Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
65/14.8TBCVD.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PROVA PERICIAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Sendo o específico objeto da prova pericial a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, haverá de reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal.
II - Se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica.
III - Assim, sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva.
IV - O estatuto de referência do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. (INMLCF, I.P) exige uma série de procedimentos atinentes a aferir a qualidade da instituição, pelo que se no final desse processo de avaliação, o legislador chegou à conclusão que o INMLCF, I.P. é uma entidade de referência, só pode ser por que se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que as suas perícias serão seguras e confiáveis.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
MP instaurou a presente ação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros ..., S.A. e Banco ..., S.A., pedindo que:
a) o Tribunal declare que a autora é portadora de doença crónica, permanente, definitiva e irreversível, com uma incapacidade de 83,3%, que a impede de exercer atividade laboral por conta de outrem ou por conta própria, em consequência direta e necessária das patologias que sofre, necessitando de apoio permanente de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida corrente e as tarefas básicas;
b) as rés sejam condenadas a reconhecer o estado de saúde da autora, concretamente que integra o conceito de invalidez absoluta e definitiva nos termos da cláusula 2.2. das condições gerais dos seguros por si contratados:
c) a 1ª ré seja condenada a pagar à 2ª ré todas as quantias devidas pela autora a esta última, todas elas relacionadas com os contratos de mútuo identificados, libertando-a desse encargo que estima ser no valor de € 115.000,00.
Fundamentou o pedido alegando que por escrituras públicas de compra e venda com mútuo e hipoteca, o Banco réu (doravante 2º réu) concedeu à autora e marido financiamentos para aquisição e reconstrução de habitação nos valores de 33.828,48, € 50.000 e € 30.000, tendo a ré seguradora (doravante 1ª ré) celebrado com a autora, na qualidade de pessoa segura, e com o 2º réu, na qualidade de tomador e beneficiário, contratos de seguro de vida, relativos aos valores dos mútuos contratados
Em 2008 a autora contraiu doença do foro oncológico, a qual é definitiva e irreversível, tendo o Instituto de Segurança Social atribuído à autora a pensão por invalidez relativa.
Em anterior ação que correu termos no Tribunal Judicial de Castelo de Vide, a autora deduziu pretensão semelhante à dos presentes autos, com base em atestado médico “incapacidade multiuso”, datado de 12.01.2009, o qual declarava ter a autora incapacidade permanente global de 79%, suscetível de variações futuras, pelo que deveria ser reavaliada ao fim de 5 anos, ação essa que foi julgada improcedente por se ter concluído que não resultou provado que a autora padecesse de doença que a impossibilitasse de exercer qualquer atividade remunerada e que necessitasse de apoio permanente de terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida corrente e tarefas básicas.
Em Janeiro/Fevereiro de 2014 foi a situação da autora reavaliada, tendo-lhe sido conferida no atestado médico de incapacidade multiuso incapacidade permanente global de 83,3 %.
A autora tem atualmente 39 anos de idade e é portadora de lesões e doenças física e do foro psicológico, nomeadamente depressão, que a impedem de utilizar o membro superior direito, além de correr o risco de apanhar infeções em resultado de qualquer pequena ferida que tenha.
Considerando as suas limitações, está a autora incapacitada de realizar tarefas da lide doméstica, como varrer, cozinhar ou passar a ferro, ou cuidar dos filhos, sem a ajuda de terceira pessoa e, em consequência do seu estado de saúde, deixou de exercer qualquer atividade profissional, sendo incapaz de o fazer, assumindo o seu marido a realização das tarefas domésticas e cuidar dos filhos.
Contestou apenas a 1ª ré, excecionando e impugnado.
Por exceção invocou o caso julgado formado pela decisão proferida na ação a que aludem os autores e a inexigibilidade do pagamento das quantias em causa, alegando que a autora não depende de forma permanente de terceira pessoa para os atos normais de vida e tarefas básicas, sendo que o atestado junto com a petição inicial não atribui à autora invalidez, mas incapacidade, sendo que tal dependência é exigida na apólice de seguro para que que seja devido o pagamento peticionado.
Por impugnação, referiu desconhecer os demais factos alegados.
Concluiu pela improcedência da ação.
Foi apresentado articulado superveniente, em que a autora alegou factos novos, ocorridos após a interposição da ação, relativos a cirurgia médica a que foi sujeita e suas consequências.
A 1ª ré sustentou a inadmissibilidade de tal articulado.
Procedeu-se à realização de audiência prévia, tendo sido admitido o articulado superveniente apresentado pela autora, e foi proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de caso julgado e se relegou para final o conhecimento da matéria de exceção de inexigibilidade por falta dos requisitos da cobertura dos contratos de seguro, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente e a absolver os réus do pedido.
Inconformada, apelou a autora, tendo finalizado a respetiva alegação com 40 extensas conclusões[1], ao longo de 15 páginas, as quais não satisfazem minimamente a enunciação sintética ou abreviada dos fundamentos do recurso, tal como exige o disposto no art. 639º, nº 1, do CPC, e, por isso, não serão aqui transcritas.
Das mesmas conclusões resulta que a questão essencial colocada à apreciação deste Tribunal da Relação, tem a ver com a impugnação da matéria de facto.

A 1ª ré contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir, como se viu supra, é a de saber se deve ser alterada a matéria de facto e, em caso afirmativo, se se mostram verificados os requisitos contratuais para a atribuição da cobertura de invalidez absoluta definitiva da autora.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1 - Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança outorgada em 21.12.2001, no Cartório Notarial de Nisa, e competente documento de entrega complementar que a integra, o Banco Réu concedeu à Autora e marido, C… com fiança de J… e M…, um financiamento para aquisição no valor de 33.828,48 €, o qual tomou na respectiva escritura o n°. 20209999 - 165 - 003;
2 - Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança outorgada em 06.08.2004, no Cartório Notarial de Portalegre, e competente documento complementar que integra, o Banco Réu concedeu à Autora e marido, C… com fiança de J… e M…, um financiamento no valor de 50.000,00€, o qual tomou na respectiva escritura o n°. 2020999 -165 - 005;
3 - Por escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança outorgada em 05.08.2005, no Cartório Notarial de Castelo de Vide, e competente documento complementar que integra, o Banco Réu concedeu à Autora e marido, C… com fiança de J… e M…, um financiamento no valor de 30.000,00 €, o qual tomou na respectiva escritura o n°. 2020999 - 165 - 006;
4 - Os empréstimos acima descritos foram contraídos pela Autora e pelo seu marido, C…, para sustentar a aquisição e reconstrução da sua casa de morada de família, sita na Rua …, implementada no prédio misto, inscrita a parte rústica sob o Artigo … Secção A, a parte urbana, inscrita sob o Artigo …, da freguesia de …, Concelho de Marvão, descrito na CRP de Marvão sob o n°. … / 270586;
5 - Todos os empréstimos foram integralmente utilizados com o propósito acima mencionado;
6 – A 1ª Ré na prossecução da sua actividade comercial, celebrou com o 2°. Réu, este como tomador e beneficiário e a Autora como pessoa segura, um contrato de seguro de vida, denominado "Seguro Grupo Vida", titulado pela apólice, inicialmente com o n°. 5318 / 800500/580174, e depois da migração de dados, passou a contrato de seguro n°. 100547133, adesão 2 da Autora, com data de início em 21.10.2003, correspondente aos empréstimos nºs. 2020999 - 165 - 001 e 2020999 - 165 ¬002 e os capitais de 7.000.000$00 e 5.000.000$00, respectivamente, passando a 2020999 - 165 - 003, com o capital de 12 .000.000$00;
7 - Foi ainda celebrado o contrato de seguro inicialmente com o n°. 5318 / 800500 / 597422 e depois migrado para o n°. 100563359, adesão 2 da Autora, com data inicial em 06.08.2004, correspondente aos empréstimos nºs. 2020999 - 165 - 005, com capital de 50.000,00 €;
8 - Foi ainda celebrado o contrato de seguro inicialmente com o n°. 5318 / 800500 /614243 e depois migrado para o n°. 100578682, adesão 2 da Autora, com data inicial em 05.08.2005, correspondente ao empréstimo n°. 2020999 - 165 - 006 e o capital de 30.000,00 €;
9 - Dos contratos de seguro acima mencionados faziam parte das condições gerais "Crédito Habitação Seguro do Grupo Vida", que a Autora recebeu, leu e entendeu o sentido do respectivo clausulado, tendo preenchido e assinado a proposta de adesão;
10 - A Autora, no ano de 2008, contraiu doença do foro oncológico e, em Janeiro de 2009, nessa sequência, solicitou ao 2° Réu que lhe fosse concedido o pagamento da indeminização prevista nos contratos de seguro e, em consequência, ficasse desobrigada dos pagamentos dos empréstimos acima referidos;
11 - A Autora participou o sinistro ao 2° Réu no dia 16.01.2009, tendo por seu turno, o 2° Réu, participado à 1 a Ré O sinistro por carta datada de 03.02.2009;
12 - Correu termos no Tribunal Judicial de Castelo de Vide, Acção de Processo Ordinário n°. 104 /10.lTBCVD, em que a Autora e Réus ocuparam as mesmas posições da presente acção;
13 - Na qual já a Autora veio formular pedido similar às Rés, tendo-se fundamentado, em síntese, no atestado médico Incapacidade Multiuso, datado de 12.01.2009, no qual se atesta que a Autora apresenta deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente global de 79%, susceptível de variações futuras e que deve ser reavaliada ao fim de 5 anos;
14 - A doença da Autora é definitiva e irreversível, tendo o Instituto de Segurança Social atribuído à Autora pensão por invalidez relativa;
15 - Acção que viria a ser julgada improcedente por não provada, essencialmente, em síntese, por não ter resultado provado que a doença de que a Autora padece a impossibilita de exercer qualquer actividade remunerada e a Autora necessitar de apoio permanente de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida corrente e tarefas básicas;
16 - Na cláusula 2.2 das condições gerais dos seguros contratados pela Autora, em Invalidez Absoluta e Definitiva, diz-se: no caso de invalidez absoluta e definitiva da Pessoa Segura, antes desta perfazer os 70 anos de idade, a “Companhia de Seguros”, nos termos previstos nas Condições da Apólice, garante o pagamento do capital seguro ao Beneficiário; considerando-se existir Invalidez Absoluta e Definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
16.1 - Possuir a Pessoa Segura / Aderente uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% (Tabela Nacional de Incapacidades - TNI, em vigor à data do sinistro) com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de uma terceira pessoa;
16.2- Possuir a Pessoa Segura comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remunerada;
17 - O atestado médico de Incapacidade Multiuso de 12.01.2009 atesta que a Autora apresenta deficiências que lhe conferem uma incapacidade permanente global de 79%, susceptível de variações futuras, a reavaliar em 5 anos - não está, deste modo demonstrada uma incapacidade funcional irrecuperável; não se tendo provado também qua a Autora em consequência da doença crónica e irreversível de que padece, não possa subsistir funcionalmente sem o apoio permanente de uma terceira pessoa, como também não se provou que possua incapacidade para exercer qualquer actividade remunerada;
18 - Por não estarem verificadas as condições cumulativas contidas na cláusula do contrato de seguro acima identificado, por este motivo, improcedeu a pretensão que a Autora pretendia fazer valer;
19 – Após reavaliação da situação da A. em Janeiro/ Fevereiro de 2014, em atestado médico de incapacidade multiuso foi-lhe conferida incapacidade permanente global de 83,3%, susceptível de variação futura, devendo ser reavaliada no ano de 2024.
20 – A A. é portadora de neoplasia maligna da mama direita, tendo sido submetida a mastectomia radical no ano de 2008, com esvaziamento ganglionar ailar, quimio e radioterapia e castração cirúrgica por não haver resposta ao tamoxifeno; do ponto de vista analítico continua a dar sinais de evolução.
21 – A doença da A. tem associadas outras patologias como osteoporose, gastrite, varizes, alterações psicológicas por ansiedade e depressão.
22 - A A. apresenta sequelas de mastectomia direita (por carcinoma), de histerectomia e anexectomia e de fractura do punho direito, com repercussões também a nível psicológico que, em termos clínicos se manifestam em cicatrizes e deformações, rigidez do punho direito e perturbações depressivas moderadas.
23 – A osteoporose, apesar da terapêutica preventiva que faz, tem levado ao aumento de queixas álgicas, deformações do esqueleto e ao risco agravado de fracturas.
24 – A gastrite de que padece é consequência da necessidade de consumo de analgésicos para combater as dores, afectando o estomago e os rins.
25 – No ano de 2011, por apresentar quadro de hipotiroidismo e síndrome varicoso dos membros inferiores, foi submetida a intervenção cirúrgica.
26 – A A. desde o aparecimento da doença em 2008 nunca mais trabalhou.
27 – Até essa data sempre exerceu a sua actividade profissional como ama de crianças e na hotelaria, concretamente, a servir à mesa.
28 – Desde o inicio da doença, em casa, é normalmente o marido da A. quem, por norma, realiza as tarefas domésticas.
29 – Em Outubro de 2014, em consequência da mesma doença foram extraídos à A. dois gânglios na axila esquerda, tendo-lhe sido prolongado o tratamento com tamoxifeno por mais anos.
30 – As sequelas apresentadas pela A. são valorizáveis em 61,05%, tendo em conta o cálculo através da capacidade restante (rigidez do punho direito valorizável em I 7.2.2.1 a) por analogia em 3%, mastectomia direita em II 1.4.2 a) 15%, histerectomia e anexectomia em XII 2.2 30%; perturbações pós traumáticas em X II Grau II – 10% e doença oncológica crónica em XVI IV 2 em 25%.
31 – A A. consegue realizar a maioria das actividades da vida corrente, embora com algumas dificuldades de acordo com a incapacidade referida em 30, nomeadamente nas tarefas que exigem esforços acrescidos, tais como limpar a casa, carregar e manipular objectos mais pesados.
32 – As sequelas que a A. apresenta de histerectomia, anexectomia, mastectomia e rigidez do punho são irreversíveis, as referentes ao stress pós traumático poderá melhorar e a doença oncológica crónica poderá melhorar ou piorar, sendo o prognóstico actual reservado.
33 – A A. levanta-se, lava-se, veste-se e come sozinha, passeia e leva quotidiano autónomo, embora com as dificuldades decorrentes da incapacidade referida em 30.
34 – No contrato de mutuo referido no nº 1 dos factos provados, em 18/06/2014, encontram-se em divida € 12.889,31 a titulo de capital e juros no montante de € 380,24, e € 15,21 de imposto de selo.
35 – No contrato de mutuo referido no nº 2 dos factos provados, em 18/06/2014 encontram-se em divida € 46.854,77 a titulo de capital, e juros no montante de € 8.589,98 e imposto de selo de € 343,60.
36 – No contrato de mutuo referido no nº 3 dos factos provados, em 18/06/2014 encontram-se em divida € 28.231,90 a titulo de capital e justos no montante de € 5.448 e imposto de selo de € 217,92.

E foi considerado não provado que:
- a autora sofre de incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remunerada.
- a autora está impossibilitada totalmente de realizar tarefas domésticas, nomeadamente as referidas em 31 dos factos provados, varrer a casa, passar a ferro, cozinhar ou vestir os filhos.
- a autora não consegue subsistir funcionalmente sem o apoio de terceira pessoa.
- a autora sofre de incapacidade funcional irrecuperável superior a 75%.
- a incapacidade que possui impede a autora de exercer qualquer atividade remunerada.

Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do art. 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – documentos, depoimento de parte do réu e depoimentos testemunhais, registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo art. 640º, nºs 1 e 2, do CPC, já que: i) referiu os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados; ii) indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados; iii) a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida; iv) e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso e que transcreve em parte.
Cumpridos aqueles ónus, nada obsta, pois, ao conhecimento do objeto de recurso.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto[2].
Infere-se da alegação da recorrente que esta está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, por entender que:
- não foram dados como provados factos e que deveriam em virtude dos mesmos resultarem dos depoimentos das testemunhas Dr. MP, Dr. JA, Dr.ª MS, Dr. JS e Sr. CP, concretamente a incapacidade irrecuperável da autora para exercer qualquer atividade remunerada, a impossibilidade da autora realizar tarefas domésticas, nomeadamente as mencionadas no ponto 21 dos factos provados, a impossibilidade da autora subsistir funcionalmente sem o apoio de terceira pessoa e o grau de incapacidade funcional da autora ser superior a 75%;
- a matéria dada como provado nos pontos 31 e 33 dos factos provados deveria ter outra redação, sendo além disso tais pontos contraditórios com o ponto 28 dos mesmos factos provados;
- existem factos que deveriam ter sido dados como provados e não foram, por omissão, nomeadamente factos alegados nos artigos 33º, 34º, 36º e 37º da petição inicial, sobre os quais o tribunal não se pronunciou.
Foi auditado o suporte áudio, analisada a prova documental e pericial e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito do Mm.º Juiz a quo, o qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à recorrente no tocante à impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
Quanto aos factos dados como não provados que a recorrente entende deverem ser dados como provados, ou seja, que a autora sofre de incapacidade irrecuperável para exercer qualquer atividade remunerada, que está impossibilitada totalmente de realizar tarefas domésticas, nomeadamente as referidas no ponto 31 dos factos provados, varrer a casa, passar a ferro, cozinhar ou vestir os filhos, não conseguir subsistir funcionalmente sem o apoio de terceira pessoa, sofrer de incapacidade funcional irrecuperável superior a 75% e em virtude dessa incapacidade estar impedida de exercer qualquer atividade remunerada, não se pode de forma alguma escamotear que foi realizada uma perícia colegial pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Alto Alentejo, que aponta em sentido diferente do pretendido pela recorrente.
Como é sabido, a prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos enunciados de facto produzidos pelas partes [art. 341º do CC]. Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objeto: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina [art. 388º do CC].
No tocante ao valor da perícia, quer se trate da primeira perícia quer da segunda, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz [art. 389º do CC].
Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres dos peritos como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à pericial, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.
Contudo, convém não esquecer o específico objeto da prova pericial: a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina [art. 388º do CC].
Deste modo, haverá de reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Assim, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica.
Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva[3] (art. 607º, nº 4, do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida[4].
Ora, «por mais que se afirme a máxima de que o magistrado é o perito dos peritos, a hegemonia da função jurisdicional em confronto com a função técnica e se queira defender o princípio da livre apreciação, não é raro que o laudo pericial desempenhe papel absorvente na decisão da causa»[5].
Este entendimento mostra-se reforçado no caso concreto, pois no âmbito da sua missão e atribuições, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P., abreviadamente designado por INMLCF, I.P., é considerado instituição nacional de referência [cfr. art. 1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 166/2012, de 31 de Julho].
O INMLCF, I.P., tem por missão assegurar a formação e coordenação científicas da atividade no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses, superintendendo e orientando a atividade dos seus serviços médico-legais e dos peritos contratados para o exercício de funções periciais. São atribuições do INMLCF, I.P.: «(…) b) Cooperar com os tribunais e demais serviços e entidades que intervêm no sistema de administração da justiça, realizando os exames e as perícias de medicina legal e forenses que lhe forem solicitados, nos termos da lei, bem como prestar-lhes apoio técnico e laboratorial especializado, no âmbito das suas atribuições – art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31.07.
Ao Serviço de Clínica e Patologia Forenses compete a realização das seguintes perícias e exames em pessoas: Para descrição e avaliação dos danos provocados na integridade psicofísica, nos diversos domínios do direito, designadamente no âmbito do direito penal, civil e do trabalho, nas comarcas do âmbito territorial de atuação da delegação – art. 9º, nº 2, al. a), dos Estatutos do INMLCF, I.P., aprovados pela Portaria n.º 19/2013, de 21 de Janeiro.
O INMLCF, I.P. dispõe de Gabinetes Médico-Legais e Forenses da quem compete, entre outras, «a realização de exames e perícias em pessoas, para descrição e avaliação dos danos provocados na integridade psicofísica, nomeadamente, no âmbito do Direito penal, civil e do trabalho, bem como a realização de perícias de psiquiatria e psicologia forenses» - cfr. art. 11º, nº 1, da referida Portaria.
O legislador, ao distinguir as perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica[6].
O estatuto de referência do INMLCF, I.P. exige uma série de procedimentos atinentes a aferir a qualidade da instituição, pelo que se no final desse processo de avaliação, o legislador chegou à conclusão que o INMLCF, I.P. é uma entidade de referência, só pode ser por que se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que as suas perícias serão seguras e confiáveis.
Será que no caso concreto os depoimentos das testemunhas referenciadas pela recorrente impõem um juízo diverso do acolhido no relatório pericial efetuado pelo INMLCF, I.P. através do Gabinete Médico-Legal e Forense do Alto Alentejo, e que se encontra junto aos autos a fls. 189-190?
A resposta é, podemos adiantar desde já, negativa.
Dos depoimentos das testemunhas MP, médico de família da autora, e JA, médico psiquiatra, como se vê, aliás, da própria transcrição feita pela recorrente nas suas alegações, não resulta uma avaliação concreta e fundamentada da incapacidade de que a autora sofre, limitando-se estas testemunhas a afirmar em termos vagos e genéricos que a autora se encontra incapacitada para trabalhar e a dificuldade em a mesma arranjar trabalho compatível com a incapacidade de que padece, não tendo por isso tais depoimentos a virtualidade de pôr em causa o relatório de perícia médico-legal junto aos autos.
A testemunha MS, médica e presidente da Junta Médica da Segurança Social, foi a subscritora do atestado multiuso referido no ponto 19 dos factos provados, o qual confirmou. Porém, como bem se anotou na sentença recorrida, tal atestado «destina-se a fazer a avaliação da situação de saúde para efeitos de atribuição de benefícios fiscais ou de atribuição de outras isenções, socorrendo-se de critérios e formulários (Anexo I) diferentes daqueles que foram usados no relatório pericial (Anexo II), de acordo com os critérios utilizados pela entidade competente e especializada na realização das perícias em causa que é o Instituto de Medicina Legal.»
A testemunha CP, marido da autora, embora tenha referido que a mulher não faz nada em casa, não deixou de dizer que a mesma, ainda que com dificuldade, conduz a viatura automóvel até Castelo de Vide, embora já o não faça para Portalegre, o que, apesar de tudo, não deixa de revelar autonomia por parte da autora, sabido que a condução automóvel demanda alguma exigência física, como bem se observou na sentença recorrida.
Bem andou, pois, o Mm.º Juiz a quo ao julgar não provada a matéria de facto em causa.

Defende a recorrente que a matéria dada como provado nos pontos 31 e 33 dos factos provados deveria ter outra redação e que tais pontos são mesmo contraditórios com o ponto 28 dos mesmos factos provados.
O Mm.º Juiz deu como provada a facticidade em causa com base no relatório pericial, cujas conclusões são as que se encontram vertidas nos pontos 30 a 33 dos factos provados, e entendemos que bem, porquanto nenhuma outra prova, nomeadamente a testemunhal logrou afastar o juízo técnico resultante daquele relatório, sendo que a este propósito depôs em sentido concordante a testemunha JS, médico especialista em medicina interna, que tem um contrato de avença por parceria clínica com a 1ª ré, testemunha que nos mereceu credibilidade na medida do apurado, em função da forma clara e objetiva como depôs, referindo, nomeadamente, as diferenças de critérios utilizados no relatório pericial e no atestado multiuso.
Resulta do relatório pericial do INMLCF, I.P. (Gabinete Médico-Legal e Forense do Alto Alentejo), que as sequelas apresentadas pela autora são valorizáveis em 61.05%, tendo em conta o cálculo através da capacidade restante (rigidez do punho direito valorizável em I 7.2.2.1 a) por analogia em 3%, mastectomia direita em II 1.4.2 a) 15%, histerectomia e anexectomia em XII 2.2 30%: perturbações pós traumáticas em XII Grau II – 10% e doença oncológica crónica em XVI IV 2 em 25%;
A autora consegue realizar a maioria das atividades da vida corrente, embora com algumas dificuldades de acordo com a incapacidade referida em 30, nomeadamente nas tarefas que exigem esforços acrescidos, tais como limpar a casa, carregar e manipular objetos pesados;
A autora levanta-se, lava-se, veste-se e come sozinha, passeia e leva quotidiano autónomo, embora com as dificuldades decorrentes da incapacidade atrás referida de 61,05%, como também decorre do depoimento da testemunha CP, marido da autora, que, como se viu supra, disse que a autora é capaz de conduzir o veículo automóvel até Castelo de Vide.
Por último, resulta do relatório de perícia médico-legal que a autora também não sofre de incapacidade funcional irrecuperável, ainda que parcialmente, nem está afetada de incapacidade para exercer qualquer atividade remunerada.
E, contrariamente ao que afirma a recorrente, o ponto 28 dos factos provados não contradiz os pontos 31 e 33, uma vez que não interessa apurar quem efetivamente trata das lides domésticas, mas sim se a autora pode realizar essas tarefas, considerando o tema da prova em causa: quantificação da incapacidade da Recorrente segundo a TNI.
E, a este propósito, o relatório pericial é claro ao considerar que a autora é autónoma e consegue realizar a maioria das atividades da vida corrente, embora com dificuldades decorrentes da sua incapacidade de 61.05%, nomeadamente nas tarefas que exigem esforços acrescidos, tais como limpar a casa, carregar e manipular objetos mais pesados, entre outros mais exigentes das lides domésticas.
Em suma, nada há a alterar nos pontos 31 a 33 dos factos provados, cuja matéria permanece assim intocada.

Vejamos, por último, os factos constantes dos artigos 33°, 34º, 36º e 37º da petição inicial que, segundo a recorrente, deveriam ter sido dados como provados e não foram, por omissão do tribunal.
Alegou a autora no artigo 33º da p. i. que «[p]or se ver impossibilitada de executar permanentemente as tarefas da vida diária, necessita de apoio de terceira pessoa, o qual é dado pelo seu marido, facto não só reconhecido por médico, como também através do Instituto de Segurança Socia com a atribuição de subsídio próprio para o efeito».
Relativamente ao facto de a autora estar impossibilitada de executar permanentemente as tarefas da vida diária e necessitar do apoio de terceira pessoa, não houve qualquer omissão de pronúncia por parte do Mm.ª Juiz que, com fundamento no relatório de perícia médico-legal, deu como provada a matéria dos pontos 31 e 33 dos factos provados.
Ademais, o complemento de pensão é apenas de efeitos sociais e não respeita às condições contratuais para a invalidez segundo o seguro em causa, pelo que a atribuição desse subsídio é irrelevante para a questão da avaliação daquela invalidez.
No artigo 34º da p. i. alegou a autora que «tem o 9º ano de escolaridade, tendo até ao aparecimento da doença (2008) sempre exercido a sua atividade profissional como ama de crianças e na hotelaria, concretamente, servir à mesa».
Este facto é igualmente irrelevante para aferir da invalidez da autora em termos das condições contratuais para a invalidez de acordo com o seguro em causa, sendo certo que não logrou a autora provar que a incapacidade que possui a impede de exercer qualquer atividade remunerada.
Quanto ao artigo 36º da p. i., alegou a autora que «de 2008 para cá, com o quadro evolutivo a que acima se fez alusão, para além de não conseguir exercer qualquer profissão compatível com as atividade que até então se dedicara, não possui escolaridade onde que se possa valer para exercer qualquer outra atividade profissional, designadamente, do foro intelectual que não envolva prática de utilização do físico».
Ora, além do que já referimos supra, importa referir que para o contrato de seguro de vida celebrado entre o 2º réu e a 1ª ré, não releva o nível de escolaridade dos segurados, para atribuição do capital por invalidez absoluta e definitiva, em caso de sinistro, pelo que é irrelevante o facto em causa.
A matéria de facto alegada pela autora no artigo 37º da p. i., de que «as atividades profissionais que exerceu até agora e que se encontra preparada para exercer são sustentadas, sobretudo por trabalho braçal com esforço físico» é irrelevante, porquanto a autora é autónoma e consegue realizar a maioria das atividades da vida corrente, embora com as dificuldades resultantes da sua incapacidade avaliada em 61.05%, nomeadamente as tarefas que exigem esforços acrescidos, tais como limpar a casa, carregar e manipular objetos mais pesados, entre outros mais exigentes das lides domésticas.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou o Mm.º Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto, a qual, por isso, permanece intacta.

Do mérito da decisão
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à decisão sindicanda, até porque tal, na atenção da alegação da recorrente, passava necessariamente pela alteração da matéria de facto.
Fazemos assim nossas as palavras da sentença recorrida:
«Na cláusula 2.2 das condições gerais dos seguros contratados pela Autora, em Invalidez Absoluta e Definitiva, diz-se: no caso de invalidez absoluta e definitiva da Pessoa Segura, antes desta perfazer os 70 anos de idade, a “Companhia de Seguros”, nos termos previstos nas Condições da Apólice, garante o pagamento do capital seguro ao Beneficiário; considerando-se existir Invalidez Absoluta e Definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos:
- Possuir a Pessoa Segura / Aderente uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% (Tabela Nacional de Incapacidades - TNI, em vigor à data do sinistro) com impossibilidade de subsistência funcional sem o apoio permanente de uma terceira pessoa;
Possuir a Pessoa Segura comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer actividade remunerada;
Ora, dispensando-nos de referir aqui o que já escrevemos sobre as características e objectivo do referido atestado médico de incapacidade multiusos, que se destina a efeitos fiscais e outras isenções e utiliza outros critérios e um formulário diverso daquele utilizado pelo Instituto de Medicina Legal para os termos da presente acção, em face da prova pericial não resultou preenchida a primeira das clausulas referidas. A incapacidade apurada da A. foi de 61,05%.
Por outro lado, ainda que a doença da A. seja crónica e irreversível, não é irrecuperável, devendo ser sujeita nos termos do mesmo atestado multiuso a reavalização em 2024, não resultando por isso que a A. tenha uma incapacidade funcional irrecuperável, ainda que parcialmente.
Por fim, também não resultou provado que a A. em consequência da doença crónica e irreversível que tem, nos termos das referidas clausulas, possua incapacidade para exercer qualquer actividade remunerada.
Assim, não estão verificadas as condições contratualmente estabelecidas nos contratos de seguro em causa, e que são cumulativas, conforme alegado pela 1ª R. em sede de excepção por inexigibilidade por falta de requisitos de cobertura.
O recurso é, pois, improcedente.

Sumário:
I – Sendo o específico objeto da prova pericial a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina, haverá de reconhecer-se à prova pericial um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal.
II - Se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser suscetível de uma crítica material e igualmente científica.
III - Assim, sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva.
IV - O estatuto de referência do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. (INMLCF, I.P) exige uma série de procedimentos atinentes a aferir a qualidade da instituição, pelo que se no final desse processo de avaliação, o legislador chegou à conclusão que o INMLCF, I.P. é uma entidade de referência, só pode ser por que se concluiu que técnica e cientificamente é credível, que as suas perícias serão seguras e confiáveis.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
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Évora, 23 de Março de 2017
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião
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[1] Só a conclusão 15ª, onde a autora transcreve partes dos depoimentos de duas testemunhas – quando o devia ter feito apenas no corpo das alegações – tem duas páginas e meia.
[2] A jurisprudência evoluiu no sentido de se firmar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua atividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos (cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 24.09.2013, proc. 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível, como os demais adiante citados sem indicação de origem, in www.dgsi.pt).
[3] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pp. 263 e 264.
[4] Carlos Lopes do Rego, O Ónus da Prova nas Acções de Investigação da Paternidade: Prova Directa e Indirecta do Vínculo da Filiação, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. I, Direito da Família e das Sucessões, Coimbra Editora, 2004, pp. 789 e 780, citado no Ac. da RC de 24.04.2012, proc. 4857/07.6TBVIS.C1, que aqui seguimos de perto.
[5] Cfr. o citado Ac. da RC de 24.04.2012.
[6] Cfr. Ac. da RG de 13.03.2014, proc. 203/12.5TBVLN-A.G1.