Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
87/10.8GGODM-A1.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
TRAMITAÇÃO
Data do Acordão: 02/09/2017
Votação: DESPACHO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO
Decisão: REMESSA AO STJ
Sumário:
I - O pedido de Revisão de deve ser sempre apresentado e tramitado por apenso aos autos no tribunal onde foi originariamente proferida a sentença, ainda que a decisão a rever seja a proferida por um Tribunal da Relação.
Decisão Texto Integral:
I
1. Por requerimento apresentado nesta Relação em 29.11.2016, o arguido, JC, não se conformando com o douto acórdão proferido, dele vem interpor Recurso Extraordinário de Revisão, ao abrigo da al. d) do nº1 do art. 449º do CPP, com pedido de suspensão da pena até decisão final do Supremo.

Em 12.07.2016 (vd despacho de retificação a fls. 4 deste apenso) foi efetivamente proferido acórdão nesta Relação que, negando provimento ao recurso interposto pelo arguido, manteve integralmente o acórdão proferido pelo tribunal coletivo na Secção cível e criminal (J1) da Instância Central de Beja da Comarca de Beja, que condenara o arguido na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão pela prática, em concurso efetivo, de:

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças, p.p. no artº 171º, nº 3, alínea b) do Código Penal, 11 (onze) crimes de pornografia de menores agravados, p.p. nos artºs 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6 do Código Penal,

- 2 (dois) crimes de pornografia de menores agravados, p.p. nos artºs 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 5 do Código Penal,

- 1 (um) crime de pornografia de menores, p.p. no artºs 176º, nº 1, alínea b) e nº 4, do Código Penal,

- 2 (dois) crimes de coacção agravada, p.p. nos artºs 154º, nºs 1 e 2, 155º, nº 1, alíneas a) e b), tendo por referência o artº 176º, nº 1, alínea c), todos do Código Penal.

2. Por despacho que constitui fls. 4 dos presentes autos de recurso de Revisão, foi ordenada a remessa à primeira instância para apensação aos autos (que para aí haviam sido remetidos em 10.10.2016) e instrução liminar do recurso extraordinário de revisão ora requerido, do expediente relativo ao requerimento de interposição de recurso extraordinário de Revisão aqui apresentado pelo arguido, o que foi cumprido.

3. Por despacho de 19.02.2016, transitado em julgado, o senhor juiz da, então, Secção cível e criminal (J1) da Instância Central de Beja da Comarca de Beja declarou-se incompetente em razão da matéria para a fase de instrução daquele recurso de revisão, por considerar que pretendendo o arguido a revisão do acórdão proferido nestes autos pelo tribunal da Relação não tem aquele tribunal competência para os termos previstos nos artigos 451º a 454º, do CPP, cabendo ao tribunal da Relação conhecer do requerimento do arguido como imposto pelo nº1 do art. 451º segundo o qual o pedido de revisão deverá ser apresentado no tribunal onde se proferiu a decisão cuja revisão se requer, como é pacífico na doutrina e jurisprudência.

II
4. Entendemos, porém, ser o senhor juiz daquele tribunal o competente para tramitar a fase do juízo rescindente da Revisão no caso presente, como resultava já da remessa do expediente ao tribunal de comarca, por duas ordens de razões que desde já se explicitam.

Em primeiro lugar, porque não obstante o arguido ter apresentado o requerimento nesta Relação, a quem o dirigiu, e de se referir expressamente à Revisão do acórdão desta Relação em vez do acórdão proferido no Tribunal de Comarca pelo tribunal coletivo, o acórdão desta Relação por nós proferido em 12.07.2016 confirmou integralmente o acórdão condenatório de primeira instância que, assim, transitou em julgado nos precisos termos em que foi proferido, pelo que sempre estará em causa a Revisão do acórdão proferido no tribunal de comarca pelo tribunal coletivo, não se colocando sequer a hipótese de eventual Revisão de acórdão da Relação.

Em segundo lugar, porque mesmo que o acórdão da Relação tivesse revogado a decisão do tribunal de comarca, era neste último tribunal que o requerimento teria que ser apresentado e tramitado, por opção já antiga do legislador processual penal.

Como dizia Luís Osório perante o regime legal estabelecido no CPP de 1929, muito idêntico ao que passou para o CPP de 1987, “Na palavra sentença compreende-se o acórdão, tanto do tribunal coletivo de comarca, como da Relação. (…) A sentença que deve ser revista é a que transitou em julgado, e assim nem sempre a de primeira instância, que pode ter sido revogada. Mas o requerimento deve ser sempre apresentado no juízo de primeira instância, ainda quando a decisão a rever seja a da Relação. Vide arts 680º e 681º” - Cfr. Comentário ao Código do Processo Penal Português, 6º vol., p. 624.

Deve ser aí apresentado e tramitado em todos os casos, pois o art. 452º do atual CPP (praticamente igual ao art. 680º do CPP/29) dispõe que “A revisão será processada por apenso aos autos onde se proferiu a decisão que deve ser revista”, cabendo ao juiz respetivo a prática dos atos a que se reportava o art. 681º do CPP/20 e a que se referem agora os artigos 453º e 454º, do CPP atual.

É esta a opção legislativa tradicional - que atribuindo competência para a fase do juízo rescindente ao tribunal de primeira instância onde foi proferida a decisão originária e onde deve ser executada a condenação (cfr art. 470º do CPP), independentemente dos recursos interpostos e do efeito destes sobre o conteúdo da originária decisão condenatória ou absolutória -, mostra-se adequada à eventual necessidade de produção de prova e harmoniza-se com a especial natureza da Revisão.

Com efeito, a revisão de sentença e despachos equiparados não é uma forma de reexame ou reapreciação do julgado anterior, contrariamente ao que parece supor o arguido requerente ao afirmar que vem interpor recurso extraordinário de revisão por não se conformar com o acórdão proferido [nesta Relação], mas antes uma nova decisão assente em novo julgamento da causa assente em novos dados, máxime em novos dados de facto ou meios de prova como sucede no caso presente, em que o arguido invoca o fundamento previsto na al. d) do n º1 do art. 449º do CPP.

II
Assim, uma vez que o pedido de revisão deve ser sempre apresentado e tramitado por apenso aos autos no tribunal onde foi originariamente proferida a sentença a rever - que no caso presente corresponde mesmo ao acórdão proferido em primeira instância pelo tribunal coletivo, integralmente confirmado pelo acórdão desta Relação – entendemos que é o senhor juiz da, então, Secção cível e criminal (J1) da Instância Central de Beja da Comarca de Beja, o competente para tramitar o que entenda necessário ao juízo rescindente a que se reportam os artigos 452º a 454º do CPP.

III
Uma vez que o despacho de fls. 4 do presente apenso ordenando a remessa do expediente junto pelo arguido ao tribunal de comarca é irrecorrível, por se tratar de despacho de mero expediente, e que o despacho de fls. 82 deste mesmo apenso transitou igualmente em julgado, estamos desde já perante conflito negativo de competência, (cfr art. 34º do CPP), a decidir pelos presidentes das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, conforme estabelecido no art. 11º, nº 6 a), do CPP.

Dado que o senhor juiz não suscitou o conflito em face do despacho irrecorrível que ordenou a remessa dos autos à primeira instância, serve o presente despacho para suscitar tal conflito perante o Supremo Tribunal de Justiça para decisão pelos senhores presidentes das secções criminais, determinando-se a remessa do presente apenso de revisão na íntegra, uma vez que o mesmo dispõe de todos os elementos necessários à sua resolução (cfr art. 35º do CPP), notificando-se antes o presente despacho aos interessados.
*
Devolva os autos principais ao tribunal de comarca, pois sempre os mesmos seriam desnecessários nesta Relação, sendo ali necessários para execução da sentença condenatória.

Évora, 9 de fevereiro de 2017 (sessão em 07.02.2017)


António João Latas