Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
540/13.1GFLLE.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: VIDEOCONFERÊNCIA
CARTA ROGATÓRIA
CONVENÇÃO EUROPEIA DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL (CEAJM)
SEGUNDO PROTOCOLO ADICIONAL À CONVENÇÃO EUROPEIA DE AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL
CONVENÇÃO DE APLICAÇÃO DO ACORDO DE SCHENGEN (CAAS)
CONVENÇÃO RELATIVA AO AUXÍLIO JUDICIÁRIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL ENTRE OS ESTADOS MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1 - Os artigos 9º da CEAJM (Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal), na redacção dada pelo seu Segundo Protocolo adicional, e 10º da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal (C 2000) regulam a forma como se deve processar a inquirição de testemunhas e declarações de peritos e arguidos por videoconferência entre Estados comunitários.
2 - Quanto ao quem e como se deve processar o pedido de inquirição ou tomada de declarações passa a reger o 15º da CEAJM na redacção que lhe foi dada pelo artigo 4º do Segundo Protocolo adicional, que estabelece duas “vias de comunicação” para a formalização dos “pedidos de auxílio judiciário mútuo, bem como as informações espontâneas”: enviados por escrito pelo Ministério da Justiça da Parte requerente; ou directamente pela autoridade judiciária da Parte requerente à autoridade judiciária da Parte requerida.
3 - Mas convém atentar na circunstância de ter havido alteração de paradigma operada pelo artigo 6.º da Convenção C 2000 (Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal) ao estabelecer no seu nº 1 que “Os pedidos de auxílio judiciário mútuo e o intercâmbio espontâneo de informações a que se refere o artigo 7º serão feitos por escrito, ou por quaisquer meios susceptíveis de dar origem a um registo escrito em condições que permitam ao Estado-Membro receptor determinar a sua autenticidade. Estes pedidos serão feitos directamente entre autoridades judiciárias com competência territorial para os fazer e executar e a respectiva resposta será feita pela mesma via, salvo disposição em contrário do presente artigo”.
4 - Há, pois, uma inversão de modelo. Onde anteriormente regiam as autoridades centrais agora privilegia-se como regra geral, o contacto directo entre autoridades judiciárias.
5 - O Relatório explicativo sobre a Convenção, de 29 de Maio de 2000, relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados-Membros da União Europeia (2000/C 379/02), expressa de forma sucinta e esclarecedora essa mudança de paradigma na sucessão dos três blocos normativos que regem a matéria no comentário ao artigo 6ª: “A Convenção Europeia de auxílio judiciário mútuo em matéria penal prevê, na maioria dos casos, que a transmissão de pedidos de auxílio se faça entre Ministérios da Justiça. O artigo 53º da Convenção de aplicação do acordo de Schengen, revogado pelo nº 2 do artigo 2º da presente convenção, conferia às autoridades judiciárias a faculdade de comunicarem mais directamente entre si. O artigo 6º da presente convenção substitui essas disposições, estabelecendo como princípio os contactos directos entre as autoridades judiciárias, embora com algumas excepções”.
6 - Quer o artigo 9º da CEAJM (1959) na redacção dada pelo seu Segundo Protocolo (2006), quer o artigo 10º da Convenção C 2000 (Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal) vêm acrescentar ao critério de necessidade da audição por vídeo-conferência um requisito assente em dois novos conceitos, o de “inoportunidade” e o de “impossibilidade”.
7 - E isso é bem patente no supra identificado “Relatório explicativo” onde os conceitos de “não oportuno” e “possível” surgem como restritivos: «A noção de «não oportuno» poderia, por exemplo, aplicar-se aos casos em que a testemunha seja particularmente jovem ou idosa, ou tenha saúde precária; «impossível» poderia abranger os casos em que a testemunha corresse grave perigo pelo facto de se apresentar no Estado-Membro requerente.»
8 – O que redunda no estabelecimento de preferência por um depoimento presencial.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 540/13.1GFLLE


Legislação referida:
- Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20 Abril 1959 (CEAJM);
- Protocolo adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 17 Março 1978 (aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/94, DR I-A, n.º 186, de 12/08/1994);
- Segundo Protocolo adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 8 de Novembro 2001 (aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º18/2006, DR I-A, n.º 49, de 09/03/2006).
- A CAAS - Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 19 de Junho de 1990;
- Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados membros da União Europeia, de 29 de Maio de 2000 (C 2000);
- Protocolo da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, de 16 de Outubro de 2001.


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório
Nos autos de inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Instância Local de Loulé, Secção criminal, J 2 - e em que é arguido BB pela imputada prática de um crime de ofensas corporais, por despacho do Mº Juiz de 11-03-2014 foi comunicado ao arguido o indeferimento da audição de testemunhas por videoconferência.
A instrução foi requerida em 10-12-2013. Os autos estiveram parados, apesar de prontos para subida, desde 18-05-2015 (fls. 253 deste apenso). Subiram a esta Relação em 11-01-2017.
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Inconformado com o decidido o arguido interpôs recurso do referido despacho, com as seguintes conclusões:
1. O arguido, em sede de requerimento de abertura de instrução, requereu a audição das testemunhas CC e DD por teleconferência, uma vez que residem e estudam na Holanda, tendo tal pedido sido indeferido, pelo Tribunal a quo.
2. Nos termos do disposto nos art. 292º e 340º, nº 3 CPP, sempre que as provas não forem proibidas, ofensivas dos bons costumes, são atendíveis cabendo em juízo a sua discricionariedade de valoração ao caso concreto.
3. Estas testemunhas são essenciais à descoberta da verdade material, e tanto o são que a audição por teleconferência foi requerida aquando do arrolamento das mesmas, nos termos dos art.os 318º e 111º, ambos do CPP e art. 502º, n.º 4 do CPC.
4. O Tribunal a quo profere um juízo de improbabilidade de lograr a audição das testemunhas CC e DD, por teleconferência, junto das autoridades judiciárias holandesas, sem sequer ter ordenado a diligência e verificar na prática, se a diligência seria atendida por aquelas entidades, ao abrigo da colaboração internacional.
5. O requerimento de audição das referidas testemunhas por teleconferência não é ilegal e/ou ofensivo de normas processuais, ou sequer, manifestamente infundado, impertinente ou dilatório.
6. A deslocação das testemunhas, a Portugal, implica previsíveis transtornos pessoais e monetários a ambas, conforme já foi invocado ao Tribunal a quo, implicando também graves dificuldades e inconvenientes inerentes, tanto a nível pessoal como profissional.
7. A decisão do Tribunal a quo viola os direitos constitucionais penais do arguido, consagrados nos art.os 13º e 32º da CRP, sem qualquer fundamentação louvável e compreensível do ponto de vista processual, quanto à legalidade/oportunidade da diligência requerida e em consequência, compromete a sua defesa.
8. Ainda no que concerne aos artigos 13° e 32º da CRP, é inquestionável que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, pelo que, o arguido tem o direito fundamental de apresentar a sua defesa, oferecendo os meios de prova, que considere mais adequados, dentro dos limites que, in casu, é a própria lei processual penal que prevê.
9. A teleconferência foi introduzida em Portugal consignando que “em virtude da introdução de aparelhos de teleconferência nos tribunais …as testemunhas e as partes residentes fora do círculo judicial ou da ilha são ouvidas na própria audiência através de teleconferência, salvo se a parte se dispuser a apresentá-las em tribunal … reforçando-se o princípio da oralidade.” (cfr. preâmbulo do 183/2000, de 10 de Agosto).
10. A inquirição das testemunhas por videoconferência, tendo por base a legislação internacional, transposta para a legislação nacional, nomeadamente na CEAJM, Convenção de Viena, Convenção de Palermo e Convenção de Mérida dão plena importância ao uso das tecnologias para contribuir para a administração da justiça de forma mais célere, eficiente e eficaz, pelo que a sua não utilização, em virtude de juízos de probabilidade, dotada de inércia processual, violam normas de direito internacional, especialmente regulados para o efeito.
11. A decisão do tribunal a quo menospreza todos os direitos constitucionais, bem como directrizes de direito internacional, em virtude de deduções e juízos de valor, sem os confirmar, na realidade, ao considerar que, em virtude de as testemunhas referidas viverem na Holanda que é “dotada de um leque de operadoras aéreas de baixo custo”, “conjugado” com o facto de se lograr como improvável “o recurso à audição por teleconferência junto das autoridades judiciárias holandesas”.
12. Pelo exposto, o despacho judicial encontra-se ferido de nulidade processual, nos termos do artigo 122º do Código de Processo Penal., o que determina a invalidade de todos os actos posteriores, bem como invalida o julgamento, pelo que deverá ser revogado.
Nestes temos e nos demais de Direito que, V. Ex.ª doutamente suprirá, requer-se que seja concedido provimento ao presente recurso interlocutório, e em consequência, deverá ser revogado o despacho de indeferimento da inquirição de testemunhas, determinando-se que seja substituída por outra que se ajuíze a inquirição das testemunhas por videoconferência, designando data para a audiência da respectiva inquirição.
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Não admitido o recurso veio a ser deduzida reclamação para o Presidente deste Tribunal da Relação de Évora, reclamação essa que foi declarada procedente, ordenando-se a subida do recurso.
O relator lavrou despacho dando seguimento ao recurso, com o seguinte fundamento:
“Foi lavrado despacho em instrução que admitiu implicitamente a inquirição de duas testemunhas. Após reclamação, despacho posterior não admitiu tais depoimentos por rogatória. O arguido interpôs recurso.
Prima facie a situação exposta cairia na previsão do nº 1 do artigo 291º do C.P.P. mas concorda-se com a decisão, no apenso reclamação, do Sr. Desemb. Vice-Presidente desta Relação no sentido de que o despacho lavrado é recorrível.
De facto, a regra geral é a da recorribilidade dos autos o que torna necessariamente restritiva a leitura do artigo 291, n. 1 do código.”
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A Digna magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu, sem conclusões, entendendo ser de manter o decidido.
Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer onde defende a improcedência do recurso.
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B - Fundamentação:
B.1 - São elementos de facto relevantes os que decorrem do relatório que antecede e o teor do despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Dê conhecimento da informação que consta a fls. 166 à ilustre mandatária do arguido.
De tal informação resulta, desde logo, a improbabilidade de se lograr o recurso à audição por teleconferência junto das autoridades judiciárias holandesas.
Por outro lado, e ao invés do que parece ser a interpretação da defesa, a suposta essencialidade que invoca (para a descoberta da verdade) é que justifica a audição presencial das testemunhas, à luz do que dispõe a al. b) do n. 1 do art. 318°, do Cód. P. Penal.
Por fim, encontrando-se a Europa Ocidental dotada de um leque de operadoras aéreas de baixo custo, sendo o tempo de deslocação entre a Holanda e Portugal pouco superior àquele que os cidadãos chegam a gastar em deslocações nas grandes áreas metropolitanas, sendo uma das testemunhas filha do próprio arguido e a outra amiga da primeira, não se compreende a dificuldade na presença ao menos da filha do arguido neste Tribunal.
E, para o efeito, notificou-se a ilustre mandatária a fim de informar se assegura a apresentação das testemunhas nesta comarca.
Mais ainda, se o conhecimento adquirido por ambas as testemunhas é semelhante, tudo aponta para a necessidade de se proceder apenas a audição de uma delas.
Com estes fundamentos, indefere-se a requerida audição por teleconferência, e concede-se 10 dias para que a ilustre mandatária dê cabal esclarecimento ao que se determinou aquando do despacho de abertura da instrução.
Notifique.»
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Cumpre apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso penal delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, a questão ali abordada pelo arguido reconduz-se a apurar se deve ser ordenada a inquirição por videoconferência das testemunhas arroladas no seu requerimento de abertura de instrução.
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B.2 – No primeiro ponto lógico de inconformidade o recorrente suscita a questão da nulidade da decisão judicial por ter negado a inquirição das testemunhas por si arroladas quando é certo, argumenta, que tal inquirição é permitida pelo ordenamento jurídico processual penal português.
Nas suas conclusões 1, 2, 9 e 10 (numeradas pelo recorrente como 29, 30, 37 e 38) invoca o recorrente essa nulidade nos seguintes termos:
1 - O arguido, em sede de requerimento de abertura de instrução, requereu a audição das testemunhas CC e DD por teleconferência, uma vez que residem e estudam na Holanda, tendo tal pedido sido indeferido, pelo Tribunal a quo.
2 - Nos termos do disposto nos art. 292º e 340º, nº 3 CPP, sempre que as provas não forem proibidas, ofensivas dos bons costumes, são atendíveis cabendo em juízo a sua discricionariedade de valoração ao caso concreto.
9 - A teleconferência foi introduzida em Portugal consignando que “em virtude da introdução de aparelhos de teleconferência nos tribunais …as testemunhas e as partes residentes fora do círculo judicial ou da ilha são ouvidas na própria audiência através de teleconferência, salvo se a parte se dispuser a apresentá-las em tribunal … reforçando-se o princípio da oralidade.” (cfr. preâmbulo do 183/2000, de 10 de Agosto).
10 - A inquirição das testemunhas por videoconferência, tendo por base a legislação internacional, transposta para a legislação nacional, nomeadamente na CEAJM, Convenção de Viena, Convenção de Palermo e Convenção de Mérida dão plena importância ao uso das tecnologias para contribuir para a administração da justiça de forma mais célere, eficiente e eficaz, pelo que a sua não utilização, em virtude de juízos de probabilidade, dotada de inércia processual, violam normas de direito internacional, especialmente regulados para o efeito.

Ora, é certo, a inquirição por videoconferência, na impossibilidade de presença física, é a forma mais adequada de obter um depoimento, mesmo por carta rogatória, sendo certo que até será preferível ao envio da clássica rogatória para inquirição presencial de testemunhas pela autoridade judicial do Estado requerido.
Mas a questão inicial não é essa. O tribunal recorrido não indeferiu a inquirição das testemunhas tout court, indeferiu-a na medida em que entendeu ser preferível o depoimento presencial.
Logo, a questão a solucionar passa pela obtenção de resposta a duas sub-questões: qual o ordenamento processual aplicável à pretensão do recorrente?; como subsumir o caso sub iudicio a tal ordenamento na sua concreta conformação?
Por isso que o despacho recorrido não sofra de invalidade processual nem de inconstitucionalidade por não ter havido indeferimento “puro” da pretensão, isto é, não foi negada a pretensão à inquirição das testemunhas.
O que não invalida que invalidade processual possa ocorrer após as respostas às ditas sub-questões.
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B.3 – Vem o requerente invocar em abono do requerido no RAI (Requerimento de Abertura da Instrução) as seguintes Convenções: CEAJM, Convenção de Viena, Convenção de Palermo, Convenção de Mérida e a Lei nº 144/99, de 31 de Agosto. O recurso, no entanto, não concretiza a pretensão em sede de materialização normativa.
No entanto, com excepção da primeira, as restantes convenções invocadas parecem-nos irrelevantes para a solução do caso concreto.
A Convenção de Viena será a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída a 23/05/1969 e vigente desde 27/01/1980. [1]
Tratando-se da Convenção relativa ao Direito dos Tratados rege sobre conclusão e entrada em vigor dos mesmos, sua observância, aplicação, interpretação, revisão, modificação, nulidade, cessação da vigência e suspensão da aplicação. E apenas.
No caso apenas nos interessa pela definição de regras interpretativas sobre aplicação da lei no tempo.
A Convenção de Palermo, ou Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional (http://www.gddc.pt/siii/im.asp?id=1710) de 15/11/2000, com vigência na ordem internacional desde 29/09/2003 e relativamente a Portugal desde 09/06/2004, [2] tem um âmbito de aplicação definido pelo seu artigo 3º para os seguintes tipos de crime, tendo presentes as definições constantes do seu artigo 2º (designadamente os conceitos de “Grupo criminoso organizado”, “Crime grave”, “Grupo estruturado”):
- Infracções tipificadas na legislação interna de cada Estado de acordo com o estabelecido nos artigos 5.º, 6.º, 8.º e 23.º da Convenção, isto é, infracções relativas à participação num grupo criminoso organizado, branqueamento de capitais e corrupção (artigo 3.º, n.º 1, alínea a);
- Crimes graves, caso sejam “de natureza transnacional” e envolvam um “grupo criminoso organizado” - artigo 2.º, alíneas a) e b) e artigo 3.º, n.º 1, alínea b) – [A infracção terá carácter transnacional caso: Seja cometida em mais de um Estado; Seja cometida num só Estado, mas uma parte substancial da sua preparação, planeamento, direcção ou controlo tenha lugar noutro Estado; Seja cometida num só Estado, mas envolva a participação de um grupo criminoso organizado que pratique actividades criminosas em mais de um Estado; ou Seja cometida num só Estado, mas produza efeitos substanciais noutro Estado (artigo 3.º, n.º 2)].
- Infracções estabelecidas ao abrigo dos Protocolos de que os Estados se tenham tornado Partes (artigo 1.º, n.ºs 2 e 3 de cada um dos três protocolos) – [Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, de 15 de Novembro de 2000; - Protocolo Adicional contra o Tráfico Ilícito de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, de 15 de Novembro de 2000; - Protocolo Adicional contra o Fabrico e o Tráfico Ilícitos de Armas de Fogo, das suas Partes, Componentes e Munições, de 31 de Maio de 2001].
Fácil é de concluir pela inaplicabilidade ao caso concreto.
A Convenção de Mérida, ou Convenção contra a Corrupção, [3] tem como âmbito de aplicação, nos termos do seu artigo 3º, «a prevenção, a investigação e a repressão da corrupção, bem como ao congelamento, à apreensão, à perda e à restituição do produto das infracções», o que não é, claramente, o caso dos autos.
Já a Lei 144/99, de 31 de Agosto apresenta algum relevo mas apenas para o caso de o pedido e execução do auxílio judiciário se processar via autoridade central, na medida em que se trata de instrumento legislativo que, anterior à revolução operada na ordem jurídica comunitária, principalmente após Tampere, vê a sua aplicabilidade restar residual nas relações entre Estados comunitários.
De facto, os artigos aplicáveis – arts. 20º a 30º (regras gerais) e 150º a 152º (Pedido de auxílio) – ficam-se pela ordenação geral e concretização do pedido via autoridade central sendo limitado, mas não proibitivo, o alcançe das suas previsões, designadamente do seu artigo 152º, n. 1 ao prever a possibilidade de envio, directamente, de cartas rogatórias, meio processual a usar necessariamente para obtenção do pretendido pelo recorrente (videoconferência ou inquirição presencial das testemunhas).
De outra banda tal diploma atribui um carácter excepcional ao envio de rogatórias (artigo 152º, n. 6) e tal envio sempre estará, também, dependente da não oposição do Ministério Público (nº 3 do preceito citado). Daqui sempre resultaria – caso este fosse o único diploma aplicável – a inviabilidade processual da pretensão, vista a oposição do Ministério Público.
De qualquer forma trata-se de diploma que, hoje, se limita à regulamentação da cooperação judiciária com países não comunitários e mostra-se largamente ultrapassado pelo espírito pós Tampere no que ao relacionamento com países comunitários diz respeito.
É certo, igualmente, que ainda não há para a área penal diploma comunitário (Decisão-Quadro, Directiva ou Regulamento) que preveja, à imagem do Regulamento (CE) n. 1206/2001 do Conselho de 28 de Maio de 2001 relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria civil ou comercial, a obtenção de prova para a área penal prevista em termos genéricos que abranja a concreta pretensão.
Sequer o Roteiro para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais constante da Resolução do Conselho de 30 de Novembro de 2009 (2009/C 295/01) previu no seu horizonte temporal a publicação de diploma relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de provas em matéria penal.
De facto, considerando a especificidade processual penal as medidas previstas, já concretizadas, foram: Medida A: Tradução e interpretação; Medida B: Informação sobre os direitos e sobre a acusação; Medida C: Patrocínio e apoio judiciários; Medida D: Comunicação com familiares, empregadores e autoridades consulares; Medida E: Garantias especiais para suspeitos ou acusados vulneráveis; Medida F: Livro Verde sobre detenção antes da fase do julgamento.
E é assim que surgem:
Ø a Diretiva 2010/64/UE relativa aos direitos à interpretação e à tradução no âmbito do processo penal em Outubro de 2010 - Parlamento e o Conselho;
Ø o Livro Verde sobre a aplicação da legislação penal da UE no domínio da detenção, publicado em Junho de 2011 pela Comissão;
Ø a Diretiva 2012/13/UE relativa ao direito à informação em processo penal («Declaração de Direitos»), em Maio de 2012 - Parlamento e o Conselho;
Ø a Diretiva 2013/48/UE relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e ao direito de comunicação após a detenção, de Outubro de 2013 - Parlamento e o Conselho;
Ø a Diretiva (UE) 2016/343 relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em tribunal em processo penal, de Março de 2016 - Parlamento e o Conselho;
Ø a Diretiva (UE) 2016/800 relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal, de Maio de 2016 - Parlamento e o Conselho.
Nenhum destes diplomas comunitários, sequer outros existentes mas muito específicos em termos de cooperação judicial na área penal, regula o caso concreto.
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B.4.1 – Assim, a Cooperação Judiciária “Internacional” (mais “europeia” que internacional) no específico aspecto assumido no caso sub iudice assenta nos seguintes diplomas:
Da legislação nacional - para além do Código de Processo Penal, a Lei n.º 144/99, de 31 Agosto - Cooperação judiciária internacional em matéria penal, com o âmbito restrito já indicado;
Do Conselho da Europa:
A CEAJM - Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20 Abril 1959;
O P1 - Protocolo adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 17 Março 1978 (aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 49/94, DR I-A, n.º 186, de 12/08/1994);
O P2 - Segundo Protocolo adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 8 de Novembro 2001 (aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º18/2006, DR I-A, n.º 49, de 09/03/2006).
Da União Europeia
A CAAS - Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 19 de Junho de 1990;
A C 2000 - Convenção relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados membros da União Europeia, de 29 de Maio de 2000;
O P 2001 - Protocolo da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, de 16 de Outubro de 2001.
Mas o Protocolo adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 17 Março 1978 (supra identificado como P1) nada adianta de relevante para o caso em análise na substância videoconferência, dado o seu carácter específico. O mesmo se diga quanto ao Protocolo da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia, de 16 de Outubro de 2001 (P 2001).
Considerando o constante do artigo 30º, ns. 1 e 2 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados quanto à aplicação de tratados sucessivos sobre a mesma matéria que estabelece que “(2) Quando um tratado estabelece que está subordinado a um tratado anterior ou posterior ou que não deve ser considerado incompatível com esse outro tratado, prevalecem as disposições deste último”, haverá que proceder a uma interpretação tendo em conta a cronologia dos indicados instrumentos normativos.
Aqui devemos ter presente o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa ao estatuir que «(2.) As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português», sendo certo que a discrepância entre as datas de publicação e do início de vigência faz colocar o acento tónico da aplicação da lei no tempo na data de início de vigência.
Assim, prima facie são relevantes os seguintes diplomas:
A CEAJM - Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20 Abril 1959, com vigência relativamente a Portugal desde 26/12/1994;
A CAAS - Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 19 de Junho de 1990, ao qual Portugal aderiu em acordo com data de 25/06/1991 e início de vigência em 26/03/1995;
A C 2000 - Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal entre os Estados membros da União Europeia, de 29 de Maio de 2000, com inicío de vigência relativamente a Portugal em 23/08/2005;
O P2 - Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal, de 8 de Novembro 2001 (aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º18/2006, DR I-A, n.º 49, de 09/03/2006). Inicío de vigência relativamente a Portugal em 01/05/2007.
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B.4.2 – Quanto à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal de 20/04/1959, celebrada em Estrasburgo pelo Conselho da Europa (CE/EC), com inicío de vigência na ordem internacional em 12/06/1962 (assinada por Portugal em 10/05/1979 e vigente relativamente a Portugal desde 26/12/1994), [4] veio a mesma a ser modificada pelos dois protocolos supra indicados mas é parca no seu texto original na regulamentação da questão em análise.
Apesar da generosa declaração de intenções constante do seu artigo 1, n. 1 de que «as Partes Contratantes comprometem-se, de acordo com as disposições da presente Convenção, a conceder mutuamente o mais amplo auxílio judiciário possível, nos processos relativos a infracções cuja repressão seja da competência das autoridades judiciárias da Parte requerente no momento em que o auxílio for solicitado», o seu artigo 3º, sob a epígrafe “Cartas rogatórias”, prevê a possibilidade de inquirição de testemunhas por esse meio como “acto de instrução”, nos seguintes secos termos: «2 - Se a Parte requerente pretender o depoimento de testemunhas ou peritos sob juramento, deve solicitá-lo expressamente e a Parte requerida atender esse pedido, se a sua lei a isso se não opuser».
Quanto ao Acervo de Schengen, concretamente o Acordo de Adesão da República Portuguesa à “Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985, entre os Governos dos Estados da União Económica Benelux, da República Federal da Alemanha e da República Francesa, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns, assinada em Schengen a 19 de Junho de 1990, à qual aderiu a República Italiana pelo acordo assinado em Paris a 27 de Novembro de 1990”, [5] apresenta alcance limitado no concreto tema interessante.
Para além das definições constantes do artigo 1º, esta Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen contém no seu Título II, Capítulo II e nos artigos 48º a 53º um conjunto de preceitos de previsão em geral genérica, sobressaindo o alargamento da previsão normativa quanto à possibilidade “Entreajuda Judiciária em Matérial Penal” e ao relacionamento directo entre entidades judiciárias, sem prejuízo da faculdade de recurso às entidades centrais - Artigo 53.º, ns. 1 e 2 – não contendo, no entanto, qualquer norma específica relativamente ao objecto da pretensão do recorrente.
De qualquer forma parte substancial do seu normativo foi expressamente revogado pela convenção seguinte.
A Convenção - C 2000 - Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal entre os Estados membros da União Europeia assinada em Bruxelas, em 29 de Maio de 2000 [6] veio “incentivar a cooperação entre autoridades judiciárias, policiais e aduaneiras no seio da União, complementando as disposições contidas em instrumentos jurídicos já existentes”, não operando portanto a revogação in totum de instrumentos já existentes, respeitando, desta forma, a Convenção do Conselho da Europa sobre o Auxílio Mútuo em Matéria Penal de 1959.
Nisso é explícito o seu artigo 1º, sob a epígrafe «Relações com outras convenções sobre auxílio judiciário mútuo»:
1. A presente Convenção tem por objectivo completar as disposições, e facilitar a aplicação, entre os Estados-Membros da União Europeia:
a) Da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 20 de Abril de 1959, a seguir denominada «Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo»;
b) Do Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo, de 17 de Março de 1978;
c) Das disposições sobre auxílio judiciário mútuo em matéria penal da Convenção de 19 de Junho de 1990, de aplicação do Acordo de Schengen de 14 de Junho de 1985, relativo à supressão gradual dos controlos nas fronteiras comuns (a seguir designada por «Convenção de Aplicação de Schengen»), que não são revogadas pelo n.º 2 do artigo 2.º;
d) Do capítulo 2 do Tratado de Extradição e de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre o Reino da Bélgica, o Grão-Ducado do Luxemburgo e o Reino dos Países Baixos, de 27 de Junho de 1962, com a redacção que lhe foi dada pelo Protocolo de 11 de Maio de 1974 (a seguir designado por «Tratado do Benelux»), no âmbito das relações entre os Estados membros da União Económica Benelux.
Esta Convenção surge um ano após o Conselho Europeu de Tampere, marco fundamental para se entenderem as “novas” ideias em ebulição para a criação de um “verdadeiro espaço europeu de justiça” que, além da consagração do “princípio do reconhecimento mútuo de decisões judiciais”, irá dar lugar em pouco tempo (2002) à criação do Mandado de Detenção Europeu, verdadeira revolução normativa, e abrir a porta à criação de novos instrumentos normativos de cooperação judicial europeia.
E é assim que as “Conclusões da Presidência” do Conselho Europeu de Tampere de 15 e 16 de outubro de 1999 vem a consagrar, de entre outras, as seguintes ideias:
«28. Num verdadeiro espaço europeu de justiça, os cidadãos e as empresas não deverão ser impedidos ou desencorajados de exercerem os seus direitos por razões de incompatibilidade ou complexidade dos sistemas jurídicos e administrativos dos Estados-Membros.
33. Um maior reconhecimento mútuo das sentenças e decisões judiciais e a necessária aproximação da legislação facilitariam a cooperação entre as autoridades e a protecção judicial dos direitos individuais. Por conseguinte, o Conselho Europeu subscreve o princípio do reconhecimento mútuo que, na sua opinião, se deve tornar a pedra angular da cooperação judiciária na União, tanto em matéria civil como penal. Este princípio deverá aplicar-se às sentenças e outras decisões das autoridades judiciais.
37. O Conselho Europeu solicita ao Conselho e à Comissão que adoptem, até Dezembro de 2000, um programa legislativo tendo em vista a implementação do princípio do reconhecimento mútuo. No âmbito deste programa, deverão igualmente ser iniciados trabalhos sobre um título executório europeu e sobre os aspectos do direito processual relativamente aos quais se consideram necessárias normas mínimas comuns para facilitar a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo, no respeito dos princípios jurídicos fundamentais dos Estados-Membros».
O que nos afasta, ainda mais, de uma possível aplicação exclusiva ou prioritária da Lei nº 144/99, pensada e sempre aplicada para o sistema de extradição e cooperação internacional sob o signo da dependência do poder político.
No que nos interessa em concreto e de forma específica esta Convenção (C 2000 - Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal) vem a consagrar no seu Artigo 10.º a possibilidade de «Audição por videoconferência» de testemunhas, peritos e mesmo arguidos, nos seguintes termos:
1 - Caso uma pessoa se encontre no território de um Estado membro e deva ser ouvida, na qualidade de testemunha ou de perito, pelas autoridades judiciárias de outro Estado membro, este último, se não for oportuna ou possível a comparência física no seu território da pessoa a ouvir, poderá solicitar que a audição seja efectuada por videoconferência, nos termos dos n.os 2 a 8.
2 - O Estado membro requerido consistirá na audição por videoconferência, desde que o recurso a esse método não contrarie os princípios fundamentais do seu direito e disponha de meios técnicos adequados para efectuar a audição. Se o Estado membro requerido não dispuser dos meios técnicos necessários à realização da videoconferência, estes poderão ser-lhe facultados pelo Estado membro requerente, mediante acordo mútuo.
3 - Os pedidos de audição por videoconferência incluirão, além das informações mencionadas no artigo 14.º da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo e no artigo 37.º do Tratado do Benelux, a razão pela qual não é oportuna ou possível a comparência física da testemunha ou do perito, o nome da autoridade judiciária e o das pessoas que irão proceder à audição.
4 - A autoridade judiciária do Estado membro requerido procederá à notificação da pessoa em causa pelas formas previstas na sua legislação.
5 - No que respeita à audição por videoconferência, aplicam-se as seguintes regras:
a) Durante a audição, estará presente uma autoridade judiciária do Estado membro requerido, acompanhada, se necessário, por um intérprete, à qual competirá identificar a pessoa a ouvir e assegurar o respeito pelos princípios fundamentais do direito do Estado membro requerido. Se a autoridade judiciária do Estado membro requerido considerar que os princípios fundamentais do direito desse Estado estão a ser infringidos durante a audição, deverá tomar imediatamente todas as medidas necessárias para assegurar que a audição prossiga de acordo com os citados princípios;
b) Se necessário, serão acordadas medidas de protecção da pessoa a ouvir entre as autoridades competentes do Estado membro requerente e as do Estado membro requerido;
c) A audição será directamente conduzida pela autoridade judiciária do Estado membro requerente ou sob a sua direcção, nos termos da sua própria legislação;
d) A pedido do Estado membro requerente ou da pessoa a ouvir, o Estado membro requerido providenciará para que a pessoa a ouvir seja, se necessário, assistida por um intérprete;
e) A pessoa a ouvir poderá invocar o direito de se recusar a depor, que eventualmente lhe assista quer nos termos da legislação do Estado membro requerido, quer do Estado membro requerente.
6 - Sem prejuízo das medidas eventualmente acordadas em matéria de protecção das pessoas, a autoridade judiciária do Estado membro requerido lavrará, no final da audição, um auto do qual constará a data e o local da audição, a identidade da pessoa ouvida, a identidade e qualidade de todas as outras pessoas que participem na audição no Estado membro requerido, as eventuais prestações de juramento e as condições técnicas em que decorreu a audição. Esse documento será enviado pela autoridade competente do Estado membro requerido à autoridade competente do Estado membro requerente.
7 - O custo do estabelecimento da ligação vídeo, os gastos relacionados com a sua utilização no Estado membro requerido, a remuneração de intérpretes por si providenciados e as compensações pagas a testemunhas e peritos, bem como as suas despesas de deslocação no Estado membro requerido, serão reembolsados pelo Estado membro requerente ao Estado membro requerido, a menos que este renuncie ao reembolso da totalidade ou de parte dessas despesas.
8 - Sempre que as testemunhas ou peritos sejam ouvidos no seu território nos termos do presente artigo e se recusem a testemunhar quando tenham a obrigação de o fazer ou prestem falsas declarações, os Estados membros tomarão as medidas necessárias para garantir que é aplicável a sua legislação nacional, como se a audição se realizasse no âmbito de um processo nacional.
9 - Os Estados membros podem igualmente aplicar, se assim o entenderem, as disposições do presente artigo, sempre que tal se justifique e com o consentimento das suas autoridades judiciárias, às audições de arguidos por videoconferência. Nesse caso, a decisão de realizar a videoconferência e a forma como esta decorrerá ficarão sujeitas a acordo entre os Estados membros interessados, nos termos da respectiva legislação nacional e dos instrumentos internacionais pertinentes, incluindo a convenção europeia de 1950 para a protecção dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.
Ao proceder à notificação nos termos do n.º 2 do artigo 27.º, qualquer Estado membro pode declarar que não aplicará o disposto no parágrafo anterior. Essa declaração pode ser retirada em qualquer momento.
As audições só serão efectuadas com o consentimento do arguido. As normas que se revelem necessárias para a protecção dos direitos dos arguidos serão aprovadas pelo Conselho, por meio de um instrumento juridicamente vinculativo. [7]
O P2, Segundo Protocolo adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, de 8 de Novembro 2001 – CEAJM - com inicio de vigência relativamente a Portugal em 01/05/2007 já apresenta uma regulamentação específica e altera substancialmente o texto inicial da Convenção, prevendo um leque alargado de actos de cooperação judicial.
Assumem relevo, no presente caso, os artigos 4º e 9º, o primeiro a alterar o artigo 15º da CEAJM na definição da orgânica e forma do acto de cooperação em função dos actos a praticar, o segundo sobre a forma de realização da videoconferência, com o mesmo âmbito de aplicação do artigo 10º da Convenção C 2000.
Artigo 9.º
Audição por videoconferência
1 - Caso uma pessoa se encontre no território de uma Parte e deva ser ouvida, na qualidade de testemunha ou perito, pelas autoridades judiciárias de outra Parte, esta última, se não for oportuna ou possível a comparência física no seu território da pessoa a ouvir, pode solicitar que a audição seja efectuada por videoconferência, nos termos dos n.os 2 a 7.
2 - A Parte requerida consentirá na audição por videoconferência desde que o recurso a esse método não contrarie os princípios fundamentais do seu direito e disponha de meios técnicos adequados para efectuar a audição. Se a Parte requerida não dispuser dos meios técnicos necessários à realização da videoconferência, estes poderão ser-lhe facultados pela Parte requerente, mediante acordo mútuo.
3 - Os pedidos de audição por videoconferência incluirão, além das informações mencionadas no artigo 14.º da Convenção, a razão pela qual não é oportuna ou possível a comparência física da testemunha ou do perito, o nome da autoridade judiciária e o das pessoas que irão proceder à audição.
4 - A autoridade judiciária da Parte requerida procederá à notificação da pessoa em causa pelas formas previstas na sua legislação.
5 - No que respeita à audição por videoconferência, aplicam-se as seguintes regras:
a) Durante a audição, estará presente uma autoridade judiciária da Parte requerida, acompanhada, se necessário, por um intérprete, à qual competirá identificar a pessoa a ouvir e assegurar o respeito pelos princípios fundamentais do direito da Parte requerida. Se a autoridade judiciária da Parte requerida considerar que os princípios fundamentais do direito dessa Parte estão a ser infringidos durante a audição, deve tomar imediatamente todas as medidas necessárias para assegurar que a audição prossiga de acordo com os citados princípios;
b) Se necessário, serão acordadas medidas de protecção da pessoa a ouvir entre as autoridades competentes da Parte requerente e as da Parte requerida;
c) A audição será directamente conduzida pela autoridade judiciária da Parte requerente ou sob a sua direcção, nos termos da sua própria legislação;
d) A pedido da Parte requerente ou da pessoa a ouvir, a Parte requerida providenciará para que a pessoa a ouvir seja, se necessário, assistida por um intérprete;
e) A pessoa a ouvir pode invocar o direito de se recusar a depor que eventualmente lhe assista quer nos termos da legislação da Parte requerida quer da Parte requerente.
6 - Sem prejuízo das medidas eventualmente acordadas em matéria de protecção das pessoas, a autoridade judiciária da Parte requerida lavrará, no final da audição, um auto do qual constará a data e o local da audição, a identidade da pessoa ouvida, a identidade e qualidade de todas as outras pessoas que participem na audição na Parte requerida, as eventuais prestações de juramento e as condições técnicas em que decorreu a audição. Esse documento será enviado pela autoridade competente da Parte requerida à autoridade competente da Parte requerente.
7 - Sempre que as testemunhas ou peritos sejam ouvidos no seu território nos termos do presente artigo e se recusem a testemunhar quando tenham obrigação de o fazer ou prestem falsas declarações, as Partes tomarão as medidas necessárias para garantir que é aplicável a sua legislação nacional, como se a audição se realizasse no âmbito de um processo nacional.
8 - As Partes podem igualmente aplicar, se assim o entenderem, as disposições do presente artigo, sempre que tal se justifique e com o consentimento das suas autoridades judiciárias, às audições de arguidos ou de suspeitos por videoconferência. Nesse caso, a decisão de realizar a videoconferência e a forma como esta decorrerá ficarão sujeitas a acordo entre as Partes interessadas, nos termos da respectiva legislação nacional e dos instrumentos internacionais pertinentes. As audições só serão efectuadas com o consentimento do arguido ou do suspeito.
9 - Qualquer Estado Contratante pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa declarar que não fará uso da possibilidade prevista no n.º 8 do presente artigo, de aplicar igualmente as disposições do presente artigo às audições por videoconferência, nas quais participe o arguido ou o suspeito.
Será, pois, de sopesar o teor das indicadas duas normas – os artigos 9º e 10º das duas Convenções -tendo presente o seu teor e a sua sucessão temporal.
Lidos não podemos deixar de constatar que o artigo 9º da CEAJM (Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal) na redacção dada pelo seu Segundo Protocolo adicional vem sobrepor-se ao artigo 10.º da Convenção C 2000 (Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal) tendo presente as regras de aplicação da lei no tempo e no que a Portugal diz respeito.
No entanto e porque essa aplicação tem que ser vista na dupla perspectiva de entidade requerente/entidade requerida a conclusão pode apontar para a prevalência do artigo 10º da Convenção C 2000. E essa parece ser a postura da Rede Judiciária Europeia (https://www.ejn-crimjust.europa.eu/ejn/EJN_FichesBelgesResult.aspx?measure=703&country=337&other=-1)
De qualquer forma a matéria tratada é a mesma e as ligeiras discrepâncias entre os dois textos devem-se ou a um refinamento da linguagem ou à pura e simples revogação do preceito anterior em tempo em casos específicos (o caso das despesas). Na substância a forma de realização da inquirição de testemunhas e tomada de declarações a peritos e arguidos por videoconferência não será diversa dada a similitude dos dois preceitos.
Resta saber o “como e a quem” pedir a referida videoconferência.
*
B.4.3 – Aqui passa a reger o já referido artigo 15º da CEAJM na redacção que lhe foi dada pelo artigo 4º do Segundo Protocolo adicional, que reza:
Artigo 4.º
Vias de comunicação
O artigo 15.º da Convenção é substituído pelas disposições seguintes:
«1 - Os pedidos de auxílio judiciário mútuo, bem como as informações espontâneas, serão enviados por escrito pelo Ministério da Justiça da Parte requerente ao Ministério da Justiça da Parte requerida e reenviados pelas mesmas vias. No entanto, podem ser enviados directamente pela autoridade judiciária da Parte requerente à autoridade judiciária da Parte requerida e reenviados pela mesma via.
2 - Os pedidos previstos no artigo 11.º da presente Convenção, bem como os previstos no artigo 13.º do Segundo Protocolo Adicional à presente Convenção, serão enviados em qualquer caso pelo Ministério da Justiça da Parte requerente ao Ministério da Justiça da Parte requerida e reenviados pela mesma via.
3 - Os pedidos de auxílio judiciário mútuo relativos aos processos previstos no n.º 3 do artigo 1.º da presente Convenção podem igualmente ser enviados directamente pela autoridade administrativa ou judiciária da Parte requerente à autoridade administrativa ou judiciária da Parte requerida, consoante o caso, e reenviados pela mesma via.
4 - Os pedidos de auxílio judiciário mútuo feitos nos termos dos artigos 18.º e 19.º do Segundo Protocolo Adicional à presente Convenção podem igualmente ser enviados directamente pela autoridade competente da Parte requerente à autoridade competente da Parte requerida.
5 - Os pedidos previstos no n.º 1 do artigo 13.º da presente Convenção podem ser enviados directamente pelas autoridades judiciárias em causa ao serviço competente da Parte requerida e as respostas podem ser enviadas directamente por esse serviço. Os pedidos previstos no n.º 2 do artigo 13.º da presente Convenção serão enviados pelo Ministério da Justiça da Parte requerente ao Ministério da Justiça da Parte requerida.
6 - Os pedidos de cópias de sentenças e medidas referidas no artigo 4.º do Protocolo Adicional da Convenção podem ser enviados directamente às autoridades competentes. Qualquer Estado Contratante pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, indicar quais as autoridades competentes para efeitos do presente número.
7 - Em casos urgentes e sempre que a transmissão directa seja permitida pela presente Convenção, a mesma pode ser efectuada através da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol).
8 - Qualquer Parte pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, reservar-se o direito de submeter a execução dos pedidos de auxílio judiciário, ou de alguns deles, a uma ou mais das seguintes condições:
a) Uma cópia do pedido deve ser enviada para a autoridade central designada nessa declaração;
b) O pedido, salvo em casos urgentes, deve ser enviado para a autoridade central designada nessa declaração;
c) No caso de transmissão directa por motivos de urgência, uma cópia seja comunicada simultaneamente ao seu Ministério da Justiça;
d) Todos ou determinados pedidos de auxílio devem ser-lhe dirigidos por via diversa da referida no presente artigo.
9 - Os pedidos de auxílio judiciário mútuo ou qualquer outra comunicação nos termos da presente Convenção ou dos seus Protocolos podem ser efectuados através de meios electrónicos de comunicação, ou por qualquer outro meio de telecomunicação, desde que a Parte requerente possa apresentar em qualquer momento, mediante pedido, um registo escrito da transmissão, bem como o original. Contudo, qualquer Estado Contratante pode, em qualquer momento, mediante declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, indicar as condições sob as quais está disposto a aceitar e a executar os pedidos recebidos por via electrónica ou por outro meio de telecomunicação.
10 - O presente artigo não prejudica as disposições de acordos ou de protocolos bilaterais em vigor entre as Partes que prevejam a transmissão directa de pedidos de auxílio judiciário entre as respectivas autoridades.»
Começando pelo fim e esgotando a previsão do primeiro Protocolo, o caso sub iudicio, apesar de sujeito ao prazo previsto no artigo 306º, n. 1 do C.P.P. (prazo de realização da instrução), não é urgente (nº 7 do preceito). Nem se trata de transmissão de informação inserta em registo criminal e respectivas sentenças e medidas aplicadas (nº. 6 do preceito), conforme decorre do artigo 22º da CEAJM, agora com dois números por aditamento do artigo 4º do Protocolo e do disposto no artigo 13º da Convenção (nº. 5 do preceito).
O nº 4 do preceito é irrelevante para estes autos por se referir à entrega vigiada (artigo 18.º do segundo Protocolo) e às investigações encobertas (artigo 19.º do segundo Protocolo).
Quanto ao nº 3 do preceito e aos processos aí previstos, é conveniente ter presente que o n.º 3 do artigo 1.º da presente Convenção, foi acrescentado pelo artigo 1º do Segundo Protocolo que deu nova e acrescentada redacção ao artigo 1º da CEAJM.
Assim, os processos ali previstos, nos termos desse nº 3, são os “processos instaurados pelas autoridades administrativas por factos puníveis nos termos do direito da Parte requerente ou da parte requerida como infracções a disposições regulamentares, quando da decisão caiba recurso para um órgão jurisdicional competente, nomeadamente em matéria penal”.
Claramente o caso do direito contra-ordenacional português, das “Ordnungswidrigkeit”, "regulatory offence" ou "contravention administrative".
Relativamente ao nº 2 da norma, o artigo 11.º da Convenção bem como o artigo 13.º do Segundo Protocolo Adicional, referem-se à “transferência temporária de pessoas detidas para o território da Parte requerida” em função das necessidades de instrução aí sentidas. Como consta deste último normativo, supõe-se a necessidade de “uma medida de instrução para a qual seja necessária a presença de uma pessoa detida no seu território pode transferir temporariamente essa pessoa para o território da Parte em que a instrução deva realizar-se”.
Isto é, o caso dos autos cai na regra geral contida no nº 1 do preceito, com previsão alternativa em função, naturalmente, das características do caso concreto e da eficácia da resposta. Pode ser pedido por escrito pelo Ministério da Justiça da Parte requerente ao Ministério da Justiça da Parte requerida e reenviados pelas mesmas vias ou ser enviado directamente pela autoridade judiciária da Parte requerente à autoridade judiciária da Parte requerida e reenviados pela mesma via.
Mas aqui convém atentar na circunstância de ter havido profunda alteração – alteração de paradigma, diga-se – operada pelo artigo 6.º da Convenção C 2000 (Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal).
Da facto este preceito veio afirmar no seu nº 1 que “Os pedidos de auxílio judiciário mútuo e o intercâmbio espontâneo de informações a que se refere o artigo 7º serão feitos por escrito, ou por quaisquer meios susceptíveis de dar origem a um registo escrito em condições que permitam ao Estado-Membro receptor determinar a sua autenticidade. Estes pedidos serão feitos directamente entre autoridades judiciárias com competência territorial para os fazer e executar e a respectiva resposta será feita pela mesma via, salvo disposição em contrário do presente artigo”.
Há, pois, uma inversão de modelo. Onde anteriormente regiam as autoridades centrais agora previligia-se como regra geral, o contacto directo entre autoridades judiciárias.
E a “regra” das excepções, logo prevista no nº 2 do preceito, até prevê duas outras hipóteses: “O disposto no nº 1 não prejudica a possibilidade de, em casos específicos, o envio dos pedidos e a respectiva resposta se efectuar:
a) Entre as autoridades centrais de diferentes Estados-Membros, ou
b) entre uma autoridade judiciária de um estado-membro e uma autoridade central de outro estado-membro.”
O Relatório explicativo sobre a Convenção, de 29 de Maio de 2000, relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal entre os Estados-Membros da União Europeia (2000/C 379/02), expressa de forma sucinta e esclarecedora essa mudança de paradigma na sucessão dos três blocos normativos que regem a matéria no comentário ao artigo 6ª:
“A Convenção Europeia de auxílio judiciário mútuo em matéria penal prevê, na maioria dos casos, que a transmissão de pedidos de auxílio se faça entre Ministérios da Justiça. O artigo 53º da Convenção de aplicação do acordo de Schengen, revogado pelo nº 2 do artigo 2º da presente convenção, conferia às autoridades judiciárias a faculdade de comunicarem mais directamente entre si. O artigo 6º da presente convenção substitui essas disposições, estabelecendo como princípio os contactos directos entre as autoridades judiciárias, embora com algumas excepções”.
*
B.5 – Assente que o recorrente podia solicitar ao tribunal recorrido a inquirição das testemunhas por videoconferência e que o Estado requerido, a Holanda, dispõe de meios técnicos móveis para a sua realização – e que a localização das testemunhas não está em zona onde não é viável a deslocação desses meios móveis - resta apurar se no caso concreto essa inquirição se justificava. Impõe-se analisar a necessidade e oportunidade de realização da diligência e o posicionamento processual do recorrente.
Nada no RAI sugere que haja intuito protelatório já que a versão apresentada pelo arguido é razoável e se constata que as duas testemunhas cujo depoimento requer não foram efectivamente inquiridas em inquérito pelo Ministério Público e deveriam ter sido. Aliás os seus nomes constam do auto como testemunhas presenciais. Daí que a questão da videoconferência se deveria ter colocado, desde logo, em inquérito.
E, indubitavelmente, o tribunal recorrido teria que se pronunciar quanto à necessidade de inquirição das duas testemunhas e esse é o ponto essencial na apreciação da pretensão do recorrente: justifica-se ou não a inquirição dessas testemunhas? Este o regime que se plasma no nº 2 do artigo 230º do C.P.P. assente num critério de necessidade.
Se não há necessidade impõe-se justificar; se sim, impõe-se saber como. Se não, o despacho é irrecorrível, numa leitura restritiva do artigo 291º, n. 1 do C.P.P.. Se sim torna-se necessário saber se é admissível que o tribunal imponha a inquirição presencial.
O primeiro despacho lavrado em instrução – em 06-01-2014 - admitiu implicitamente a inquirição de duas testemunhas, mas – há que acentuar este ponto – decidiu que tais inquirições deveriam ser presenciais. Após reclamação, despacho posterior não admitiu tais depoimentos por rogatória.
Ou seja, admitidos os depoimentos foi condicionada a sua prestação quanto à forma, presencial. O indeferimento posterior surge na medida em que o tribunal entendeu que o sacrifício imposto na deslocação, ao menos, de uma testemunha, era aceitável, desde logo porque se tratava da filha do arguido.
A ideia é aceitável dada a constatação de que o depoimento dessa ou dessas testemunhas pode(m) implicar uma alteração radical da posição a assumir e o tribunal pode entender ser mais seguro um contacto directo com a(s) testemunha(s).
Apesar de a videoconferência implicar alguma imediação e oralidade, sempre acrescenta alguma dificuldade pela intermediação dos meios técnicos, da distância e de um acréscimo de intervenientes de outra entidade, a acrescer à necessária intermediação de intérprete.
Advém que quer o artigo 9º da CEAJM (1959) na redacção dada pelo seu Segundo Protocolo (2006), quer o artigo 10º da Convenção C 2000 (Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em matéria penal) vêm acrescentar ao critério de necessidade da audição por vídeo-conferência um requisito assente em dois novos conceitos.
Rezam tais preceitos: «1. Caso uma pessoa se encontre no território de um Estado-Membro e deva ser ouvida, na qualidade de testemunha ou de perito, pelas autoridades judiciárias de outro Estado-Membro, este último, se não for oportuna ou possível a comparência física no seu território da pessoa a ouvir, poderá solicitar que a audição seja efectuada por vídeo-conferência (…).» E, nos termos do nº 3 dos preceitos, «os pedidos de audição por vídeo-conferência incluirão (…) a razão pela qual não é oportuna ou possível a comparência física da testemunha ou do perito (…)»
Há claramente a afirmação de preferência por um depoimento presencial e a audição por videoconferência surge como segunda linha de acção.
E isso é bem patente no supra identificado “Relatório explicativo” onde os conceitos de “não oportuno” e “possível” surgem como restritivos: «A noção de «não oportuno» poderia, por exemplo, aplicar-se aos casos em que a testemunha seja particularmente jovem ou idosa, ou tenha saúde precária; «impossível» poderia abranger os casos em que a testemunha corresse grave perigo pelo facto de se apresentar no Estado-Membro requerente.»
O caso dos autos e em sede de instrução não se enquadra nesse regime excepcional pois o “não oportuno” do caso sub iudice quer significar apenas “incomodidade”.
Ora, se acrescentarmos à necessidade manifestada pelo Sr. Juiz recorrido na inquirição presencial das testemunhas – muito aceitável já que a decisão sobre ele iria recair – a inexistência dos requisitos inoportunidade e impossibilidade e o tempo de realização de instrução (artigo 306º, ns. 1 e 2 do C.P.P.) a reflectir uma exigência de celeridade que se não coaduna com o longo tempo necessário para a concretização da videoconferência depois do tempo já decorrido desde o despacho recorrido, não surge como criticável o dito despacho.
Ou seja, o recurso é improcedente.
*
C - Dispositivo:
Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora negam provimento ao recurso.
Notifique.
Custas pelo recorrente com o mínimo de taxa de justiça.
Évora, 07 de Março de 2017
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa
António Condesso
__________________________________________________
[1] - Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 67/2003 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 46/2003 (publicada no Diário da República I-A; n.º 181, de 07/08/2003) está em vigor relativamente a Portugal desde 07/03/2004.
[2] - Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 19/2004, Diário da República I-A, n.º 79, de 02/04/2004.
[3] - Com data de conclusão de 31/10/2003 e inicío de vigência na ordem internacional
14/12/2005, foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, Diário da República n.º 183, de 31/09/2007 (http://www.gddc.pt/siii/im.asp?id=1948).

[4] - Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/94; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 56/94 e publicada no Diário da República I-A, n.º 161, de 14/07/1994
[5] - Jornal Oficial nº L 239 de 22/09/2000, p. 0076 – 0082, Bona, 25 de Junho de 1991, com vigência desde 26/03/1995.
[6] - Resolução da Assembleia da República n.º 63/2001, de 16 de Outubro e Decreto do Presidente da República n.º 53/2001, da mesma data, com inicío de vigência relativamente a Portugal em 23/08/2005.
[7] - Naturalmente que o consistirá é lapso contido no nº 2 deste preceito que deve ser lido como consentirá.