Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3313/11.2TBLLE-C.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: CRÉDITO BANCÁRIO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
Data do Acordão: 04/16/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Resultando dos autos que o título dado à execução pelo Banco é uma livrança subscrita por uma sociedade, sendo os executados demandados juntamente com aquela, na qualidade de avalistas, não está em causa que tal crédito se reporte “ao incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação”, pelo que não tem aplicação o regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, criado pela Lei n.º 58/2012, de 9/11.
Decisão Texto Integral: APEL. Nº 3313/11.2TBLLE-C.E1 (1ª SECÇÃO)


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


Nos autos de execução e penhora que lhes moveu o BANCO (…), S.A., vieram os executados (…) e (…), pelo requerimento certificado a fls. 10/11 do presente recurso em separado, sob a epígrafe “Complemento à oposição à execução e penhora por superveniência de legislação de “ius cogens” e retroactivamente aplicável”, formular as seguintes pretensões:
1 – O reconhecimento da verificação de uma excepção dilatória inominada nos artºs 1º, 2º, 3º e 4º da Lei 58/2012, de 09/11, que impede a procedência da presente execução e penhora enquanto não for efectuada prova, nos presentes autos de haverem sido esgotadas todas as soluções alternativas de negociação.
2 – Declarar a impenhorabilidade absoluta do bem do executado à luz do artº 834º, nº 1, als. a) a c), na redacção que dada pela Lei 60/2012, de 9/11.
3 – Declarar-se extinta a presente instância executiva por existirem bens penhoráveis que não sejam imprescindíveis ao mínimo económico-financeiro imprescindível a uma vida digna por imposição constitucional dos artºs 1º, 2º, 9º, al. b); 13º e 18º, nºs 2 e 3 e DL nº 4/2013, de 11/01, sob pena de o Estado Português tratar de modo discriminatório, em razão do património o executado, face ao exequente, já que socorre económico-financeiramente o primeiro e não estoutro”.
Sustentam os executados, no requerimento que apresentam com o propósito especial de se prevalecerem das medidas consagradas na Lei nº 58/2012, de 09/11, que a 08 de Agosto de 2013 remeteram uma carta ao exequente para que fossem renegociadas as condições de financiamento. Sustentam ainda que preenchem os requisitos a que aludem os artºs 1º, 2º, 3º e 4º da Lei nº 58/2012 para assim lograr obter a imediata renegociação do seu crédito e a sustação da presente acção executiva. Por fim referem também que a Lei 4/2013 sempre conduziria à extinção da presente execução.
Pelo despacho certificado a fls. 3 a 5 dos autos, foram as referidas pretensões objecto de indeferimento, porque manifestamente improcedentes.

Inconformados, apelaram os executados, alegando e formulando as seguintes conclusões:
1 – Contrariamente ao que entende o Mmº Juiz a quo, afigura-se nos presentes autos, verificada a excepção dilatória inominada ínsita nos artºs 1º a 4º da Lei nº 58/2012, de 09/11, que exige que os bancos, havendo casa de morada de família, não iniciem a cobrança coerciva de eventuais créditos usados na aquisição à habitação enquanto não se fizer prova (que cabe ao banco e não ao Tribunal decidindo unilateralmente e favorecendo a parte que tinha o ónus processual).
2 – A dita norma não pode ser interpretada ou restringida apenas ao crédito hipotecário, pois, de outra forma, havendo “casa de morada de família”, como é o caso, em que se trata de habitação do casal e seus familiares, ainda que adquirida com financiamento não directamente timbrado de “habitacional”, nem por isso, por força do artº 13º da CRP 1976 e artºs 20º, nº 1 e 4, 202º, nºs 1 e 2, da CRP 1976, pode o tribunal deixar de entender equivalentes as situações sob pena de as ditas normas padecerem de inconstitucionalidade material por serem discriminatórias, em razão da natureza social e económica.
3 – Contrariamente ao que é referido no despacho judicial, verifica-se, nos termos do artº 834º, nº 1 al. a) a c), do CPC 1961, na redacção introduzida pela Lei 60/2012, de 9/11, a impenhorabilidade absoluta do bem dos executados, sob pena de afrontamento aos valores constitucionais da protecção da propriedade privada e da família, tal qual se encontra nos artº 18º, nºs 2 e 3, artº 62º, nº 1 e 67º, da CRP 1976.
4 – Sendo objecto principal da acção executiva civil, um imóvel usado como morada de família, tal significa a verificação de um bem que, face às Leis de Emergência, mormente o disposto nos artºs 1º, 2º e 9º, al. b), 13º e 18º, do DL 4/2013, de 11/01, é impenhorável e, por isso, não havendo outros bens penhoráveis, implica a extinção da lide executiva.
5 – Não tendo litigado contra o Direito e tendo apresentado um requerimento em data posterior à da oposição à execução e penhora, por ter sido, entretanto, editada legislação de emergência a proteger das habitações familiares adquiridas com recurso a crédito (hipotecário) bancário, não se vê como, sob pena de denegação de tutela jurisdicional efectiva, não pudessem – como fizeram – os executados apresentar os requerimentos sem serem pecuniariamente castigados como o foram.
6 – A aplicação de custas processuais (3UCs) sancionatórias relativamente a requerimentos pertinentes é uma afronta ao direito de propriedade dos cidadãos.
7 – Quanto à aplicação de uma condenação de 2 UCs, para o segundo requerimento, também ela sofre de inconstitucionalidade, por afronta desproporcionada ao direito de propriedade privada ou património dos executados.
8 – Havendo falta de notificação da mandatária, verifica-se uma nulidade processual cujo regime, nos termos do artº 812º do CPC não é a sanação judicial mas sim a extinção de todos os actos praticados, com repetição integral da lide.
9 – O reconhecimento da existência de não ter sido cumprida uma formalidade essencial implica a não possibilidade de condenação em custas (3 UC), tal qual ocorreu, já que nessa situação há uma manifesta contradição.
10 – O despacho judicial de condenação em custas processuais, por três vezes viola o princípio da proibição ne bis in idem, vigente em matéria sancionatória, ex vi artºs 29º, nº 5 e 32º, nºs 1 e 10, da CRP 1976, bem como o princípio da proibição de excesso, ínsito no artº 18º, nºs 2 e 3.
11 – A atribuição ao agente de execução de integral liberdade e arbítrio em sede de acção executiva civil, mormente fixando valores dos bens e permitindo a sua venda ou entrega a terceiros compradores afronta o direito de propriedade – artºs 1º, 2º, 9º, al. b), 13º, 18º, nºs 2 e 3, e 20º, nºs 1 e 4, e 62º, nº 1, 67º, nº 2, al. f) e 202º, nºs 1 e 2, da CRP 1976.
12 – Nulidade do despacho – Existiu erro na determinação da norma aplicável, indicando-se a norma jurídica que no entendimento dos recorrentes devia ter sido aplicada (aplicação analógica, por identidade de razões, das regras de protecção especial do crédito hipotecário habitacional às situações de casa de morada de família – como é o caso) – artº 685º-A, nº 2, al. c), do CPC 1961.
Pelo exposto, sem prejuízo do douto suprimento de Vexas, deve o presente recurso ser admitido e considerado procedente, nos termos em que o mesmo é formulado; declarar-se impenhorável a casa de morada de família, independentemente de existir ou não crédito hipotecário, por imposição constitucional dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da protecção da família; declarar-se nulos todos os actos da lide processual civil executiva por preterição da formalidade essencial – notificação da mandatária.

Não consta que tivessem sido apresentadas contra-alegações.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), segundo se consegue alcançar do confuso processado e conclusões apresentadas pelos recorrentes, parece virem suscitadas as seguintes questões:
- A aplicação ao crédito exequendo do regime previsto na Lei 58/2012, de 9/11, por o bem penhorado nos autos constituir “casa de morada de família”.
- A impenhorabilidade do imóvel penhorado nos autos à luz do artº 834º, nº 1, als. a) a c), na redacção que dada pela Lei 60/2012, de 9/11.
- A nulidade da lide processual executiva por preterição de formalidade essencial – a notificação da mandatária – e sua consequência.
- A desproporcionalidade do montante das condenações em custas impostas nas decisões recorridas.
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Impõe-se, antes de mais, fazer uma breve resenha da tramitação constante dos presentes autos de recurso em separado para melhor se percepcionar o âmbito e objecto do recurso em apreço.
Assim:
- O Banco (…) intentou, em 24/10/2011, acção executiva para pagamento de quantia certa contra a subscritora da livrança dada à execução “(…) - Construções, Lda.” e seus avalistas, entre eles os ora recorrentes, (…) e (…) – cfr. fls. 36/47.
- Os ora recorrentes apresentaram, em 2/11/2012, oposição à penhora efectuada no prédio de sua propriedade, id. nos autos, por constituir “casa de morada de família” – cfr. fls. 67/72.
- Em 15/11/2012 foi proferida decisão indeferindo liminarmente a oposição à penhora deduzida pelos executados por inadmissível nos termos do artº 863º-A do CPC – cfr. fls. 102/104.
- Em 17/12/2012, os executados ora recorrentes, deram entrada ao requerimento que constitui a cópia de fls. 98/99 que apelidaram de “Esclarecimento/Reforma - Despacho” daquela decisão, pedindo que “se digne alterar/reformar o despacho, com cumprimento dos novos valores legais expostos nos artºs 1º, 2º e 3º da Lei 60/2012, de 9/11, que é aplicável a todos os processos pendentes”.
- Tal “Reclamação/reforma” foi objecto de indeferimento, por despacho de 10/1/2013, por ser “anómalo e absolutamente infundado (…)” – cfr. fls. 79 – tendo a decisão a que respeita transitado em julgado.
- O Requerimento que deu origem à decisão ora recorrida intitulado “Complemento à oposição à execução e penhora por superveniência de legislação de “jus cogens” e retroactivamente aplicável”, foi apresentado em 30/09/2013 e dirigido ao processo de execução – cfr. fls. 10/16.
- Pelo requerimento apresentado em 16/10/2013, vieram os executados arguir a nulidade da falta de notificação (da sua mandatária) para se pronunciarem sobre a modalidade de venda do bem penhorado – cfr. fls. 18/21.
- Pelo requerimento apresentado em 26/12/2013 vieram os executados requerer a suspensão da execução, “nos termos do disposto no artº 9º, nº 1 e nº 2, al. b) e artº 40º, nº 2, ambos da Lei 58/2012, de 9/11 (…) por a venda ser susceptível de causar prejuízo grave e irreparável à saúde do executado” – cfr. fls. 23/29.
- A Caixa (…) reclamou no processo um crédito proveniente de hipoteca voluntária sobre o imóvel dos executados, penhorado nos autos.
- Pelo requerimento de 30/12/2013, os executados vieram requerer “se desse sem efeito a decisão da modalidade da venda pretendida pela Srª Agente de Execução e averigúe o valor real do imóvel, tudo nos termos do disposto no artº 812º, nº 7, do CPC” – cfr. fls. 30/35.

Consta ainda da decisão recorrida a seguinte factualidade:
“Depois de terem vindo arguir a nulidade processual decorrente da sua falta de notificação (na pessoa da sua ilustre mandatária), nos termos e para efeitos do artº 812º, nº 1, do CPC, foi a ilustre mandatária dos executados expressamente notificada, a 20/12/2013, nos termos e para os efeitos do citado normativo.
Uma vez notificada veio a ilustre mandatária dos executados opor-se ao valor base proposto para venda do imóvel.
Não consta dos autos que a Sr.ª Agente de Execução já tenha tomado ou proferido qualquer decisão (definitiva) quanto à modalidade de venda e quanto à fixação do valor base do imóvel”.

Apreciando.
A decisão de fls. 3/6 é constituída por três partes, em que a Exma. Juíza conheceu de requerimentos distintos, a saber:
A primeira teve por objecto o conhecimento do requerimento dos executados, intitulado “Complemento à oposição à execução e penhora por superveniência de legislação de “ius cogens” e retroactivamente aplicável”, no qual peticionaram o acima enunciado.
A segunda teve por objecto o conhecimento do requerimento dos executados pedindo a suspensão da execução, com os fundamentos dele constantes (fls. 23).
A terceira teve por objecto, segundo se alcança, a apreciação de um requerimento dos executados de oposição ao valor base proposto para a venda do imóvel (fls.18/21).
Vejamos.
Nas conclusões da sua alegação começam os recorrentes por defender, ao contrário do decidido, a aplicação aos autos da Lei nº 58/2012, de 9/11, que criou um regime extraordinário de protecção de devedores de crédito à habitação em situação económica muito difícil, designadamente, em face do previsto nos seus artºs 1º a 4º.
Cabe desde já referir que não têm qualquer razão os recorrentes, sendo manifestamente anómalo o processado que desencadearam.
Efectivamente, nos termos do nº 1 do artº 2º do referido diploma, o seu regime aplica-se “às situações de incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação destinado à aquisição, construção ou realização de obras de conservação e de beneficiação de habitação própria permanente de agregados familiares que se encontrem em situação económica muito difícil e apenas quando o imóvel em causa seja a única habitação do agregado familiar e tenha sido objecto de contrato de mútuo com hipoteca”.
Sendo que, diz o seu nº 2, tal regime é imperativo para as instituições de crédito mutuantes, nos casos em que se encontrem cumulativamente preenchidos os requisitos previstos no artº 4º.
E quanto a estes, estabelece o referido normativo que “O regime estabelecido na presente lei é aplicável às situações de incumprimento de contratos de mútuo, celebrados no âmbito do sistema de créditos à habitação, em que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) – O crédito à habitação esteja garantido por hipoteca que incida sobre imóvel que seja a habitação própria permanente e única habitação do agregado familiar do mutuário e para o qual foi concedido;
b) – O agregado familiar do mutuário se encontre em situação económica muito difícil nos termos do artigo seguinte;
c) – O valor patrimonial do imóvel não exceda:
(….)
d) – O crédito à habitação não esteja garantido por outras garantias reais ou pessoais, salvo se, neste último caso, os garantes se encontrem também em situação económica muito difícil” (alínea esta, revogada posteriormente à data decisão pela Lei 58/2014, de 25/08).

Ora, conforme resulta dos elementos dos autos, o título dado à execução pelo exequente Banco (…) Português é uma livrança subscrita pela sociedade “(…) – Construções, Lda.”, sendo os executados demandados juntamente com aquela, na qualidade de avalistas, não se vislumbrando que tal crédito se reporte “ao incumprimento de contratos de mútuo celebrados no âmbito do sistema de concessão de crédito à habitação” além de que aquele crédito não está garantido por qualquer hipoteca, mas antes pela penhora efectuada nos autos.
A descrita factualidade não consubstancia, pois, qualquer requisito de aplicabilidade do regime em apreço.
Acresce que, no que respeita ao procedimento de acesso ao regime de protecção de devedores, nos termos do nº 1 do artº 8º tal acesso faz-se “por requerimento apresentado pelo mutuário à instituição de crédito com quem tenha celebrado o contrato de mútuo no âmbito do sistema de crédito à habitação”, o qual “pode ser apresentado até ao final do prazo para a oposição à execução relativa a créditos à habitação e créditos conexos garantidos por hipoteca ou até à venda executiva do imóvel sobre a qual incide a hipoteca do crédito à habitação, caso não tenha havido lugar a reclamação de créditos por outros credores” (nº 2).
Ora, o crédito exequendo não está garantido por hipoteca nem o mesmo se reporta a qualquer contrato de mútuo no âmbito do sistema de crédito à habitação.
Daí que, não só é totalmente infundado, como ainda que se estivesse perante uma situação que pudesse ser integrada no referido regime, e não está, sempre estariam esgotados os prazos legalmente estabelecidos para o efeito, pois a “carta” que os executados dirigiram ao Banco exequente em 8/08/2013 (fls. 12/13) o foi muito depois do final do prazo para a oposição à execução (sendo que, tendo sido deduzida oposição à penhora (e não à execução) pelos executados em 2/11/2012, a decisão do seu indeferimento data de 15/11/2012), encontrando-se findo tal incidente.
É pois, manifestamente infundado e anómalo o incidente a que os executados deram causa com o chamado “Complemento à oposição à execução e penhora por superveniência de legislação de “ius cogens” e retroactivamente aplicável”.

Pretendem ainda os recorrentes, agora em sede de recurso, que “A dita norma não pode ser interpretada ou restringida apenas ao crédito hipotecário, pois, de outra forma, havendo “casa de morada de família”, como é o caso, em que se trata de habitação do casal e seus familiares, ainda que adquirida com financiamento não directamente timbrado de “habitacional”, nem por isso, por força do artº 13º da CRP 1976 e artºs 20º, nº 1 e 4, 202º, nºs 1 e 2, da CRP 1976, pode o tribunal deixar de entender equivalentes as situações sob pena de as ditas normas padecerem de inconstitucionalidade material por serem discriminatórias, em razão da natureza social e económica”.
Trata-se de questão nova não suscitada na 1ª instância e podia tê-lo sido pois é manifesto, da sua simples leitura, o âmbito restrito da aplicação do referido regime, sendo ainda que a invocada inconstitucionalidade da “dita norma” (qual? artº 2º?) tem como fundamento factos que não constam como assentes na decisão recorrida.
Todavia, e não obstante a impossibilidade de aplicação do procedimento aos autos, sempre se dirá que o princípio da igualdade não pode ser interpretado em termos absolutos, impedindo que a lei discipline diversamente quando diversas são as situações que o seu dispositivo visa regular, in casu, ao entender, por razões de política legislativa, criar “um regime extraordinário de protecção dos devedores de crédito à habitação que se encontrem em situação económica muito difícil”.
A pretensão dos recorrentes, totalmente infundada, representa um total desprezo pelos objectivos da Lei que invocam, seus requisitos e possibilidade legal de aplicação processual.
Improcedem pois as conclusões da alegação dos recorrentes no que a esta questão respeita.

No que respeita à impenhorabilidade absoluta do bem dos executados ora recorrentes, por aplicação do disposto “no artº 834º, nº 1, al. a) a c) do CPC de 1961” na redacção introduzida pela Lei 60/2012, de 9/11 e, bem assim, a pretendida extinção da instância por impenhorabilidade do bem, atento o disposto “nos artºs 1º, 2º e 9º, al. b), 13º e 18º, do DL 4/2013, de 11/01”.
É, mais uma vez, totalmente infundada e impertinente, a pretensão dos recorrentes.
Desde logo porque a Lei 60/2012, que alterou o nº 2 do artº 834º do CPC, que condicionou a penhora de bens imóveis não se aplica aos processos pendentes em que a penhora já tiver sido concretizada de acordo com os critérios legais então em vigor, como resulta expressamente do artº 3º do referido diploma, e que foi o caso dos autos.

No que se refere à conclusão 4ª, “Sendo objecto principal da acção executiva civil, um imóvel usado como morada de família, tal significa a verificação de um bem que, face às Leis de Emergência, mormente o disposto nos artºs 1º, 2º e 9º, al. b), 13º e 18º, do DL 4/2013, de 11/01, é impenhorável e, por isso, não havendo outros bens penhoráveis, implica a extinção da lide executiva”.
Mais uma vez, não faz qualquer sentido a pretensão dos recorrentes em manifesto atropelo pelas normas processuais vigentes que regulam a tramitação do processo executivo.
O diploma em apreço teve por objecto um conjunto de medidas urgentes de combate às pendências em atraso no domínio da acção executiva e teve, desde logo, a sua vigência prevista para o período entre a sua entrada em vigor (19/01/2013) e a entrada em vigor das novas regras do processo civil, tendo sido revogada pela Lei 41/2013, de 26/06/2013, que aprovou o novo C.P.C..
A penhora foi efectuada nos presentes autos em 05/09/2012, sendo-lhe pois inaplicável o referido diploma, não se descortinando, aliás, qualquer impenhorabilidade do imóvel em causa decorrente dos normativos que invoca que conduzam à extinção da instância executiva.
De resto, como bem refere a Exma. Juíza a quo, as questões suscitadas de impenhorabilidade e não proporcionalidade da penhora, têm o seu lugar próprio de invocação que é em sede de oposição à penhora e não em requerimento autónomo ao processo principal, largos meses após decisão transitada em julgado da oposição à penhora que entendeu deduzir, pelo que também é manifestamente extemporânea a sua invocação nesta fase do processo e impróprio o modo processual utilizado.

Invocam também os recorrentes, confusamente, na conclusão 8ª, que “Havendo falta de notificação da mandatária, verifica-se uma nulidade processual cujo regime, nos termos do artº 812º do CPC, não é a sanação judicial mas sim a extinção de todos os actos praticados, com repetição integral da lide”.
Embora não expliquem os recorrentes a que nulidade se referem, parece tratar-se da nulidade invocada a fls. 18 relativa à omissão de notificação da sua mandatária da modalidade da venda para se pronunciar.
Ora, a este respeito diz a Exma. Juíza o seguinte:
“Depois de terem vindo arguir a nulidade processual decorrente da sua falta de notificação (na pessoa da sua ilustre mandatária), nos termos e para efeitos do artº 812º, nº 1, do CPC, foi a ilustre mandatária dos executados expressamente notificada, a 20/12/2013, nos termos e para os efeitos do citado normativo.
Uma vez notificada, veio a ilustre mandatária dos executados opor-se ao valor base proposto para venda do imóvel.
Não consta dos autos que a Sr.ª Agente de Execução já tenha tomado ou proferido qualquer decisão (definitiva) quanto à modalidade de venda e quanto à fixação do valor base do imóvel”.
Não questionou na sua alegação de recurso a factualidade que consta da decisão recorrida limitando-se, estranhamente, a concluir que “nos termos do artº 812º do CPC não é a sanação judicial mas sim a extinção de todos os actos praticados, com repetição integral da lide”, sendo certo que não se vislumbra no referido normativo tal consequência, pois ali apenas se determina que “quando a lei não disponha diversamente, a decisão sobre a venda cabe ao agente de execução, ouvidos o exequente, o executado e os credores com garantia sobre os bens a vender”.
A omissão praticada (artº 195º do CPC) ficou sanada pois, de acordo com a decisão recorrida, após a sua arguição foi determinada e efectuada a notificação em falta, vindo na sequência da mesma a Exma. mandatária dos recorrentes a pronunciar-se e a opor-se ao valor base proposto para venda do imóvel.
Não tem, pois, mais uma vez, qualquer fundamento a alegação constante da conclusão 8ª do recurso.

Por fim, quanto ao montante das custas em que foram condenados.
Insurgem-se também os recorrentes quanto ao montante da taxa de justiça que lhes foi aplicada pelo indeferimento dos incidentes suscitados – 3 UCs relativamente aos dois primeiros incidentes (o primeiro relativo ao conhecimento do requerimento intitulado “Complemento à oposição à execução e penhora por superveniência de legislação de “ius cogens” e retroactivamente aplicável”, o segundo relativo ao pedido de suspensão da execução – fls. 23) – e 2 UCs relativamente ao incidente de nulidade suscitado – fls. 18.
Conforme resulta do acima exposto, o presente recurso é manifestamente improcedente, sendo os incidentes suscitados inusitadamente anómalos e impertinentes desprovidos de qualquer fundamento legal.
Daí e bem, deve ser sancionado o comportamento da parte que recorre a tais meios, suscitando incidentes à revelia das normas processuais que regem a respectiva tramitação processual, dando causa a uma actividade do tribunal totalmente desnecessária.
Assim sendo, não merece qualquer censura a decisão recorrida relativamente aos montantes das custas em que os recorrentes foram condenados nos incidentes a que deram causa (artºs 527º e segs. do CPC e artºs 6º e 7º do RCP e tabela anexa).
Por todo o exposto, improcedem, in totum, as conclusões da alegação dos recorrentes impondo-se a confirmação das decisões recorridas.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e consequentemente, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 16 de Abril de 2015
Maria Alexandra de Moura Santos
António Manuel Ribeiro Cardoso
Acácio Luís Jesus das Neves