Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
517/12.4PAOLH.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: AMEAÇA GRAVE
CRIME PÚBLICO
DESISTÊNCIA DA QUEIXA
Data do Acordão: 04/07/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O crime de ameaça prevenido no artigo 153º do Código Penal, qualificado nos termos do disposto no artigo 155º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal, na redação decorrente da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, de 04/09, assume natureza pública, não admitindo desistência da queixa.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, LFM, acusado pelo Ministério Público da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no artigo 143.º, do Código Penal (CP), e de um crime de ameaça agravada, este p. e p. nos termos do disposto nos artigos 153.º e 155.º n.º 1 alínea a), do CP, indiciariamente perpetrados sobre o ofendido, ANT, foi submetido a julgamento.

2 – No decurso da audiência, precedendo desistência da queixa por parte do ofendido e sequente aceitação de tal desistência por parte do arguido, a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo decidiu homologar a desistência e declarar extinto o procedimento criminal prosseguido nos autos contra o arguido relativamente a ambos os crimes acusados – despacho de 10 de Outubro de 2013.

3 – O Dg,º Magistrado do Ministério Público no Tribunal a quo interpôs recurso daquele despacho, na parcela atinente à homologação da desistência de queixa quanto ao crime de ameaça agravada.

Pretende que a decisão recorrida deve «ser revogada e alterada por outra que determine a realização da audiência de discussão e julgamento para se apurar pela verificação dos elementos objetivos do tipo de ilícito do crime de ameaça agravada imputado ao arguido LFM, pela circunstância de a decisão em causa, ora em crise, violar o disposto no tipo objetivo de ilícito consagrado no n° 1 do art, 153° do Código Penal, por referência à alínea a) do n° 1 do art. 155° do mesmo diploma legal ex vi art. 131 ° daquele diploma, bem como as disposições processuais penais consagradas nos arts. 48°, 49° e 51º do Código de Processo Penal.»

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«Nos presentes autos foi imputado ao arguido LFM, em sede de libelo acusatório, a prática de um crime de ameaça agravada (previsto e punível pelo nº 1 do art. 153° do Código Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 155° do mesmo diploma legal ex vi art. 131° daquele diploma), eventualmente ocorrido em 12 de Junho de 2012, em que o mesmo proferiu a seguinte expressão dirigida a ANT: Tem cuidado com a tua vida, vais contar as tábuas do teu caixão porque te vou matar! Mudasse de cidade porque a partir de então nem ele nem a sua família iriam ter descanso!

2ª Porém, no início da audiência de discussão e julgamento, em 10 de Outubro de 2013, a Mª Juiz "a quo'' homologou a desistência de queixa relativamente a esse segmento factual, pugnando, na esteira da doutrina da Taipa de Carvalho, que esse segmento factual apenas é subsumível ao crime de ameaça (previsto e punível pelo nº 1 do art. 153° do Código Penal) e, por conseguinte, revestindo uma natureza semi-pública.

3ª Todavia, salvo melhor opinião, esse segmento factual preenche, ao invés, o tipo objetivo de ilícito do crime de ameaça agravada (previsto e punível pelo n° 1 do art. 153° do Código Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 155° do mesmo diploma legal ex vi art. 131º daquele diploma).

4ª Na esteira, aliás, do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2013, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, publicado em Diário da República, 18 Série, n° 56, em 20 de Março de 2013, o crime de ameaça agravada ocorre, suposta a verificação dos demais elementos constitutivos, quando o agente ameaça com a prática de crime (obviamente um dos crimes previstos no nº 1 do art. 153º do Código Penal) punível com pena de prisão superior a 3 anos, ou seja, quando o crime objecto da ameaça (obviamente um dos crimes previstos no nº 1 do art. 153º do Código Penal) é um crime punível com pena de prisão superior a 3 anos.

5ª Logo, o crime de ameaça agravada (previsto e punível pelo nº 1 do art. 153º do Código Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 155º do mesmo diploma legal ex vi art. 131º daquele diploma) imputado ao arguido LFM, em sede de libelo acusatório, reveste natureza pública, não admitindo, por isso, a desistência de queixa e respetiva homologação, tal como efetuado pela Mª Juiz "a quo".

6ª Consequentemente, a Mª Juiz "a quo" violou o tipo objetivo de ilícito consagrado no nº 1 do art. 153° do Código Penal, por referência à alínea a) do nº 1 do art. 155° do mesmo diploma legal ex vi art. 131 ° daquele diploma, bem como as disposições processuais penais consagradas nos arts. 48°, 49° e 51° do Código de Processo Penal.»

4 – O recurso foi admitido, por despacho de 24 de Outubro de 2013, e não suscitou resposta, vindo a determinar-se a remessa dos autos a este Tribunal por despacho de 7 de Abril de 2014.

5 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, louvada na motivação recursiva, é de parecer que o recurso merece provimento ponderando, em abono e muito em síntese, que o crime de ameaça agravada, na medida em que reveste natureza pública, não admite desistência de queixa.

6 – Em vista do teor das conclusões da motivação, o objecto do recurso reporta ao discernimento da natureza – semi-pública ou pública – do crime de ameaça agravado, p. e p. nos termos do disposto nos artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 alínea a), do CP, em de que depende a validação da desistência de queixa oferecida pelo ofendido.


II

7 – O despacho revidendo é do seguinte teor:

«Nos presentes autos foi deduzida acusação contra LFM, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. p. pelo art. 143º, nº 1 e 1 crime de ameaça agravado p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 131º, todos do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro.

ANT, queixoso nos presentes autos, declarou desistir da queixa que apresentou contra o arguido.

O arguido LFM declarou que não se opõe à desistência de queixa, (art.º 116º, n.º 2 do C. Penal e 51º, n.º 3 do C. P. Penal).

O artigo 153º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, estabelece que, "1- Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2- O procedimento criminal depende de queixa.".

Por sua vez, o artigo 155º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, com a epígrafe "Agravação", dispõe que: "1- Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, ou

b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;

c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas,

d) Por funcionário com grave abuso de autoridade,

o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153. º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154º.

O arguido está acusado de ter dito ao queixoso "tem cuidado com a tua vida, vais contar as tábuas do teu caixão porque te vou matar" e que mudasse de cidade porque a partir de então nem ele nem a sua família iriam ter descanso.

Nos termos do AUJ 7/2013, publicado no DR- Iª Série de 20 de Março de 2013, "A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n. g 1 do artigo 153g do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal.

Contudo, segundo TAIPA de CARVALHO, (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, 2012, pp. 588 e 589), "Uma vez que o n.º 1 do art 153º considera como crime de ameaça (simples, e, não qualificada/agravada) a ameaça de morte ou de danificação de bens patrimoniais de considerável valor, levanta-se a questão teórica e sobretudo prático-punitiva de saber se a utilização destes meios (ameaça de morte ou de danificação de bens patrimoniais de considerável valor) para ameaçar ou para coagir deverão levar (na medida em que o crime de homicídio e o crime de dano qualificado são puníveis com pena de prisão superior a 3 anos) ou não (uma vez que o próprio legislador considera expressamente, no n.º 1 do art. 153º, estas ameaças como crime de ameaças simples) à qualificação/agravação do crime de ameaça e do crime de coacção- Entendo ( ... ) que, tanto em relação ao crime de ameaça como ao crime de coação, o disposto nesta aI. a) não tem aplicação.

De facto, tal Autor entende que ocorreu uma situação de deficiente técnica legislativa na distinção entre ameaça simples e agravada, pelo que a ameaça de morte engloba apenas um crime de ameaça simples e logo é admissível a desistência de queixa, nos termos do disposto nos artigos 153º, n.os 1 e 2 do Código Penal, posição com a qual se concorda (ob. cit. pp. 556 a 561).

Por outro lado, atenta a ameaça supra transcrita que está imputada ao arguido, perfilha-se o entendimento de que "A ameaça com um anúncio de morte, genericamente formulado, sem qualquer concretização quanto aos meios a empregar, cabe apenas na previsão do nº 1 do Artigo 153º do Código Penal (Ac. RP de 25-03-2010, que tem como Relator Ricardo Costa e Silva e, no mesmo sentido, Ac. RG de 11-07-2012, que tem como Relator António Condesso, ambos com texto integral disponível em www.dgsi.pt)

Finalmente, mesmo que se entenda que está em causa um crime de ameaça agravado, ao contrário da jurisprudência dominante e, com o devido respeito por opinião contrária, entende-se que, não obstante tal circunstância, tal crime reveste natureza semi-pública.

De facto, não se vislumbram quaisquer razões de política criminal para não atribuir relevância à vontade da vítima atento o regime sancionatório aplicável (pena de multa até 240 dias ou pena de prisão de 1 mês a 2 anos), sendo que as circunstâncias agravantes previstas no artigo 155º, n.º 1 do Código Penal não alteram a natureza semi-pública do crime de ameaça, só assim se respeitando "a congruência interna do Código Penal, a hierarquia de valores de que é depositário e a concordância dos interesses humanos a que se destina' (PEDRO FRIAS, O Crime de Ameaça, Revista Julgar, Janeiro-Abril 2010, pp. 49 a 57).

Nestes termos, concordando-se com as posições supra expostas, entendo que o crime de ameaça em causa nos autos reveste natureza semi-pública, pelo que decido homologar a desistência de queixa apresentada.

Nestes termos, o procedimento criminal dos crimes em apreço depende de queixa nos termos do disposto nos artigos 143º, nº 2 e 153º, n.º 2 do Código Penal e o queixoso declarou pretender desistir da queixa deduzida contra o arguido.

O arguido declarou nada ter a opor à desistência de queixa (artigos 116º, nº 2 do Código Penal e 51 º, nº 3, do Código de Processo Penal).

Em face do exposto, homologo a desistência de queixa supra referidas e, em consequência, declaro extinto o procedimento criminal e determino o arquivamento dos autos, nos termos dos artigos 113º a 116º do Código Penal e artº 51 º do Código de Processo Penal.»

8 – O crime de ameaça prevenido no artigo 153.º, do CP, qualificado nos termos do disposto no artigo 155.º n.º 1 alínea a) do CP, na redacção decorrente da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, assume natureza pública – e não semi-pública, como se pretexta no despacho revidendo.

9 – Resulta do disposto nos artigos 48.º e 49.º do CPP, (i) que a legitimidade do Ministério Público para a promoção da acção penal só depende de queixa do ofendido nos casos em que exista determinação legal expressa exigindo o preenchimento desse requisito, e (ii) que, nos demais casos, a promoção do procedimento criminal tem carácter estritamente público.

10 – Decorre do disposto no artigo 116.º n.º 2, do CP, que o queixoso pode desistir da queixa, desde que não haja oposição do arguido, até à publicação da sentença da 1.ª instância.

11 – Sem embargo, tal desistência só dá origem à extinção do procedimento criminal nos casos em que a lei condicione a promoção deste à apresentação daquela queixa, sendo a desistência da queixa ineficaz no que respeita aos crimes de natureza procedimental pública.

12 – Isto adquirido, importa agora, no caso, apurar se existe normação que condicione a promoção do procedimento pelo crime de ameaça agravada ao exercício do direito de queixa.

13 – Vejamos ainda – tendo presente quanto vem estabelecido nos artigos 153.º e 155.º do CP, seja na redacção relevante, introduzida pela mencionada Lei n.º 59/2007, seja na redacção pré-vigente.

14 – O artigo 153.º, do CP, na redacção anterior à que veio a ser introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, estatuía nos seguintes termos:

«1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2 - Se a ameaça for com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.»

15 – Após a revisão operada pela aludida Lei, o artigo 153.º, do CP sedimentou a seguinte redacção:

«1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

2 - O procedimento criminal depende de queixa.»

16 – Mercê da referida alteração legal, o tipo de crime agravado que se encontrava previsto no antigo n.º 2 do artigo 153.º, foi eliminado, tendo assomado, em sua substituição, um novo tipo legal agravado, prevenido no artigo 155.º, com a seguinte redacção:

«1 - Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados:

a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos; ou

b) Contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez;

c) Contra uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas;

d) Por funcionário com grave abuso de autoridade;

o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154.º.

2 - As mesmas penas são aplicadas se, por força da ameaça ou da coacção, a vítima ou a pessoa sobre a qual o mal deve recair se suicidar ou tentar suicidar-se.»

17 – Desta comutação legislativa resulta que, na mens legislatoris, terá estado, por um lado, manter a natureza semi-pública do crime de ameaça simples e, por outro lado, na medida em que se não pronuncia, expressamente, a tal respeito, atribuir natureza pública ao tipo agravado.

18 – E assim, desde logo, conhecida a intenção do legislador de 2007 em atribuir maior severidade punitiva ao tratamento de condutas que, por força da natureza dos comportamentos expressamente tipificados como integradores da agravação [seja por revelarem uma maior ilicitude da acção – artigo 155.º n.º 1 alíneas a), b) e c) –, seja por traduzirem maior culpa do agente – artigo 155.º n.º 1 alínea d) – não justificam que se dê relevo à declaração de desistência da vítima depois da apresentação da queixa, retirando adrede ao Estado a legitimidade para o exercício da acção penal em casos e situações de gravidade superlativa, em que são particularmente fortes as exigências de prevenção geral.

19 – Depois, mesmo em termos sistemáticos, há-de reconhecer-se que não faria sentido que, pretendendo conservar a natureza semi-pública do crime de ameaça agravado, o não exprimisse claramente, no novo e autónomo preceito qualificador.

20 – Acresce que são numerosos os casos em que a lei penal faz depender de queixa o procedimento criminal por determinados crimes, na sua variante simples, não qualificada, consagrando depois o carácter público do crimes agravados (cfr. artigos 203.º 205.º, 212.º - 214.º, 217.º - 219.º, 221.º, 225.º, 226.º, do CP), tudo inculcando que, nessa mesma tendência, se terá pretendido a semi-pubicidade do crime simples, de par com a estrita publicidade do crime qualificado ou agravado.

21 – Tudo ponderado, afigura-se de concluir que o crime de ameaça prevenido no artigo 153.º do CP, qualificado nos termos do disposto no artigo 155.º n.º 1 alínea a), do CP, na redacção decorrente da entrada em vigor das alterações introduzidas pela referida Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, assume natureza pública.

22 – Em abono, ademais, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Fevereiro de 2013 (Diário da República, 1.ª série, n.º 56, de 20 de Março de 2013), que fixa jurisprudência no sentido de que «a ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153.º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155.º do mesmo diploma legal».

23 – Neste sentido, aliás, se tem sedimentado a jurisprudência – vejam-se, por mais significativos para o caso, os acórdãos, da Relação de Évora, de 12 de Novembro de 2009 (Processo 2140/08) e de 8 de Abril de 2014 (Processo775/12), da Relação de Lisboa, de 13 de Outubro de 2010 (Processo 36/09), da Relação de Coimbra, de 25 de Junho de 2014 (Processo 285/10), da Relação de Guimarães, de 9 de Maio de 2011 (Processo 127/08), e, da Relação do Porto, de 27-4-2011 (Processo 53/09).

24 – Anotam-se, em divergência (no sentido propugnado na douta decisão recorrida), o acórdão, da Relação do Porto, de 13 de Novembro de 2013 (Processo 335/11, disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt), bem como os referenciados (na decisão revidenda), A. Taipa de Carvalho, no «Comentário Conimbricense do Código Penal», Tomo I, 2.ª edição, 2012, pp. 588/589, e Pedro Daniel dos Anjos Frias, em «Por quem dobram os sinos? A perseguição pelo crime de ameaça contra a vontade expressa do ofendido?! Um silêncio ruidoso», na «Julgar», n.º 10, Janeiro-Abril de 2010, pp. 39-57 – fazendo doutrina que, data venia, pelas razões acima editadas, não pode subscrever-se.

25 – Em consequência e no caso sub indice, ao contrário do que se decidiu na instância, a desistência de queixa apresentada, a 10 de Outubro de 2013, pelo queixoso ANT, carece de relevância, no que respeita ao crime acusado, de ameaça agravado, previsto e punível nos termos do disposto nos artigos 153.º n.º 1 e 155.º n.º 1 alínea a), do CP.

26 – Assim, o processo deverá prosseguir, com a audiência de julgamento, para apreciação, designadamente neste particular, do despacho acusatório.

27 – Não cabe tributação.


III

28 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido, que se substitui pela decisão de, considerando irrelevante, quanto ao mencionado crime de ameaça, agravado, a desistência de queixa apresentada pelo queixoso, determinar, neste segmento do acusado, o prosseguimento do processo para o devido julgamento.

Évora, 7 de Abril de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator)

Alberto João Borges (adjunto)