Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
639/15.0T8ELV-A.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CRÉDITO HIPOTECÁRIO
BEM COMUM
APREENSÃO
VENDA
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Nos termos do art.º 47.º/1 e 4, al. a) do CIRE são considerados créditos garantidos sobre a insolvência os créditos que beneficiem de garantias reais sobre os bens integrantes da massa insolvente.
2. Se o credor hipotecário, no âmbito da insolvência em coligação de cônjuges, vê reconhecido e garantido o crédito pelo imóvel que constitui bem comum, que integra a massa insolvente, sobre o qual incide a hipoteca, não se vê razão para excluir essa garantia quando os cônjuges se apresentam, ou são demandados, em separado à insolvência, e no processo de um deles o imóvel é apreendido para a massa e vendido e no processo do outro é aprendido o direito à sua meação.
3. A credora hipotecária titular de hipoteca constituída sobre imóvel comum, apreendido para a massa de um dos cônjuges, e aí vendido, goza da preferência conferida pela hipoteca no pagamento pelo produto da venda nesse processo, bem como sobre a parte do produto da venda que cabe ao outro cônjuge insolvente, em processo separado, e no qual foi aprendida a sua meação.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
Na sequência da declaração de insolvência de AA, apresentada a lista de créditos reclamados e reconhecidos, pelo Administrador de Insolvência, nos termos e para os efeitos do art.º 129.º do CIRE, e não tendo sido apresentadas impugnações, no apenso de reclamação de créditos foi proferida a competente sentença de verificação e graduação de créditos, cuja parte do dispositivo se transcreve:
“Pelo exposto, deverá ser dado pagamento aos credores BANCO CC, S.A., BANCO DD, S.A. e EE, S.A., obedecendo à seguinte ordem:
A – Com o produto da venda do direito da insolvente à sua meação no património comum onde se integra a fração autónoma, designada pela letra I, correspondente ao 3.º andar esquerdo frente com uma divisão para arrumos no r/c, designada pelo n.º 6, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o Art.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o n.º .../19990309-I da freguesia da Assunção, concelho de Elvas:
1.º) Os créditos reconhecidos com natureza comum, a pagar rateada e proporcionalmente, se necessário;
2.º) Os créditos subordinados, a pagar rateada e proporcionalmente, se necessário.
Custas pela massa insolvente - Art.º 304º do CIRE”.
Desta sentença veio a credora EE, S.A., interpor o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida no presente apenso de reclamação de créditos, que graduou o crédito reclamado pela EE, SA como comum.
B - Ora, a Apelante, por discordar totalmente de tal entendimento, não se pode conformar com tal decisão.
C - Pois, a referida decisão estabelece, em suma, que: No caso sub judice, apesar de o imóvel supra descrito estar onerado com uma hipoteca, o certo é que está apenas apreendido o direito da devedora à sua meação no prédio urbano.
Nesta medida, apenas pode ser vendido o que se encontra apreendido, que é o direito à meação que será objeto de venda e não todo o imóvel hipotecado.
O crédito da EE, S.A. goza de garantia real sobre a totalidade do imóvel, através da hipoteca constituída e que onera aquele bem.
Ora, assim sendo, o crédito da EE, S.A. é um crédito comum.”
D - Contudo, salvo o devido respeito, a decisão proferida enferma de manifesto lapso na determinação das normas aplicáveis e na qualificação jurídica dos factos.
E - A ora apelante veio reclamar créditos como credora garantida do ora insolvente na medida em que concedeu Mútuos garantidos com Hipoteca, cujos valores em dívida foram relacionados em Lista Definitiva de Créditos com natureza de Garantidos, a qual não foi objeto de impugnação.
F - Em garantia dos dois empréstimos supra mencionados foram constituídas hipotecas sobre a fração autónoma, designada pela letra I, correspondente ao 3º andar esquerdo frente com uma divisão para arrumos no r/c designada pela nº 6, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, inscrito na respetiva matriz sob o artº ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Elvas sob o nº ... da freguesia da Assunção, concelho de Elvas.
G - O bem em causa foi adquirido por ambos os insolventes, enquanto casados e ambos estão declarados insolventes, mas em processos diferentes, com a respetiva administração das massas insolventes pelo mesmo Administrador de Insolvência, que tem a obrigação de obter o melhor rendimento pela venda dos bens integrantes na massa insolvente para pagamento aos credores.
H – E foi o que o Sr. Administrador de Insolvência fez . Pois reconheceu que ninguém ou nenhum efeito útil teria a venda de direitos à meação. E ainda que se lhe apontasse a falta de diligências no âmbito do disposto no artº 141º, nº 1 b) e 144º do CIRE, sempre se concordaria que sendo o Administrador de ambas as massas insolventes, tal ato não seria exigível (direito do cônjuge a separar da massa a sua parte nos bens comuns).
H - Dispõe ainda o artigo 1403º, n.º 1 do Código Civil que existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
I - Com a declaração de insolvência procede o Administrador de Insolvência à apreensão de todos os bens integrantes da massa insolvente, nomeadamente o direito à meação do bem de que a insolvente é titular.
Conforme certidão permanente do referido imóvel, ora junta o cfr. Doc 3.
J - Sendo a ora apelante credora com garantia real sobre o imóvel, a hipoteca confere-lhe o direito a ser paga pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
L - A douta Sentença ora recorrida, fundamenta a natureza do crédito da apelante com natureza comum, no facto de ter sido apreendido para a massa foi o direito à meação do imóvel. Mas, na realidade não é esse direito que foi colocado à venda, mas sim, a totalidade do imóvel.
M - A recorrente discorda e não aceita tal decisão que determina um sério, grave e evidente prejuízo para a credora EE, S.A., na medida em que os seus créditos são de natureza garantidos, relativamente às duas hipotecas registadas a seu favor.
N. - A venda de apenas do direito à meação da insolvente acarreta à Reclamante prejuízos que daí advêm, que não poderá adjudicar para si o dito imóvel beneficiando da dispensa do depósito do preço, nem pode ser ressarcida através do pagamento das prestações devidas pelos mútuos reclamados, e de lhe estar vedada a instauração de processo de execução contra os devedores, porque ambos estão insolventes.
O - A douta sentença recorrida é nula nos termos do n.º 1 alínea d) do art.º 615.º do C.P.C., por violação do n.º 1 e nº 4 alínea a) do art.º 47.º e 174º do CIRE, porque não foi apreciada a questão relacionada com a venda do imóvel pela totalidade, colocando em causa a Lista Definitiva dos Créditos e respetiva natureza aí confirmada.
P- Caso assim não seja o entendimento de V. Exas, e mantendo-se a sentença de Verificação e Graduação de créditos de que se recorre, deverá ser decidida a venda efetuada do direito de propriedade na sua totalidade NULA, com as demais consequências legais.
Termos em que se requer a V. Exa que ordene:
- que se mantenha a Lista dos Créditos Reconhecidos, qualificando o crédito da ora credora reclamante como garantido, tal como foi reclamado,
- que em sede de sentença de Graduação de Créditos a garantia hipotecária seja reconhecida para pagamento privilegiado relativamente aos créditos comuns pelo produto da venda do bem imóvel,
- que seja, por isso, reconhecida a venda do imóvel na totalidade à credora Reclamante, ora Apelante,
- revertendo ½ indivisa do preço da venda do imóvel na totalidade para a massa insolvente do coproprietário, i.e. para o processo nº 139/15.8T8ELV, deste Tribunal no Juiz 1, onde o mesmo crédito da Reclamante foi reclamado, inscrito na Lista dos créditos definitivos como crédito garantido pelo imóvel em causa, e verificado e graduado na sentença de Graduação de créditos como tal.
- sendo graduados os créditos verificados e reconhecidos na referida Lista de Créditos, proferida nos termos do artº 129º CIRE para serem pagos pelo produto da venda do imóvel, sendo pagas as dívidas da massa, as quais saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda do imóvel pela sua totalidade (art.º 172.º n.º 1 e n.º 2 do CIRE), que deverão ser graduados, em primeiro lugar, seguida dos créditos garantidos pela EE, S.A., a pagar de Ermelinda acordo com a ordem de prioridade resultante da inscrição no registo das hipotecas.
- caso assim não se entenda, e à cautela, mantendo-se a sentença recorrida, requer-se a V. Exas a nulidade da venda efetuada por ter como objeto o direito de propriedade e não o direito à meação como pressupõe a douta sentença recorrida.
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Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões essenciais decidendas são as seguintes:
a) Saber se a sentença padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia.
b) Se o crédito da recorrente beneficia de garantia e em que lugar deverá ser graduado.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
Para conhecimento do objeto do recurso considera-se relevante a seguinte factualidade:
1. Na lista definitiva de créditos apresentada pelo AI, nos termos do art.º 129.º do CIRE consta, entre outros, como credor, a recorrente EE, com um crédito de €103.511,23, sendo €95.453,34 de capital e € 8.057,89 de juros, garantido por hipotecas.
2. E mais refere: natureza do crédito reconhecido: natureza Garantida; Hipotecas registadas pela Ap. 7 de 19/9/2000 ( a qual garante um crédito reclamado de € 83.770,79) e Ap. 1 de 29/6/2004 ( a qual garante um crédito reclamado de € 19.740,44).
Bens sobre que incide o privilégio ou garantia: Fração I do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Assunção, Ajuda, Salvador e Santo Ildefonso, do concelho de Elvas, correspondente ao artigo ... da extinta freguesia de Assunção, concelho de Elvas.
3. Os demais credores não impugnaram a lista definitiva de créditos.
4. Foi apreendida para a massa a meação da insolvente relativamente à fração predial identificada.
5. No processo n.º 139/15.8T8ELV-B, que corre termos na Comarca de Portalegre, Elvas, Instância Central, Secção Cível, J1, na sequência da declaração de insolvência de BB, em 1 de junho de 2016 foi proferida a competente sentença de verificação e graduação de créditos nos seguintes termos:
“A) O produto da venda da Fração I do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o n.º ..., da freguesia de Assunção…., deve ser afeto ao pagamento do crédito garantido por hipoteca e reclamado pela EE, SA, no montante total de €100.759,55.
O remanescente do produto dessa venda deve ser dividido em duas partes iguais:
1. Uma das metades desse produto pertence a AA e, por conseguinte, deve reverter para a própria;
2. A outra metade desse produto pertence a BB, devendo ser afeta ao pagamento dos créditos reconhecidos na presente decisão, nos seguintes termos:
b) Em primeiro, rateadamente entre si, aos créditos reclamados e reconhecidos, de natureza comum;
c) Em segundo lugar os créditos subordinados”.
6. Aníbal ... é Administrador de Insolvência do insolvente BB, no âmbito do processo identificado em 5), bem como da insolvente dos presentes autos e, nessa qualidade, em 8 de abril de 2016, na sequência do decidido no apenso de reclamação de créditos desse processo, adjudicou à credora reclamante EE a fração predial mencionada em 2) e 5), pelo preço de € 84.000,00.
7. Consta da certidão de Registo Predial, Comercial e Automóveis de Elvas, relativamente ao imóvel identificado em 2) e 5), que a sua aquisição se mostra registada em 19/09/2000 a favor de BB, casado com AA, no regime da comunhão de adquiridos.
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2. O direito.
2.1. Da nulidade da sentença.
Diz a recorrente que a sentença é nula nos termos do n.º 1 alínea d) do art.º 615.º do C.P.C., por violação do n.º 1 e nº 4 alínea a) do art.º 47.º e 174º do CIRE, porque não foi apreciada a questão relacionada com a venda do imóvel pela totalidade, colocando em causa a Lista Definitiva dos Créditos e respetiva natureza aí confirmada.
Porém, sem razão.
Na verdade, de acordo com a 1.ª parte da alínea d), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, a sentença é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art.º 608.º/2 do C. P. Civil.
E a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art.º 615º, nº 1, al. d), do C. P. Civil.
Daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
Como escreve Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 57, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”. E acrescenta, citando Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, pg. 143, que “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.
No caso dos autos, o tribunal a quo apreciou e conheceu o que se lhe impunha na sentença de verificação e graduação de créditos, sendo que tal questão está fora do seu âmbito.
Por outro lado, essa questão também não lhe foi suscitada, quer pela recorrente, quer pelos restantes credores reclamantes, razão pela qual não teria de sobre ela se pronunciar, até porque o imóvel não foi apreendido para a massa, mas o direito à meação.
Assim, não se deteta a apontada nulidade.
2.2. Graduação do crédito reclamado e reconhecido.
A questão central a decidir consiste em saber se o crédito garantido com hipoteca a favor do credor, ora recorrente, tem natureza comum, não beneficiando da preferência inerente àquela garantia, como se decidiu na sentença recorrida.
Com efeito, aí se entendeu:
“(…) No caso em apreço, integram a massa insolvente o direito da insolvente à sua meação do património comum integrado pela fração autónoma, designada pela letra I, correspondente ao 3.º andar esquerdo frente com uma divisão para arrumos no r/c, designada pelo n.º 6, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o Art.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o n.º ... da freguesia da Assunção, concelho de Elvas.
As regras para a graduação de créditos constam do direito substantivo.
O Art.º 604º, n.º 1 do Código Civil estabelece que, não havendo causa legítima de preferência, os credores de um mesmo património têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos créditos, sendo certo que, nos termos do n.º 2 da norma citada, se consideram causas legítimas de preferência, para além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.
No caso sub judice, apesar de o imóvel supra descrito estar onerado com uma hipoteca, o certo é que está apenas apreendido o direito da devedora à sua meação no prédio urbano.
Nesta medida, apenas pode ser vendido o que se encontra apreendido, que é o direito à meação que será objeto de venda e não todo o imóvel hipotecado.
O crédito da EE, S.A. goza de garantia real sobre a totalidade do imóvel, através da hipoteca constituída e que onera aquele bem.
O direito de propriedade sobre um imóvel não se confunde com o direito à meação no património comum, do qual esse imóvel faz parte. São realidades diferentes.
A garantia decorrente da hipoteca só incide e tem efeitos sobre o bem a que respeita, em concreto, e apenas pode ser considerada para efeitos da venda desse bem.
É isso que decorre do estabelecido no art.º 686.º, nº 1 do Código Civil, quando estipula que o credor hipotecário tem o direito de ser pago, pelo valor das coisas hipotecadas com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
A meação dos bens comuns nem sequer pode ser objeto de hipoteca, conforme decorre do disposto no art.º 690.º do Código Civil que o exclui expressamente.

Ora, assim sendo, o crédito da EE, S.A. é um crédito comum”.
A recorrente discorda deste entendimento, já que sendo credora, com garantia real sobre o imóvel, a hipoteca confere-lhe o direito a ser paga pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. E a sentença recorrida fundamenta a natureza comum do seu crédito no facto de ter sido apreendido para a massa apenas o direito à meação do imóvel, sendo que na realidade não foi esse direito que foi colocado à venda, mas sim, a totalidade do imóvel.
Vejamos, pois, quem tem razão, adiantando-se liminarmente estar do lado da recorrente.
Na realidade, concorda-se com a afirmação de princípio vertida na decisão recorrida na parte em que refere que não se confunde o direito de propriedade sobre um imóvel com o direito à meação no património comum, do qual esse imóvel faz parte, pelo que o crédito da recorrente goza de garantia real sobre a totalidade do imóvel, através da hipoteca constituída, não sobre o direito à meação.
Aliás, o próprio art.º 690.º do C. Civil exclui da hipoteca a meação dos bens comuns do casal, assim como a quota de herança indivisa, justamente porque a hipoteca só pode incidir sobre certas coisas imóveis ou equiparadas ( seu art.º 686.º/1).
Por isso, aceita-se a interpretação seguida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14 /2/2012, (Carlos Gil), disponível em www.dgsi.pt, e citado na decisão recorrida, ao afirmar que a admitir-se a preferência no pagamento pelo produto da venda da meação conjugal do insolvente, na qual se integra o imóvel hipotecado a favor da recorrente, “traduzir-se-ia numa violação indireta do disposto no artigo 690º do Código Civil, pois dar-se-lhe-ia preferência no pagamento pelo produto da venda de um direito, sem que fosse admitida a constituição da garantia fundamentadora da preferência no pagamento sobre o direito objeto da venda. Por outro lado, o direito à meação conjugal não se traduz num qualquer direito inerente ao imóvel hipotecado a favor da recorrente pois, à semelhança do que sucede relativamente ao quinhão hereditário, não confere qualquer direito sobre bens concretos e determinados integrantes da comunhão conjugal. Como já foi antes referido, o direito à meação apenas se virá a determinar em separação de bens, após efetivação da liquidação do passivo do casal e partilha dos bens comuns (artigos 1715º, nº 1, alínea d), do Código Civil e 141º, nº 1, alínea b) e nº 3, do CIRE)”.
Com efeito, a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por conferir ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis (ou equiparadas), pertencentes ao devedor ou terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo, podendo ter a sua origem num contrato ou declaração unilateral – art.ºs 686.º/1 e 712.º do C. Civil.
Citando Carvalho Fernandes, Direitos Reais, 4.ª Edição, 2005, pág. 152, a propósito da proibição do “pacto comissório”, que “este regime não prejudica o credor hipotecário por os atos subsequentes de alienação ou oneração lhe serem inoponíveis. Nomeadamente, no caso de transmissão, isso significa que ele pode fazer executar a coisa hipotecada no património do adquirente, sendo esta uma manifestação da sequela do direito de hipoteca”. E adianta o Professor que no caso do adquirente dos bens hipotecados, este tem, em alternativa, a faculdade de optar entre: a) pagar aos credores hipotecários as dívidas garantidas pelo bem hipotecado; b) declarar-se disposto a entregar aos credores hipotecários o bem, para pagamento dos respetivos créditos, até à quantia pelo qual o adquiriu ( art.ºs 721.º do C. Civil).
Assim também ensina Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12.ª Edição, pág. 955, onde refere que “os bens hipotecados podem ser transmitidos, embora o respetivo ónus os acompanhe”, concedendo-se à pessoa que os adquire a faculdade de fazer extinguir esse ónus real, é o que na terminologia técnico-jurídica se chama expurgação da hipoteca.
Oliveira Ascensão, “Direitos Reais”, 4.ª Edição, pág. 551 e segs., considera apropriado falar-se em “preferência”, como princípio característico dos direitos reais de garantia, no confronto com outros direitos legítimos, mas incompatíveis, considerando a “sequela” uma consequência necessária do direito real, nos termos da qual “uma coisa é funcionalmente afeta a um sujeito, que todos os outros, quando entram em contato com a essa coisa, têm de se submeter à atribuição que já foi realizada”.
E Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, afirmam que “ o meio de o credor hipotecário tornar efetivo o seu direito em relação aos bens hipotecados é a execução, regulada no C. P. Civil”. Sendo que a “ação executiva por dívida provida de garantia real e, portanto, de hipoteca, pode seguir diretamente contra o possuidor dos bens onerados (sequela)”.
Portanto, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário, a hipoteca mantém-se inerente, grudada ao imóvel, apesar de ele poder passar para a esfera jurídica de terceiro que não é o devedor. A hipoteca garante a obrigação enquanto esta se não extinguir, quem quer que seja o devedor ou o titular do imóvel onerado.
Ora, a sentença de graduação de créditos feita no processo de insolvência “deve respeitar a classificação dos créditos operada pelo direito material geral, em regra. Ou seja, a classificação de um crédito da insolvência como crédito garantido ou crédito privilegiado ou até crédito comum depende do respetivo regime geral aplicável fora do contexto de um processo de insolvência” – cf. Maria do Rosário Epifânio, “Manual do Direito da Insolvência”, 2013, 5.ª edição, pág. 232.
Nos termos do art.º 47.º/1 e 4, al. a), do CIRE, são considerados créditos garantidos sobre a insolvência os créditos que beneficiem de garantias reais sobre os bens integrantes da massa insolvente.
Daí que os “credores titulares de créditos garantidos por bens que integram a massa insolvente têm especiais vantagens na fase de pagamento na medida em que, uma vez feita a liquidação dos bens onerados com a garantia real em causa tem imediatamente lugar o pagamento aos credores garantidos, nos termos do at.º 174.º/1” – cf. Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2015, pág. 244 [1]. E acrescenta o Autor que “Os credores garantidos podem, em certos termos, propor a aquisição de bens integrados na massa insolvente sobre os quais incidem as garantias”.
Ora, no caso dos autos, não oferece dúvidas de que a recorrente é credora da insolvente, beneficiando o seu crédito, por força da hipoteca sobre a Fração Predial I, de um direito real de garantia, que lhe atribui a preferência de ser pago pelo produto da venda desse imóvel.
Porém, no âmbito deste processo de insolvência foi apreendido para a massa insolvente o direito à meação nos bens comuns, da qual faz parte esse imóvel, o que, pelas razões apontadas, excluiria qualquer preferência no pagamento do crédito da recorrente, pela singela razão de que a hipoteca incide sobre a fração predial e não sobre o direito à meação.
Daí que se coloque a questão de saber se nestes casos deve apreender-se apenas o direito à meação que o cônjuge insolvente tem sobre os bens comuns, ou, segundo outra corrente, a apreensão deve incidir sobre a totalidade dos bens comuns, podendo o outro cônjuge requerer a separação de bens.
Considerando que no âmbito da previsão do art.º 46.º/1 do CIRE apenas deve integrar a massa insolvente todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo, conjugado com o seu art.º 159.º, ao prever que relativamente aos bens de que o insolvente seja contitular só se liquidará no processo de insolvência o direito que ele tenha sobre esses bens, e partindo da noção e natureza do património comum dos cônjuges, em que apenas o direito à meação pertence em exclusivo ao cônjuge insolvente [2], pode defender-se que no âmbito do processo de insolvência de um dos cônjuges apenas se pode apreender para a massa insolvente o seu direito à meação nos bens comuns, não os próprios bens que integram essa comunhão, orientação que parece ter sido defendida pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/03/2013 ( Ondina Carmo Alves) [3] e de 13/02/2014 (Vaz Gomes) [4].
Porém, esta interpretação suscita sérias dificuldades de ordem prática, desde logo na estrema dificuldade de se obter a liquidação do direito à meação apreendido para a massa insolvente, em que o único interessado nessa aquisição será o cônjuge do insolvente ou eventualmente o próprio credor hipotecário, o qual se vê posteriormente forçado a negociar com esse cônjuge ou a instaurar ação executiva para cobrança do crédito hipotecário, para além da enorme desvalorização desse direito à meação, em regra muito inferior a metade dos bens imóveis que a integram, com evidentes prejuízos para o credor hipotecário e também para o cônjuge do insolvente, sem esquecer que a aquisição dessa meação não extingue a hipoteca que incide sobre o imóvel, para além de que o credor está interessado na aquisição do imóvel garantido com a hipoteca, não no direito à meação, como aliás nos dá conta o senhor Administrador de Insolvência no seu requerimento de fls. 90 a 92.
Daí que uma segunda corrente tenha vindo a sustentar, com a nossa concordância, que “Respeitando o processo de insolvência unicamente a um dos cônjuges, haverá, assim, que proceder à penhora da totalidade dos bens comuns do casal e não à meação em cada um dos bens que façam parte do património comum” – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11/03/2014 (Maria João Areias) [5].
Com efeito, escreveu-se neste aresto, a propósito de um caso com idênticos contornos ao dos presentes autos, que acompanhamos:
“(…) A questão da penhorabilidade dos bens comuns ou do “direito à meação nos bens comuns”, vem-se colocando a propósito da responsabilidade pelas dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges, uma vez que há muito vigora o regime segundo o qual pelas dívidas próprias “respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns” (nº1 do atual art. 1696º do Código Civil).
Contudo, antes da entrada em vigor da alteração introduzida pelo art. 4º nº1 do Dec. Lei nº 329-A/95 de, de 12 de Dezembro, o nº1 do art. 1696º, previa uma moratória legal na execução de bens comuns, pois esta somente era “exigível depois de dissolvido, declarado nulo ou anulado o casamento, ou depois de decretada a separação judicial de pessoas e bens ou a simples separação judicial de bens”.
Em conformidade com tal regime substantivo, o art. 825º do Código de Processo Civil/1961, previa que “Na execução movida contra um só dos cônjuges não podem ser penhorados senão os seus bens próprios e a o direito à meação nos bens comuns.
Penhorado o direito à meação, a execução fica suspensa até que se dissolva o matrimónio ou seja decretada judicialmente a separação de bens”.
A doutrina admitia então que se pudesse penhorar o próprio direito à meação, mas não os bens integrantes nessa meação, bens estes que só poderiam ser penhorados diretamente no caso de dívidas substancialmente comerciais, por força do art. 10º do Código Comercial.
Com as alterações que o Dec. Lei nº 329-A/95, veio a introduzir no art. 825º do CPC[5], e apesar de o art. 1696º, nº1, do CC, continuar a referir-se à responsabilidade da meação nos bens comuns, deixou de se falar na penhora do direito à meação nos bens comuns, passando a prever-se a penhora de bens comuns, penhora esta que será sustada se, citado para o efeito, o respetivo cônjuge vier requerer a separação de meações ou juntar certidão comprovativa da pendência da ação em que aquela tenha sido requerida, prosseguindo a execução nos bens comuns penhorados caso o cônjuge não exerça tal faculdade.
Assim, como é referido por Remédio Marques[6], o disposto no art. 826º nº1 do CPC (art. 743º, nº1 do NCPC), relativamente à “penhora em caso de comunhão ou compropriedade” – que prevê que na execução movida apenas contra algum ou alguns dos contitulares de património autónomo ou bem indiviso, não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso –, já não abarca, ou pelo menos mostra-se desprovido de interesse prático, a penhora do direito à meação do executado nos bens comuns do casal, atenta a alteração efetuada, na reforma processual de 1995/1996, nos arts. 1696, nº1, do CC, e 825º, do CPC.

Assim sendo, havendo bens comuns do casal, deverão ser os mesmos apreendidos na sua totalidade para a massa insolvente[9], devendo, após a sua apreensão, citar-se o cônjuge do insolvente para, nos termos do art. 825º, requerer a separação de bens, sem prejuízo de tal separação poder ser ordenada oficiosamente, nos termos do art. 141º, nº3, do CIRE[10]”.
E a verdade é que as normas referentes à penhora e venda em processo executivo são aplicáveis, subsidiariamente, face à remissão do art.º 17.º do CIRE, pelo que o art.º 740.º/1 do C. P. Civil prevê que sendo a execução movida contra um só dos cônjuges e nela sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns, ou seja, permite-se a penhora dos bens comuns, não a do direito à meação.
Por outro lado, o art.º 81.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, prevê um processo específico para a separação de bens em casos especiais, em particular para a separação de bens em consequência da insolvência de um dos cônjuges.
Portanto, se um dos cônjuges for declarado insolvente, o art.º 141.º, n.º1, alínea b), do CIRE, permite que o outro cônjuge possa requerer a separação dos seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns da massa insolvente.
Por isso, entendemos que não deve ser apreendida para a massa o direito à meação, nada impedindo a apreensão dos próprios bens comuns, devendo o cônjuge do insolvente requerer a separação de bens, a qual até poderá ser ordenada pelo juiz, a requerimento do A. I., nos termos do n.º3 do art.º 141.º do CIRE.
Em qualquer caso, não podemos ignorar que no processo de insolvência n.º 139/15.8T8ELV-B, que corre termos na Comarca de Portalegre, Elvas, Instância Central, Secção Cível, J1 ( ou seja, no mesmo tribunal), na sequência da declaração de insolvência de BB, casado com a insolvente destes autos no regime da comunhão de adquiridos, em 1 de junho de 2016 foi proferida a competente sentença de verificação e graduação de créditos em que se reconheceu à recorrente a preferência no pagamento do seu crédito pelo produto da venda da Fração I, prédio urbano em causa, garantido por hipoteca, no montante total de €100.759,55, ficando metade do produto dessa venda a pertencer a AA .
E releva também que a ordenada venda do imóvel teve em conta que a insolvente AA “foi notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 740.º do C. P. Civil, conforme decorre de fls. 18/19 do apenso A, sem que haja requerido a separação de bens ou partilha do património comum, o que permite concluir estarem reunidos os requisitos legais para que se realize a venda do imóvel apreendido nos autos” (fls. 96 dessa sentença).
Assim, tendo sido ordenada a venda do imóvel aprendido nessa insolvência, com a consequente adjudicação, em 8 de abril de 2016, à credora reclamante EE, pelo preço de € 84.000,00, essa realidade terá que ser considerada nestes autos, visto não ser possível a venda do direito à meação nos bens comuns da insolvente, inexistindo outros bens apreendidos para a massa, e o imóvel, sobre o qual incide a hipoteca para garantia do pagamento do seu crédito, ter sido vendido, com a consequente extinção da hipoteca – os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, nos termos do art.º 824.º/2 do C. Civil).
Daí não se poder falar em venda do direito à meação quando foi vendido, no âmbito daquele processo, o imóvel hipotecado, razão pela qual o crédito da recorrente terá de manter essa garantia, reportada ao valor correspondente a metade do produto dessa venda no âmbito destes autos.
Nesse sentido se defendeu no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28/01/2016, que a solução prevista no art.º 743º/2 do C. P. Civil, ex vi art. 17º do CIRE, para as execuções diversas em que sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que se tenha efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido, seja aplicado ao processo de insolvência, ou seja, “face à declaração de insolvência de ambos os proprietários do bem imóvel hipotecado e supra descrito – ainda que em processos distintos - o bem imóvel, em si mesmo e pela sua totalidade, terá de ser vendido, no processo em que foi primeiramente declarada a insolvência”.
Aliás, mesmo no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/03/2013, sustentou-se que “Encontrando-se os dois direitos (do insolvente e do ex-cônjuge deste) sobre o único bem imóvel que constitui o património coletivo, sujeitos a vendas judiciais separadas – na insolvência e no processo executivo e em é executado o ex-cônjuge do insolvente – os prejuízos que necessariamente decorrerão, quer para os credores, para os terceiros interessados na aquisição do direito integrado na massa insolvente, quer também para o próprio ex-cônjuge do insolvente, devido à dificuldade da venda, ou a sua concretização por baixo valor, aconselham a venda desse único bem, na sua globalidade, no processo de insolvência, o que implicará a convolação do direito do ex-cônjuge do insolvente, num direito sobre o preço pelo qual o bem venha a ser vendido, na parte que lhe corresponde”.
Na realidade, se assim é no âmbito de processo de insolvência quando os cônjuges se apresentam ou são demandados em coligação, como se permite no n.º2 do art.º 249.º e art.ºs 264.º e 265.º do CIRE, em que os bens comuns são aprendidos para a massa e são liquidados, em separado, dos bens próprios, como prescrito no seu art.º 266.º, beneficiando a insolvência de uma administração única, “configurando-se como uma das vantagens da coligação de cônjuges no processo de insolvência”, face ao que que se refere na parte final do n.º1 do art.º 265.º, como sublinham Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 963, não se vê razão bastante para afastar da garantia o crédito da recorrente se, em vez da coligação, os cônjuges optarem por se apresentar em separado à insolvência, ou assim forem demandados, em que o administrador de insolvência é o mesmo, como no caso dos autos.
Dito de outro modo, se o credor hipotecário, no âmbito da insolvência em coligação de cônjuges, vê reconhecido e garantido o crédito pelo imóvel que constitui bem comum e que integra a massa insolvente, sobre o qual incidia a hipoteca, não se vê razão para excluir essa garantia quando os cônjuges se apresentam, ou são demandados, em separado à insolvência.
No caso concreto, encontra-se aprendido, nestes autos, o direito à meação da insolvente, sobre um bem imóvel, sobre o qual incidia a garantia da recorrente, a hipoteca, imóvel que foi apreendido no processo de insolvência relativamente ao marido desta, aí foi ordenada a venda e concretizada a adjudicação, razão pela qual se mantém a garantia do crédito pelo remanescente do produto dessa venda.
Termos em que procede a apelação, devendo ser revogada a decisão recorrida, reconhecendo-se à recorrente o direito de ser paga pelo seu crédito pelo produto de parte da venda do imóvel, ou seja, pelo valor correspondente a metade (€42.000,00), tal como determinado na insolvência do cônjuge.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Nos termos do art.º 47.º/1 e 4, al. a) do CIRE são considerados créditos garantidos sobre a insolvência os créditos que beneficiem de garantias reais sobre os bens integrantes da massa insolvente.
2. Se o credor hipotecário, no âmbito da insolvência em coligação de cônjuges, vê reconhecido e garantido o crédito pelo imóvel que constitui bem comum, que integra a massa insolvente, sobre o qual incide a hipoteca, não se vê razão para excluir essa garantia quando os cônjuges se apresentam, ou são demandados, em separado à insolvência, e no processo de um deles o imóvel é apreendido para a massa e vendido e no processo do outro é aprendido o direito à sua meação.
3. A credora hipotecária titular de hipoteca constituída sobre imóvel comum, apreendido para a massa de um dos cônjuges, e aí vendido, goza da preferência conferida pela hipoteca no pagamento pelo produto da venda nesse processo, bem como sobre a parte do produto da venda que cabe ao outro cônjuge insolvente, em processo separado, e no qual foi aprendida a sua meação.
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V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, alterando a decisão recorrida, reconhecendo o crédito reclamado pela recorrente como garantido por hipoteca e, em consequência, gradua-se o crédito para ser pago em primeiro lugar pelo valor atribuído à insolvente com a venda do imóvel no âmbito do processo de insolvência identificado (n.º 139/15.8T8ELV-B), mantendo-se, no mais, o aí decidido.
Custas a cargo da massa insolvente (art.º 304º do C.I.R.E).
Évora, 2017/06/08
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
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[1]) No mesmo sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado”, 2.ª edição, 2013, pág. 685.
[2]) Atendendo a que o art.º 1730.º/1 do C. Civil estabelece a regra da meação dos cônjuges (ou ex-cônjuges sem ter havido partilha) no património comum, ao estatuir que “os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso”.
[3]) Onde se diz: “1.Na comunhão conjugal existe um património coletivo que constitui uma massa patrimonial que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela. 3. Não tendo havido partilha dos bens do casal, na sequência do divórcio, no processo de insolvência de um ex-cônjuge, apenas se poderá arrolar o direito deste a uma quota ideal do património coletivo do casal e, em princípio, apenas esse direito poderá ser liquidado no processo de insolvência”.
[4]) Aí se afirmando: “Parecendo ser da responsabilidade de ambos os cônjuges (ou ex-cônjuges no caso), o que acontece é que neste processo de insolvência não há notícia de que o ex-cônjuge do insolvente tenha intervindo na insolvência por qualquer forma, ou que para ela tenha sido citado, pelo que à semelhança do que ocorre no art.º 825 não pode a liquidação prosseguir sobre o imóvel comum, apenas o poderá sobre aquele direito à meação no património coletivo que não incide especificamente sobre a fração autónoma”.
[5]) No mesmo sentido, o Acórdão do tribunal da Relação de Guimarães, de 28/1/2016 (Anabela Tenreiro): “Ora, a sentença de reconhecimento e graduação dos créditos baseou-se na apreensão de um “bem” ou “direito” que não tem sustentação legal (direito à meação do prédio rústico supra identificado), impondo-se, por isso, a correção do auto de apreensão no sentido de ser apreendida a totalidade desse imóvel, que inclusivamente foi registada, e oportunamente, ser proferida sentença de reconhecimento e graduação dos créditos, que tenha em consideração os bens ou direitos apreendidos para a massa insolvente”.