Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2/13.7GCBJA.E1
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
CATEGORIA DE VEÍCULO
NECESSIDADE
DIREITO AO TRABALHO
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I- O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é um crime de perigo abstracto.
II- Os perigos que essa condução potencia não resultam da natureza e/ou categoria do veículo, mas antes do estado de influenciado pelo álcool de quem assim conduz.
III- A proibição de conduzir não pode limitar-se a uma determinada categoria de veículo com motor, devendo abarcar indistintamente quaisquer veículos.
IV- O legislador, ao consagrar no n.º 2 do art. 69.º do Código Penal que a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, quer significar que a proibição pode abarcar outras categorias de veículos diferentes daquele a que pertence o veículo ligado à infracção, e não que o julgador pode restringir a proibição a uma determinada categoria de veículo.
V- Se a perigosidade da condução é a razão de ser da proibição, a esta é alheio o tipo de veículo que se conduz, por ela respeitar à pessoa do condenado e poder verificar-se na condução de qualquer veículo.
VI- Se a inibição de conduzir imposta pela prática de contra-ordenação grave ou muito grave abrange todos os veículos a motor (art. 147.º, n.º 2 do Código da Estrada), seria incongruente e incompreensível possibilitar a exclusão da proibição de conduzir a determinada categoria de veículo no caso da infracção constituir crime.
VII- A circunstância de à aplicação da pena principal (prisão ou multa) acrescer sempre a pena acessória de proibição de conduzir, não colide com a proibição constitucional do nº 4 do art. 30.º da Lei Fundamental.
VIII- A necessidade de conduzir para exercer a actividade profissional não constitui fundamento habilitante para deferir pretensão de vir a ser a proibição excepcionada, pois tal neutralizaria as finalidades preventivas da pena acessória.
IX- A aplicação da proibição de conduzir não posterga o direito ao trabalho, constitucionalmente consagrado, apenas o constrangendo na medida da limitação decorrente da condução em estado de embriaguez, que é necessária e está justificada para salvaguarda de outros bens ou interesses, também constitucionalmente protegidos, como sejam a vida e segurança dos utentes das estradas.
Decisão Texto Integral:
Proc.nº2/13.7GCBJA.E1

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Decisão recorrida.

No processo abreviado nº2/13.7GCBJA, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o arguido A, devidamente identificado nos autos, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento perante tribunal singular, vindo por sentença de 19 de Abril de 2013, a ser condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pp. pelas disposições conjugadas dos arts.292º nº1 e 69º nº1 al.a), do Código Penal, na pena de dez (10) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um (1) ano, acompanhada de regime de prova e subordinado à obrigação da frequência periódica de consultas de alcoologia para despiste de consumo excessivo de bebidas alcoólicas e de tratamento médico enquanto for necessário em face do que resultar das consultas médicas e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período doze (12) meses.

Recurso.

Inconformado com esta decisão dela o arguido interpôs o presente recurso restrito à matéria de direito, pugnando para que a pena acessória de proibição de conduzir seja eventualmente reduzida e não abranja a proibição de conduzir os veículos com motor da categoria C e C1 afectos ao exercício da sua profissão, nos dias úteis (de 2ª a 6ª feira) e durante o horário de trabalho e abranja unicamente todos os veículos com motor mas apenas durante os sábados domingos e feriados, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
A) O Tribunal a quo, na determinação da medida da pena considerou erradamente como facto/circunstancias “…que depõem contra o arguido…..as consequências graves da sua conduta, por o mesmo ter sido interveniente em acidente de viação,…” Contudo, tal facto não resultou da prova produzida, nem poderia resultar, uma vez que o arguido em toda a sua vida de condutor nunca se envolveu em qualquer acidente de viação e, em concreto, na data, hora e local da prática do facto ilícito em apreço também o não foi.
B) Consequentemente se, tal facto contribuiu para agravar a medida da pena a aplicar ao arguido, designadamente no que respeita à medida da sanção acessória de inibição de conduzir, tal pena deverá ser atenuada na medida em que erradamente foi agravada.
C) De acordo com o disposto no art.º 71.º,n.º1 do C.P., a determinação da medida da pena, é feita em função do agente e das exigências de prevenção, devendo ser ainda ponderado as circunstancias elencadas nas várias alíneas do nº2, daquele normativo.
D) Não obstante a taxa de alcoolemia e antecedentes apresentados pelo arguido, o perigo resultante dos seus actos ficou confinado ao perigo abstracto.
E) A aplicação de sanção está indissoluvelmente ligada ao facto praticado e á culpa do agente.
F) In casu, temos como pacificas as dúvidas explanadas na douta sentença, relativas ao comportamento e antecedentes do arguido e que levaram à não aplicação de pena mais benévola.
G) Contudo, tais comportamentos são, com certeza fruto de problema associado com o consumo abusivo do álcool, ainda que fora do horário de trabalho.
H) Por isso e pelo que se dirá a seguir, os antecedentes criminais do arguido, ainda que necessariamente relevantes, deverão ser desvalorados, atento a postura do arguido em julgamento e a sua predisposição.
I) Com efeito, este comportamento, eventualmente patológico, foi assumido pelo arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, de livre e espontânea vontade, revelando a sua disponibilidade e vontade para a submissão a exames de despiste de alcoolismo, assim como para a frequência de consultas na especialidade, no sentido de confinar tal patologia.
J) A pena, latu sensu, tem na sua base exigências de prevenção, mas é dominada pelo princípio da proporcionalidade, consignado no art.º 71.º do C.P.P.
K) Pese embora na sentença em crise se afirmar que “ …não se mostram postergados os princípios da necessidade ou da proporcionalidade, nem violado o direito constitucional do direito ao trabalho…” indicando como sustentação dessa afirmação vários Acordãos do Tribunal Constitucional, não poderemos de deixar de reparar que todos esses Acordãos datam uns de 1995 e outros de 1997…
L) Ora, em 2013, quase vinte anos volvidos os tempos são outros, exigindo-se necessariamente da Justiça que, ao aplicar o direito, nunca perca de vista a actualidade, quer seja ela, social, económico/financeira. Realidade que, na aplicação do Direito Penal determinará, garantidamente, o sucesso ou insucesso, a facilidade / dificuldade ou impossibilidade de Inserção do Individuo.
M) Nos anos 90, um motorista que ficasse, por qualquer razão impossibilitado de conduzir e por isso desempregado, sempre poderia tentar a sua sorte em qualquer outro trabalho. Hoje tal sorte não bafeja nem os motoristas, nem os indiferenciados, nem sequer aos licenciados.
N) O Tribunal a quo através das declarações do arguido e do depoimento da testemunha B, chefe do arguido, ficou a conhecer as funções desempenhadas pelo arguido e o seu destino, no momento em que fique legalmente impedido de conduzir – o desemprego imediato.
O) Resultou igualmente do depoimento do arguido e da sua chefe que, o ilícito praticado ocorreu em dia que o arguido não trabalhava, já que enquanto trabalha jamais consumiu ou consumirá bebidas alcoólicas
P) Acresce ainda que o ora recorrente não foi, em qualquer das condenações já sofridas, interveniente em acidente de viação.
Q) Encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente.
R) A pena acessória em que o arguido foi condenado, atento ao sobredito, acarreta para o arguido uma sanção excessiva, pois a condição de desmpregado nos nossos dias poderá ser irreversível por demasiado tempo. Tempo que os pais do arguido não poderão esperar, que a sua filha menor não poderá suportar…
S) A condenação do arguido na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 12 meses poderá inverter definitivamente a sua condição de inserção profissional e assim, familiar e social.
T) A pena /sanção visa tão só prevenir a perigosidade do agente e encontra-se indissoluvelmente ligada ao facto praticado e á culpa do arguido.
U) A perigosidade que a pena/sanção visa prevenir está intimamente conexionada com o perigo que subjaz ao próprio facto ilícito típico de que depende a sua aplicação e à sua gravidade.
V) No caso presente, o perigo ficou confinado ao perigo abstracto.
W) A aplicação ao arguido de pena acessória de doze meses, afigura-se-nos, pois, excessiva e desmesurada, injusta e perigosa quer geral, quer especialmente para o Individuo arguido.
X) Na verdade, a ameaça da pena de prisão consignada na pena aplicada já é suficiente para afastar o arguido da reincidência.
Y) As necessidades de prevenção geral e especial, no caso em apreço, ficarão suficientemente garantidas com a pena de prisão efectivamente aplicada – 10 meses - suspensa na sua execução por um ano e nas condições de regime de prova determinadas e ainda com a condenação do arguido na pena acessória de inibição de condução de todos os veículos com motor durante os sábados, domingos e feriados, bem como todos os veículos com motor, excepto os de categoria C e C1, afectos ao exercício da sua profissão, durante os dias úteis ( de segunda a sexta ) e apenas durante o horário de trabalho.
Z) Ao decidir-se como se decidiu Mma. Juíza interpretou erroneamente os comandos legais constantes no art.º e 71.º, n.º 1.º e 2.º do C.P.
Contra-motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida e a sua manutenção, concluindo nos seguintes termos:
1º - Inconformado com a douta sentença que o condenou pela prática de um crime de Condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º, n.º 1 e art.º 69º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, veio o arguido dela interpor recurso por considerar que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 12 meses que lhe foi aplicada foi excessiva na sua medida.
2º - Requer, a final, que seja revogada a douta sentença proferida e ao arguido ser aplicada uma pena acessória a cumprir aos sábados, domingos e feriados permitindo-lhe a condução de veículos de categoria C e C1 afectos ao exercício da sua profissão durante os dias úteis.
3º - O crime de Condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º do Código Penal é punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias e de acordo com o disposto no art.º 69º, n.º 1, alínea a) com a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos.
4º - Definindo o que se entende por “finalidades da punição”, estatui o art.º 40º do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.
5º - Por sua vez o art.º 71º do Código Penal dispõe que na determinação da medida concreta da pena, principal ou acessória, deve atender-se a todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele. A favor do arguido apenas militava o facto de ter confessado os factos praticados, o arrependimento demonstrado e a intenção manifestada de se submeter a tratamento de alcoolismo.
6º - Contra o arguido foram sopesados os seus antecedentes criminais – três condenações anteriores pela prática do mesmo tipo de crime - a elevada taxa de alcoolemia, 1,77 g/l, muito acima do mínimo de 1,20 g/l a partir do qual a conduta é punida a título de crime.
7º - Tomando em consideração que o mínimo de três meses da medida abstracta da pena acessória será de aplicar a condutores que apresentem, numa primeira condenação, uma TAS muito próxima do mínimo legal da punição, não nos merece qualquer censura que a um condutor com uma TAS perto dos 2 g/l seja aplicada numa quarta condenação uma sanção acessória de 12 meses. Não nos esqueçamos que o meio da pena acessória abstractamente aplicável se situa em um ano e seis meses.
8º - Por outro lado, foram ponderadas, a nosso ver bem, as cada vez mais elevadas necessidades de prevenção geral deste tipo de crime, cada vez mais praticado e cada vez com consequências mais gravosas na sinistralidade rodoviária, pois todos os dias são julgados em processo sumário nos tribunais portugueses inúmeros condutores detectados a conduzir sob influência do álcool, para além dos inúmeros julgamentos sob outras formas de processo. Além disso e como é do conhecimento de quem julga este tipo de crime nos tribunais portugueses, a sanção acessória tem um efeito dissuasor deste tipo de crime muito superior ao efeito da própria pena principal.
9º - Os bens jurídicos protegidos por este tipo legal de crime de Condução em estado de embriaguez são a segurança rodoviária e a vida e a integridade física de todos os utentes das vias rodoviárias e dúvidas não restam que se impunha a protecção dos bens jurídicos pelos quais o arguido não demonstrou qualquer respeito ao violar a norma penal e a aplicação de uma pena principal e uma sanção acessória que o afastem definitivamente da prática de novos ilícitos da mesma natureza.
10º - Está hoje consolidado na jurisprudência e na doutrina que para a proibição de conduzir não existe qualquer excepção ao regime previsto na lei, não sendo possível excepcionar o cumprimento em certos dias e/ou horas pois da conjugação dos artigos 69.º, n.º 3 do Código Penal e 500.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, resulta a ideia da continuidade do tempo de proibição, sem qualquer interrupção temporal. A contagem do tempo de proibição de conduzir fixado na sentença uma vez iniciado corre ininterruptamente até ao seu termo, não permitindo a lei o seu cumprimento em períodos intermitentes, nomeadamente em fins de semana ou em período a determinar pelo tribunal tendo em conta as conveniências do arguido.
11º - O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir fora do horário de trabalho conforme requerido pelo arguido traduziria uma violação do princípio da legalidade.
Nesta Instância o Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e proficiente parecer no sentido também de que a pena acessória de proibição de conduzir não pode ser limitada a determinada categoria de veículos e a determinados dias, concluindo pela improcedência do recurso com a consequente confirmação da sentença impugnada.
Observado o disposto no nº2 do art.417º do CPP não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

Na sentença recorrida foi dada como provada a seguinte factualidade:
«l. No dia 12 de Janeiro de 2013, pelas 21h38m, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula (…), na Rua Bento de Jesus Caraça, sita em Neves, nesta comarca, sob a influência de uma taxa de álcool no sangue 1,77 gramas por litro.
2. O arguido sabia que conduzia um automóvel na via pública sob a influência de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gramas por litro, o que considerou possível e aceitou.
3. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida e punível por lei.
4. O arguido foi condenado por sentença de 14.09.2007, que correu termos sob o nº 483/07.8PBBJA do 1 º Juízo Judicial de Beja, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €10,00 e na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 04meses.
5. O arguido foi condenado por sentença de 08.09.2008, que correu termos sob o nº 259/08.5 GTBJA do 2º Juízo Judicial de Beja, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 06meses.
6. O arguido foi condenado por sentença de 13.12.2010, que correu termos sob o nº 110/10.6 GTBJA do 1º Juízo Judicial de Beja, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 05 meses de prisão, substituída por 1l0dias de multa, à taxa diária de €5,50 e na pena acessória de proibição de conduzir, pelo período de 06 meses.
7. O arguido é titular de carta de condução, categoria B e B1, desde 28.04.2000, e categorias C e C1, desde 03.05.2012.
8. O arguido é motorista, auferindo cerca de € 800,00.
9. Vive com os pais, que se encontram reformados.
10. Residem em casa própria.
11. Entrega a seus pais a quantia de €200,00 para as despesas mensais.
12. Tem um filho com 11 anos de idade, entregando mensalmente a quantia de €120,00 devido a título de prestação de alimentos.
13. O arguido tem, como habilitações literárias, o 6º ano.
Foi consignado que da produção da prova e discussão da causa, não resultaram factos não provados, com interesse para a decisão da causa.
O tribunal recorrido procedeu à subsunção legal da factualidade supra descrita, à escolha da espécie e determinação da medida da pena da seguinte forma:
1. Enquadramento jurídico-penal:
Enunciada a matéria de facto provada, cumpre enquadrá-la juridicamente.
O arguido vem acusado da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, sendo punido "quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l”.
Para efeitos do disposto no Código Penal, via pública consiste na comunicação terrestre afecta ao trânsito público (cfr. artigo 1º, al. v), do Código da Estrada).
Da conjugação sistemática destas normas resulta que o bem jurídico protegido é a segurança da circulação rodoviária, de natureza supra-individual, e outros bens jurídicos relativos à segurança das pessoas, ainda que indirectamente.
Trata-se de um crime de perigo abstracto, não sendo necessário que, em consequência da conduta do agente, se verifique o resultado que se pretende acautelar, bastando que se adopte o comportamento descrito no respectivo tipo legal, ou seja, a condução com taxa de alcoolemia superior àquela. Não se torna, por isso, necessário que se verifique uma ameaça real ou um dano efectivo para a segurança rodoviária; pelo contrário, a lei presume jures et de jure, independentemente da ocorrência de qualquer modificação objectiva no mundo exterior.
Ora, é o que sucede no caso sub judice. Vejamos.
O tipo objectivo deste crime preenche-se com a condução de veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,20 g/l.
Dos factos provados resulta que o arguido conduziu um veículo, na via pública, sendo que, ao ser submetido ao teste de despistagem de álcool no sangue, o mesmo acusou uma taxa de 1,77 g/l.
Por sua vez, no que ao tipo subjectivo concerne, este crime pode ser cometido com dolo ou negligência (artigo 13º do Código Penal). No que concerne o dolo, o mesmo é constituído pelo elemento intelectual, ou seja, o conhecimento dos elementos objectivos integradores do tipo ilícito, e pelo elemento volitivo, isto é, a vontade para um determinado comportamento, encontrando-se dividido em três modalidades: directo, necessário e eventual (cfr. artigo 14º do mesmo diploma). Relativamente à negligência, esta verifica-se sempre que o agente actua com omissão dos deveres de cuidado a que se encontra obrigado, segundo as circunstâncias, os seus conhecimentos e capacidades pessoais, podendo revestir, por sua vez, duas modalidades: consciente e inconsciente (cfr. artigo 15º daquele diploma legal).
Ora, face à globalidade dos factos provados, o arguido actuou com dolo eventual (artigo 14º, nº 1, do Código Penal).
Destarte, estão verificados os elementos objectivo e subjectivo do crime que lhe é imputado.
Não existem, in casu, causas de justificação ou de exclusão da culpa.
Assim, dúvidas não existem de que o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal.
2. Escolha e medida da pena:
Estabelecida a responsabilidade criminal do arguido, com o respectivo enquadramento jurídico-penal da sua conduta delituosa, cumpre, ora, dar resposta punitiva adequada, com a determinação da natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão de um mês a um ano ou pena de multa de 10 a 120 dias (artigos 41º, nº 1, e 47º, nº 1, ambos daquele diploma legal).
Acresce ainda que quem for punido por este ilícito, é igualmente condenado na proibição de conduzir veículos com motor, podendo abranger qualquer categoria, por um período fixado entre três meses a três anos- cfr. artigo 69º, nº 1, al. a), e nº 2, do Código Penal.
Na escolha da pena, devem considerar-se as finalidades das penas, nomeadamente a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º , nº 1 e 2 do Código Penal). Importa ainda salientar que, aplicando-se, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, como sucede ín casu, deve dar-se preferência a esta, desde que realize de forma adequada e suficiente as finalidades supra referidas (artigo 702, n21 do mesmo diploma legal).
Assim, por um lado, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir na sociedade, são acentuadas, já que o nosso país revela índices muito elevados de sinistralidade e falta de segurança rodoviárias, em consequência da atitude temerária com que a maioria dos cidadãos enfrenta a estrada. As consequências tornam-se, inevitavelmente, desastrosas em termos de perigosidade para todos os utentes das vias, traduzindo não raras vezes em perda de vidas humanas e sequelas incapacitantes, tornando-se causa de grande preocupação para a comunidade, pelos efeitos sociais e económicos daí resultantes. Assim, torna-se cada vez mais necessário consciencializar os condutores de que se beberem não devem conduzir, ou, se conduzirem, não devem beber, face às consequências daí advenientes para a segurança dos restantes utentes da via.
Por outro lado, as exigências de prevenção especial são elevadas, já que, não obstante encontrar-se pessoal e profissionalmente inserido, o arguido conta com antecedentes criminais, por ilícitos de idêntica natureza ao dos autos, manifestando comportamentos contrários ao dever-ser jurídico.
Tudo ponderado, o Tribunal entende que a preferência de princípio, concedida pelo Código à pena pecuniária, não se justifica no caso concreto, considerando as condenações do arguido em pena de multa, não tendo esta sido suficiente para o afastar da prática de novos crimes. Com efeito, o arguido revela uma insensibilidade à pena de multa, que demonstra ser inadequada para que o mesmo mantenha uma conduta de acordo com o Direito. Torna-se, deste modo, manifesto que a pena de multa não é apta a ressocializar o arguido.
Seguidamente, cumpre determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, que se encontra em função das exigências de prevenção geral e da culpa, que definirão os limites mínimo e máximo, respectivamente, sendo assim criada a moldura dentro da qual se hão-de fazer sentir as exigências de prevenção especial ou de ressocíalízação, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, possam ser consideradas contra ou a seu favor, nos termos do disposto nos nº 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal.
Assim, o Tribunal considera que depõem contra o arguido a ilicitude, que reputa como muito elevada, traduzida na insensibilidade do arguido à conduta devida, face à violação das regras estradais, as consequências graves da sua conduta, por o mesmo ter sido interveniente em acidente de viação, a taxa de alcoolemia com que o mesmo se apresentou a conduzir -1,77/l-, a intensidade do dolo, embora eventual.
Por outro lado, o Tribunal pondera a favor do arguido ter confessado os factos constantes da acusação pública, ter demonstrado arrependimento e manifestar o propósito de se submeter a tratamento médico de alcoologia.
Assim, sopesadas todas estas circunstâncias, o Tribunal entende que a conduta do arguido, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, deve ser censurada mediante a aplicação da pena de dez meses de prisão, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, pelo período de um ano nos termos do disposto no artigo 69º, nº J, al. a), ambos do Código Penal, que considera como adequada e suficiente.
Por sua vez, o nº 2 do artigo 69º do Código Penal dispõe que, cita-se: "a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria".
Salvo melhor opinião, daqui resulta, é nosso entendimento, e na esteira da jurisprudência maioritária (vide Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, datados de 04.07.2006 e de 02.06.2009 e, também, do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18.01.2007), no caso de condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, a proibição prevista no artigo 69º do Código Penal abrange a condução de quaisquer veículos com motor e de qualquer categoria. O mesmo é afirmar que a proibição abarca todas as categorias de veículos com motor, sendo outras e diferentes daqueles a que pertence o veículo ligado aos factos praticados pelo agente, e não que o julgador pode restringir a proibição de conduzir a uma determinada categoria de veículo e muito menos a um determinado e concreto veículo.
É que os perigos da condução em estado de embriaguez não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado de influenciado pelo álcool de quem o conduz, por respeitar ao condutor, ora na qualidade de arguido, pelo que se poderá verificar na condução de qualquer veículo com motor.
Como referido por Figueiredo Dias, no seio da Comissão de revisão do Código Penal de 1982 (cfr. acta nº 8, datada de 29.05.1989), a pena acessória corporiza uma censura adicional pelo facto praticado, visando prevenir a perigosidade deste.
Finalmente, esta pena acessória resulta de uma imposição concretizada legal, tendo na fixação do período de proibição de conduzir sido ponderado, além do mais, a condição social, familiar e profissional do arguido, sendo essa pena indubitavelmente necessária e adequada à protecção do bem jurídico tutelado pela referida norma e à culpa do agente, pelo que não se mostram postergados os princípios da necessidade ou da proporcionalidade, nem violado o direito constitucional do direito ao trabalho - vide Acórdãos do Tribunal Constitucional, datados de 23.01.1997, publicado no DR - II Série, de 05.03.1997, e nº 234/95 e 237/95, de 16.05.1995, DR - II Série, de 06.07.1995, nº 53/97, de 23.01.1997, DR­II Série, de 05.03.1997, e nº 143/95, de 15.03.1995, DR- II Série, de 20.06.1995.
Aliás, a este propósito, como é mencionado no Acórdão do Tribunal Constitucional Nº 440/202, de 23.10.2002, com a proibição de conduzir imposta ao recorrente, não fica postergado o direito ao trabalho, mas tão só "constrangido" esse direito, sendo que o direito ao trabalho (sem restrições), não pode ser valorado em termos absolutos, e a limitação desse direito decorrente da proibição de conduzir em consequência da prática do crime de condução em estado de embriaguez, é necessário na medida em que o sacrifício parcial daí resultante não é arbitrário ou carente de justificação, estando justificada essa limitação, para salvaguarda de outros bens fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança e a vida das pessoas que circulam nas estradas, como é aqui o caso.
3. Da substituição da pena de prisão:
Considerando a aplicação de uma pena de prisão, ao Tribunal cumpre ponderar a aplicação de uma pena de substituição e fixação, finalmente, desta, se for caso disso.
O Código Penal não fornece um critério ou cláusula geral de escolha das penas de substituição - tanto assim que, como referem Leal-Henriques e Simas Santos (in Código Penal Anotado, P: 405), a propósito desta questão, "a Comissão de Revisão ( ... ) não chegou a definir um critério de preferência entre as penas de substituição: ficariam em situação de igualdade, menos, como foi ressalvado em Comissão, a prisão por dias livres e o regime de semidetenção, cabendo depois ao juiz optar por aquela que melhor se adeqúe aos objectivos de prevenção especial".
Concede-se, todavia, que as penas de substituição possam ser agrupadas em penas de substituição de carácter não institucional ou não detentivo, por serem cumpridas em liberdade (as penas de suspensão de execução da prisão, de multa de substituição, de prestação de trabalho a favor da comunidade) e penas de substituição de carácter institucional ou detentivo, por serem cumpridas intramuros (a prisão por dias livres e os regimes de semidetenção e de permanência na habitação), sendo dada preferência às primeiras sobre as segundas, por estas implicarem sempre a privação da liberdade do arguido.
Face à ausência de critério estabelecido na lei, na ponderação e fixação de uma pena de substituição, o tribunal deve aplicar a pena de substituição que melhor realiza as finalidades da punição (cfr. artigo 40º nº 1, do Código Penal), dando preferência a uma pena substitutiva não privativa da liberdade, considerando nomeadamente as circunstâncias da prevenção especial de ressocialização - neste Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 364 e 365, e Odete Maria de Oliveira, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, p. 73, edição do CEJ, ambos defendendo não existir, em abstracto, uma hierarquia legal de penas de substituição, devendo antes o Tribunal apurar, em concreto, entre as penas de substituição, a que melhor realiza as das exigências de prevenção especial de socialização que na hipótese se façam sentir e da forma mais adequada.
Finalmente, cumpre salientar que a aplicação de uma pena tem sempre de comportar algum sacrifício para o condenado, sob pena de não cumprir os objectivos com que é aplicada (artigo 40 º do Código Penal).
Ora, cotejadas, antes de mais, as penas de substituição de carácter não institucional ou não detentivo, verifica-se que a suspensão da execução da pena de prisão não superior a cinco anos, deve ser determinada em função das concretas necessidades de socialização, que se aferem a partir da personalidade e condições pessoais do arguido, características e gravidade do facto e duração da pena (cfr. artigo 50º, nº 1, do Código Penal).
O instituto da suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente a ideia de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão pode ser suficiente para a plena satisfação das necessidades da punição; ameaça cuja duração pode perdurar por mais ou menos tempo, que a lei fixa entre o mínimo de um ano e o máximo de cinco - artigo 50º, nº 5, do Código Penal. Assim, o mesmo é afirmar que quanto maior for a necessidade de socialização do arguido, mais longo deverá ser, obviamente, o período de suspensão.
Ponderadas todas as circunstâncias supra enumeradas, nomeadamente a postura assumida pelo arguido durante a audiência de discussão e julgamento, confessando integralmente e sem reservas os factos, ter demonstrado arrependimento e manifestar o propósito de se submeter a tratamento médico de alcoologia, o Tribunal compõe, no caso concreto, um juízo de prognose favorável, afigurando-se que a simples censura do facto e a ameaça da prisão ao arguido realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual entende que só o instituto da suspensão da execução de pena de prisão satisfaz as necessidades da punição, por esta se traduzir numa condenação condicional (artigo 50º, nº 1, do Código Penal).
Termos em que a execução da pena de prisão deve ser suspensa pelo período de doze meses (cfr. artigo 50º, nº 5, do Código Penal). O artigo 50º, nº 2 e 3, do Código Penal prevê a possibilidade de o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a execução da pena de prisão suspensa, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
Por sua vez, o artigo 53º, nº 1, do Código Penal dispõe que o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, devendo assentar "num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social”- cfr. nº 2 da mesma disposição legal - a desenvolver nos termos do disposto no artigo 54º do mesmo diploma legal.
Assim, o Tribunal entende conveniente e adequado à reintegração do arguido na comunidade, que a referida suspensão seja acompanhada de regime de prova, devendo o plano que vier a ser formulado, apresentar-se vocacionado para a reeducação do arguido e interiorização, por este de modelos comportamentais mais conformes com o direito.
Acresce, in casu, atento o tipo de criminalidade em causa, bem como as finalidades da punição e com o intuito de consciencializar o arguido, o Tribunal entende que a suspensão da pena deve ficar sujeita à regra de conduta de frequência periódica de consultas de alcoologia para despiste de consumo excessivo de bebidas alcoólicas e de tratamento médico, caso este se mostrar necessário e enquanto o for, em face do que resultar das consultas médicas - artigo 52º, nº 1 e 3, do Código Penal.».

Apreciando.

Poderes de cognição deste tribunal. Objecto do recurso. Questões a examinar.

Os poderes cognitivos deste Tribunal conformam-se à revisão da matéria de direito, quer por que também não se alega nem ex officio se vislumbra qualquer dos vícios elencados no nº2 do art.410º, do CPP, quer por que o recorrente também centra a sua dissidência relativamente ao julgado em matéria de direito, assim demarcando o objecto do recurso (art.412º, nº1, do CPP).
Nestes termos, e tendo em consideração que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação, as questões a examinar que delas emergem e que aqui reclamam solução, sem prejuízo de outras de conhecimento oficioso, consistem em saber:
- Se a pena acessória é excessiva e desproporcionada e se deve ser reduzida;
- Se a pena acessória de proibição de conduzir pode ser restringida a determinada categoria de veículos, excluindo-se dela, como preconizado pelo recorrente, os veículos de determinada categoria alegadamente por si utilizado na sua actividade profissional e se a execução dessa pena pode ser suspensa ou interrompida no período laboral.
Examinemos a 1ª questão enunciada.
Estando assente (até por não ser objecto do recurso) que a materialidade apurada consubstancia a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pp. pelo art. 292º nº1, do C. Penal, que é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias e com a pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses a 3 anos (art.69º nº1 al.a), do C. Penal), examinemos a primeira questão objecto deste recurso atrás enunciada, que consiste em saber se a pena acessória aplicada ao arguido/recorrente é excessiva e desproporcionada e se por isso deve ser reduzida como ele preconiza.
Antes do mais impõe-se salientar que já depois de proferida a sentença recorrida, entraram em vigor (em 1-1-2014) as alterações ao Código da Estrada introduzidas pela Lei nº72/2013 de 3 de Setembro, passando a dispor o art.170º, nº1, al.b) que “Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar: (…) b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”.
Como é referido no acórdão desta Relação de 29-4-2014, proc. 158/13.2GFEVR.E1 relatado pelo Exmº Senhor Desembargador Sénio Alves, que subscrevemos como adjunto mau grado a norma em causa se referir, apenas, a contra-ordenações, certo é que inexiste fundamento sério para negar a sua aplicação a ilícitos penais, nomeadamente quando – como é o caso – a distinção entre uma e outra situação se faz por mero critério aritmético [1].
E porque assim é, dúvidas não existem de que em ilícitos ocorridos em momento posterior ao da entrada em vigor da nova redacção do artº 170º do Cod. Estrada, a necessidade de proceder à dedução do erro máximo admissível resulta de imposição legal, que há que respeitar, concorde-se com ou não com o acerto da mesma.
No que concerne aos ilícitos praticados anteriormente e ainda não cobertos por decisão transitada em julgado, a aplicação do novo regime impõe-se, de igual forma.
Assim, o artº 170º, nº 1, al. b) do novo Cod. Estrada, ao determinar a dedução do erro máximo admissível, tem como consequência, ao menos em abstracto, uma diminuição (ligeira que seja) do grau de ilicitude do facto, com eventual reflexo na medida concreta da pena.
E porque assim é, é de aplicação retroactiva, como o impõem o art. 2º, nº4, do C.Penal e o artº 29º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa [2].
Como tal o valor de 1,77 g/l acusado pelo aparelho Drager Alcootest 7110 MK III P há-de ser sujeito à dedução do erro máximo admissível, previsto na tabela constante da Portaria 1556/2007, de 10/12, pelo que depois de feita essa operação a TAS passa a ser de 1,63 g/l.
Assim, da parte final do ponto 1. da matéria de facto, onde consta 1,77/g/l passará a constar que a TAS é de 1,63 g/l” [3].
Posta esta correcção, e não enfermando a sentença de algum dos vícios enunciados no nº2 do art.410º do CPP tem-se por definitiva, a decisão proferida na 1ª Instância sobre a matéria de facto.


Prosseguindo.
Estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância, nos termos supramencionados, em circunstância alguma este Tribunal “ ad quem”poderá tomar em consideração factos ou circunstâncias que nela não se contenham, sendo que o contrário também é verdadeiro. Isto é, na determinação concreta da medida da pena o julgador só pode valorar factos e circunstâncias que constem da materialidade dada como provada.
Alega o recorrente que o tribunal recorrido em sede de fundamentação de direito e tendo por finalidade a determinação da medida da pena, o julgador invocou erradamente como depondo contra o arguido a circunstância de ter sido interveniente em acidente de viação, que não consta dos factos dados como provados.
E tem toda a razão.
Na verdade, esse facto não consta do rol dos que foram dados como provados na sentença recorrida e que atrás transcrevemos, pelo que não podia ter sido valorado, como foi, como circunstância agravativa.
Acresce dizer que em momento algum tal circunstância é sequer mencionada nos presentes autos, pelo que certamente a referência que é feita na fundamentação de direito da sentença recorrida a essa circunstância se deve a mero lapso.
Mas para além dessa circunstância que foi indevidamente sopesada em sede agravativa, há ainda a ponderar que taxa de alcoolemia (TAS) a considerar em sede de ilicitude do facto não é de 1,77g/l mas, como acima dissemos, uma outra ligeiramente inferior de 1,63 g/l.
Como é sobejamente sabido, na determinação concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor resultante da prática do crime pp. pelo art. 292º, nº1, do C. Penal, deverá, em princípio, atender-se aos mesmos critérios que regem para a pena principal, sendo, no entanto, mais sensível a certos valores, nomeadamente de prevenção geral que a pena principal não prosseguirá tão eficazmente. (Cfr. Acórdãos desta Relação, de 14/5/96, C.J. Ano XXI, tomo 3º, pp.286 e segs. e de 29/5/2001, C.J., Ano XXVI, tomo 3º, pp.285).
Trata-se de uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do art.71º, do Código Penal.
A duração da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objectivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas (cfr. Ac. Rel. Porto, de 20/9/95, C.J., Ano XX, Tomo 4º, pp229 231).
Neste âmbito, importa sublinhar que o legislador vem manifestando com alguma veemência a sua preocupação com o aumento da sinistralidade rodoviária decorrente do consumo abusivo de álcool, seja na evolução legislativa de tendência agravativa (vide Lei nº 77/2001, de 13de Julho, seja, expressamente, no preâmbulo do Dec. Lei 124/90, de 14 de Abril).
É consabida a eficácia preventiva da pena acessória em causa.
Como assinalava, já em 1993, o Prof. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, pp. 164/165, enfatizando a necessidade e a urgência de que o sistema sancionatório português passasse a dispor de uma verdadeira pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, em termos de direito penal geral e não somente de direito penal da circulação rodoviária, «…à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano».
Trata-se de um censura adicional pelo facto cometido pelo agente, censura essa que visa prevenir a perigosidade deste, embora lhe seja assinalado também um efeito de prevenção geral, de intimidação.
Como já atrás deixámos expresso e constitui jurisprudência unânime, a determinação da medida concreta da pena opera-se mediante o recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º, do C. Penal.
Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (ou de determinação concreta da pena). – Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime”, pag.274.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.
Se é certo que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa (art.40º nº2, do C. Penal), “ a medida da pena há-de primordialmente ser dada pela medida da necessidade da tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. Aqui a protecção dos bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção ou mesmo reforço da vigência da norma infringida. Até ao máximo conseguido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos que deve determinar a medida da pena –F. Dias, Ob. Cit.pag. 227.
Estão aqui em causa exigências de prevenção geral positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida. Estas exigências não permitem que a pena baixe do quantum indispensável para que se não ponha irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e, por essa via, o sentimento de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Ob.cit.pag.242 e ss.
Nos crimes de perigo abstracto, como é caso de que aqui nos ocupamos, o que fundamenta a incriminação é o desvalor do cuidado de perigo, independentemente da existência de um concreto e identificável bem jurídico (Cfr. José Faria Costa, O Perigo em Direito Penal; Coimbra Editora, 1994, pag.634).
Como salienta o Prof. Germano Marques da Silva, “Crimes Rodoviários”, pag.14 «no crime de perigo abstracto é a própria acção que é em si mesma considerada perigosa, segundo a experiência comum aceite pelo legislador».
Revertendo ao caso em apreciação, estando nos termos supra descritos, definitivamente fixada a matéria de facto, só a esta nos podemos ater, pelo que não podem ser consideradas circunstâncias e factos que nela não se contenham.
Como é sabido, a sinistralidade rodoviária entre nós assume proporções preocupantes, sendo a condução em estado de embriaguez uma das suas causas, pelo que é premente a necessidade de por cobro a comportamentos do tipo assumido pelo recorrente (prevenção geral), comportamento esse que é merecedor de um juízo de censura acentuado, na medida em que se dispôs, voluntária e conscientemente a conduzir veículo automóvel em condições que sabia proibidas e punidas por lei, desconsiderando e postergando os perigos daí decorrentes para si e para terceiros (agindo com dolo eventual).
A taxa de alcoolemia de que o arguido era portador (TAS 1,63g/l) é reveladora de um estado de embriaguez acentuado, sendo por isso também acentuado o grau de ilicitude do facto.
As exigências de prevenção especial também se fazem aqui sentir, dadas as três condenações anteriores sofridas pelo recorrente e pelo mesmo tipo de crime, que não serviram para o dissuadir de voltar a adoptar idêntica conduta, evidenciando um comportamento desadequado à circulação rodoviária.
Deverá também ser ponderado na apurada condição social, familiar e profissional do recorrente e na circunstância de ter confessado os factos, pese embora a confissão aqui tenha um reduzido valor atenuativo dada a situação de flagrante delito, mas ainda assim dela não nos podemos alhear já que de alguma forma configura a manifestação da assunção do erro de seu procedimento.
Estando o arguido inserido familiar, social e profissionalmente, e tendo também em conta que era portador de uma taxa de álcool - de uma TAS de 1,63 g/l, o que patenteia um grau acentuado de ilicitude e tendo perfeito conhecimento do estado em que se encontrava e da proibição legal de conduzir nessas condições que, repetimos, não o inibiram de desconsiderar e postergar os perigos daí decorrentes para si e para terceiros, e sopesando ainda que o arguido já sofreu anteriormente três condenações pela prática de crimes desta natureza, que não foram suficientes para o dissuadir de voltar a adoptar idêntica conduta, ainda assim, a proibição de conduzir pelo período de 12 meses, afigura-se-nos algo excessiva, julgando mais ajustada e proporcionada às circunstâncias apuradas e atrás mencionadas a pena acessória de proibição de conduzir pelo período dez meses.
Neste aspecto, merece provimento o recurso.
2ª Questão:
Examinemos então se a pena acessória de proibição de conduzir pode ser restringida a determinada categoria de veículos e se a execução dessa pena pode ser suspensa ou interrompida no período laboral.
Vejamos.
A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados foi introduzida no C. Penal com a revisão operada pelo DL nº48/95 de 15 de Março, dispondo então o art.69º, nº1 que «é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 1 mês e 1 ano quem for punido:
a) Por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; ou
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.
Acrescentava o nº2 que a «proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículo motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada».
Após a redacção introduzida pela Lei nº77/2001 de 13 de Julho, em vigor desde o dia 18 desse mês, passou a dispor-se:
«É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291º ou 292º; (com a alteração introduzida pela Lei nº19/2013 de 21-2 passou a prever e incluir também os casos de condenação por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário);
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante;
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo».
Por sua vez o nº2 do citado preceito foi alterado, passando a ter a seguinte redacção:
«A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria».
A eliminação do segmento ou de uma categoria determinada”, operada pela Lei nº77/2001, não introduziu qualquer alteração de fundo. Tal deve-se à desnecessidade dessa expressão continuar no texto da lei, pois que a mesma já estava prevista na proposição que a antecedia.
Salvo melhor opinião, na esteira da jurisprudência que julgamos que tem vindo a fazer vencimento e que já sufragámos noutras ocasiões (v.g. acórdãos desta Relação de 4-7-2006, de 2-6-2009 e de 11-3-2010 proferidos nos proc.nº1095/06-1, nº315/06.4GBODM.E1 e nº528/09.7PBEVR.E1 e da Relação de Lisboa de 18-1-2007, proc.nº9093/06-9, de que fomos relator, que mantemos, pois não vislumbramos argumentos novos que nos façam alterar aquela posição, no caso de condenação pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, pp. pelo art.292º, nº1 do C. Penal, entendemos que o legislador ao consagrar que a proibição pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, quer significar que a proibição pode abarcar outras categorias de veículos com motor diferentes daqueles a que pertence o veículo ligado à infracção e não que o julgador pode restringir a proibição de conduzir a uma determinada categoria de veículo e muito menos a um determinado e concreto veículo.
Assim, na lógica desta interpretação, que reputamos a que melhor se afeiçoa aos elementos a ter em consideração de acordo com o estatuído no art.9º do C. Civil, nenhuma categoria de veículo com motor está excluída da possibilidade de proibição de conduzir.
Com efeito, como é sabido, o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art.292º é, como já dissemos, um crime de perigo abstracto, uma vez que ali o perigo surge como mero motivo da incriminação, renunciando o legislador a concebê-lo como resultado da acção. O perigo é, pois, aqui requisito explícito da fattispecie incriminadora, limitando-se o legislador a tipificar uma conduta, a qual a verificar-se preenche, sem mais, o respectivo crime.
Na verdade, os perigos que a condução em estado de embriaguez potencia, não resultam da natureza do veículo, mas antes do estado de influenciado pelo álcool de quem o conduz.
Por isso, a proibição de conduzir, quando tem como fundamento a condenação pelo crime do art°292° do C.P, não pode limitar-se a uma categoria de veículos com motor, devendo antes abarcar quaisquer categorias desses veículos, desde que destinados a circular nas vias públicas ou equiparadas.
Efectivamente, se a perigosidade da condução, que é a razão de ser da proibição, é alheia ao tipo de veículo que se conduz, por respeitar à pessoa do condenado, ela poderá verificar-se na condução de qualquer veículo com motor.
A possibilidade de a proibição de conduzir abranger apenas uma determinada categoria de veículos com motor ou um determinado e concreto veículo, não está prevista para casos em que aquele é o fundamento da proibição.
Na verdade, é inquestionável que a condução de veículos em estado de embriaguez constitui por si só uma grave violação das regras que regem a condução rodoviária, e um perigo para a segurança rodoviária, justificando a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir.
Se esta visa prevenir a perigosidade que está imanente na própria norma incriminatória, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente, quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena. Só através da proibição (efectiva) da condução tal é alcançável, o que é incompatível com a excepção a essa medida preconizada pelo recorrente.
Ora, as penas acessórias, muito embora sejam sanções dependentes da aplicação de uma pena principal, uma vez que esta é condição necessária daquela, não decorrem directa e imediatamente da aplicação desta, no sentido de que não são seu efeito automático (art.65º nº1, do C. Penal).
A pena acessória decorre, isso sim, da prática de certos crimes a que a lei faz corresponder a proibição do exercício de determinados direitos e profissões (art.65º nº2, do C. Penal).
Como doutamente referiu o Prof. Figueiredo Dias, com a autoridade que neste domínio lhe é sobejamente conhecida, no seio da Comissão de revisão do Código Penal de 1982 (cfr.acta nº8, de 29/5/1989), a pena acessória corporiza uma censura adicional pelo facto praticado, visando prevenir a perigosidade deste.
A perigosidade que a pena acessória visa prevenir está intimamente conexionada com o perigo que subjaz ao próprio facto ilícito típico de que depende a sua aplicação.
Acresce que estando o arguido obrigado a entregar a sua carta de condução no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença (art.500º, nº2 do CPP), devendo ficar retida durante o período de vigência da pena acessória, nessa situação, o arguido não poderia fazer-se acompanhar dela no exercício da condução dos veículos por si utilizados na sua actividade profissional e se, por outro lado, permanecesse com a disponibilidade da carta, tal inviabilizaria o cumprimento da referida pena fora da sua actividade profissional de quaisquer tipo de veículos.
Assim, não se vislumbra como seja possível compatibilizar a execução efectiva da pena acessória, segundo a modalidade proposta pelo recorrente, com aquela obrigação.
Quanto aos custos de ordem profissional que advém para o arguido da proibição de conduzir veículos com motor, são os próprios da pena em causa, não sendo o critério da necessidade da carta relevante para o não cumprimento da pena acessória ou para o estabelecimento de excepções, como as pretendidas pelo recorrente.
Importa ainda sublinhar que a inibição de conduzir imposta pela prática de contra-ordenação grave e/ou muito grave abrange indistintamente todos os veículos a motor (art.147º, nº2 do C. Estrada), pelo que seria incompreensível e incongruente possibilitar-se a exclusão da proibição de conduzir a determinados veículos ou categoria de veículos no caso da infracção ser crime e isso já não ser possível quando a infracção constitua ilícito de mera ordenação social.
Há ainda a dizer que esta pena acessória resulta de uma decisão ponderada do tribunal, que a concretizou dentro dos parâmetros estabelecidos na lei, tendo na fixação do período de proibição de conduzir sido ponderado, além do mais, a condição social, familiar e profissional do recorrente, pena essa que naquela medida é necessária e adequada à protecção do bem jurídico tutelado pela referida norma e à culpa do agente, pelo que não se mostram postergados os princípios da necessidade ou da proporcionalidade, nem violado o direito constitucional do direito ao trabalho.
Aliás, a este propósito, em situações semelhantes, já o Tribunal Constitucional, teve oportunidade de esclarecer no acórdão de 23/01/1997, publicado no DR – II Série, de 5/3/1997, que “(…) a perda desse direito (de conduzir) é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do art.71º, do Código Penal. Poder-se-á, assim, dizer que o juiz não se limita a declarar a inibição como medida decorrente de forma automática da aplicação da pena, com mero fundamento na lei.
O que no art.30º, nº4 da Lei Fundamental se pretendeu proibir ao estipular-se que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos, é que em resultado de certas condenações penais, se produzissem automaticamente, pura e simplesmente ope legis, efeitos que envolvessem a perda de direitos civis, profissionais ou políticos. Mas não se pretendeu impedir que a sentença condenatória pudesse decretar essa perda de direitos em função de uma graduação da culpa feita casuisticamente.
Nestas circunstâncias e nos casos como o que aqui se aprecia, o facto de à aplicação da pena de prisão ou de multa ter sempre de acrescer a pena acessória de proibição de conduzir não colide com a proibição do nº4, do art.30º, da CRP.
Neste sentido podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs234/95 e 237/95, de 16/5/95, in DR- Série, de 6/7/1995; nº53/97, de 23/1/97, in DR – Série de 5/3/97; nº143/95, de 15/3/95, in DR- Série, de 20/6/95.
Acresce dizer que estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância nos termos supramencionados, em circunstância alguma este Tribunal poderia tomar em consideração factos ou circunstâncias que não se contenham naquela, como é o caso alegado pelo de recorrente de que a pena de proibição de conduzir acarretará o seu despedimento.
Em todo o caso sempre se dirá, que a imposição de tal pena acessória, não constitui violação do direito ao trabalho consagrado no art.58º da Lei Fundamental e o facto do arguido eventualmente necessitar de conduzir para poder desenvolver a sua actividade profissional, não constitui fundamento por si só, habilitante ao deferimento da pretensão do recorrente, no sentido de ser excepcionado da proibição de conduzir os veículos por si utilizados na sua actividade profissional, nos dias úteis e dentro do seu horário de trabalho pois, a adopção de uma tal benevolência, não só se mostra-se injustificada, como até se fosse adoptada acarretaria na prática a neutralização das finalidades (preventivas) da pena acessória reclamadas no caso concreto.
Na verdade, como é sublinhado no acórdão do Tribunal Constitucional nº440/202, de 23-10-2002, com a proibição de conduzir imposta ao recorrente, não fica postergado o direito ao trabalho, mas tão só «constrangido» esse direito, sendo que o direito ao trabalho (sem restrições), não pode ser valorado em termos absolutos, e a limitação desse direito decorrente da proibição de conduzir em consequência da prática do crime de condução em estado de embriaguez, é necessário na medida em que o sacrifício parcial daí resultante não é arbitrário ou carente de justificação, estando justificada essa limitação, para salvaguarda de outros bens fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, como seja a segurança e a vida das pessoas que circulam nas estradas, como é aqui o caso.
Aliás, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem de uma tal benevolência.
Se, como dissemos, a pena acessória de proibição de conduzir, visa prevenir a perigosidade que está imanente na própria norma incriminatória, que a justifica e impõe, sendo-lhe indiferente, quaisquer outras finalidades, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução plena e efectiva da correspondente pena. Só através da proibição (efectiva e plena) da condução tal é alcançável, pelo que a execução da pena acessória de proibição de conduzir não é passível de suspensão, nem de interrupções e intervalos.
Na verdade, o Código Penal (art.50º) apenas permite a suspensão da execução das penas de prisão, pelo que este normativo não pode ser aplicável no caso de que aqui nos ocupamos.
Nesta conformidade, mesmo que os factos apurados pudessem alicerçar a formulação de um prognóstico favorável, nos termos do art.50º, do C. Penal, pelas razões explanadas, a pena acessória aplicada ao arguido nunca poderia ser suspensa na sua execução durante o período laboral.
Neste sentido, pode ainda ver-se entre muitos outros, o acórdão desta Relação, de 14/6/2000, C. J. Ano XXV, tomo 3, pp.54/55; de 10/7/2001, C. J Ano XXVI, tomo 4, pp.290 e da Relação de Lisboa, de 30/10/2003, C. J. Ano XXVIII, tomo 4, pp.143/144 e o Prof. Germano Marques da Silva, “ Crimes Rodoviários – Pena Acessória e Medidas de Segurança”, pp.28.
Acresce dizer que o regime da suspensão previsto no art.142º, do C. Estrada, antes da revisão operada pelo DL nº44/2005, de 23 de Fevereiro e actualmente prevenido no art.141º do mesmo Código, apenas é aplicável em matéria de ilícito contra-ordenacional previsto nesse código, não podendo miscigenar-se um instituto de carácter contra-ordenacional e uma medida de carácter penal.
Não pode, pois, confundir-se a inibição de conduzir, que enquanto sanção acessória de ilícito de mera ordenação social, está submetida a um regime jurídico próprio diferenciado do previsto para a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art.69º, do C. Penal, aplicável aquando do cometimento de certos crimes.
Como já dissemos, estando definitivamente fixada a matéria de facto apurada na 1ª Instância, em circunstância alguma este Tribunal poderia tomar em consideração factos ou circunstâncias que não se contenham na sentença recorrida.
Em todo o caso sempre se dirá, que para o efeito pretendido é também absolutamente irrelevante a circunstância do arguido necessitar da carta de condução para exercer a sua actividade profissional, bem como as consequências que eventualmente lhe possam advir da proibição de conduzir.
Na verdade, como já referimos, o facto do arguido necessitar de conduzir na sua actividade profissional, não constitui razão juridicamente válida para que possa decretar-se a suspensão ou a interrupção da execução da pena acessória de proibição de conduzir, no período laboral, pois, como pretende o recorrente, essa modalidade de execução da proibição de conduzir, acarretaria a neutralização das finalidades (preventivas) da pena acessória.
Aliás, como já atrás dissemos, aqueles que para exercerem a sua actividade tem de conduzir, devem ser os primeiros a cumprir escrupulosamente as regras estradais e, por serem os que utilizam com mais frequência as vias públicas, potenciando assim, maior risco, não podem invocar a necessidade de conduzir para beneficiarem das excepções preconizadas pelo recorrente relativamente à proibição de conduzir, sendo que os eventuais transtornos profissionais que a pena acessória possa causar ao recorrente, nos quais devia ter pensado antes de adoptar o comportamento delituoso em causa [sendo que já antes fora condenado por três vezes pela prática de crime da mesma natureza] não têm aptidão para a influenciar, nem legitimam ou autorizam, nos termos do direito vigente, o cumprimento de forma descontínuo dessa pena, designadamente aos fins-de-semana, feriados (e até em férias), ou apenas após o horário laboral como pretende o recorrente, ou segundo outro qualquer critério estritamente de conveniência pessoal do arguido, sob pena de se fazer”tábua rasa” e se ignorar em absoluto os fins das penas a que atrás fizemos referência.
Ora se tal é vedado em matéria contra ordenacional, como se constata do art. 138º, nº5 do C. Estrada, que impõe o cumprimento em dias seguidos da inibição de conduzir, por maioria de razão terá de ser assim em matéria criminal. O que não é invalidado por o C. Penal não conter uma norma idêntica aquela.
Apesar da inexistência de norma no Código Penal que expressamente imponha o cumprimento de forma contínua da pena acessória de proibição de conduzir, como se refere no douto acórdão da Relação de Coimbra, de 29/11/2000, publicado na C. J.,Ano XXV, tomo V, pags. 49/50, essa imposição resulta também implicitamente do art.500º, nº2 do CPP ao determinar que no prazo de 10 dias a contar trânsito em julgado da sentença, o condenado tem de entregar na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial a licença de condução se a mesma não se encontrar já apreendida no processo. O que revela como aí se diz que o cumprimento dessa sanção não pode ser deferido “a prestações”.
Neste conspecto falece razão ao recorrente.
Por todo o exposto e sem mais desenvolvidas considerações por desnecessárias, concede-se provimento parcial ao recurso.

DECISÃO.

Nestes termos e com tais fundamentos, concede-se provimento parcial ao recurso, reduzindo-se para dez (10) meses a pena acessória de proibição de conduzir, mantendo-se quanto ao mais a sentença recorrida.
Sem custas (art.513º do CPP na redacção introduzida pelo DL nº34/2008, de 26-2).

Évora, 17 de Junho de 2014.
(Processado e integralmente revisto pelo relator).

Gilberto Cunha
Martinho Cardoso

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[1] A condução de veículo com uma TAS igual ou superior a 0,5 g/l (ou 0,2, nos casos previstos no nº 7 do artº 81º do CE) e até 1,2 g/l integra a prática de contra-ordenação; a partir desse valor, integra a prática de crime.
[2] Neste sentido, cfr. os Acs. RE de 18/2/2014, Proc. 287/133.9GAOLH.E1, RP de 15/1/2014, Proc. 117/13.PCVCD.P1 e RC de 26/2/2014, Proc. 140/13.6GTVIS.C1, todos in www.dgsi.pt; a idêntica conclusão chegaríamos, caso encarássemos a norma contida no artº 170º, nº 1, al. b) do Cod. Estrada como possuindo natureza processual penal material, na designação de Taipa de Carvalho, “Sucessão de leis penais”, 3ª ed., 349 e segs, situação em que ficaria sujeita ao princípio constitucional da aplicação da lei penal mais favorável.
[3] Os valores constantes da tabela, como da mesma se infere, são relativos a TAE (teor de álcool no ar expirado) e não a TAS (teor de álcool no sangue). Para obter esta última é necessário proceder à aplicação do facto de correspondência, previsto no artº 81º, nº 4, isto é, uma TAE de 1mg/l corresponde a uma TAS de 2,3 g/l.
Daí que, tratando-se – no caso – de um aparelho aprovado em 2009 e sujeito a verificação periódica em 27/09/2012 (vd. fls. 4), a dedução a ter em conta é de 8%.