Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1937/12.0TBFAR.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
Data do Acordão: 10/14/2021
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário: A dispensa do remanescente da taxa de justiça tem lugar perante a desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para o utente, nos casos em que resulta claramente afetada a relação sinalagmática que o pagamento da taxa de justiça pressupõe.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


Expropriante / Recorrente: (…) do Algarve Litoral, S.A..
Expropriadas / Recorrentes: Sociedade Civil Agrícola (…), SA e (…).
Valor da causa[1]: € 1.400.983,57 (um milhão e quatrocentos mil, novecentos e oitenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos).

Foi proferido acórdão por este Tribunal, encontrando-se pendente requerimento de interposição de recurso para o STJ.
Nesse acórdão foi proferida a seguinte condenação em custas:
«As custas do recurso interposto pelas Expropriadas recaem sobre estas, enquanto que as custas do recurso interposto pela Expropriante recai sobre esta – artigo 527.º do CPC.»

Apresentaram-se as Expropriadas /Recorrentes a requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos da segunda parte do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais. Para tanto invocaram:
- o processo conheceu uma tramitação simples;
- para além da prova pericial, sempre exigível, o julgamento teve apenas duas sessões, sem ser de dia inteiro, com audição de apenas 4 testemunhas;
- não houve inspeção judicial, nem ocorreram depoimentos de parte, nem foram ouvidos peritos em audiência de julgamento;
- o thema decidendum do processo, embora com alguma complexidade, também não pode considerar-se particularmente complexo nem sequer original, dado o seu objeto, muito comum e tão abundantemente tratado na jurisprudência, a atribuição do valor da justa indemnização por um imóvel expropriado com sobrantes desvalorizadas;
- a tramitação dos autos está totalmente isenta de incidentes ou procedimentos, normais ou anómalos;
- as partes foram colaborantes;
- o recurso para a Segunda Instância conheceu tramitação normal, com alegações, contra-alegações e prolação do acórdão, que confirmou integralmente a sentença, o que fez em 56 páginas, das quais 39 contêm a transcrição das conclusões das alegações de recurso e dos factos dados como provados em primeira instância;
- foi interposto recurso para o STJ, aguardando-se a respetiva subida e decisão, o qual incide apenas sobre nulidades e pedido de reforma e sobre a oposição de julgados;
- teve lugar o pagamento prévio das taxas de justiça devidas em cada instância, nada havendo nos referidos recursos que justifique a necessidade de qualquer complemento ou acréscimo às taxas já pagas no processo.

A parte contrária não se pronunciou.

Cumpre apreciar se deve ter lugar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Ora vejamos.
O recurso interposto pelas Expropriadas contempla 75 conclusões, suscitou a reapreciação da decisão relativa à matéria de facto e trouxe à colação a apreciação de questões com vista à atribuição de indemnização pelo valor de € 3.820.500,17.
Nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento – artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Configura uma norma excecional que visa mitigar a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas ações de valor superior a € 275.000,00. A dispensa ou redução do valor da taxa de justiça há de adequar-se à atividade processual desenvolvida, levando-se em conta a complexidade das questões suscitadas e os atos processuais que permitiram alcançar o desfecho do litígio, tais como o teor dos articulados, os meios de prova envolvidos, os dias tomados em diligências de prova e atos de julgamento e, bem assim, a conduta desenvolvida pelas partes. Trata-se, pois, de emitir um juízo de adequação ou de proporcionalidade entre o valor da taxa de justiça e os custos, em concreto, originados pelo processo, considerando ainda o custo/benefício proporcionado pelo sistema de justiça ao interessado.[2]
Nos casos em que inexiste decisão, lavrada a título oficioso, no sentido da redução ou da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a parte que considere verificarem-se os pressupostos previstos na citada disposição legal deve requerer a aplicação do mencionado regime. E, efetivamente, deverá fazê-lo preferencialmente de modo a que o remanescente não seja já considerado na conta final – cfr. artigo 6.º, n.º 7, do RCP.
Uma vez que, no caso em apreço, o acórdão proferido por este Tribunal ainda não transitou em julgado, inexiste impedimento para apreciação da pretensão formulada pelas Expropriadas.
Essa pretensão apenas pode ser apreciada relativamente ao recurso de apelação de que conheceu este Tribunal. Conforme resulta do disposto nos artigos 527.º, n.º 1 e 529.º, n.º 1, do CPC e 1.º, n.º 2 e 6.º, n.ºs 1 e 2, do RCP e nas tabelas I-A e I-B anexas ao RCP, os incidentes, as ações e os recursos são considerados processos ou procedimentos autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, funcionando entre eles o princípio da autonomia.[3] Donde, a decisão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça cabe ao juiz da primeira instância por referência ao nela processado, oficiosamente em sede de sentença ou mediante requerimento das partes, ou ao coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos e respetivos incidentes, oficiosamente no acórdão ou subsequentemente mediante requerimento das partes.
O Tribunal da Relação só pode conhecer da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devido em 1.ª Instância em sede de recurso de decisão nesta proferida sobre tal matéria.
É o que resulta do princípio da autonomia, para efeitos de custas, das ações, dos recursos, dos procedimentos e dos incidentes.[4]
Assim, a questão que se coloca consiste em saber se deve ter lugar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso de apelação. Concretizando:
- atento o valor da ação (€ 1.400.983,57), a taxa de justiça paga em sede de recurso foi de € 816,00 – cfr. artigos 11.º e 12.º, n.º 2, do RCP e respetiva tabela I-B;
- o remanescente ascende à quantia de € 6.890,00 (€ 1.400.983,57 – € 275.000,00 = € 1.125.983,57: 25.000 = 45 x € 153,00) – cfr. segmento seguinte à referida tabela 1-B.
Justifica-se, atentas a especificidade da situação, a complexidade da causa e a conduta das partes, a dispensa do pagamento em falta?
É manifesto que a dispensa constitui tratamento de exceção, pressupondo a menor complexidade da causa e a simplificação da tramitação processual. A dispensa tem lugar perante a desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para o utente, nos casos em que resulta claramente afetada a relação sinalagmática que o pagamento da taxa de justiça pressupõe.[5]
Afigura-se que, no caso em apreço, essa desproporção não se verifica.
As questões suscitadas em sede de recurso reclamaram a atenta análise de todo o processado por parte deste Tribunal, processado esse constituído por articulados, documentos técnicos e de diversa índole, contemplando linguagem técnica específica relevante para decisão do litígio, registo da audiência de julgamento, decisões proferidas desde a fase inicial. Essas questões assumem caráter complexo, como desde logo é evidenciado das 75 conclusões que instruem as alegações do recurso, implicando mesmo a apreciação de itens que sustentavam a pretensão de fixação de indemnização no montante de € 3.820.500,17 – extravasando largamente o peticionado em 1.ª Instância, razão pela qual tal montante não constitui a base tributável para efeitos de taxa de justiça, o que implicaria no remanescente da taxa de justiça na ordem dos € 21.000,00. Itens esses que, no entanto, não deixaram de ser ponderados e apreciados.
A extensão do acórdão proferido não é, só por si, reveladora da complexidade / simplicidade da causa submetida a recurso. De resto, estando em causa questões complexas, como é o caso, só o prévio estudo empenhado delas e do processado permite a respetiva apreciação de forma concisa, assertiva e sem desnecessárias divagações.
Nada havendo a apontar à conduta das partes em sede de recurso de apelação, certo é que inexiste fundamento para afirmar não se revestir a causa de complexidade de molde a implicar na dispensa da taxa de justiça devida nesta instância.

Termos em que não se acolhe a pretensão das Expropriadas.


DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os juízes, em conferência, em indeferir a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta Instância.
Sem custas.
Évora, 14 de outubro de 2021

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

Maria Domingas Alves Simões
Declaração de voto:
A pretensão das requerentes deveria ter sido indeferida com fundamento diverso daquele que fez vencimento.
Resulta do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, que a avaliação, nele prevista, sobre a verificação dos pressupostos da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, apenas tem lugar uma vez, no final do processo, incidindo sobre a globalidade deste.
Consequentemente, carece, logo à partida, de fundamento legal a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça respeitante unicamente a um determinado acto ou a uma determinada fase processual, nomeadamente a um recurso, com base numa avaliação parcelar do processo.
Posição diversa possibilitaria a concessão de dispensa, total ou parcial, do pagamento do remanescente da taxa de justiça relativamente a um acto ou a uma fase processual, não obstante o referido remanescente ser devido por inteiro ou em proporção diversa relativamente ao restante processado, o que não faria sentido e contrariaria o disposto na norma legal acima referida, que aponta no sentido de o juízo sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ser unitário e ter por objecto a globalidade do processado.

Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Fixado em 1.ª Instância na sentença proferida.
[2] Cfr. Ac. TRE de 06/10/2016 (Francisco Matos).
[3] Cfr. Ac. STJ de 14/10/2021 (Rosa Tching).
[4] Cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais, 7.ª ed., pág. 141.
[5] Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 227/2007 e 421/2013.