Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2381/20.0T8PTM.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
ABALROAÇÃO
CRIMINALIDADE ESPECIALMENTE VIOLENTA
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Tendo a arguida sido condenada, nos presentes autos, pela prática de um crime de roubo, p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do CP, sendo a vítima pessoa idosa, tendo, à data dos factos, 70 anos de idade, apresentando dificuldades de locomoção e encontrando-se fisicamente fragilizada, integrando-se no conceito de “vítima especialmente vulnerável”, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 67.º-A, do CPP, sendo o n.º 3, por referência ao conceito de criminalidade especialmente violenta plasmado na al. g), do n.º 1 do artigo 1.º do CPP, não tendo a vítima deduzido pedido de indemnização civil no processo penal e não resultando dos autos que o haja feito em separado, nem que, expressamente, se tivesse oposto ao arbitramento de quantia para reparação dos danos sofridos, não podia o Tribunal a quo deixar de apreciar e decidir – tanto mais que tal foi requerido pelo Ministério Público, na acusação – sobre o arbitramento à vítima de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82.º-A, n.º 1, do CPP e 16.º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro.
II - E, nesta situação, não tendo o tribunal a quo ponderado o arbitramento, à vítima de quantia, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, verifica-se omissão de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Neste processo comum n.º 2381/20.0T8PTM, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 3, foi submetida a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, a arguida AA, melhor identificada nos autos, estando acusada da prática, em coautoria, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b) - por referência ao artigo 204º, n.º 1, al. f) - e 4, do Código Penal, tendo o Ministério Público, na acusação deduzida, requerido que, ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro – que aprovou o Estatuto da Vítima – e dos artigos 67º-A, n.ºs 1, al. b) e 3, por referência ao artigo 1º, al. j) e 82º-A, todos do CPP, após cumprido o contraditório (artigo 82º-A, n.º 2, do CPP), fosse arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela vítima BB.
1.2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença em 21/01/2022, que condenou a arguida pela prática, como coautora material, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 4 e 202º, al. c), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respetiva execução, pelo período de 2 (dois) anos.
1.3. O Ministério Público interpôs recurso da sentença, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões:
«I - O presente recurso vem interposto da sentença proferida e depositada no dia 21 de Janeiro de 2022, no âmbito do Processo Comum, Tribunal Singular, n.º 2381/20.0T8PTM, que condenou a arguida AA, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 1, al. f), e 4, e 202º, al. c), todos do Código Penal, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por um período de dois anos.
II - Analisada a sentença proferida nos autos, o Ministério Público não se pode conformar com a mesma, porque a sentença é nula, por omissão de pronúncia, uma vez que não toma qualquer posição sobre questões de que podia e devia ter conhecido, concretamente quanto à indeminização a arbitrar à vítima, artigo 1.º, al. j), do CPP) e 82.ºA, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro;
III - Violou, deste modo, a sentença recorrida o disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, sendo certo que o Tribunal dispunha de todos os elementos para se pronunciar quanto a tal questão;
IV - Na verdade, foram dados como provados os seguintes factos:
“1. No dia 25.04.2019, cerca das 13:00, a arguida AA, acompanhada de outro individuo do sexo feminino, em conjugação de esforços e de vontades, dirigiu-se à residência de BB, localizada na R. ..., ..., ..., com o intuito de se apoderar dos objectos e valores que ali encontrasse.
2. Uma vez ali chegadas, a arguida AA e a pessoa que a acompanhava bateram à porta da entrada da aludida residência e, após BB a ter aberto, pediram-lhe que lhes facultasse água, situação que já havia ocorrido em datas anteriores.
3. Seguidamente, e sem que nada o fizesse prever, a arguida e o individuo do sexo feminino que a acompanhava desferiram um empurrão em BB, logrando desse modo entrar no interior da aludida residência.
4. Aí, agarraram o ofendido e acariciaram-lhe a zona do pénis e testículos, por forma a que não oferecesse resistência.
5. Enquanto isso, uma delas percorreu as várias divisões da casa, retirando de uma mesa de cabeceira do quarto a importância de € 45,00 e algumas peças de louça chinesa, de valor não concretamente apurado.
6. Já na posse da sobredita quantia e peças de louça, encetaram uma fuga apeada daquele local.
7. A arguida e a pessoa que a acompanhava apoderaram-se e fizeram suas, a quantia acima indicada e as peças de louça, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário.
8. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, de forma conjunta e concertada, em comunhão de esforços e intentos e, em concretização do plano que havia previamente gizado com o referido individuo do sexo feminino que a acompanhava, com intenção de entrar, sem autorização, no interior da residência de BB e, através de agressões físicas e acariciamento das suas zonas íntimas e mediante a manietação dos seus movimentos, apoderar-se dos objectos e dinheiro pertença do mesmo, o que fez sem o seu consentimento.
9. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e possuía a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.
Mais se apurou que:
10. À data dos factos o ofendido tinha 70 anos e dificuldades de locomoção, sendo uma pessoa fisicamente fragilizada.
11. As mencionadas peças em louça subtraídas pela arguida foram recuperadas após os factos, mediante a sua entrega, a pedido de BB”.
V - Ora, ainda que não tenha sido deduzido pedido cível pela vítima, uma vez que estamos perante um crime de roubo, que se integra na criminalidade violenta e que, no caso em apreço, vitimou uma pessoa especialmente vulnerável (em função da idade avançada - 70 anos -, dos problemas de locomoção e da fragilidade física que apresentava), pelo qual a arguida foi condenada, ao Tribunal não é atribuído o poder-dever de “arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”, antes se impõe a aplicação imperativa de tal arbitramento consignado no art. 82.º-A, do Código de Processo Penal.
VI - Assim sendo e considerando o acima exposto, tendo o Tribunal “a quo” condenado a arguida por um crime de roubo mas não se tendo pronunciado sobre o arbitramento de indemnização ao ofendido, imposta legalmente pelos artigos 67.º-A, n.ºs 1, al. b), e 3 (ex vi artigo 1.º, al. j), do CPP) e 82.ºA, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, e 16.º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, - sendo que a vítima não deduziu pedido civil nos autos mas também não renunciou expressamente à sua atribuição -, incorreu no vício de omissão de pronúncia, sendo por isso, no que a esta parte concerne, a sentença nula, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Termos em deverá ser dado provimento ao recurso e a sentença recorrida ser revogada em conformidade com o exposto.
Contudo V. Ex.as decidirão conforme for de JUSTIÇA!»

1.4. O recurso foi regularmente admitido.
1.5. A arguida não respondeu ao recurso.
1.6. Neste Tribunal, o Exmº. Procurador da República emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente.
1.7. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido exercido o direito de resposta.
1.8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito (cfr. artº. 428º do CPP).
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto do recurso (cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do CPP), delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Tal não impede o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados no n.º 2 do artigo 410º do CPP, bem como das causas de nulidade da sentença, a que se refere o artigo 379º, n.º 1, do CPP e de outras nulidades insanáveis, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, atentas as conclusões extraídas pelo recorrente Ministério Público da motivação do recurso apresentada a única questão suscitada é a da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, na parte em que não apreciou se deve haver lugar à reparação oficiosa à vítima, pelos prejuízos sofridos, nos termos do disposto no artigo 16º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04 de setembro e nos artigos 67º-A, nº 1, alínea b) e 82º-A, ambos do CPP.
*
2.2. Para que possamos apreciar a questão suscitada, importa ter presente os factos dados como provados na sentença recorrida e em que se sustenta a decisão condenatória da arguida pela prática, como coautora, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), artigo 204º, n.ºs 1, al. f) e 4 e 202º, al. c), todos do Código Penal e que se passam a transcrever:
«(…)
FACTOS PROVADOS
Da discussão da matéria de facto, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 25.04.2019, cerca das 13:00, a arguida AA, acompanhada de outro individuo do sexo feminino, em conjugação de esforços e de vontades, dirigiu-se à residência de BB, localizada na R. ..., ..., ..., com o intuito de se apoderar dos objectos e valores que ali encontrasse.
2. Uma vez ali chegadas, a arguida AA e a pessoa que a acompanhava bateram à porta da entrada da aludida residência e, após BB a ter aberto, pediram-lhe que lhes facultasse água, situação que já havia ocorrido em datas anteriores.
3. Seguidamente, e sem que nada o fizesse prever, a arguida e o individuo do sexo feminino que a acompanhava desferiram um empurrão em BB, logrando desse modo entrar no interior da aludida residência.
4. Aí, agarraram o ofendido e acariciaram-lhe a zona do pénis e testículos, por forma a que não oferecesse resistência.
5. Enquanto isso, uma delas percorreu as várias divisões da casa, retirando de uma mesa de cabeceira do quarto a importância de € 45,00 e algumas peças de louça chinesa, de valor não concretamente apurado.
6. Já na posse da sobredita quantia e peças de louça, encetaram uma fuga apeada daquele local.
7. A arguida e a pessoa que a acompanhava apoderaram-se e fizeram suas, a quantia acima indicada e as peças de louça, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do seu legítimo proprietário.
8. A arguida agiu de forma livre, deliberada e consciente, de forma conjunta e concertada, em comunhão de esforços e intentos e, em concretização do plano que havia previamente gizado com o referido individuo do sexo feminino que a acompanhava, com intenção de entrar, sem autorização, no interior da residência de BB e, através de agressões físicas e acariciamento das suas zonas íntimas e mediante a manietação dos seus movimentos, apoderar-se dos objectos e dinheiro pertença do mesmo, o que fez sem o seu consentimento.
9. Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei e possuía a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.
Mais se apurou que:
10. À data dos factos o ofendido tinha 70 anos e dificuldades de locomoção, sendo uma pessoa fisicamente fragilizada.
11. As mencionadas peças em louça subtraídas pela arguida foram recuperadas após os factos, mediante a sua entrega, a pedido de BB.
Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal da arguida, que:
12. Não regista antecedentes criminais.
(…).»

2.3 Conhecimento do mérito do recurso
Tal como supra referimos a única questão suscitada é a da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, na parte em que não apreciou se deve haver lugar à reparação oficiosa da vítima, pelos prejuízos sofridos, nos termos do disposto no artigo 16º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04 de setembro e nos artigos 67º-A, nº 1, alínea b) e 82º-A, ambos do CPP.
Vejamos:
O Ministério Público, na acusação deduzida, requereu que, ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 2, da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro e dos artigos 67º-A, n.ºs 1, al. b) e 3, por referência ao artigo 1º, al. j) e 82º-A, todos do CPP, após cumprido o contraditório (artigo 82º-A, n.º 2, do CPP), fosse arbitrada uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos pela vítima BB.
Na sentença recorrida, tendo a arguida sido condenada pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204º, nº 1, al. f), e 4, e 202º, al. c), todos do Código Penal, o Tribunal a quo não apreciou o requerimento do Ministério Público, referente à reparação oficiosa da vítima, pelos prejuízos sofridos.
E é precisamente por essa razão, que o Ministério Público, vem interpor recurso, arguindo a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1, al. e), do CPP.
Apreciando:
O artigo 82º-A do CPP, prevê a reparação da vítima em casos especiais, estatuído que:
«1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.
2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização
E sob a epígrafe “Direito a uma decisão relativa a indemnização e a restituição de bens”, dispõe o artigo 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04 de setembro, que:
«1. À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2. Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
(…).».
E, relativamente à vítima, estatui o artigo 67º-A, do CPP, na parte que para o caso dos autos releva, que:
«1 - Considera-se:
a) “Vítima”:
i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;
(…);
b) “Vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
(…).
3 - As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
(…).».
Da interpretação conjugada das enunciadas normas legais resulta que, não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal, em caso de condenação do arguido pela prática de crime e tratando-se de “vítima especialmente vulnerável”, sendo sempre consideradas como tal, “as vítimas de criminalidade violenta ou especialmente violenta” – conceitos definidos nas alíneas f) e g), do artigo 1º, do CPP[1] –, o tribunal deve arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, exceto se a vítima se opuser, expressamente, ao seu arbitramento.
A reparação da vítima, nessas situações, é um poder-dever a que o tribunal a quo está vinculado, não podendo deixar de apreciar se, no caso concreto, estão ou não reunidos os requisitos para que essa reparação oficiosa tenha lugar.
As considerações expendidas no Acórdão do STJ de 02/05/2018[2], a propósito do sentido da remissão operada pelo artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro – diploma que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das vítimas destes crimes –, para o artigo 82º-A do Código de Processo Penal, são inteiramente aplicáveis à remissão que é feita no artigo 16º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, para o mesmo artigo 82º-A, e que no caso vertente, nos importa considerar, pelo que se passam a transcrever:
«(…).
4. A “reparação” prevista no artigo 82.º-A do CPP foi aditada pela Lei n.º 58/98, com carácter de novidade, em coerência com as opções de política criminal estruturantes do sistema, em resposta à necessidade de conferir atenção à posição da vítima, domínio em que se verificaram posteriormente significativos desenvolvimentos que conduziram, no seu estádio mais recente, à atribuição do estatuto de sujeito processual (Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que adita o artigo 67.º-A do CPP e aprova o Estatuto da Vítima, transpondo a Directiva 2012/29/UE de 25.10.2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à protecção das vítimas da criminalidade e substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI, que inspirou a Lei n.º 112/2009).
5. É neste contexto, tendo em conta a natureza e o conteúdo da “reparação” prevista no artigo 82.º-A, bem como a definição de “vítima” constante da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009, que há que definir o sentido da remissão operada pelo artigo 21.º deste diploma, segundo o qual “há sempre lugar à aplicação o artigo 82.º-A do Código de Processo Penal”.
6. O artigo 82.º-A do CPP obriga, pela sua imperatividade normativa, a que o tribunal, nessas circunstâncias, averigue, sempre que seja caso disso, acerca das “exigências de protecção”.
7. Tendo em conta os elementos de interpretação a considerar, o sentido útil da remissão do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009 impõe que o tribunal condene sempre na “reparação pelos prejuízos causados”, como efeito penal da condenação (da aplicação da pena) pela prática de crime de violência doméstica da previsão do artigo 152.º do Código Penal. Isto desde que, verificados os respectivos pressupostos formais – não dedução de pedido de indemnização e não oposição à reparação –, a pessoa ofendida pelo crime tenha sofrido “um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou uma perda material, directamente causada por acção ou omissão” que constitua esse crime, ou seja, desde que essa pessoa seja uma “vítima” do crime na acepção da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 112/2009.»
Assim, no caso dos autos, tendo a arguida sido condenada pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do CP, sendo a vítima BB, pessoa idosa, tendo, à data dos factos, 70 anos de idade e apresentando dificuldades de locomoção e encontrando-se fisicamente fragilizado, integrando-se no conceito de “vítima especialmente vulnerável”, nos termos do disposto na al. b), do n.º 1 e no n.º 3 do artigo 67º-A, do CPP, sendo o n.º 3, por referência ao conceito de criminalidade especialmente violenta plasmado na al. g), do n.º 1 do artigo 1º do CPP, não tendo a vitima deduzido pedido de indemnização civil no processo penal e não resultando dos autos que o haja feito em separado, nem que, expressamente, se tivesse oposto ao arbitramento de quantia para reparação dos danos sofridos, não podia o Tribunal a quo deixar de apreciar e decidir, tanto mais que tal foi requerido pelo Ministério Público, na acusação, sobre o arbitramento à vítima de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82º-A, n.º 1, do CPP e 16º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04 de setembro.
E nesta situação, sendo proferida decisão condenatória da arguida, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, do CP, não tendo o tribunal a quo ponderado o arbitramento, à vítima do mesmo crime, tratando-se de “vítima especialmente vulnerável”, de acordo com o estatuído no n.º 3 do artigo 67°-A CPP, de quantia, a título de reparação pelos prejuízos sofridos, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 82º-A, n.º 1, do CPP e 16º, n.º 2, do Estatuto da Vítima, verifica-se omissão de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, nos termos previstos no artigo 379º, n.º 1, al. c), do CPP[3].
Nesta conformidade, impõe-se declarar a nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c), do CPP e determinar que seja suprida, pelo tribunal recorrido, em termos de, observado que seja o contraditório (n.º 2 do artigo 82-Aº do CPP), se decidir sobre a reparação da vítima, nos termos do disposto nos artigos 82º-A, n.º 1, do CPP e 16º, n.º 2, Lei nº 130/2015, de 04 de setembro.
Termos em que merece provimento o recurso interposto pelo Ministério Público.

3. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, em:
- Declarar nula a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º 1, al. c), do CPP, determinando-se a baixa dos autos à 1.ª instância a fim de, o tribunal recorrido, suprir a nulidade assinalada, nos termos sobreditos.
Sem tributação.
Notifique.
Évora, 21 de junho de 2022

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[1] De acordo com a definição plasmada, respetivamente, na al. f) e na al. g), do artigo 1º do CPP, considera-se:
«Criminalidade violenta» as condutas que dolosamente se dirigem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
«Criminalidade especialmente violenta» as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.
[2] Proferido no proc. n.º 156/16.0PALSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt.
[3] A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vem, reiteradamente, decidindo neste sentido, no respeitante á situação em que haja condenação pela prática do crime de violência doméstica e estando reunidos os respetivos pressupostos legais, o tribunal não se pronunciar sobre o arbitramento à vítima de uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e 82º-A, do CPP. Veja-se, entre muitos outros, Ac. da RL de 16/09/2015, processo 67/14.4 S2LSB.L1-3 e Ac. da RG de 7/03/2016, processo 697/14.4GAVNF.G1, acessíveis in www.dgsi.pt