Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1890/09.7PBFAR-A.E1
Relator: JOSÉ MARIA MARTINS SIMÃO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
NATUREZA URGENTE DO PROCESSO
FÉRIAS JUDICIAIS
Data do Acordão: 06/28/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Todos os prazos relativos aos processos por crime de violência doméstica correm durante os fins-de-semana, feriados e férias judiciais, sem necessidade de ser proferido, a respeito, qualquer despacho.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
1º- Nos autos de processo Comum Singular com o número acima mencionado do 2º Juízo Criminal de Faro, o Mmo Juiz rejeitou por extemporâneo o requerimento para a abertura da instrução apresentado pelo arguido M.
Inconformado, o arguido recorreu deste despacho tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
“A) O despacho que indeferiu o pedido de abertura da instrução por extemporâneo é ilegal;
B) A aplicação do disposto no art. 103º nº 2 do CPP aos crimes de violência doméstica por força do disposto no art. 28º da Lei 112/2009, não determina que os prazos nos processos de violência doméstica corram durante as férias judiciais.
C) O art. 103º do CPP versa sobre o tempo da prática dos actos, é o art. 104º do CPP que versa sobre a contagem dos prazos, cujo nº 2 não se aplica aos crimes de violência doméstica.
D) A aplicação do regime da continuidade dos prazos do art. 104º, nº 2 do CPP aos crimes de violência doméstica, quando este crime não está contemplado nas alíneas a) a e) do 103º do CPP, só poderá ser operada pela interpretação extensiva deste preceito;
E) Mesmo que se entendesse que a continuidade dos prazos nos processos de crime de violência doméstica resultava da sua subsunção ao disposto na alínea b) do nº 2 do art. 103º, seria necessário um despacho para que tal fosse legalmente admissível;
F) A aplicação extensiva destes preceitos, para indeferir o requerimento de abertura de instrução como foi feito pelo despacho ora recorrido, pelas consequências que tem ao nível da limitação das garantias de defesa do arguido e recorrente, não pode ser admitida, porquanto se traduziria numa violação do principio da legalidade, que proíbe a interpretação extensiva da Lei Penal.
Termos em que, admitido o presente recurso, requer-se a V. Exas que o julguem procedente, revogando o despacho que indeferiu o pedido de abertura da instrução, substituindo-o por acórdão que determine a abertura da instrução”.
O Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Nesta Relação, a Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer concordante com a posição do Digno Magistrado do tribunal da 1ª instância.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir.

2º- O teor do despacho recorrido é o seguinte:
“Conforme resulta dos autos, o arguido M encontra-se acusado da prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art.º 152º, n.º1, al2) e n.º2 do Código Penal, sendo que foi notificado dessa acusação no dia 28 de Julho de 2010 (vide fls. 235 verso).
Considerando o disposto no art.º 113º, 3 do Código de Processo Penal se considera regularmente notificado dessa acusação no dia 2 de Agosto de 2010.
Ora, como dispõe o art. 287º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a abertura da instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, podendo ser requerida quer pelo arguido quer pelo assistente (cfr. art.º 287º, n.º1, al.b) do Código de Processo Penal).
Mas, na contagem do prazo deverá ter-se em consideração o estatuído pela Lei n..º112/2009, de 16 de Setembro que, no seu art.º 28.º e sob a epígrafe “Celeridade processual” estatuí que:
1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.
Ou seja, em caso de processos de violência doméstica, o processo e os prazos processuais para a prática de quaisquer actos não se suspendem com a interposição das férias judiciais, correndo o prazo ininterruptamente.
E, perante qualquer causa de interrupção ou suspensão do prazo de vinte dias para apresentação do requerimento de abertura de instrução, é manifesto, que o seu termo ocorreria no dia 22 de Agosto, transferindo-se, por via de ser domingo, para o dia útil seguinte, ou seja 23 de Agosto de 2010.
Assim, tendo o requerimento de abertura de instrução sido remetido via fax no dia 17 de Setembro de 2010, é evidente que há muito que se mostrava ultrapassado o prazo legal para ser requerida a abertura da instrução.
Nestes termos, e por ser manifestamente extemporânea, e ao abrigo do estatuído no art.º 287º, n.º3 do Código de Processo Penal, rejeito o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido Marcelo William Valdez.
Notifique e, oportunamente, remeta à distribuição para julgamento”.

3º- O DIREITO
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).
Perante as conclusões do recurso, a única questão a decidir consiste em saber se, nos processos por crimes de violência doméstica os prazos processuais não se suspendem durante as férias judiciais.
O recorrente entende que se suspendem porque o nº 2 do art. 104º do CPPenal não se aplica aos processos por crimes de violência doméstica, uma vez que este crime não está contemplado as alíneas a) a e) do art. 103º do CPP, por isso, só por interpretação extensiva deste preceito poderia concluir-se que os prazos correm continuamente e mesmo que se entenda deste modo, seria necessário um despacho para que tal fosse admissível, que não existe.
Salvo o devido respeito, não assiste razão ao recorrente. O despacho recorrido baseia-se no disposto no art. 28º da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro (regime jurídico aplicável á prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas), que sob a epígrafe, “Celeridade processual” estabelece:
“1- Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
2- A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no nº 2 do art. 103º do Código Processo Penal”.
Deste preceito resulta que os processos por crimes de violência doméstica têm a natureza de urgentes o que implica a aplicação do regime previsto no nº 2 do art. 103º do CPPenal, ou seja que os actos a eles respeitantes corram em férias.
A regra geral quanto à prática dos actos processuais é a de que os mesmos se praticam nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora de férias judiciais (art. 103º nº 1 do CPPenal).
O nº 2 do mesmo preceito prevê um conjunto de excepções à enunciada regra que, por razões de celeridade e eficiência do sistema criminal, o legislador penal entendeu considerar urgentes, impondo por isso a respectiva prática de forma contínua e sem suspensões temporais susceptíveis de retardar a decisão final.
Sobre a contagem dos prazos estabelece o art. 104º do CPPenal que a mesma obedece às disposições da lei do processo civil, isto é, à regra da continuidade dos prazos (art. 144º nº 1 do CPCivil), correndo porém em férias os prazos processuais referidos nas alíneas a) a e) do nº 2 do artigo anterior, neles se incluindo também por remissão do art. 28º da Lei nº 112/2009, os processos por crimes de violência doméstica, independentemente da aplicação da medida de coacção aplicada ao arguido.
Assim, destas disposições resulta, de forma expressa e inequívoca, que todos os prazos relativos aos processos por crimes de violência doméstica correm durante os fins-de-semana, férias judiciais e feriados, sem necessidade de ser proferido qualquer despacho e sem recurso à interpretação extensiva como alega o recorrente.
O recorrente foi notificado da acusação no dia 2 de Agosto de 2010, como resulta de fls. 7 (art. 113º, nº 3 do CPPenal).
O prazo para requerer a abertura da instrução é de 20 dias a contar da notificação da acusação (art. 287º nº 1 al. b) do CPP), logo terminou no dia 23 de Agosto de 2010.
O requerimento para a abertura da instrução deu entrada no tribunal, via fax, no dia 17 de Setembro de 2010.
Assim, impunha-se a rejeição do o requerimento para a abertura da instrução nos termos do art. 287º nº 3 do CPP, por extemporâneo, o que foi feito, pelo que não nos merece qualquer reparo o despacho recorrido.

4. Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.
Custas pelo arguido com taxa de justiça que fixamos em três UCs.
Notifique.

Évora, 28-6-2011

(José Maria Martins Simão – Maria Onélia Madaleno)