Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
388/22.2GBTNV.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I – O critério para determinar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal encontra-se nas regras que nos são fornecidas para a determinação de uma qualquer pena. E, ainda, na proporção entre o “universo” da moldura penal e o “universo” da TAS.
II - Os 3 meses de proibição de conduzir veículos com motor destinam-se a sancionar delinquentes primários e que adotam postura de reconhecimento do seu comportamento, mas que apresentem taxa de álcool no sangue igual ou próxima de 1,20 g/l.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo sumário n.º 388/22.2GBTNV do Juízo Local Criminal de Torres Novas da Comarca de Santarém, o Ministério Público acusou
AA, solteira, assistente de loja, nascida a 20 de março de 1966, (…),
pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), 14.º e 26.º, todos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada em 17 de agosto de 2022, foi decidido:
«1. Condenar a arguida AA pela prática, em 01 de agosto de 2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o valor total de € 600,00 (seiscentos euros);
2. Condenar a arguida AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 7 (sete) meses, nos termos do art.º 69.º, n.º 1, alínea a) do C.P.
3. Ordenar a arguida a entrega da sua carta e/ou licença de condução, no prazo de 10 dias, após trânsito em julgado da presente sentença, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, nos termos do artigo 500.º, n.º 2, do Código do Processo Penal e sob a cominação de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência.
4. Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (arts.º 513.º, C.P.P. e 8.º, 5.º Regulamento Custas Processuais e Tabela III Anexa), reduzida a metade atenta a confissão da arguida (art.º 344.º, do C.P.P) e demais encargos previstos no art.º 16.º, do R.C.P

Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
« 1.
O presente recurso tem como objeto a revogação da medida da pena acessória aplicada à ora recorrente.
2.
A recorrente, vinha acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma, tendo sido condenada pela sua prática na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 5,00€ (cinco euros) perfazendo o montante total de 600,00€ (seiscentos euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 (sete) meses.
3.
A moldura penal do crime pelo qual a arguida, ora recorrente, veio condenada é, conforme disposto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal em pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias sendo a moldura penal da sanção acessória, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, entre três meses e três anos de proibição de conduzir veículos com motor.
4.
Para fundamentar a sua sentença, o douto Tribunal a quo considerou, conforme se encontra gravado das 10:56:57 horas às 11:25:53 horas e conforme dispõe o n.º 3 do artigo 71.º do Código Penal, a confissão livre, integral e sem reservas da recorrente, o talão de teste junto aos autos, a sua inserção familiar, social e profissional e a não existência de antecedentes criminais.
5.
A medida das penas – principal e acessória – têm por referência o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal devendo ser encontradas e fixadas nos limites exigidos essencialmente pelo grau de culpa, da ilicitude e pela necessidade de prevenção geral e especial, devendo ser justas, proporcionais e adequadas ao caso concreto.
6.
Isto é, para a determinação da medida da pena, importa considerar: grau de ilicitude do facto, intensidade do dolo, condições pessoais do arguido, exigências de prevenção geral, exigências de prevenção especial.
7.
E tudo visto e ponderado, julga-se adequado e proporcional a condenação da arguida, ora recorrente, na pena principal de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00€ o que perfaz o valor total de 600,00€. Sendo que, na determinação da medida da pena acessória, há que ter em conta as circunstâncias que influíram na determinação da pena principal em função de razões de prevenção especial e geral e da culpa pela prática de um comportamento censurável na condução automóvel.
8.
Nos presentes autos, por um lado face à ausência de antecedentes criminais e à confissão livre, integral e sem reservas e, por outro, face à taxa de alcoolémia, a aplicação da sanção acessória a juntar à pena principal nunca deveria ter sido fixada por período superior a 4 meses. Assim, a pena acessória fixada à ora recorrente comparativamente à pena principal em que fora condenada não se mostra proporcional.
9.
Em sede de audiência de discussão e julgamento, a recorrente confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusada. Contudo, essa mesma confissão foi atendida de forma quase irrelevante o que, desde já, se discorda por completo.
10.
A confissão livre, integral e sem reservas é uma clara demonstração de cooperação com a justiça na descoberta da verdade e ainda demonstrativa do grau de culpa do agente uma vez que foram confessados as circunstâncias e o motivo da conduta praticada.
11.
A recorrente confessou a quantidade de bebidas alcoólicas ingeridas, em que circunstâncias teve lugar – em contexto social após sair do seu trabalho – e que tinha jantado muito cedo o que, muito provavelmente, influenciou a taxa de álcool que tinha no sangue. Ademais referiu ter noção que a conduta praticada era proibida mas, ainda assim, não previu o resultado obtido, ou seja, a taxa de 2,20g/l. A recorrente demonstrou que interiorizou o crime cometido conforme se afere das suas declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento onde refere o seu arrependimento e que o mesmo se traduz na não repetição dos factos praticados.
12.
Uma condenação de pena acessória – não pena principal – em que o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, confessa todos os factos praticados e demonstra ter interiorizado o crime praticado, nunca poderá ser em medida substancialmente superior ao mínimo legal. No caso sub judice parece-nos completamente desadequado e desproporcional uma condenação em sete meses de pena acessória de inibição de conduzir quando o mínimo legal são três meses.
13.
Vejamos, por exemplo, o processo que correu termos com o número 1/16.7GTGRD.C1 no Juízo Local Criminal da Guarda em que o arguido exercia a profissão de motorista, tinha antecedentes criminais e fora condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses. Decisão essa confirmada pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão proferido em 20/02/2019 e disponível para consulta em www.dgsi.pt.
14.
O douto Tribunal a quo apenas teve em consideração a taxa de álcool presente no sangue da recorrente para determinar a medida da pena acessória a aplicar quando deveria ter valorado a confissão livre integral e sem reservas, a ausência de antecedentes criminais e a sua inserção profissional e social que, tudo visto e ponderado, levaria a uma condenação de proibição de condução de veículos automóveis pelo período de três meses.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser declarado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida no que tange à medida da pena da sanção acessória aplicada.
Termos em que V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA.»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«I – A Douta sentença judicial condenatória observou os princípios e normas jurídicas respeitantes à prova, à interpretação e subsunção legal dos factos e do tipo legal de crime e ainda quanto à determinação concreta da pena.
II - A pena acessória que foi aplicada à Recorrente não merece qualquer reparo, uma vez que foram observadas todas as regras na determinação da pena e da medida concreta da mesma, devendo a mesma ser mantida na íntegra.
VI – Não tendo sido violada qualquer norma jurídica, a Douta sentença judicial condenatória não carece de reparo.

Pelo exposto, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a Douta sentença judicial condenatória, mas Vossas Excelências, no entanto, decidirão como for de JUSTIÇA.»
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Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Acompanhamos a resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância (Ref.ª 9366815).
Porque a mesma nos parece fundamentada, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-la, na íntegra.
Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado improcedente

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]
Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância é colocada, tão-só, a questão da desadequação, por excesso, da sanção acessória imposta,
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Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
No dia 1 de agosto de 2022, pelas 07H05M, na via pública destinada à circulação rodoviária, sita na Rua de S. José, Arrábida, Riachos, concelho de Torres Novas, a Arguida AA conduziu o veículo de quatro rodas e a motor, classificado como veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX, apresentando uma TAS de, pelo menos, 2,204 gr/l de sangue, correspondente à TAS de 2,32 gr/l de sangue registada, deduzido o erro máximo admissível, bem sabendo que é proibido conduzir veículo com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l de sangue.
A Arguida prescindiu da realização da contraprova.
A Arguida conhecia as características do veículo e do local onde conduzia e sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas numa quantidade que iria necessariamente determinar uma TAS superior a 1,20 gr/l de sangue.
A Arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de exercer a condução do supre referido veículo na via pública, bem sabendo que não podia conduzir veículo com motor ou sem motor, em via pública, com uma TAS igual ou superior a 1,2 gr/l de sangue, e ainda assim não se absteve.
Não obstante ter consciência de que a sua conduta era e é proibida, bem como punida por lei penal, a Arguida não se absteve de a prosseguir.
Mais se provou ainda que a Arguida ingeriu cerca de 10 (dez) imperiais entre as 00H00M e as 06H30M da manhã.
Não transportava consigo passageiros. Tinha intenção de percorrer cerca de 7 (sete) quilómetros. Não foi interveniente em acidente de viação.
A Arguida é assistente de loja, aufere € 700,00 (setecentos euros) líquidos mensais. Vive com o seu irmão, em casa arrendada, pela qual suportam um custo mensal de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros). As restantes despesas da casa são também suportadas “a meias” com o seu irmão.
Suporta, ainda, prestações mensais de cerca de € 55,00 (cinquenta e cinco euros) para cuidados de saúde e de € 70,00 (setenta euros) para a aquisição de veículo automóvel.
Tem o 12.º ano de escolaridade.
A Arguida não tem antecedentes criminais averbados.

Consta da sentença não terem resultados provados outros factos com interesse para a decisão da causa.

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nas declarações confessórias da Arguida, livres e sem reserva, no talão do aparelho Drager que consta de fls. 24, no teor do certificado do registo criminal que consta de fls. 29 e nas regras da experiência comum.
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Conhecendo.

(i) Dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal
Restringida a cognição deste Tribunal da Relação à matéria de direito, importa desde já referir que do exame da sentença recorrida – do respetivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se deteta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Efetivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida.
E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se deteta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.


(ii) Da desadequação, por excesso, da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor
Foi a Arguida AA condenada nestes autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, também na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 7 (sete) meses.
Inconformada, pretende a Arguida a redução desta sanção acessória para o mínimo da sua moldura penal abstrata – 3 (três) meses.
Invoca, para tanto, ter confessado os factos que lhe são imputados, que resultaram de atuação ocasional, não ter antecedentes criminais e dispor de inserção profissional e social.

Vejamos se lhe assiste razão.
O fim do direito penal é o da proteção dos bens jurídico-penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.
No domínio da prevenção interferem as considerações de ordem geral e especial.
Pela prevenção geral – positiva – faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e procura-se garantir o restabelecimento da confiança da comunidade na efetiva defesa da norma violada.
Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente – prevenção especial positiva – e a dissuasão da prática de futuros crimes – prevenção especial negativa.
A prevenção especial não é um valor absoluto, mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efetiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.

A prevenção geral positiva, que é o fim mais importante que atualmente se atribui às penas, visa, desde logo, «a criação de um sentimento de confiança no sistema, por parte da população em geral. A segurança das pessoas resulta também da convicção de que o direito é mesmo para ser respeitado.
Mas, numa perspetiva de prevenção geral positiva, a pena tem ainda um efeito pedagógico. O auto-refreamento de eventuais solicitações para o crime que assaltem os não delinquentes é compensado com a satisfação moral de não se sofrer qualquer pena, facto contraposto à pena que se vê aplicada ao delinquente. Finalmente, assinala-se à prevenção geral positiva, um efeito de coerência lógica: a coercibilidade do direito em geral, e do direito penal, em particular, impõe que o desrespeito das respetivas normas tenha consequências efetivas[[3]]

De regresso ao processo, cumpre recordar que a prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez é, também sancionada com proibição de conduzir veículos com motor por um período entre 3 (três) meses e 3 (três) anos – artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Trata-se de verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente, constituindo uma sanção adjuvante ou acessória da pena principal, que permite o reforço e diversificação do conteúdo penal da condenação, por forma a assegurar a prevenção da perigosidade – tem «um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual[[4]]
E embora a sua aplicação dependa da condenação na pena principal, a pena acessória não é de aplicação automática, tratando-se de sanção de duração variável, em função da gravidade do crime e\ou do fundamento que justifica a privação do direito – cfr. artigos 65.º do Código Penal e 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
Na sua aplicação importa ter presente, ainda, que deve limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

A moldura penal abstrata que corresponde à proibição de conduzir com que a Recorrente não se conforma situa-se entre 3 (três) meses e 3 (três) anos.
A Recorrente conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,204 gr/l.
Foi-lhe imposta a sanção acessória de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos com motor.
Esta sanção é a adequada, ou deve ser reduzida para 3 (três) meses?
Qual o critério, ao cabo e ao resto, para determinar a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal?
Diremos nós que as regras que nos são fornecidas para a determinação de uma qualquer pena. E, ainda, alguma proporção entre o “universo” da moldura penal e o “universo” da TAS.
Este último merece explicitação prévia.
A taxa de álcool no sangue é a quantidade de álcool existente no sangue de um indivíduo em determinado momento e expressa-se em gramas de álcool por litro de sangue [g/l].
A TAS depende (i) do tipo e da quantidade de bebida ingerida, (ii) do momento de absorção dessa bebida – jejum, às refeições, fora das refeições, (iii) ritmo de ingestão, (iv) peso e sexo do indivíduo e (v) estado de saúde e estado de fadiga.
Com os atuais conhecimentos da ciência, pode ter-se como seguro que:
Ø entre 0,1 a 0,3 g/l de álcool no sangue ocorre sobriedade – o álcool ingerido não tem influência aparente;
Ø entre 0,3 a 0,9 g/l de álcool no sangue ocorre euforia, perda de eficiência, diminuição da atenção, diminuição do discernimento e diminuição do controlo;
Ø entre 0,9 a 1,8 g/l de álcool no sangue ocorre excitação, instabilidade das emoções, descoordenação muscular, diminuição da inibição e ausência do julgamento crítico;
Ø entre 1,8 a 2,7 g/l de álcool no sangue ocorre confusão, vertigens, desequilíbrio, dificuldade na fala e distúrbios sensoriais;
Ø entre 2,7 a 4,0 g/l de álcool no sangue ocorre estupor, apatia e inércia geral; também se registam vômitos, incontinência urinária e fecal;
Ø entre 4,0 a 5,0 g/l de álcool no sangue ocorre coma, inconsciência, anestesia;
Ø Acima dos 5,0 g/l de álcool no sangue ocorre morte por paragem respiratória.

Isto posto, vejamos por comparação e com detalhe a moldura penal abstrata que a lei consagra para o crime de condução de veículo em estado de embriaguez e a TAS desde que é crime até 5,0 g/l

(...)

Entre 3 (três) meses e 3 (três) anos, que correspondem à moldura penal abstrata da proibição de conduzir veículos com motor [artigo 69.º, n.º 1, do Código Penal] decorrem 33 (trinta e três) meses.
Da divisão destes 33 (trinta e três) meses por 2 (dois) resultam 16 (dezasseis) meses e 15 (quinze) dias. Que somados ao limite mínimo da moldura penal abstrata proporcionam o meio da pena abstrata – 19 (dezanove) meses e 15 (quinze) dias.
Idêntico raciocínio se usou para determinar o primeiro e o segundo quartos da moldura penal abstrata, bem como o primeiro, segundo, terceiro e quarto oitavos da mesma, dividindo respetivamente por 4 (quatro) e por 8 (oito) os 33 (trinta e três) meses e adicionando o resultado desta operação ao limite mínimo da moldura penal abstrata.

(...)

Numa primeira abordagem e sem o rigor que seria possível, a uma TAS de 2,204 g/l corresponde proibição de conduzir veículos com motor superior a 11 (onze) meses e 7 (sete) dias.
Naturalmente que esta é uma primeira abordagem.
O raciocínio que se lhe segue, com vista à determinação concreta da medida da sanção acessória leva em consideração todas as circunstâncias que rodearam a prática do crime. E a postura em julgamento de quem o cometeu, bem como o seu passado criminal e as suas condições de vida.

Mas os 3 (três) meses de proibição de conduzir veículos com motor, agora pretendidos pela Recorrente, destinam-se a sancionar delinquentes primários e que adotam postura de reconhecimento do seu comportamento – tal como a Arguida –, mas que apresentem taxa de álcool no sangue igual ou próxima de 1,20 g/l.
Apresentando a Arguida uma TAS de 2,204 g/l, não tem condições para obter o que agora pretende.

Resta deixar expresso que a confissão da Arguida não assume qualquer relevo para a descoberta da verdade, que não está demonstrada a ocasionalidade do comportamento em questão e que ainda coincide com a normalidade a ausência de antecedentes criminais e a inserção profissional e social.

A sentença recorrida não merece reparo.
E o recurso improcede.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s
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Évora, 2023 abril 9
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Maria de Fátima Cardoso Bernardes

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] Souto de Moura, in “A jurisprudência do S .T .J. sobre fundamentação e critérios da escolha e medida da pena” - acessível
em www.stj.pt/ficheiros/estudos/soutomoura_escolhamedidapena.pdf
[4] Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, página 97.