Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47/12.4PAETZ.E1
Relator: JOÂO GOMES DE SOUSA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
APLICAÇÃO DE MEDIDA DE COAÇÃO
ADEQUAÇÃO E PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – A dedução da acusação não tem a virtualidade de fazer renascer medida de coacção já extinta pelo decurso do respectivo prazo, nem consente a substituição da medida de coacção extinta por outra qualquer que seja insuficiente e inadequada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
Nos autos de Inquérito que correm termos no DIAP de Évora o Ministério Público deduziu acusação contra VM, pela prática, como autor, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, a), 2, 4, 5 e 6 do Código Penal, sendo os últimos actos descritos datados de 30-01-2013.

Nessa acusação e porque as medidas de coacção anteriormente aplicadas ao arguido nos autos (proibição de contactar com a ofendida AM e proibição de permanecer na residência e na área de residência desta) se extinguiram pelo decurso do seu prazo máximo de duração, o Ministério Público requereu à Mma. JIC a aplicação da medida de coacção de obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da respectiva residência, prevista no art. 198º do Código de Processo Penal.

O Tribunal de Instrução Criminal de Évora – por decisão de 12-03-2013 (por lapso vem indicada a data de 2012) – indeferiu o requerido pelo Ministério Público.

Concluiu a decisão recorrida que “a medida adequada é aquela que se extinguiu pelo decurso do prazo (e uma vez que o mesmo não foi acautelado em inquérito) de proibições de contacto, que já não pode o Tribunal aplicar.

Assim, por se considerar que a medida de coacção cuja aplicação vem proposta, no caso concreto, em nada diminuirá os perigos de perturbação de preservação da prova e de continuação da actividade criminosa (nos termos previstos nos arts. 191.º, 193.º, 198.º e 204.º, als. b) e c) do Cód. Proc. Penal), indefere-se o requerido pela Digna Magistrada do Ministério Público, aguardando o arguido os ulteriores termos processuais sujeito às obrigações inerentes ao TIR já prestado”.

Inconformado com aquela decisão da Mª Juíza de Instrução dela interpôs o Ministério Público o presente recurso, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro que aplique a medida de coacção requerida, com as seguintes conclusões:

1ª – O arguido está acusado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artº 152º/1, a), 2, 4, 5 e 6 do Código Penal, sendo os últimos actos imputados datados de 30/01/2013.

2ª - Da factualidade descrita na acusação, da natureza do crime e demais elementos dos autos, resulta a existência de sérios riscos de perturbação da prova e de continuação da actividade criminosa, previstos no artº 204º, b) e c) do Código de Processo Penal, como a Mma. JI reconheceu no despacho recorrido.

3ª - Ao contrário do considerado pela Mma. JI no despacho recorrido, a medida de coacção de obrigação de o arguido se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da residência, prevista no artº 198º do Código de Processo Penal, é eficaz e adequada a afastar tais perigos, por o seu cumprimento ser fortemente inibidor do cometimento de factos idênticos aos descritos na acusação e por, por essa via, acautelar, também, a preservação da prova

4ª - A deslocação ao posto policial, de forma regular, impõe ao arguido uma limitação na sua liberdade ambulatória, que o faz ter presente, em cada momento e reiteradamente, a factualidade pela qual está acusado e a necessidade de não a repetir.

5ª - Implica também, não só um controlo por parte das autoridades policiais da conduta do arguido, como a sensação, por este, de que esse controlo é feito, ficando ciente de que, caso viole as medidas ou pratique novos factos ilícitos na pessoa da ofendida, tal será rapidamente do conhecimento das autoridades policiais.

6ª - Este controlo é fortemente inibidor de novos contactos com a ofendida, sobretudo numa cidade com a dimensão de Estremoz, onde o arguido reside, na qual qualquer deslocação regular à PSP/GNR, sendo socialmente notada e censurada, tem um efeito inibidor acrescido para o destinatário, que sente a sua actuação controlada, quer pelas autoridades policiais onde se desloca, quer pela comunidade onde está inserido e que tem conhecimento de tais apresentações.

7ª - Assim, ao ter indeferido a requerida aplicação ao arguido da medida de coacção de obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência, a Mma. JI violou e fez uma errada interpretação e aplicação dos arts. 191º, 193º, 204º, al.s b) e c) e 198º do Código de Processo Penal.

Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que aplique ao arguido VM a medida de coacção de obrigação de se apresentar duas vezes por semana no posto policial da área da sua residência, nos termos dos arts. 191º, 193º, 204º, al.s b) e c) e 198º do Código de Processo Penal, por ser a única que, presentemente, garante eficazmente as exigências cautelares do processo, fazendo-se, desta forma,

Nesta Relação a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Colhidos os vistos, o processo vem à conferência.

B - Fundamentação:
B.1 - São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo, para além dos que constam do relatório, o teor do despacho judicial:

É o seguinte o teor integral despacho judicial de 12-04-2010, na parte que releva em concreto:

“Foi aplicada ao arguido VM a medida de coacção de proibição de contactos, por qualquer meio, com AM, bem como de proibição de permanência na residência da mesma e no respectivo local de trabalho, prevista no art. 200.º, n.1, als. a) e d) do Cód. Proc. Penal, por decisão proferida em 1/08/2012 (cfr. fls. 141 a 151).

De acordo com o art. 218.º, n.º 2, do CPP, a medida de coacção prevista no artigo 200.º do Cód. Proc. Penal extingue-se quando, desde o início da sua execução, tiverem decorridos os prazos referidos nos arts. 215.º e 216.º, do Cód. Proc. Penal.

Tendo em conta que estamos perante crime de violência doméstica p. e p. no art. 152.º do Cód. Penal, integrado no conceito de criminalidade violenta (cfr. art. 1.º, al. j), do Cód. Proc. Penal), a medida de coacção aplicada extinguiu-se decorridos 6 meses desde o seu início, isto é em 1 de Fevereiro de 2013, uma vez que a acusação não foi deduzida até essa data (cfr. arts. 215.º, n.º 2 e 218.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal).

Pelo exposto, julga-se extinta, pelo decurso do prazo, a medida de coacção aplicada ao arguido.

Requer a Digna Magistrada do Ministério Público a aplicação ao arguido da medida de coacção de apresentação periódica (duas vezes por semana) na autoridade policial mais próxima da sua residência.

Invoca, para fundamentar tal aplicação, a existência de sério risco de perturbação da prova, uma vez que o arguido, à revelia das medidas de coacção impostas, continua a perseguir AM, cercando a sua residência, enviando sms e efectuando telefonemas de teor ameaçador e injurioso, o que permite recear pela espontaneidade na prestação do depoimento por parte da ofendida, por se sentir intimidada pelo arguido.

Mais alega que existe perigo de continuação da actividade criminosa, tendo em conta o carácter reiterado do comportamento do arguido.
Notificado para se pronunciar, alega o arguido que não se justifica a aplicação da medida de coacção proposta, tendo em conta que se divorciou recentemente da ofendida, tendo aceitado convolar o processo litigioso em amigável e assumindo que a relação com a ofendida terminou de vez.

Apreciando o requerido, existem elementos nos autos, nomeadamente o comportamento do arguido descrito na acusação (para que se remete), que indiciam a existência de perigo de continuação da actividade criminosa e de perturbação e preservação da prova previstos nas alíneas b) e c) do art. 204.º do Código de Processo Penal, como refere a Digna Magistrada do Ministério Público.

Podendo ser aplicada, por isso, uma medida de coacção, esta terá de ser adequada a afastar os enunciados perigos, o que não se verifica relativamente à medida de coacção proposta.

De facto, a medida de apresentação periódica é inócua, em nosso entender, para afastar os perigos que se verificam nos presentes autos.

A medida adequada é aquela que se extinguiu pelo decurso do prazo (e uma vez que o mesmo não foi acautelado em inquérito) de proibições de contacto, que já não pode o Tribunal aplicar.

Assim, por se considerar que a medida de coacção cuja aplicação vem proposta, no caso concreto, em nada diminuirá os perigos de perturbação de preservação da prova e de continuação da actividade criminosa (nos termos previstos nos arts. 191.º, 193.º, 198.º e 204.º, als. b) e c) do Cód. Proc. Penal), indefere-se o requerido pela Digna Magistrada do Ministério Público, aguardando o arguido os ulteriores termos processuais sujeito às obrigações inerentes ao TIR já prestado.

Notifique”.

Cumpre conhecer

B.2 - O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

A questão abordada no recurso reconduz-se a apurar, unicamente, se a medida proposta pelo Ministério Público é adequada, proporcional e suficiente para as necessidades resultantes do processo.

B.3 – A excepcionalidade da aplicação de medidas de coacção, face à restrição que representam nos direitos fundamentais, direitos esses cuja atendibilidade resulta directamente da constituição – artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa – não impede que a ordem jurídica constate e consagre a necessidade (a indispensabilidade) da aplicação de tais medidas para a realização de um dos objectivos (valor) do Estado de Direito, a Justiça.

É assim que se impõem vários princípios processuais para a aplicação de tais medidas de coacção, desde logo, as ideias (princípios de…) de necessidade, legalidade, tipicidade, proporcionalidade e adequação, especialidade e subsidiariedade (quanto à prisão preventiva).

Sempre tendo em mente que essas medidas de coacção são medidas cautelares (artigo 191º, nº 1 do Código de Processo Penal) que se destinam a impor limitações pessoais e/ou patrimoniais aos arguidos, tendo em vista garantir o cumprimento da decisão final e o regular andamento do processo.

Ora, vigente desde 1 de Agosto de 2012 a medida de coacção imposta no auto de interrogatório - proibição de contactar com a ofendida AM e proibição de permanecer na residência e na área de residência desta – era uma medida adequada, proporcional e necessária.

Mas tinha prazo de validade e, bem, foi declarada extinta devido ao decurso do prazo e ao atraso do Ministério Público em deduzir acusação.

Neste particular ponto regem os artigos 200º, 215º, nº2, ex vi do disposto no artigo 218º, nº 2 do Código de Processo Penal.

E a imposição de prazos neste tipo de medidas – quando anteriormente a imposição de prazos se limitava à prisão preventiva com extensão posterior à obrigação de permanência na habitação – advém de duas constatações, uma que as medidas de coacção são sempre uma limitação de direitos, outra que é de bom tom tornar o sistema mais célere através de medidas que não façam extinguir os direitos das vítimas, através da consagração de efeitos extintivos ou preclusivos de dedução da acusação, se esta não for deduzida em prazo.

A insatisfação do recorrente Ministério Público é, nesta medida, incompreensível, pois que a extinção da medida pré-existente, não tem a virtualidade de renascer após dedução da acusação, nem a de ser substituída por outra qualquer que seja insuficiente e inadequada.

Porque a medida proposta é insuficiente e inadequada aos factos tais como descritos na acusação entretanto deduzida.

Mas não há a certeza de que o seja no momento actual.

Mas considerando que os autos de recurso não vieram instruídos – e ao Ministério Público incumbia instruí-los de forma adequadamente actualizada – com a evidência da actual necessidade (indispensabilidade) da aplicação de medidas proporcionais e adequadas e o arguido invoca a existência de divórcio e outra atitude pessoal (invocados, que não demonstrados, sendo certo que ónus algum sobre ele recaía de o demonstrar), o recurso deve improceder, sem prejuízo da característica rebus sic stantibus da decisão recorrida.

C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto.

Sem custas.

Évora, 28 de Maio de 2013

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Ana Bacelar Cruz