Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL ABALROAÇÃO CRIMINALIDADE ESPECIALMENTE VIOLENTA INDEMNIZAÇÃO CIVIL OMISSÃO DE PRONÚNCIA | ||
Data do Acordão: | 06/21/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - Tendo a arguida sido condenada, nos presentes autos, pela prática de um crime de roubo, p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, sendo a vítima pessoa idosa, tendo, à data dos factos, 70 anos de idade, apresentando dificuldades de locomoção e encontrando-se fisicamente fragilizada, integrando-se no conceito de “vítima especialmente vulnerável”, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 67.º-A, do CPP, sendo o n.º 3, por referência ao conceito de criminalidade especialmente violenta plasmado na al. g), do n.º 1 do artigo 1.º do CPP, não tendo a vítima deduzido pedido de indemnização civil no processo penal e não resultando dos autos que o haja feito em separado, nem que, expressamente, se tivesse oposto ao arbitramento de quantia para reparação dos danos sofridos, não podia o Tribunal a quo deixar de apreciar e decidir – tanto mais que tal foi requerido pelo Ministério Público, na acusação – sobre o arbitramento à vítima de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82.º-A, n.º 1, do CPP e 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro. II - E, nesta situação, não tendo o tribunal a quo ponderado o arbitramento, à vítima de quantia, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, verifica-se omissão de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum n.º 2381/20.0T8PTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 3, foi submetida a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida AA, melhor identificada nos autos, estando acusada da prática, em coautoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) - por referência ao artigo 204º, n.º 1, al. f) - e 4, do Código Penal, tendo o Ministério Público, na acusação deduzida, requerido que, ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro – que aprovou o Estatuto da Vítima – e dos artigos 67º-A, n.ºs 1, al. b) e 3, por referência ao artigo 1º, al. j) e 82º-A, todos do CPP, após cumprido o contraditório (artigo 82º-A, n.º 2, do CPP), fosse arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela vítima BB. 1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 21/01/2022, que condenou a arguida pela prática, como coautora material, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 4 e 202º, al. c), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respetiva execução, pelo período de 2 (dois) anos. 1.3. O Ministério Público interpôs recurso da sentença, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões: «I - O presente recurso vem interposto da sentença proferida e depositada no dia 21 de Janeiro de 2022, no âmbito do Processo Comum, Tribunal Singular, n.º 2381/20.0T8PTM, que condenou a arguida AA, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 1, al. f), e 4, e 202º, al. c), todos do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de dois anos. II - Analisada a sentença proferida nos autos, o Ministério Público não se pode conformar com a mesma, porque a sentença é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que não toma qualquer posição sobre questões de que podia e devia ter conhecido, concretamente quanto à indeminização a arbitrar à vítima, artigo 1.º, al. j), do CPP) e 82.ºA, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro; III - Violou, deste modo, a sentença recorrida o disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, sendo certo que o Tribunal dispunha de todos os elementos para se pronunciar quanto a tal questão; IV - Na verdade, foram dados como provados os seguintes factos: “1. No dia 25.04.2019, cerca das 13:00, a arguida AA, acompanhada de outro individuo do sexo feminino, em conjugação de esforços e de vontades, dirigiu-se à residência de BB, localizada na R. ..., ..., ..., com o intuito de se apoderar dos objectos e valores que ali encontrasse. 2. Uma vez ali chegadas, a arguida AA e a pessoa que a acompanhava bateram à porta da entrada da aludida residência e, após BB a ter aberto, pediram-lhe que lhes facultasse água, situação que já havia ocorrido em datas anteriores. 3. Seguidamente, e sem que nada o fizesse prever, a arguida e o individuo do sexo feminino que a acompanhava desferiram um empurrão em BB, logrando desse modo entrar no interior da aludida residência. 4. Aí, agarraram o ofendido e acariciaram-lhe a zona do pénis e testículos, por forma a que não oferecesse resistência. 5. Enquanto isso, uma delas percorreu as várias divisões da casa, retirando de uma mesa de cabeceira do quarto a importância de € 45,00 e algumas peças de louça chinesa, de valor não concretamente apurado. 6. Já na posse da sobredita quantia e peças de louça, encetaram uma fuga apeada daquele local. 7. A arguida e a pessoa que a acompanhava apoderaram-se e fizeram suas, a quantia acima indicada e as peças de louça, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário. 8. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, de forma conjunta e concertada, em comunhão de esforços e intentos e, em concretização do plano que havia previamente gizado com o referido individuo do sexo feminino que a acompanhava, com intenção de entrar, sem autorização, no interior da residência de BB e, através de agressões físicas e acariciamento das suas zonas íntimas e mediante a manietação dos seus movimentos, apoderar-se dos objectos e dinheiro pertença do mesmo, o que fez sem o seu consentimento. 9. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e possuía a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação. Mais se apurou que: 10. À data dos factos o ofendido tinha 70 anos e dificuldades de locomoção, sendo uma pessoa fisicamente fragilizada. 11. As mencionadas peças em louça subtraídas pela arguida foram recuperadas após os factos, mediante a sua entrega, a pedido de BB”. V - Ora, ainda que não tenha sido deduzido pedido cível pela vítima, uma vez que estamos perante um crime de roubo, que se integra na criminalidade violenta e que, no caso em apreço, vitimou uma pessoa especialmente vulnerável (em função da idade avançada - 70 anos -, dos problemas de locomoção e da fragilidade física que apresentava), pelo qual a arguida foi condenada, ao Tribunal não é atribuído o poder-dever de “arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”, antes se impõe a aplicação imperativa de tal arbitramento consignado no art. 82.º-A, do Código de Processo Penal. VI - Assim sendo e considerando o acima exposto, tendo o Tribunal “a quo” condenado a arguida por um crime de roubo mas não se tendo pronunciado sobre o arbitramento de indemnização ao ofendido, imposta legalmente pelos artigos 67.º-A, n.ºs 1, al. b), e 3 (ex vi artigo 1.º, al. j), do CPP) e 82.ºA, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, - sendo que a vítima não deduziu pedido civil nos autos mas também não renunciou expressamente à sua atribuição -, incorreu no vício de omissão de pronúncia, sendo por isso, no que a esta parte concerne, a sentença nula, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP. Termos em deverá ser dado provimento ao recurso e a sentença recorrida ser revogada em conformidade com o exposto. Contudo V. Ex.as decidirão conforme for de JUSTIÇA!» 1.4. O recurso foi regularmente admitido. 1.5. A arguida não respondeu ao recurso. 1.6. Neste Tribunal, o Exmº. Procurador da República emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente. 1.7. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta. 1.8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Delimitação do objeto do recurso O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito (cfr. artº. 428º do CPP). As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso. Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, bem como das causas de nulidade da sentença, a que se refere o artigo 379º, n.º 1, do CPP e de outras nulidades insanáveis, como tal tipificadas por lei. No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente Ministério Público da motivação do recurso apresentada a única questão suscitada é a da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, na parte em que não apreciou se deve haver lugar à reparação oficiosa à vítima, pelos prejuízos sofridos, nos termos do disposto no artigo 16º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04 de setembro e nos artigos 67º-A, nº 1, alínea b) e 82º-A, ambos do CPP. * 2.2. Para que possamos apreciar a questão suscitada, importa ter presente os factos dados como provados na sentença recorrida e em que se sustenta a decisão condenatória da arguida pela prática, como coautora, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 4 e 202º, al. c), todos do Código Penal e que se passam a transcrever:«(…) FACTOS PROVADOS Da discussão da matéria de facto, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 25.04.2019, cerca das 13:00, a arguida AA, acompanhada de outro individuo do sexo feminino, em conjugação de esforços e de vontades, dirigiu-se à residência de BB, localizada na R. ..., ..., ..., com o intuito de se apoderar dos objectos e valores que ali encontrasse. 2. Uma vez ali chegadas, a arguida AA e a pessoa que a acompanhava bateram à porta da entrada da aludida residência e, após BB a ter aberto, pediram-lhe que lhes facultasse água, situação que já havia ocorrido em datas anteriores. 3. Seguidamente, e sem que nada o fizesse prever, a arguida e o individuo do sexo feminino que a acompanhava desferiram um empurrão em BB, logrando desse modo entrar no interior da aludida residência. 4. Aí, agarraram o ofendido e acariciaram-lhe a zona do pénis e testículos, por forma a que não oferecesse resistência. 5. Enquanto isso, uma delas percorreu as várias divisões da casa, retirando de uma mesa de cabeceira do quarto a importância de € 45,00 e algumas peças de louça chinesa, de valor não concretamente apurado. 6. Já na posse da sobredita quantia e peças de louça, encetaram uma fuga apeada daquele local. 7. A arguida e a pessoa que a acompanhava apoderaram-se e fizeram suas, a quantia acima indicada e as peças de louça, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário. 8. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, de forma conjunta e concertada, em comunhão de esforços e intentos e, em concretização do plano que havia previamente gizado com o referido individuo do sexo feminino que a acompanhava, com intenção de entrar, sem autorização, no interior da residência de BB e, através de agressões físicas e acariciamento das suas zonas íntimas e mediante a manietação dos seus movimentos, apoderar-se dos objectos e dinheiro pertença do mesmo, o que fez sem o seu consentimento. 9. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e possuía a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação. Mais se apurou que: 10. À data dos factos o ofendido tinha 70 anos e dificuldades de locomoção, sendo uma pessoa fisicamente fragilizada. 11. As mencionadas peças em louça subtraídas pela arguida foram recuperadas após os factos, mediante a sua entrega, a pedido de BB. Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal da arguida, que: 12. Não regista antecedentes criminais. (…).» 2.3 Conhecimento do mérito do recurso 3. DECISÃO |