Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
229/14.4T8PTG-F.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
DIREITO DE REGRESSO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O artigo 311.º do Código Civil aplica-se ao direito de regresso do Fundo de Garantia Automóvel previsto no artigo 54.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 229/14.4T8PTG-F.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…), (…) e (…) deduziram embargos à execução que lhes move o Fundo de Garantia Automóvel.
Invocaram, para o efeito, a inexistência de algum dos fundamentos previstos no artigo 729.º do CPC para a oposição; a excepção de ilegitimidade do embargado enquanto exequente na acção principal; a excepção de prescrição da obrigação exequenda; e a inexigibilidade da obrigação exequenda.
*
O Fundo contestou.
*
Foi proferida sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos.
*
Desta sentença recorrem os embargantes com estes fundamentos principais:
Entendem os recorrentes, que não obstante estarmos no âmbito duma acção executiva, o prazo de prescrição é de 3 (três) anos, por aplicação do n.º 2 do art.º 498.º do Código Civil e da interpretação do n.º 6 do art.º 54.º do DL 291/2007 de 21/08, e mesmo que se entenda que se aplica o prazo ordinário de prescrição, este não se aplicará ao direito de reembolso do FGA em toda na sua globalidade, nem aos juros vincendos que recaiam sobre as quantias em que foram condenados.
Entendem os embargantes que o prazo em que o FGA deverá exercer o direito de reembolso será apenas de 3 (três) anos, mesmo existindo sentença transitada em julgado, não sendo aplicável o art.º 311.º, nº 1, do Código Civil ao direito de reembolso do FGA.
O prazo de prescrição ordinário aplicável por força do art.º 311.º do Código Civil, não se aplicará a todos aos direitos de reembolso que dos pagamentos efectuados resultam.
Se o direito ao reembolso por parte do FGA surge na sua esfera jurídica com os pagamentos, só poderão beneficiar da aplicação do prazo ordinário de prescrição os pagamentos efectuados e a consequente sub-rogação no direito dos lesados, após o trânsito em julgado da decisão.
Ficando de fora os pagamentos e a consequente sub-rogação no direito dos lesados que se reportam a momentos anteriores ao trânsito em julgado do acórdão.
*
O embargado contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.
*
Nesta Relação, a sentença foi anulada e ordenou-se que outra fosse proferida.
*
Foi proferida nova sentença com decisão igual à anterior.
*
Foi interposto novo recurso tendo as partes alegado e contra-alegado em termos idênticos ao que tinham feito antes.
*
Os factos que o tribunal considerou provados são estes:
1) No âmbito da acção declarativa sob a forma de processo ordinário, que correu termos sob o n.º 36/2000 (actual n.º 229/14.4T8PTG), em que são Autores (…), (…) e esposa (…) e Réus (…), (…) e mulher (…), (ora Embargantes), e Fundo de Garantia Automóvel (ora Embargado), por sentença proferida em 15.07.2003, decidiu-se julgar a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente:
a) Condenar os Réus a pagarem à Autora (…) a indemnização de 132.181,00 euros, sendo:
- 49.879,78 € por danos não patrimoniais,
- 2.493,98 € por danos patrimoniais,
- 79.807,66 € por danos futuros,
- a que acresce uma indemnização em forma de renda de 748,20 € por mês, durante 14 meses, descontando-se o que, entretanto, foi pago por força do incidente de arbitramento de reparação provisória;
b) Condenar os Réus a pagarem aos Autores (…) e esposa (…) uma indemnização no montante de 80.136,87 €.
c) Indemnizações a pagar pelos Réus da forma seguinte:
i. Os Réus (…), (…) e mulher (…), e Fundo de Garantia Automóvel, solidariamente, a pagarem aos Autores, em partes iguais, a quantia de 19.951,91 €;
ii. Os Réus (…) e Fundo de Garantia Automóvel, solidariamente, a pagarem a parte restante, com o limite para o Fundo de Garantia Automóvel, de 598.557,48 €.
d) As quantias devidas à Autora (…) de 2.493,98 €, por danos patrimoniais, e das rendas mensais, descontado o que já foi pago, por força da decisão interlocutória, e desde que o foi, e, ainda, a de 80.136,87 €, por danos patrimoniais devidos aos Autores (…) e esposa (…), são acrescidas de juros de mora, à taxa de 7%, desde 16 de Março de 2000.
2) Tendo a Autora solicitado o esclarecimento da sentença, no sentido de se determinar se o pagamento da renda seria efectuado até ao final da vida da Autora ou até perfazer os 70 anos de idade, veio a ser esclarecido que enquanto o Fundo de Garantia Automóvel responde até ao limite da sua responsabilidade, o primeiro Réu responde sem qualquer limite, ou seja, até ao fim da vida da Autora.
3) Na sequência dos recursos de apelação, o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 15.02.2005, decidiu:
a) Não conhecer do recurso de agravo;
b) Julgar deserto, por falta de alegações, o recurso interposto pelos Réus (…) e mulher;
c) Julgar parcialmente procedentes os recursos dos Réus Fundo de Garantia Automóvel e (…) e, consequentemente, revogar parcialmente a sentença recorrida,
d) No sentido de se alterar o montante da indemnização fixada a favor dos Intervenientes, de 80.136,87 € para 46.642,59 €;
e) E no sentido da responsabilidade dos Réus (…) e mulher (…), (em regime de solidariedade com os demais Réus) e sem prejuízo do decidido quanto a juros de mora, ficar limitada à quantia de 598.557,48 €, em vez da quantia de 19.951,91 € fixada na sentença;
f) No mais, foi mantida a sentença recorrida.
4) Na sequência dos recursos de revista, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 04.10.2005, decidiu negar as revistas, quer do Fundo de Garantia Automóvel, quer a dos Réus (…) e mulher.
5) Os autos de execução a que os presentes autos estão apensos fundam-se na decisão judicial condenatória supra citada, transitada em julgado.
6) Por decisão proferida em 14.04.2000, em sede de procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, foram o Embargante (…), ali Requerido, e o Embargado Fundo de Garantia Automóvel, ali também Requerido, solidariamente condenados no pagamento a (…), da quantia de 100.000 esc. (cem mil escudos), sob a forma de renda mensal e como reparação provisória do dano para ela decorrente em consequência do acidente de viação.
7) Por acórdão proferido em 25.01.2001, em sede de recurso de agravo da decisão que antecede, ao mesmo foi negado provimento e confirmada a decisão recorrida, tendo a mesma transitado em julgado.
8) O Fundo de Garantia Automóvel efectuou o pagamento total de 523.483,86 €, sendo que 522.165,01 € correspondem a indemnizações satisfeitas aos lesados e 1.318,85 € a despesas com a instrução do processo.
9) O último pagamento efectuado pelo Fundo de Garantia Automóvel ocorreu no dia 20.11.2016.
10) Por cartas datadas de 25.10.2011, o Fundo de Garantia Automóvel solicitou a (…), (…) e (…), o pagamento da quantia de 523.237,86 €, não tendo os ora Embargantes procedido ao respectivo pagamento.
11) Por requerimento executivo apresentado em 31.07.2013, o Fundo de Garantia Automóvel peticiona o pagamento da quantia total de 662.767,96 €, sendo que 523.237,86 € correspondem ao valor líquido e 139.530,10 € a juros vencidos desde 20.11.2006 a 31.07.2013.
*
O fundamental da argumentação dos recorrentes é que o prazo de prescrição do direito de regresso do Fundo está fixado em 3 anos (agora expressamente, por força do art.º 54.º, n.º 6, Decreto-Lei n.º 291/2007) com o sentido de ser este o único prazo que ao caso se pode aplicar («ao fixar o prazo de 3 (três) anos para o FGA exercer o direito ao reembolso, quis o legislador que este fosse o único prazo existente, fosse em sede de acção declarativa, fosse em sede de acção executiva»). Por isso, ao caso não se aplica o art.º 311.º, Cód. Civil. Questão esta, aliás, prosseguem os recorrentes, que foi discutida e resolvida pelo preceito legal citado em primeiro lugar.
Não concordamos.
Por um lado, nunca esteve em dúvida que ao direito de regresso do Fundo fosse aplicável o n.º 2 do art.º 498.º, Cód. Civil. O que esteve largos anos em discussão foi o momento a partir do qual se contava tal prazo nos casos em que existiam pagamentos fraccionados (cfr. ac desta Relação, de 8 de Setembro de 2016). Hoje, o citado art.º 54.º, n.º 6, tem a solução clara do problema tendo-se optado pela solução de o prazo ter início após o último pagamento.
Mas, repetimos, nunca esteve em dúvida que o prazo do direito de regresso do FGA fosse de 3 anos uma vez que tal resultava já claramente do art.º 498.º, n.º 2, Cód. Civil. Nunca a jurisprudência teve dificuldade em aplicar o regime geral da prescrição aos casos especialmente previsto na lei.
Por outro lado, e também com base neste último ponto, entendemos que é aplicável, a qualquer prazo de prescrição, o art.º 311.º citado.
A remissão que o art.º 54.º, n.º 6, faz para uma norma específica do Cód. Civil não significa que a ela apenas e em exclusivo se refira. Com efeito, sendo este diploma o do Direito Privado comum, temos sempre de ter em mente que é a ele que devemos recorrer quando outros regimes legais de Direito Privado são incompletos. Assim, aquela remissão não tem por efeito apenas a definição de um prazo.
Devemos ter em conta que o citado n.º 6, como já se disse, veio pôr fim a uma questão duvidosa (qual o início do prazo de prescrição do direito de regresso quando houvesse pagamentos fraccionados). Por isso, resolveu-a nos termos indicados. Daí que não possamos ver na remissão para o art.º 498.º, n.º 2, como uma solução excludente de qualquer outro prazo mas antes como uma redacção do texto legal que fosse mais esclarecedora: ao determinar-se o momento do início do prazo de prescrição, o legislador apoiou-se no dito preceito legal para esclarecer que o direito de regresso tem o prazo de três anos, tal como resulta do Código Civil, a contar do último pagamento.
Repare-se que, mesmo que a lei nada dissesse a este respeito, ainda assim a solução seria a mesma.
Com efeito, o art.º 311.º é uma norma de carácter geral inserida na regulamentação de um dado instituto jurídico (o da prescrição). Onde não existam, noutros diploma, norma sobre algum tema em concreto deve-se aplicar o regime geral. No nosso caso, e uma vez que o Decreto-Lei n.º 291/2007 não dispõe de qualquer regra sobre este assunto (isto é, quando existe já uma sentença que reconhece o direito de regresso), aplica-se o Código Civil.
Em abono da sua tese, os recorrentes socorrem-se do ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21 de Junho de 2012, onde se afirma que «o que não é aplicável, é o prazo de vinte anos». Mas esta afirmação surge de forma apodíctica, indiscutível, evidente por si mesma, ou seja, sem qualquer razão que a sustente. Na verdade, depois de examinar a questão da aplicação do art.º 498.º, n.º 2, ao caso de direito de regresso do FGA, e a ela responder afirmativamente, termina com a afirmação transcrita, surgida do nada.
Em sentido contrário, o STJ considerou o seguinte:
«Mesmo que se entendesse que se aplicava aqui o disposto no nº 6 do artigo 54º do Decreto-lei 291/07, de 21.08, diploma esta que revogou o referido Decreto-lei 522/85, em que se estabeleceu que “aos direitos do Fundo de Garantia Automóvel (…) é aplicável o nº 2 do artigo 498º do Código Civil”, o certo é que nada neste preceito nos permite concluir que esse regime constituía um regime especial em relação ao regime estabelecido no nº 1 do artigo 311º do Código Civil, ou seja, nada nos permite concluir que no caso de o direito estar reconhecido por sentença transitada em julgado o prazo a aplicar seria sempre o estabelecido no citado nº 2 do artigo 498º».
Sendo assim, o acórdão (de 9 de Junho de 2016) decidiu o seguinte:
«Esse prazo [o do art.º 498.º, n.º 2] apenas funciona quando se está perante uma acção declarativa instaurada pelo Fundo que vise obter o reconhecimento do seu direito e a condenação do responsável civil no pagamento da indemnização por ele satisfeita, como garante, ao lesado; já não funciona quando se está perante uma execução promovida pelo Fundo com base num título executivo consubstanciado numa sentença transitada em julgado, caso em que o prazo de prescrição é o prazo ordinário de vinte anos».
A solução proposta pelos recorrentes acaba por ter o mesmo sentido que afirmar que o art.º 311.º não se aplica por exemplo, ao caso previsto no art.º 498.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil, o que acaba por tirar qualquer relevo àquele preceito legal.
Sendo assim, o prazo de prescrição aplicável ao caso dos autos é o da prescrição ordinária.
*
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 28 de Setembro de 2017

Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho

Sumário:
O art.º 311.º, Cód. Civil, aplica-se ao direito de regresso do Fundo de Garantia Automóvel previsto no art.º 54.º, n.º 6, Decreto-Lei n.º 291/2007.