é autuada por apenso à ação executiva e a sua procedência extingue a execução, no todo ou em parte, para além de constituir caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, como decorre expressamente dos n.ºs 4 e 5 do art.º 732.º do C. P. Civil.
Em consequência, o efeito principal dos embargos consiste, como se realça no acórdão desta Relação, de 22/09/2016, proferido no processo n.º 71/13.0TBETZ-A, disponível em www.dgsi.pt, “na extinção definitiva da execução, no todo ou em parte, por efeito do caso julgado formado pela decisão proferida neste enxerto de carácter declarativo, situação diversa da extinção da execução que não tem aquele alcance, podendo ser renovada a execução nas situações contempladas na lei, sendo que no atual regime do processo executivo tal extinção nem sequer ocorre por via de despacho judicial”.
Nesse sentido, acompanhamos o que se escreveu nesse aresto, em caso idêntico ao dos presentes autos, que se transcreve:
“Porém, apesar de o processo de oposição à execução estar funcionalmente ligado ao processo executivo, de que constitui apenso, e consequentemente, a extinção da instância num deles poder determinar a extinção do outro, nem sempre tal pode acontecer, sendo esta conclusão evidente se tivermos presente o sobredito quanto à natureza de um e outro processo.
Assim, se a procedência dos embargos extingue a execução no todo ou parte (artigo 732.º, n.º 4, do CPC), tornando inútil o respetivo prosseguimento, já a extinção da execução só torna supervenientemente inútil a oposição por embargos que à mesma tenham sido deduzidos, quando tal extinção seja definitiva por ter ocorrido o pagamento da quantia exequenda, em qualquer uma das modalidades possíveis (artigos 795.º, n.º 1, e 846.º do CPC), ou seja, por ter sido conseguida a satisfação do credor, já que a finalidade primeira da ação executiva é a de conseguir alcançar coercivamente para o credor “a mesma prestação, o mesmo benefício que lhe traria o cumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor”.
Em reforço do que acabamos de concluir note-se que, mesmo a situação relativa à desistência do exequente, que é outra causa de extinção da execução, se estiverem pendentes embargos de executado, depende da aceitação do embargante (artigo 848.º do CPC), ou seja, o legislador deixa na esfera deste a apreciação da manutenção ou não do respetivo interesse no prosseguimento dos embargos.
Na verdade, pretendendo o embargante com a oposição à execução colocar em causa o próprio título executório, visando a improcedência total ou parcial da execução, a inutilidade superveniente da sua pretensão só ocorre se, por via de um comportamento concludente como é o pagamento voluntário da quantia exequenda, aceita o direito do credor talqualmente este se encontra representado no título executivo (artigo 849.º, n.º 1, alínea a) do CPC).
Se assim não for, ou seja, se a execução for extinta por qualquer uma das demais razões que a lei atualmente consagra, designadamente por não ser possível encontrar bens ou porque os encontrados não são suficientes para a satisfação do interesse do credor (artigos 797.º e 750.º, n.º 2, do CPC), podendo a instância executiva ser posteriormente renovada caso venham a ser encontrados e indicados bens penhoráveis que possam satisfazer integral ou parcialmente o referido desiderato (artigos 850.º, n.º 5 e 849.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do CPC), então não se vê como se preenche o pressuposto da inutilidade superveniente da lide quanto aos embargos que pretendem precisamente definir se o direito representado no título existe ou se existe com a extensão que lhe foi atribuída pelo credor.
De facto, “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.”
Ora, no caso concreto, os executados deduziram oposição à execução mediante embargos, alegando a extinção da hipoteca e a existência de um crédito sobre a exequente superior à quantia exequenda, pedindo a compensação de créditos e extinção da execução.
Todavia, a execução foi considerada extinta nos termos do art.º 849.º/1, al. e) do C. P. Civil, a qual remete para o n.º4 do art.º 794.º, que prevê que “ A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º5 do art.º 850.º”, ou seja, sem prejuízo da renovação da execução, o que só por si evidencia não ser inútil a discussão e decisão de mérito a proferir nos embargos, com vista a decidir definitivamente a extinção da execução.
Concluindo, porque os executados deduziram atempadamente oposição à execução mediante embargos, alegando factos modificativos e extintivos da obrigação exequenda, a extinção da execução por causa estranha ao pagamento, não prejudicando a sua posterior renovação nos termos do art.º 850.º do C. P. Civil, não pode conduzir à sua inutilidade superveniente.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
Tendo os executados deduzido atempadamente oposição à execução mediante embargos, alegando factos modificativos e extintivos da obrigação exequenda, execução que foi considerada extinta, sem prejuízo da sua renovação, nos termos do art.º 849.º/1, al. e) do C. P. Civil, não se pode considerar a inutilidade superveniente dos embargos.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, determinando o prosseguimento dos autos.
Sem custas por a elas não ter dado causa os recorrentes.

Évora, 2017/02/23
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro