Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
238/16.9T8ELV.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
CONTRATO-PROMESSA UNILATERAL
OBRIGAÇÃO
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Perante uma determinada relação jurídica, provando-se que para as obrigações que dela decorrerão para as partes não foi, por acordo, fixado prazo, fixa-o o tribunal a requerimento de uma das partes. Com esta fixação o tribunal supre a vontade das partes na determinação de um dos elementos do acordo, mas não decide da existência, validade, exigibilidade ou obrigação de o cumprir.
2. Tratando-se de promessa unilateral, no âmbito da qual apenas uma das partes assumiu determinada obrigação, não sendo fixado prazo dentro do qual o vínculo se mantém eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará, nos termos do art.º 411.º do C. Civil.
3. Não estando fixado prazo no contrato promessa unilateral para o cumprimento da obrigação assumida pelo promitente, torna-se necessário a fixação de um prazo, atenta a natureza da obrigação assumida e das circunstâncias que a determinaram e não tendo as partes acordado na sua determinação, ao abrigo do disposto no n.º2 do art.º 777.º do C. Civil.
4. A ação de fixação judicial de prazo prevista nos art.ºs 1026.º e 1027.º do C. P. Civil tem como pedido o de fixação do prazo e como causa de pedir a ausência de acordo das partes na fixação do prazo.
5. A discussão sobre questões substantivas – inexistência, nulidade ou prescrição da obrigação, entre outras – não são objeto de discussão e apreciação no processo especial de fixação judicial do prazo, por se incluírem nos temas a resolver no âmbito da ação comum.
6. Porém, não se justifica, por ser manifestamente inútil, a fixação judicial de prazo para o cumprimento de obrigação a quem não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora
***

I. Relatório.
1. AA, casado, residente na Rua …, n.º …, em Évora, intentou a presente ação especial de fixação judicial de prazo contra BB, casado, residente na Avenida …, em Campo Maior, pedindo que seja fixado ao Requerido o prazo de 90 (noventa) dias para proceder à marcação da escritura ou contrato de cessão das quotas na sociedade, conforme prometido.
Alegou, em resumo, que em 19 de Março de 1984, pelo Cartório Notarial de Elvas, foi outorgada uma escritura pública de “trespasse, de compra e venda, cessão de créditos e fiança, através da qual o aqui Requerido adquiriu o direito ao trespasse, aos móveis e às existências e à clientela da sociedade comercial “CC, Lda.”. O Requerente além de ser sócio e gerente daquela sociedade desempenhava a tempo inteiro as funções de direção de vendas e de relações públicas com as marcas representadas, vivendo do rendimento que auferia com este trabalho e tendo em vista aproveitar os conhecimentos do Requerente e no sentido de este não se opor ao trespasse, o Requerido prometeu ao Requerente que na sociedade a constituir para exploração da atividade adquirida, o Requerente teria uma participação de 15% do capital.
Com data de 19/03/1984 foi redigido a promessa que consta do documento apresentado a fls. 20, cuja assinatura do Requerido foi reconhecida notarial e presencialmente no Cartório Notarial e Elvas em 26/03/1984 e apesar de posteriormente o Requerido se haver ausentado do país, o Requerente não desistiu de lhe enviar cartas solicitando o cumprimento da promessa, sem que haja conseguido obter essa marcação.
Citado, o Requerido contestou invocando, título de exceção, a prescrição do direito peticionado pelo Requerente, bem como a inexistência desse mesmo direito. E, complementarmente, invocou a inutilidade da fixação judicial de prazo.
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Realizado o julgamento foi proferida sentença que julgou a ação procedente e “fixou em 90 (noventa) dias o prazo para o Requerido BB proceder à marcação da escritura de constituição de sociedade ou à celebração de contrato de cessão das quotas de sociedade já constituída a favor do Requerente AA, nos termos e em conformidade com o declarado na promessa unilateral datado de 19.03.1984”.
Desta sentença veio o requerido interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) A factualidade articulada e provada não permite julgar a ação procedente.
b) O presente processo é de fixação judicial de prazo regulado pelo disposto nos art.ºs 1026.º e 1027.º do CPC em conjugação com o disposto no art.º777.º, n.º1 e 2 do CC.
c) O único pedido possível nesta ação é a fixação do prazo e a causa de pedir é a falta de acordo entre o devedor e o credor quanto ao momento do cumprimento da obrigação (art.º777.º, n.º2 do CC) (cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., pág. 42).
d) Faltando esse acordo entre as partes incumbe então ao tribunal a fixação do prazo para o exercício do direito ou o cumprimento do dever (art.º 1026.º do CPC e 777.º, n.º 2 do CC).
e) O facto de não ser exigida legalmente a prova do direito invocado pelo Requerente, nem por isso a lei dispensa a justificação desse direito, devendo entender-se por tal justificação, pelo menos, a aparência do direito (“fumus boni juris”) exigida nos
procedimentos cautelares (Ac. do STJ) de 14/12/2006 p.06B3880 e Ac. RC de 13/03/1984, CJ, IX, 2.º, 37, 1.ª Col. 2º a 5º PAR.).”
E o requerente não justificou o seu direito, como deveria ter feito (art.ºs 1026.º e
368.º n.º1 do CPC e 777.º, n.º1 e 2 do CC).
f) O documento transcrito no n.º 7 dos Factos Provados não consubstancia o reconhecimento de qualquer dívida ou outra obrigação por parte do Requerido. Não é, pois, uma promessa unilateral do Requerido. Trata-se, antes, de um mero documento informativo da futura gestão do estabelecimento trespassado. Nele não se indicam, sequer, os elementos essenciais do contrato de sociedade, designadamente, a natureza da entrada e os pagamentos por conta da quota por parte do Requerente. O documento não corporiza qualquer direito do Requerente.
g) Mas mesmo que o referido documento incorporasse um direito de crédito a favor do Requerente, o que não se admite, o mesmo já está prescrito, uma vez que o documento (n.º7 dos Factos Provados) está datado de 19 de Março de 1984 e o Requerido foi citado para a presente ação em 14 de Abril de 2016. Decorreram mais de 32 (trinta e dois) anos, sendo certo que o prazo ordinário de prescrição é de 20 (vinte) anos (art.ºs 309.º e 306.º n.º1 do CC).
Tratando-se de obrigação pura, a contagem do prazo da prescrição coincide com a data da constituição da obrigação já que é possível haver interpelação do credor (art.ºs 306.º, n.º1 e 777.º, n.º 1 e 805.º, n.ºs 1, todos do CC.)
O Requerido, tem, assim, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 304.º, n.º1 do CC).
h) O Requerente também está legalmente obrigado a justificar o pedido, o que não fez, pois um dos fatos essenciais integrantes dessa justificação é o desacordo das partes na determinação do prazo (n.º2 do art.º 777.º do CC). A falta de acordo na determinação do prazo não consta da relação dos Factos Provados e nem foi, sequer, articulada pelo Requerente.
Falta, pois, a causa de pedir (falta de acordo na determinação do prazo) no presente processo, o que torna inepto o requerimento inicial e nulo todo o processo (exceção de conhecimento oficioso, que se invoca para todos os efeitos legais (art.ºs 186, n.º1 e 2, alínea a) do CPC).
i) O Requerente nunca, de resto, interpelou o Requerido para comparecer no Cartório Notarial para cumprir qualquer obrigação, apesar de ter tido possibilidades de o fazer (art.º805.º, n.º1 do CC).
j) A fixação judicial do prazo também não se justifica por ser totalmente inútil, uma vez que o Requerido (1) não reconhece ter qualquer obrigação para com o Requerente (2) se recusa ao cumprimento de qualquer obrigação para com o Requerente, como o manifestou já na sua Resposta, (3) já não é proprietário do estabelecimento comercial referido no documento subscrito pelo Requerido em 19/03/1984 e nos n.ºs 1 e 7 dos Factos Provados e ainda (4) porque o valor nominal da sua quota na sociedade DD, Lda. corresponde apenas a 0,0125% do seu capital social.
k) É, assim, objetivamente impossível, quer de facto quer de direito, que o Requerido constitua uma sociedade com o Requerente para explorar o referido estabelecimento comercial que já não lhe pertence desde Dezembro de 1996 ou que proceda à cessão da sua quota, ou parte dela, a favor do Requerente na sociedade CC, Lda. De modo a que o Requerente fique com uma quota correspondente a 15% do capital social, quando a quota do Requerido representa apenas 0,0125% desse mesmo capital social.
l) A fixação judicial do prazo de 90 dias, pela douta sentença recorrida, para o “Requerido proceder á marcação da escritura de constituição de sociedade ou à celebração de contrato de cessão de quotas de sociedade já constituída a favor do requerente, nos termos e em conformidade com o declarado na promessa unilateral datada de 19/03/1984” não tem, pois, qualquer efeito útil por manifesta falta de justificação.
m) Também, nesta parte, o Tribunal “a quo” violou o disposto no art.º1026.º do CPC, por total falta de justificação do pedido.
n) A jurisprudência é praticamente unanime em considerar não justificada, por inútil, a fixação judicial do prazo para cumprimento de obrigação a quem não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la. (Ac. STJ. de 14/12/2006; Ac. RP, de 16/02/1989; Ac. RL de 19/10/1979, de 12/07/83, de 29/03/1984 e de 27/06/1991, transcritos nos locais assinalados acima).
o) A douta sentença violou as normas jurídicas constantes dos art.ºs 1026.º do Código de Processo Civil e art.ºs 777.º, n.º 1 e 2, 304.º n.º1, 306.º n.º1 e 309.º, todos do
Código Civil.
p) A douta sentença deve, pois, ser revogada, absolvendo-se o Requerido do pedido.
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Contra alegou o Requerente, defendendo a bondade e manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que a questão essencial decidenda consiste em saber se ocorre, ou não, fundamento legal para a fixação judicial do prazo mencionado na decisão recorrida.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Factos provados.
1.1. Na 1.ª instância foi considerada assente, e inquestionada pelo recorrente, a seguinte factualidade:
1. Em 19 de Março de 1984, pelo Cartório Notarial de Elvas, foi outorgada uma escritura pública de “trespasse, de compra e venda, cessão de créditos e fiança” através da qual o aqui Requerido adquiriu o direito ao trespasse, aos móveis, às existências e à clientela da sociedade comercial “CC, Lda.”, tudo conforme documento apresentado a fls. 8/18, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
2. O ora Requerente também foi um dos outorgantes daquela escritura em virtude de ser sócio da aludida sociedade “CC, Lda.”.
3. O Requerente para além de ser sócio e gerente da sociedade, desempenhava também, a tempo inteiro, funções de direção de vendas e de relações públicas com as marcas representadas, com outros fornecedores, com os clientes e nos serviços de pós-venda, ou seja, o aqui Requerente não tinha qualquer outra atividade, vivendo exclusivamente do rendimento que auferia com o seu trabalho na sociedade.
4. Também a mulher do Requerente, desempenhava funções na qualidade de administrativa no escritório da sociedade “CC, Lda.”.
5. A sociedade “CC, Lda.”, à época era a agente no distrito de Portalegre dos veículos da marca OPEL, com oficina especializada na marca, assim como de toda a gama de produtos da Petrogal/GALP, com posto de abastecimento/venda de combustível.
6. O Requerido pagou o preço devido pelo trespasse, pela venda de todas as mercadorias e pela total cessão de créditos da sociedade “CC, Lda.”, que importou na quantia total de Pte 15 403 296$00 – quinze milhões, quatrocentos e três mil duzentos e noventa e seis escudos, conforme decorre do teor da referida escritura pública.
7. Com data de 19 de Março de 1984, o Requerido subscreveu o documento dirigido ao Requerente e junto a fls. 20, cuja assinatura foi reconhecida pelo Cartório Notarial de Elvas em 26 de março de 1984, de onde consta o seguinte:
Venho confirmar que, conforme foi entre nós combinado, que a aquisição do trespasse e móveis e existências da firma CC, constante da escritura hoje assinada no Cartório Notarial de Elvas, se destina a constituição duma sociedade que terá o capital de vinte milhares de escudos e na qual V. terá uma quota no valor de quinze por cento do capital.
Com os meus cumprimentos sou
Campo Maior, 19-3-84
Atentamente
(assinatura ilegível).”
8. Posteriormente, o Requerido teve que se ausentar do País, o que foi comunicado ao ora Requerente.
9. Porém, nunca o Requerente desistiu de escrever ao Requerido, conforme decorre das cartas apresentadas a fls. 24/30, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, remetidas em 1988, a primeira e em 2008 a segunda.
10. O Requerente nunca mais conseguiu falar com o Requerido nem sequer telefonicamente.
11. O reconhecimento notarial da assinatura do Requerido aposta no documento junto a fls. 20 é por semelhança e não presencial.
12. Conforme se fez constar na cláusula segunda da escritura pública supra referida “Todo o pessoal que trabalha no estabelecimento trespassado transitará para o segundo outorgante (ora Requerido), a cargo do qual ficam todas as obrigações referentes aos respetivos contratos de trabalho ou emergentes da sua violação…”.
13. O referido estabelecimento comercial estava numa difícil situação económica e financeira, tendo até os sócios da sociedade “CC, Lda.”, entre os quais o Requerente, se constituído fiadores e principais pagadores perante o Requerido relativamente a eventuais passivos ocultos da sociedade trespassante, cujo pagamento viesse, entretanto, a ser exigido ao Requerido.
14. A sociedade DD, LDA. foi constituída e exerce a sua atividade desde 13 de Dezembro de 1996.
15. A sociedade DD foi constituída com o capital social de 400.000$00
(quatrocentos mil escudos), dividido em duas quotas, uma com o valor nominal de 380.000$00 (trezentos e oitenta mil escudos) pertencente á sócia “EE – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” e outra com o valor nominal de 20.000$00 (vinte mil escudos), pertencente ao sócio BB, ora Requerido.
16. A sociedade DD tem por objeto social o comércio de veículos automóveis, peças e acessórios, manutenção e reparação de veículos e venda de combustíveis.
17. A sociedade DD aumentou o seu capital social de 400.000$00 (quatrocentos mil escudos) para 1.000.000.00€ (um milhão de euros), tendo atualmente a sócia maioritária EE uma quota no valor nominal de 999.875,00€ (novecentos e noventa e nove mil e oitocentos e setenta e cinco euros) e o ora Requerido uma quota no valor nominal de 125.00€ (cento e vinte e cinco euros), correspondente a 0,0125% (zero vírgula zero cento e vinte e cinco por cento) do capital social.
18. O Requerido recebeu as cartas apresentadas a fls. 85/86 e 88.
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2. O direito.
Como é consabido, a ação de fixação judicial de prazo encontra-se prevista nos artigos 1026.º e 1027.º do atual C. P. Civil (correspondendo aos anteriores art.ºs 1456.º e 1457.º), dispondo o primeiro que: «quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indicará o prazo que repute adequado».
Este processo especial, como de jurisdição voluntária, tem como pressuposto que incumba ao tribunal a fixação de um prazo, visando unicamente a fixação de um prazo, aplicando-se às situações previstas no n.º2 do art.º 777.º do C. Civil, isto é, apesar da falta de estipulação ou de ausência de disposição legal de prazo para o cumprimento, a prestação não pode ou não deve ser imediatamente exigida atenta a sua natureza, as circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, podendo também aplicar-se, como se refere na decisão recorrida, aos casos previstos nos artigos 411.º, 897.º, nº 2, e 907.º, nº 2, todos do C. Civil [1].
São requisitos de procedência da pretensão de fixação judicial de prazo a invocação de uma situação passível de gerar uma obrigação e a inexistência de prazo legal ou contratualmente definido [2].
Assim também se pronunciou o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/10/2017 (Cristina Coelho), dgsi.pt, em cujo sumário se exarou. “No processo judicial de fixação de prazo o requerente terá, apenas, de justificar o pedido da fixação, e não já de fazer prova dos seus fundamentos”.
Assim, a ação de fixação judicial tem como pedido o de fixação do prazo e como causa de pedir a impossibilidade de acordo das partes na fixação do prazo [3].
Na realidade, a ausência de prazo envolve uma indefinição da obrigação quanto ao momento do cumprimento, ou seja, impede o seu vencimento e a eventual constituição em mora e, consequentemente, as emergentes consequências jurídicas.
Daí se atribuir ao tribunal, em última instância, e na falta de estipulação ou ausência de acordo das partes, a definição do prazo da obrigação. Da obrigação enquanto situação jurídica delimitada pela alegação e não da obrigação como crédito ou débito de uma das partes sobre a outra.
Resumindo, perante uma determinada relação jurídica, provando-se que para as obrigações que dela decorrerão para as partes não foi, por acordo, fixado prazo, fixa-o o tribunal a requerimento de uma das partes. Com esta fixação o tribunal supre a vontade das partes na determinação de um dos elementos do acordo, não decide da existência, validade, exigibilidade ou obrigação de o cumprir.
Na verdade, tal como igualmente vem afirmado na sentença recorrida, a matéria substantiva subjacente – no caso, existência e validade do contrato ou prescrição da obrigação - não é apreciada nesta ação, que nada decide sobre tais questões, não se formando a esse respeito caso julgado [4].
Daí a exclusão do âmbito desta ação especial o conhecimento de questões substantivas, em particular a prescrição da obrigação invocada pelo recorrente.
Sob a epígrafe “ Promessa unilateral”, prescreve o art.º 411.º do C. Civil:
Se o contrato-promessa vincular apenas uma das partes e não se fixar o prazo dentro do qual o vínculo é eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará”.
Estamos perante o denominado contrato unilateral, que se distingue do contrato bilateral, quanto ao modo como se distribuem as obrigações resultantes do negócio: no primeiro caso, gera-se uma obrigação apenas para uma das partes, no caso o promitente, aquele que prometeu celebrar determinado negócio, enquanto no contrato bilateral derivam obrigações recíprocas a cargo de ambas – cfr. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 12.ª edição, pág. 360; Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 4.ª edição, pág. 65; e Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. I, 2017, 14.ª edição, pág. 212.
No contrato promessa unilateral apenas uma das partes se obriga à celebração do negócio prometido, o promitente, enquanto o outro contraente (beneficiário da promessa) fica na posição vantajosa de poder celebrar o contrato prometido, determinando-se pelo que mais lhe convier no momento aprazado para a celebração do negócio ( cfr. Acórdão do T. da Rel. de Évora, de 12/12/1995, BMJ, 452.º-507 e Antunes Varela, “Sobre o Contrato-Promessa”, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 15 e 26).
E não sendo indicado prazo de eficácia do negócio, o promitente tem a faculdade de requerer ao tribunal a fixação de um prazo à outra parte para que, dentro dele, esta exerça o seu direito, sob pena de caducidade - cfr. Almeida Costa, ob. cit., pág. 409.
Como refere Menezes Leitão, ob. cit., “no contrato promessa unilateral, a lei considera que o direito à celebração do contrato definitivo apenas deve poder ser exercido dentro de um prazo limitado, pelo que, sempre que as partes não o estipulem, é possível ao promitente fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará”.
Neste sentido, afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, pág. 385, que é afastado o prazo normal da prescrição, permitindo-se ao tribunal fixar um prazo de caducidade.
No caso dos autos o Recorrente não impugnou a factologia mencionada no n.º7 dos factos assentes, que consubstancia uma declaração reduzida a escrito e por si assinada, em 19 de Março de 1984, com a assinatura reconhecida, no âmbito da qual assume, perante o autor, que “a aquisição do trespasse e móveis e existências da firma CC, constante da escritura hoje assinada no Cartório Notarial de Elvas, se destina a constituição duma sociedade que terá o capital de vinte milhares de escudos e na qual V. terá uma quota no valor de quinze por cento do capital”, ou seja, o recorrente prometeu que na sociedade a constituir para a exploração da atividade adquirida à sociedade “CC, Lda.” o autor teria uma participação de 15% no seu capital, vinculando-se, assim, unilateralmente a celebrar um contrato de cessão de quotas - art.ºs 410.º/2 e 411.º do C. Civil [5].
Assim, está sumariamente demonstrado que estamos perante uma declaração negocial, válida e eficaz, e não declaração de intenções como refere o recorrente, como se extrai do contexto em que foi produzida, no âmbito da celebração de escritura pública de trespasse e venda mencionada em 1) dos factos assentes, na qual o recorrido interveio como sócio e gerente da sociedade “CC, Lda., em que o recorrente declara ao recorrido que “ conforme foi entre nós combinado”, ou seja, aquando da celebração dessa escritura, hoje assinada no Cartório Notarial de Elvas, se destina a constituição duma sociedade que terá o capital de vinte milhares de escudos e “na qual V. terá uma quota no valor de quinze por cento do capital.” – cfr. art.ºs 217.º/1 e 224.º/1 e 236.º do C. Civil.
A ser uma declaração de intenções, mal se compreenderia a preocupação em reconhecer notarialmente a sua assinatura.
Por isso, está demonstrada a aparência do direito do recorrido (fumus boni juris ) e não se mostra fixado qualquer prazo para o cumprimento da obrigação assumida pelo recorrente, independentemente da existência, ou não, da obrigação ou da sua exigibilidade, tornando-se necessário a fixação de um prazo, atenta a natureza da obrigação assumida e das circunstâncias que a determinaram, sendo que as partes não acordaram na sua determinação, nos termos do n.º2 do art.º 777.º do C. Civil.
Todavia, coloca-se a questão de saber se, apesar da posição assumida pelo recorrente na sua contestação, negando a existência da obrigação e manifestando a intenção de recusa em cumpri-la, ainda assim se justifica a fixação de prazo para cumprimento da obrigação, face à ausência de acordo, remetendo para a ação comum de incumprimento o conhecimento da apreciação efetiva da existência da obrigação.
Ora, tem-se entendido não se justificar, por ser manifestamente inútil, a fixação judicial de prazo para o cumprimento de obrigação a quem não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la [6].
Na realidade, nestes casos, a estipulação de tal prazo não é essencial, sendo até inútil, para eventual apreciação de uma situação de mora e subsequente incumprimento definitivo da obrigação, caso esta venha a ser julgada existente e válida, visto que o devedor considera, desde logo, não ter qualquer intenção em cumprir a obrigação, assumindo, assim, o incumprimento definitivo, dispensando qualquer interpelação para o seu cumprimento [7].
E assim sendo, tem fundamento a invocação pelo recorrente de inutilidade de fixação do prazo, por ter negado a existência da obrigação e recusar-se a cumpri-la por se encontrar prescrita, citando jurisprudência [8] nesse sentido, nomeadamente não se justificar, “por inútil, a fixação judicial de prazo para cumprimento de obrigação a quem não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la”, ou que “não cabe fixação judicial de prazo para a celebração de um contato que antecipadamente se sabe que uma das partes não o celebrará”.
Na verdade, o recorrente, na contestação, negou a existência de qualquer obrigação para com o recorrido, alegando que a carta identificada em 7) dos factos provados “não passa de uma simples informação para a futura gestão do estabelecimento trespassado, estratégia que o Requerido veio a abandonar posteriormente”, e não decorrer desse documento escrito a constituição da obrigação de transmitir uma quota numa futura sociedade, essa obrigação, e que a existir, encontra-se prescrita, dado o decurso de mais de 20 anos (32 anos) sobre a sua constituição e recusa o seu cumprimento, posição que reafirma nas suas alegações e conclusões de recurso, para além de considerar inútil a fixação de qualquer prazo porque apenas detém na sociedade constituída uma quota de 0,1225%.
A este propósito, na esteira do assim também decidido pelo Acórdão do STJ, de 14/12/2006, sublinha-se no mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/10/2017, que “Negando a R. a existência da obrigação, recusa-se, consequentemente, a cumpri-la, pelo que é, em todo o caso, também, defensável o entendimento de que não se justifica a fixação judicial de prazo para cumprimento da obrigação, a quem antecipadamente declarou não a cumprir”.
Daí não se justificar a fixação de prazo para o efeito, razão pela qual não se acompanha a decisão recorrida, a qual não pode ser mantida.
Procede, pois, a apelação.
Vencido no recurso suportará o recorrido as custas da apelação assim como as devidas na 1.ª instância - art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Perante uma determinada relação jurídica, provando-se que para as obrigações que dela decorrerão para as partes não foi, por acordo, fixado prazo, fixa-o o tribunal a requerimento de uma das partes. Com esta fixação o tribunal supre a vontade das partes na determinação de um dos elementos do acordo, mas não decide da existência, validade, exigibilidade ou obrigação de o cumprir.
2. Tratando-se de promessa unilateral, no âmbito da qual apenas uma das partes assumiu determinada obrigação, não sendo fixado prazo dentro do qual o vínculo se mantém eficaz, pode o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará, nos termos do art.º 411.º do C. Civil.
3. Não estando fixado prazo no contrato promessa unilateral para o cumprimento da obrigação assumida pelo promitente, torna-se necessário a fixação de um prazo, atenta a natureza da obrigação assumida e das circunstâncias que a determinaram e não tendo as partes acordado na sua determinação, ao abrigo do disposto no n.º2 do art.º 777.º do C. Civil.
4. A ação de fixação judicial de prazo prevista nos art.ºs 1026.º e 1027.º do C. P. Civil tem como pedido o de fixação do prazo e como causa de pedir a ausência de acordo das partes na fixação do prazo.
5. A discussão sobre questões substantivas – inexistência, nulidade ou prescrição da obrigação, entre outras – não são objeto de discussão e apreciação no processo especial de fixação judicial do prazo, por se incluírem nos temas a resolver no âmbito da ação comum.
6. Porém, não se justifica, por ser manifestamente inútil, a fixação judicial de prazo para o cumprimento de obrigação a quem não reconheça a sua existência e se recuse, por consequência, a cumpri-la.
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V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, absolvendo o réu do pedido.
Custas da apelação e na 1.ª instância a cargo do recorrido/autor.
Évora, 25 de janeiro de 2018

Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] ) Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/4/2000, in BMJ 496.º – 227; e de 21/3/2000, “Sumários”, 39.º-18,”; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/10/2004, Proc. n.º 1168/04, e de 1/3/2016, Proc. n.º 1056/14.4TJCBR.C1, disponíveis em www.dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24/1/2005, JTRP00037628, dgsi.pt; e Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado, 4.ª edição, 2017, Ediforum, pág.1449.
[2] ) Cf. Acórdão do STJ de 14/1172006, proc. 06B3435, www.dgsi.pt, e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9/12/2010, Proc. n.º 5319/09.2TCLRS.L1-8, e de 6/11/2014, Proc. n.º 203/14.0TBPDL-8, www.dgsi.pt.
[3] ) «Na ação de fixação judicial de prazo – ação de jurisdição voluntária – o objeto da decisão limita-se à afirmação da necessidade de fixação de prazo em função do tipo de estipulação estabelecida pelas partes e à respetiva obrigação imposta judicialmente» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2009, Proc. n.º 1307/06.9TBPRD.S1 (Fonseca Ramos).
«A causa de pedir nesta ação consubstancia-se tão só na falta de acordo entre o credor e o devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação ( ou o exercício de um direito» Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Outubro de 2011, Proc. n.º 4236/10.8TBFUN.L1-7 (Luís Espírito Santo).
[4] ) Assim se tem uniformemente decidido na jurisprudência.
“A finalidade deste processo de jurisdição voluntária é, portanto, a de fixação judicial de prazo - nos casos em que ele não tenha sido fixado ou quando o credor e o devedor não chegaram a acordo sobre esse ponto - tendo-se em vista tornar efetivo o direito das partes a verem estabelecido um prazo para que se possa julgar vencida a obrigação que foi assumida. (…) Tal significa que nesta ação a função jurisdicional apenas incide sobre a fixação – ou não – do prazo para cumprimento de uma obrigação e logo se esgota no preciso momento em que se profere a decisão» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22 de Maio de 2012, Proc. n.º 784/11.1TBLRA.C1 (Carlos Moreira).
“O equívoco resulta do facto de pretender discutir numa ação desta natu­reza questões que ultrapassam largamente a finalidade tida em vista pelo leg­isla­dor ao introduzir no elenco dos processos de jurisdição voluntária o de fixação judicial do prazo (art.ºs 1456º e 1457º do CPC). Ora, ao decidir, em suma, que não se compreendia no caso sub judice a razão de ser da ação posta pelo recorrente uma vez que foi ele próprio a reconhecer a existência de um acordo entre as partes quanto ao prazo de cumprimento da obrigação, o acórdão recorrido fez uma apli­cação correta da juris­prudência constante deste STJ, toda ela no sentido de que o processo de fixação judicial de prazo não comporta a discussão de questões de natureza contenciosa - inexistência ou nulidade da obrigação, incumprimento definitivo, resolução, etc. – pois tudo isso são problemas a resolver no quadro de uma ação comum, insuscetível de confusão com o presente processo especial, de cariz menos formal e mais expedito» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 2006, n.º convencional 06B3435 ( Nuno Cameira), www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31 de maio de 2010, proc. n.º 770/07.5TVP.P1, dgsi.pt; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22 de novembro de 2010, CJ, 2010, 5.º-194; e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de dezembro de 2010, proc. n.º 5319/09.2TCLRAS.L1-8, dgsi.pt.
[5] ) Antunes Varela, in “Sobre o Contrato-Promessa”, 2.ª edição, Coimbra Editora, págs. 14 e 15 chamando à atenção para a alteração ao n.º2 do art.º 410.º do CC que foi dada pelo Dec. Lei n.º 379/86, dizendo que “se no contrato promessa só uma das partes se obriga a contratar, enquanto a outra não se obriga a contratar, nem promete qualquer contraprestação em troca do benefício que recebe, nenhuma razão séria existe, de facto, para negar a validade ao contrato, se só o primeiro dos contraentes o subscrever”.
[6] ) Cfr. Acórdão do STJ, de 14/12/2016 (Oliveira Barros), e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/10/2017 (Cristina Coelho), disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] O caráter definitivo do incumprimento da obrigação ocorre nas circunstâncias descritas no art.º 808.º/1 do C. Civil, a saber: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; c) se o devedor declarar inequívoca e perentoriamente ao credor que não cumprirá a obrigação.
Entende-se como incumprimento definitivo “a recusa (inequívoca) de cumprimento”, nela se incluindo não só a declaração de não querer cumprir, como, em geral, todo o comportamento do devedor suscetível de indicar que não quer ou não pode cumprir – cf. Acórdãos do STJ de 04.07.02, Sumários, 2002, 247; e de 9.03.2010, processo n.º 5647/05.6TVLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] ) Acórdão do STJ, de 14/12/2006, p. 06B3880, in dgsi.pt; Acórdão do Tribunal Relação do Porto, de 16/02/1989, in C.J. Ano XIV, 1º., 1989, Tomo 1; e Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/10/1979 e 12/07/1983 in CJ, IV, 1207.º e VIII, 4, 99-II.