Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
16734/23.9T8LSB.E1
Relator: SÓNIA KIETZMANN LOPES
Descritores: RECURSO SUBORDINADO
PRAZO PARA ALEGAÇÕES
INTERPRETAÇÃO DE DECLARAÇÕES NEGOCIAIS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INCUMPRIMENTO
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Sumário: i) Diferentemente do que está previsto para as alegações de resposta a recurso principal – relativamente às quais os n.ºs 5 e 7 do artigo 638.º do CPC consagram um prazo de apresentação igual ao prazo de interposição do recurso –, o recurso subordinado, como emerge dos artigos 633.º, n.º 2 e 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPC, está sujeito a um regime de prazos próprio, pois dele decorre, nomeadamente, que pode ser interposto em prazo superior ao do recurso principal ou pode ter de ser interposto em prazo inferior àquele.
ii) Não tendo o Réu impugnado a decisão sobre a matéria de facto com sustentação em prova gravada, não beneficiava, para interpor recurso subordinado, do prazo alargado previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC.
iii) As cláusulas resolutivas convencionais deverão ser interpretadas com recurso aos critérios constantes dos artigos 236.º e ss. do CC.
iv) Tendo-se o promitente comprador obrigado a cumprir tudo o que legalmente for necessário para efeitos da aprovação, nas entidades administrativas competentes, do instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do contrato-promessa e tendo as partes reconhecido neste que as decisões administrativas relativas à aprovação de tal instrumento urbanístico dependem de pressupostos legais alheios às partes, deve interpretar-se a cláusula que permite a resolução por falta de aprovação daqueles instrumentos como podendo operar apenas se tal falta se dever a pressupostos legais alheios às partes.
v) Entender que qualquer não aprovação dos instrumentos urbanísticos permitia a resolução, ainda que fosse imputável à parte que pretende invocar a resolução, seria atentatório da boa fé.
vi) Os efeitos da resolução ilícita variam consoante o tipo ou modalidade do contrato visado pela resolução.
vii) A recusa de cumprimento não se restringe à declaração expressa de não querer cumprir, antes se compreendendo nesse conceito todo e qualquer comportamento que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser o mesmo considerado inadimplente de forma definitiva.
viii) Estando demonstrado não ser passível de aprovação a construção do empreendimento urbanístico visado no contrato-promessa, para o que contribuiu a conduta da promitente compradora, que não diligenciou no sentido indicado no parecer do município e suspendeu durante cerca de oito anos as diligências tendentes à aprovação do projeto, formulando, depois, um pedido de informação prévia cujo desfecho desfavorável já antevia, deve considerar-se haver um incumprimento definitivo por parte desta.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 16734/23.9T8LSB.E1 – Apelação

Tribunal Recorrido - Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível de Faro – Juiz 2

Recorrente – (…) – Compra e Venda de Imóveis, Lda.
Recorrida – (…)
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Sumário: (…)
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Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1.
(…) – Compra e Venda de Imóveis, Lda. intentou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra (…), pedindo que se:
«a) Declare a anulação do contrato promessa de compra e venda com eficácia real celebrado entre a Autora e o Réu, em 15 de março de 2007, fundada em erro sobre a base do negócio, nos termos do artigo 252.º, n.º 2, do Código Civil, condenando o Réu a restituir à Autora todas as quantias recebidas desta e entregues a título de sinal e adiantamento do preço, no valor de € 3.000.000,00 (três milhões de euros), pagos na sequência da outorga daquele contrato promessa de compra e venda, de acordo com o disposto no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, com todas as consequências legais;
Caso assim não se entenda e a título de pedido subsidiário, que se:
b) Declare válida a resolução do contrato promessa de compra e venda com eficácia real celebrado entre a Autora e o Réu, em 15 de março de 2007, exercida e comunicada pela Autora ao Réu mediante carta enviada por aquela a este, em 30 de agosto de 2019, condenando o Réu a restituir à Autora a quantia de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), conforme estipulado na Cláusula Nona, n.º dois e três daquele contrato e segundo o previsto nos artigos 432.º, n.º 1 e 436.º, n.º 1, ambos do Código Civil, com todas as consequências legais.
Cumulativamente, quer com o pedido principal, quer com o pedido subsidiário, que se:
c) Condene o Réu a pagar à Autora juros de mora sobre as quantias acima peticionadas, desde a data de citação daquele e até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal supletiva para os juros moratórios.
[…]»

Para o efeito alegou, em síntese, ter, em 15/03/2007, celebrado com o Réu um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, relativo a um imóvel, tendo sido pressuposto de tal contrato poder a Autora desenvolver no imóvel uma operação de promoção imobiliária, destinada à venda a terceiros do que ali fosse edificado, finalidade esta determinante na celebração do contrato, sendo a escritura de compra e venda a outorgar nos 30 dias subsequentes à aprovação do instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária.
Mais alegou ter sido estipulado como preço naquele contrato o que resultasse da aplicação de 20% sobre o valor efetivo da venda das frações autónomas que resultassem do empreendimento imobiliário ou o valor correspondente em frações autónomas a transmitir para o Réu, tendo a Autora, contudo, pago ao Réu, a título de adiantamento e por conta daquele preço, a quantia de € 3.000.000,00.
Alegou, ainda, ter sido estipulado no contrato que, se durante a sua vigência designadamente não viessem a ser aprovados os instrumentos urbanísticos adequados ao desenvolvimento da promoção imobiliária, a Autora se reservava o direito de resolver o contrato, caso em que o Réu devolveria à Autora a quantia de € 1.500.000,00.
Alegou, igualmente, ter apresentado, em 14/12/2007, um pedido de informação prévia (PIP) à Câmara Municipal de Aljezur que mereceu parecer favorável, tendo a edilidade, no entanto, entendido dever o processo ser superiormente submetido à classificação de Projeto de Interesse Nacional (PIN ou PIN +) e com a consequente suspensão do PDM na área de intervenção do projeto, sendo que a alteração do PDM dependia de uma iniciativa exclusivamente pública, subtraída à intervenção ou influência da Autora, e a classificação do projeto como sendo de interesse nacional só era admissível para empreendimentos previamente viabilizados, o que não era o caso do projeto submetido pela Autora.
Mais alegou ter levado a cabo inúmeras diligências e esforços junto de diversas entidades públicas, sem que, até finais de 2018, tivesse conseguido concretizar a alteração dos planos de ordenamento do território, tendo nessa altura apresentado novo PIP, que foi alvo de intenção de indeferimento pela Câmara, tendo esta invocado fundamentos que já existiam à data do primeiro PIP, o que é demonstrativo de que o empreendimento contratualizado nunca fora viável.
Alegou, ainda, que em 30/08/2019 comunicou ao Réu a resolução do contrato-promessa com justa causa e uma vez que se tornara impossível a subsistência deste contrato, dada a confirmação por parte da Câmara Municipal de Aljezur da inviabilidade do empreendimento imobiliário pretendido de acordo com as condições naquele contratualizadas, notificou-o para proceder à devolução do sinal, no valor de € 3.000.000,00, sem que até à data o Réu lhe devolvesse qualquer quantia.
*
O Réu contestou, alegando, em suma e no que aqui de relevo, que após 04/01/2008, data em que a Autora terá tido conhecimento do parecer favorável, mas condicionado, da Câmara Municipal de Aljezur, a Autora nada fez para dar cumprimento à deliberação nele contida, deixando caducar o PIP, em 2008.
Alegou, também, ter caducado o direito da Autora a invocar a anulabilidade do contrato-promessa.
Deduziu ainda reconvenção, no âmbito da qual pediu a condenação da Autora (e de vários Chamados, que, porém, não foram admitidos a intervir nos autos) no pagamento de € 21.500.00,00, acrescidos de juros, relativos a danos causados por (i) invocação infundada da resolução do contrato-promessa, “reveladora de uma vontade séria, definitiva e consciente de não cumprir o contrato e de se sujeitar às consequências desse incumprimento”, por (ii) abuso de direito, por (iii) frustração de expetativas de negócio e por (iv) não realização, durante 16 anos, das diligências necessárias a que estava obrigado contratualmente, frustrando a expetativa do Réu de receber o preço remanescente e por (v) não realizar, durante 14 anos, os trabalhos necessários à manutenção e limpeza do prédio prometido vender.
*
A Autora replicou.

2.
Realizada a audiência prévia, foi fixado o objeto do litígio e foram elencados os temas da prova.
*
Após a audiência final foi proferida sentença no âmbito da qual foi decidido absolver o Réu dos pedidos deduzidos pela Autora e absolver a Autora do pedido reconvencional deduzido pelo Réu.

3.
Inconformada, a Autora apelou da sentença.
O Réu, por sua vez, respondeu à alegação e deduziu recurso subordinado.
O recurso interposto pela Autora foi admitido.
Face à intenção de rejeição do recurso subordinado, foi cumprido o disposto nos artigos 655.º, n.ºs 1 e 2 e 654.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil (de ora em diante CPC) – (cfr. ref.ª citius 9868119, de 12/10/2025) –, sem que o Réu se pronunciasse.
Foram colhidos os vistos.

4. Da admissibilidade do recurso subordinado

Notificado – mediante comunicação eletrónica entre mandatários, realizada em 17/04/2025 – do recurso de apelação interposto pela Autora, veio o Réu, em 04/06/2025, apresentar a sua resposta e interpor recurso subordinado.
No recurso principal a Autora, para além do mais, impugnou a decisão sobre a matéria de facto, incidindo tal impugnação designadamente sobre meios probatórios gravados, pelo que beneficiou a Autora e, logo também o Réu, na sua resposta, do prazo acrescido previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC.
A resposta do Réu foi, como tal, tempestiva, já que, considerando o disposto no artigo 255.º do CPC, o Réu considera-se notificado em 21/04/2025, terminando o prazo de resposta em 02/06/2025, tendo o Réu procedido ao pagamento da multa prevista no artigo 139.º, n.º 5, alínea b), do CPC.
O mesmo não se verifica, porém, quanto ao recurso subordinado.
Efetivamente, lido tal recurso, constata-se que, muito embora o Réu se insurja contra a decisão sobre a matéria de facto (v. g. pontos 147º e 169º e ss. das motivações), os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas não consistem de prova gravada. Aliás, quando, se refere à prova testemunhal por reporte à matéria de facto, o Réu fá-lo apenas para sublinhar o acerto (e não o desacerto) do facto dado como provado na sentença sob o nº 31) – cfr. ponto 143º das motivações do recurso e ponto XXII das conclusões. Ou seja, o Réu no ponto 143º da motivação do recurso procede à transcrição de dois depoimentos testemunhais não para lograr obter a modificação de qualquer segmento da matéria de facto provada, mas apenas para justificar a bondade do facto. E quando volta a invocar, fugazmente, a prova testemunhal ou afim (cfr. pontos 251 e 238 das motivações), novamente não o faz para sindicar um concreto ponto da matéria de facto que possa ter sido alvo de erro na apreciação da prova.

Ora, diferentemente do que está previsto para as alegações de resposta a recurso principal – relativamente às quais os n.ºs 5 e 7 do artigo 638.º do CPC consagram um prazo de apresentação igual ao prazo de interposição do recurso –, o recurso subordinado, como emerge dos artigos 633.º, n.º 2 e 638.º, n.ºs 1 e 7, ambos do CPC, está sujeito a um regime de prazos próprio, pois dele decorre, nomeadamente, que o recurso subordinado pode ser interposto em prazo superior ao do recurso principal (caso o recurso subordinado tenha por objeto a reapreciação de prova gravada e o principal não) ou pode ter de ser interposto em prazo inferior àquele (caso o recurso principal tenha por objeto a reapreciação de prova gravada e o recurso subordinado não tenha tal objeto, quer porque só verse sobre matéria de direito, quer porque – como acontece na situação em apreço – verse matéria de direito e de facto e quanto a esta não esteja em causa a reapreciação de prova gravada) – veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/06/2024, proferido no proc. 1731/23.2YLPRTP.P1, disponível na base de dados da dgsi e, na doutrina, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª ed., Almedina, pág. 819.
O prazo para interposição do recurso subordinado terminava, portanto, em 21/05/2025. A interposição em 04/06/2025 é, como tal, extemporânea.
Note-se que o que acaba de ser dito não coincide com o que, a respeito, foi alegado pela Autora em 09/07/2025. Esta invocou o cumprimento deficiente, pelo Réu, do ónus previsto no artigo 640.º do CPC. Mas, como unanimemente vem sendo entendido pela jurisprudência, na avaliação da tempestividade do recurso, tendo sido feito uso do alargamento do prazo, o que importa verificar é se faz parte do seu objeto a reapreciação da prova gravada e, se assim for, deverá o recurso ser admitido, mesmo que, num segundo momento, se rejeite a impugnação da matéria de facto, por não estarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 640.º do CPC – veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/09/2021, proferido no processo n.º 18853/17.1T8PRT.P1.S1, disponível na base de dados da dgsi.
No caso dos autos, porém e como vimos, o Réu não impugna a decisão sobre a matéria de facto com sustentação em prova gravada. Não beneficiava, pois, para interpor recurso subordinado, do prazo alargado previsto no artigo 638.º, n.º 7, do CPC.
Uma última nota para dizer que, na esteira do alegado pela Autora, o Réu não cumpriu igualmente o disposto no artigo 639.º, n.º 2, do CPC, já que não indicou nas conclusões do recurso subordinado as normas jurídicas violadas e o sentido com que, em seu entender, as normas deviam ter sido interpretadas ou a norma jurídica que no seu entender devia ter sido aplicada. Acontece que o incumprimento de tal ónus não determina a automática rejeição do recurso, devendo, antes, dar lugar a convite ao aperfeiçoamento (artigo 639.º, n.º 3, do CPC). No entanto, uma vez que na situação dos autos se impõe a rejeição do recurso subordinado por extemporaneidade, nos termos sobremencionados, de nenhuma utilidade se revestiria o aludido convite.
Por todo o exposto decide-se rejeitar o recurso subordinado.

*
5.
No seu recurso a Autora enuncia as seguintes conclusões:
«a) A sentença recorrida é nula, porquanto ao decretar a destruição do contrato promessa em crise pelo incumprimento definitivo da recorrente, pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento, artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
b) Mas mesmo que assim não se entenda,
c) A sentença recorrida é nula, porquanto ao decretar a destruição do contrato promessa em crise pelo incumprimento definitivo da recorrente, condenou em objecto diverso do pedido – artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC.
d) Violou a sentença recorrida os princípios do pedido, dispositivo e do contraditório previstos no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
e) A ora recorrente considera incorrectamente julgados os pontos de factos assentes sob os n.os 16, 30, 40, 48, 53 e 56, devendo ainda ser aditada à matéria assente os pontos 53-A, 53-B, 53-C e 53-D.
f) Entende a ora recorrente que os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto retro são os seguintes – Facto 16) – O depoimento de … (gestor do projecto) – passagem da gravação entre o minuto 15:00 e 15:55; as declarações de parte do R. – passagem gravação entre o minuto 20:00 e 20:09; o depoimento de … (avaliador) – passagem da gravação entre o minuto 25:55 e 26:12, tudo conjugado com a página 12 do relatório de avaliação de fls. 148 a 165, levam a concluir que a Câmara Municipal de Aljezur não lançou um concurso de camas, mas sim o procedimento administrativo tendente ao lançamento do referido concurso de camas.
Deve assim no ponto 16) passar a constar o facto seguinte,
16) Na sequência do Pedido de Informação Prévia com parecer favorável por parte da Câmara Municipal de Aljezur, foi lançado (…) em Fevereiro de 2010 por parte desta edilidade (…) os Termos de Referência do Procedimento do Concurso e demais documentação a apresentar ao observatório do PROT (Plano Regional de Ordenamento do Território) Algarve, para abertura de concurso com vista à concretização de um Núcleo de Desenvolvimento Turístico, pela autarquia (artigo 18º da contestação).
- Facto 30) - O depoimento de … (gestor do projecto) – passagem da gravação entre os minutos 16:51 e 19:42, 24:06 e 26:22, 26:30 e 26:55, 37:40 e 38:05; depoimento de … (arquitecto projecto) – passagem da gravação entre os minutos 37:30 e 40:50; depoimento de … (arquitecto) – passagem da gravação entre os minutos 2:35 e 3:31, 11:12 e 14:12 e 22:05 e 23:32; depoimento de … (avaliador) – passagem da gravação entre os minutos 0:00 e 2:30, 6:30 e 6:45 e 25:55 e 26:12, e as declarações de parte do Réu – passagem da gravação entre os minutos 0:00 e 2:00, 15:00 e 16:10, 16:45 e 19:01, 20:00 e 20:09, 21:00 a 22:15 e 27:00 e 30:05.
Os referidos depoimentos e a declaração de parte, conjugados com os pontos 20, 21, 22, 23 e 24 da matéria assente, aliado às regras da experiência comum e à prova por presunção, artigo 349.º do CC, permitem-nos concluir que as partes tendo mantido em 2012 contactos sobre uma obrigação acessória do contrato, inclusive celebrando acordo escrito (relativo à limpeza do terreno), forçosamente abordaram o tema da obrigação principal – alienação do terreno com projecto urbanístico aprovado pela edilidade e as diligências feitas pela Autora vide (…), passagem gravação 25:07 a 26:22.
O próprio Réu acompanhou o avaliador (…) em 2012 na visita ao terreno, conforme resulta do relatório de avaliação de fls. 148 a 165 – ver páginas 27, conjugado com o depoimento desta mesma testemunha – passagem 0:00 e 2:30.
O relatório de avaliação foi elaborado em 2013 e junto pelo próprio R. nestes autos, tendo em 2013 a Caixa de Crédito Agrícola sido informada pela edilidade que o PIP de 2008 havia caducado, cfr documento 1 junto com a contestação – documentos juntos pelo R., datados de 2013, elementos conjugados que nos permitem assim assentar que naquelas datas o recorrido estava na posse dos aludidos documentos conhecendo o seu teor, designadamente a caducidade do PIP de 2008.
É um facto notório – artigo 5.º, n.º 2, alínea c), do CPC, que a crise do sub prime ocorrida em 2008 levou à intervenção da Troika no nosso país entre 2011 e 2014, período particularmente deprimido para os negócios em geral e os negócios imobiliários em particular, influenciando forçosamente o negócio controvertido e o desenvolvimento do projecto urbanístico, tema objecto de conversa entre A. e R., cfr depoimento de (…) – vide passagem entre os minutos 18:25 e 19:42.
O R. é um homem de negócios, dedicando-se ao comércio de cortiça, conforme respondeu aos costumes – cfr passagem minuto 0:00 a 2:00 e resulta do doc. 1, pág. 7, junto com a contestação, matéria que deve ser dada por assente.
Em 2016 o R., pelo douto punho da sua ilustre mandatária, fez constar nos autos executivos aludidos em 45, 46 e 47 dos factos assentes que não existia incumprimento do CPCV estando este contrato em vigor – cfr doc. 5 junto à contestação.
Em 2017 o R. manteve conversações com a testemunha (…) abordando a alteração do projecto convencionado no CPCV, cfr passagem depoimento testemunha – passagem 2:35 e 3:31 e declarações de parte do R. – passagem 27:00 a 30:05.
Antes, durante e após a apresentação do PIP de 2018 o R. acompanhou este processo administrativo cfr. depoimento testemunha (…) – passagem entre o minuto 22:05 e 23:32.
O R. em 2019, através da sua ilustre mandatária, envia carta resposta à A., na sequência de informação prestada pela A. sobre o parecer prévio da edilidade relativo ao PIP apresentado em 2018, e nessa carta solicita que seja pedida prorrogação de prazo para a A. se pronunciar sobre a proposta de indeferimento daquele PIP, como se retira do documento 19 junto com a p.i.
A prova testemunhal e documental supra, conjugada com as regras da experiência comum e apelando à prova por presunção, deve levar à conclusão que a suspensão de diligências para fazer aprovar o instrumento urbanístico ocorreu a partir de 2012, com acordo do R. (ou, pelo menos, com o seu conhecimento), homem de negócios experimentado, que trocava correspondência com a A., fazendo acordos intercalares com a recorrente em 2012 – limpeza do terreno, mantendo-se informado sobre o andamento do processo. Aliás, o próprio Réu acompanhou em 2012/2013 a visita ao terreno pelo avaliador indicado pela CCA – juntando documentos aos autos vesse sentido, mas não esclarecendo quem teve a iniciativa de pedir a avaliação …., por outro lado, o próprio recorrido junta ofício da edilidade, datado de 2013, que comunica a caducidade do PIP de 2008. Não é verosímil que uma pessoa com o perfil profissional do R. estivesse alheado do procedimento administrativo respeitante ao instrumento urbanístico a aprovar para o seu terreno, isto, entre a data da celebração do CPCV – 15/03/2007 e o ano de 2018. Existe prova documental, inclusive escritos enviados a tribunal em 2016, que levam a concluir que o R. teve de dar o seu acordo para a suspensão das diligências junto das entidades administrativas. O clima de negócios entre 2008 e 2014 era adverso; o R. havia recebido 3 milhões de euros de sinal relativo a uma propriedade que havia comprado por quinhentos mil euros poucos meses antes, em 2006 (cfr certidão junta como documento 2 à contestação; declarações de parte – passagem 21:00 a 22:15) e continuava na posse do terreno controvertido extraindo cortiça, factos por si só que permitem assentar que o R. acordou com o A. a referida suspensão (ou, pelo menos, tinha conhecimento dessa suspensão), conforme depoimento (…) – passagem entre os minutos 18:25 e 19:42. A própria testemunha (…) refere ter acertado com o recorrido não pressionar a edilidade a avançar com o concurso de camas – iniciativa essencial para a aprovação do instrumento urbanístico apto a desenvolver o projecto previsto no CPCV. As conversas mantidas pelo R. com a testemunha (…) em 2017 sobre a eventual modificação do projecto urbanístico contratado revelam, assim, que durante todo o período de execução do CPCV, particularmente entre 2007 e 2018 as partes dialogavam, mantendo-se mutuamente informadas sobre o estado do processo urbanístico.
E só assim se compreende que no lapso de tempo entre 2012 e 2018 não existam diligências oficiais para levar adiante o projecto urbanístico.
Em suma, pela prova supra, pelo princípio da aquisição processual e pelos poderes de cognição do tribunal – artigo 5.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
O depoimento de … (gestor do projecto) – passagem da gravação entre os minutos 16:51 e 19:42, 24:06 e 26:22, 26:30 e 26:55, 37:40 e 38:05; depoimento de … (arquitecto do projecto) – passagem da gravação entre os minutos 37:30 e 40:50; depoimento de … (arquitecto) – passagem da gravação entre os minutos 2:35 e 3:31, 11:12 e 14:12 e 22:05 e 23:32; depoimento … (avaliador) – passagem da gravação entre os minutos 0:00 e 2:30, 6:30 e 6:45 e 25:55 e 26:12 e as declarações de parte do R. – passagem da gravação entre os minutos 0:00 e 2:00, 15:00 e 16:10, 16:45 e 19:01, 20:00 e 20:09, 21:00 a 22:15 e 27:00 e 30:05, conjugado com,
O relatório de avaliação de fls. 148 a 165 – ver páginas 27; Carta da Câmara Municipal de Aljezur, cfr. doc. 1 junto com a contestação; mail R., cfr. doc. 1, pág. 7, junto com a contestação; requerimento do R. aos autos executivos, cfr. doc. 5 junto à contestação; carta da ilustre mandatária do R. junta como doc. 19 à p.i., e os factos assentes sob os n.os 20, 21, 22, 23 e 24.
Apelando ainda às regras da experiência comum e à prova por presunção, artigo 349.º do CC, justifica que o ponto 30 seja alterado, dando-se por assente o seguinte:
30) A Autora, após a resposta ao Pedido de Informação Prévia de 2007, até, pelo menos 2012, realizou diligências junto do AICEP, que juntou APA, ARH e outros organismos públicos, para obter a qualificação do projecto como PIN ou PIN+, inclusive discutiu com a APA um relatório de impacto ambiental, isto, com vista ao desenvolvimento do projeto do empreendimento da (…), tendo suspendido as diligências nessa data, com o acordo do R. (ou, pelo menos, com o seu conhecimento), nada mais tendo realizado oficialmente até ao pedido do PIP de 2018.
- Facto 40) – Como se retira do doc. 19 junto com a p.i., o R. na referida missiva de 2019, através da sua ilustre mandatária, notifica a A. para pedir a prorrogação do prazo para responder ao parecer da Câmara Municipal de Aljezur que prenuncia o indeferimento do PIP apresentado em 2018 pela ora recorrente.

Assim, deve no ponto 40 passar a constar o seguinte,
40) A ilustre advogada do Réu, sra. Dra. (…), enviou à Autora, em 6 de setembro de 2019, uma carta de resposta à remetida por esta ao Réu, na qual manifestava que este não aceitava a declaração daquela de resolução do contrato promessa de compra e venda, perante o facto de aquele não ter incumprido o contrato, e que o mesmo pretendia chegar a uma solução dentro dos princípios da boa fé contratual, notificando ainda a Autora para requerer prorrogação de prazo para responder ao parecer prévio camarário de indeferimento do PIP, tal como resulta de fls. 57-verso a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 27º da petição inicial).
- Facto 48) A oposição do Réu mencionada neste ponto foi fundamentada essencialmente no ponto 8º do requerimento que fez chegar aos autos executivos em 2016, cfr. doc. 5 junto com a contestação.
Assim, deve no ponto 48 passar a constar o seguinte,
48) Posteriormente, o Réu foi notificado de uma penhora de créditos, o qual mereceu a oposição do aqui Réu apresentando-se o Réu nos autos executivos como interveniente acidental, fazendo constar em requerimento de 12 de Setembro de 2016, no ponto 8º “Não existindo até à data, incumprimento das partes, resolução, denúncia do contrato ou qualquer litígio judicial, ou seja, o acordado em sede de contrato promessa de compra e venda com eficácia real, ainda vigora”.

- Facto 53) Por força do depoimento da testemunha (…) – cfr. passagem entre o minuto 0:00 e 2:30, conjugado com o relatório de avaliação de fls. 148 a 165, deve ser aditado neste ponto que o terreno controvertido foi mostrado pelo R. ao referido avaliador em 2012.
Posto isto, deve o referido ponto 53 passar a ter a seguinte redacção:
53) No âmbito do negócio, previsto no contrato promessa de compra e venda com eficácia real, foi realizada uma avaliação ao prédio prometido, tendo em consideração o PIP aprovado em 2007, tendo sido avaliado em € 75.080.000,00, cujo imóvel foi mostrado pelo Réu ao avaliador no final de 2012.

- Facto 56) – O recorrido em toda a correspondência que trocou com a recorrente entre 2012 e 2019 jamais invocou o incumprimento da obrigação principal do CPCV pela promitente compradora – vejam-se os factos assentes sob os pontos 20, 22, 23, 26, 28, 29, 32, 40 e 42.
Deve assim o ponto 56 da matéria assente fazer constar o seguinte,
56) A presente ação foi intentada em 30 de junho de 2023; o Réu contestou e reconviu em 22 de Novembro de 2023, sendo que até esta data jamais suscitou o incumprimento do CPCV perante a Autora.

- Facto 53-A) O doc. n.º 1 junto pelo recorrido na contestação, permite que deva ser aditado à matéria assente o seguinte:
53-A) Em 20 de Março de 2013 a Câmara Municipal de Aljezur informou a Caixa de Crédito Agrícola que o PIP de 2008 cessara os seus efeitos.
- Facto 53-B) O doc. n.º 1 junto pelo recorrido na contestação, conjugado com as próprias declarações do recorrido – cfr. passagem 15:00 a 16:10/16:45 a 19:01, deve levar a que fique assente o que se segue,
53-B) O Réu sabia pelo menos desde 2013 que o PIP de 2008 caducara.

- Facto 53-C) O doc. 17 junto com a p.i. conjugado com o depoimento de (…) – cfr. passagens entre os minutos 23:46 a 26:40, 47:40 a 51:44 e 1:09: 15 a 1:09:42, e as declarações de parte, cfr. minutos 27:00 a 30:05, clarificam que o recorrido em 2017 não quis alterar o projecto urbanístico previsto no CPCV para outro formato que se mostrasse viável para aprovação junto da edilidade.
Deve assim ficar assente o seguinte:
53-C) Em 2017 o Réu não se mostrou disponível perante o A. para adaptar o projecto previsto no CPCV para um formato que fosse viável aprovar junto da Câmara Municipal de Aljezur – artigo 25º da p.i..

- Facto 53- D) Ressalta da identificação do recorrido no CPCV – docs. 2 e 3 junto à p.i.; da sua própria identificação em audiência de julgamento – cfr. declarações recorrido minutos 0:00 a 2:00 e do doc. 1, pág. 7, junto com a contestação, que o recorrido é empresário, dedicando-se ao comércio de cortiça.
Os referidos meios de prova devem fixar que:
53-D) O R. é um homem de negócios que se dedica ao comércio de cortiça.
*
g) A resolução operada pela recorrente é lícita porque fundada na Lei e reforçada por convenção das partes.
Vejamos,
h) A recorrente, pelas razões atrás expostas, perante a impossibilidade objectiva – artigo 790.º do CC, de concretizar com o recorrido o contrato prometido, resolveu, fundada na Lei, artigo 432.º, n.º 1, 1ª parte, do CC, o contrato promessa de fls..
i) Invocou a recorrente o preenchimento do facto fundamento, manifestando à contraparte, em tempo e sob a forma própria, que declarava a extinção da relação contratual – artigo 436.º, n.º 1, do CC.
j) Pelo exposto, a recorrida deve restituir à recorrente a importância de € 3.000.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.

Assim não se entendendo, o que só se admite por cautela de patrocínio,

k) A recorrente invocou a cláusula resolutória inserida no CPCV, na cláusula 9ª, por estar preenchido o facto justificante – falta de aprovação do instrumento urbanístico adequado para a promoção imobiliária contratada entre as partes, e declarou perante o recorrido a destruição do contrato promessa em crise com esse fundamento contratual – artigo 432.º, n.º 1, 2ª parte, do CC.
l) Invocou a recorrente o preenchimento do facto fundamento, manifestando à contraparte, em tempo e sob a forma própria, que declarava a extinção da relação contratual - artigo 436.º, n.º 1, do CC.
m) Pelo exposto, a recorrida deve restituir à recorrente a importância de € 1.500.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.

Mas mesmo que assim não se entenda, o que só se concede por dever de ofício,
n) E se entenda ser a resolução ilícita, a consequência dessa ilicitude deve provocar a ineficácia da resolução, conduzindo à subsistência do contrato promessa.
*
o) A sentença recorrida violou os artigos 5.º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPC; artigos 217.º/1, 270.º, 349.º, 432.º/1, 436.º/1, 487.º/2 e 762.º/2, todos do CC, e artigo 64.º/1, alínea a), do CSC.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, assim se fazendo, Justiça!»

6. Objeto do recurso

6.1 Da cognoscibilidade do recurso na parte sintetizada nas alíneas g) a j)

Nos referidos pontos das conclusões do recurso, a Recorrente pugna no sentido de que se considere lícita a resolução operada ao abrigo do disposto no artigo 432.º, n.º 1, 1ª parte, do Código Civil (resolução legal), com consequente restituição da quantia de € 3.000.000,00 entregue ao Réu. Para a eventualidade de assim não se entender, pretende que a licitude da resolução assente na cláusula resolutória inserta no contrato-promessa, com restituição, pelo Réu, de € 1.500.000,00.
Analisada a petição inicial, verifica-se que a Autora pediu a restituição da totalidade da quantia entregue ao Réu (€ 3.000.000,00) com fundamento na anulação do contrato-promessa por erro sobre a base do negócio. Subsidiariamente, a Autora pediu que se declarasse válida a resolução do contrato-promessa por invocação da cláusula inserta no mesmo, com consequente restituição da quantia prevista em tal cláusula (€ 1.500.000,00).
Na sentença o tribunal a quo entendeu não só inexistir o invocado erro sobre a base do negócio, como, também, que caducara o direito da Autora a requerer a consequente anulação. A Autora conformou-se com o assim decidido, pois o recurso não versa esta questão.
Está-lhe vedado, como tal, procurar agora a restituição do montante integral (€ 3.000.000,00) com base em outra causa de pedir, qual seja a resolução legal. Trata-se de questão que o tribunal a quo não apreciou – conforme se extrai cristalinamente não só do título atribuído pelo tribunal a quo ao ponto 3) da fundamentação da sentença, como, também, do facto de a apreciação se ter cingido ao escrutínio da cláusula nona do contrato-promessa –, por não invocada em sede própria, pelo que não pode ser agora apreciada em sede de recurso.
Efetivamente, como é pacificamente aceite pela jurisprudência[1] e ensina Abrantes Geraldes[2], a «[...] natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…), estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis.
Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal de recurso».
Como tal, por constituir questão nova, não pode esta Relação conhecer a questão enunciada nos pontos g) a j) das conclusões do recurso, qual seja a de saber se a Autora podia licitamente resolver o contrato-promessa com base na lei e, em caso afirmativo, se o Réu devia ser condenado a restituir-lhe a quantia entregue de € 3.000.000,00, acrescida de juros.

6.2 Questões a decidir
Considerando as restantes conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º n.º 4 e 639.º, n.º 1, todos do CPC, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:
i) Da nulidade da sentença por violação do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), do CPC;
ii) Da impugnação da matéria de facto, mais concretamente, se foram incorretamente julgados provados os pontos 16, 30, 40, 48, 53 e 56 da matéria de facto e se deve ser aditada a matéria de facto que a Recorrente identifica como pontos 53-A a 53-D;
iii) Se a Autora podia licitamente resolver o contrato-promessa com recurso à cláusula resolutória inserta no contrato e, em caso afirmativo, se o Réu deve ser condenado a restituir-lhe a quantia de € 1.500.000, acrescida de juros;
iv) Quais as consequências em caso de resolução ilícita.

II. FUNDAMENTOS

1. Das nulidades
1.1 Da nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC
Entende a Recorrente que o tribunal a quo conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, o que configura a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Assenta esta conclusão nas seguintes asserções:
- o tribunal a quo decretou a extinção do contrato-promessa/a extinção da relação contratual por incumprimento definitivo da Recorrente, o que não fora pedido pela Autora;
- fê-lo, ainda, sem facultar às partes o contraditório, pelo que a sentença constitui, nesta parte, uma decisão surpresa.
Não lhe assiste, contudo, razão, adiante-se já.
Em primeiro lugar, ao contrário do afirmado, o tribunal a quo nada decretou, pois a final apenas absolveu Autora e Réu dos respetivos pedidos.
Em segundo lugar, consabido ser discutido quer na doutrina, quer na jurisprudência, qual a consequência da resolução ilícita para a relação contratual, sendo uma das soluções plausíveis o caráter extintivo de tal resolução (como, aliás, reconhece a Recorrente quando cita ampla doutrina e também jurisprudência a respeito), o tribunal a quo não só podia, como diríamos mesmo, devia, pronunciar-se a respeito.
Em terceiro lugar, há que não olvidar que a Recorrente não é parte única na ação. Efetivamente, a ilicitude da resolução e o incumprimento definitivo do contrato-promessa foram invocados pelo Réu, que deles extraiu consequências, conforme se alcança, mormente, do pedido que formulou na contestação sob 1), com invocação expressa de que “a declaração resolutiva sem fundamento constitui a Autora […] numa situação de incumprimento definitivo”.
E, assim sendo, também jamais poderia constituir uma decisão surpresa o facto de o tribunal a quo se debruçar sobre esta questão. Na verdade, a possibilidade do conhecimento a respeito verificou-se, o mais tardar, a partir da contestação e esta foi dada a conhecer à Recorrente, que inclusivamente replicou.
Improcede, assim, a invocação desta nulidade.


1.2 Da nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC
Com base na mesma asserção sustenta a Recorrente ser a sentença nula por ter condenado em objeto diverso do pedido (artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC).
Como sintetizado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/09/2025, proferido no processo n.º 874/23.7T8LSB.L1.S1 e disponível na dgsi, a “nulidade do acórdão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio [do] dispositivo, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor”.
No caso dos autos, como vimos já, a sentença limitou-se a absolver Autora e Réu dos pedidos, pelo que nenhuma condenação houve que pudesse versar objeto diverso do pedido.
Para além disso, como vimos igualmente, o Réu assentara o(s) seus(s) pedidos(s) designadamente no incumprimento definitivo do contrato-promessa, pelo que sequer pode falar-se em objeto diverso do pedido.
Assim, improcede, também, a invocação desta nulidade.


2. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

2.1 Do erro de julgamento quanto ao ponto 16) da matéria de facto provada
Pretende a Recorrente que, ao invés de constar neste ponto da matéria de facto que a Câmara Municipal lançou um concurso de camas em fevereiro de 2010, deve constar que a Câmara lançou um procedimento administrativo tendente ao lançamento do concurso de camas.
O facto mostrava-se admitido por acordo das partes, como ressalta do artigo 18.º da contestação e do artigo 26.º da réplica.
Contudo, por se tratar de facto instrumental, a sua admissão podia ser afastada por prova posterior (artigo 574.º, n.º 2, parte final, do CPC).
E, efetivamente, reapreciada a prova elencada pela Recorrente (depoimento das testemunhas … e …), mas, principalmente, a informação camarária de fls. 459 verso (no sentido da inexistência, no município, de um processo concursal de atribuição de camas; como, aliás, feito verter no ponto 55 da matéria de facto) e o depoimento da testemunha … (que, a pedido da Autora, participou no desenvolvimento do caderno de encargos destinado à elaboração dos termos de referência para o concurso de camas, conforme passagens 00:02:51 e 00:11:29 a 00:13:28 do seu depoimento), importa reconhecer ter sido produzida prova no sentido de terem sido apenas elaborados os termos de referência prévios à abertura concurso de camas pela edilidade. Aliás, o tribunal a quo parece ter tido entendimento idêntico, ao referir expressamente, no § 4º da pág. 42 da sentença, o “facto de a Câmara de Aljezur não ter efetuado o concurso de camas […]”. Ademais, sobre o documento donde o Réu terá extraído a afirmação de que o concurso de camas foi efetivamente lançado pela autarquia (relatório de avaliação junto a fls. 148 e ss., mais concretamente fls. 153), pronunciou-se o seu autor (a testemunha …), reconhecendo perante o tribunal a quo que, quando no relatório referiu o lançamento do concurso de camas, pretendia referir-se antes aos respetivos termos de referência (passagem 00:26:04 do depoimento).

Pelo que o facto 16) deve passar a ter a seguinte redação:
16) Na sequência do Pedido de Informação Prévia com parecer favorável por parte da Câmara Municipal de Aljezur, foram lançados, em Fevereiro de 2010, os Termos de Referência e demais documentação a apresentar ao observatório do PROT (Plano Regional de Ordenamento do Território) Algarve, para abertura, pela autarquia, do Procedimento do Concurso para Atribuição de Camas e concretização de um Núcleo de Desenvolvimento Turístico (artigo 18º da contestação).


Consequentemente, e por com este facto estar conexo, importa alterar também o facto 55), que, além do mais, encerra um lapso de escrita (omissão do verbo), a corrigir nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC.
Passa, como tal, o facto 55) a ter o seguinte teor:
55) A Câmara de Aljezur informou não existir, no município, qualquer processo concursal de atribuição de camas referente à Autora ou à “Herdade da (…)”.

2.2 Do erro de julgamento quanto ao ponto 30) da matéria de facto provada e do aditamento dos factos 53-B) e 53)-D
A Recorrente pretende que seja aditado ao ponto 30) da matéria de facto provada que até pelo menos 2012 (ao invés de 2010) a Autora realizou diligências (oficiais) junto das entidades que enuncia, para obter a qualificação do projeto como PIN ou PIN+ e que a suspensão de tais diligências ocorreu com o acordo do Réu ou, pelo menos com o seu conhecimento, bem como que, após e até 2018, (só) não realizou diligências oficiais.
Sem razão, porém, como veremos.
Em primeiro lugar, ainda que seja evidente – desde logo em face dos pontos 20) a 24) da matéria de facto provada – que o Réu até pelo menos 2012 manteve contacto com a Autora ou seus representantes, resulta da prova produzida (particularmente das declarações de parte) que esse contacto teve por objeto a limpeza do terreno, que a Autora não estava a levar a cabo, o que preocupava sobremaneira o Réu (passagem 00:23:25 e ss. das declarações de parte) e é compreensível, quando vistas as consequências da ausência de limpeza, feitas constar no facto 21). Ora, como é bom de ver, trata-se de assuntos distintos: a limpeza do terreno em nada afetava a suspensão ou não das diligências para desenvolvimento/aprovação do projeto apresentado ao município, não sendo mandatório que, a propósito da limpeza do terreno, se abordasse este último tema.
Nem se extrai o contrário da circunstância de o Réu ter acompanhado (…) na visita que este fez ao terreno, em 2012, e que tinha em vista preparar uma avaliação do terreno, pois esta avaliação não se relacionava com o PIP e diligências para a sua aprovação, nem tão-pouco a testemunha (…) referiu no seu depoimento ter conversado com o Réu sobre tais diligências.
Como também não se extrai o contrário da informação camarária, datada de 2013, da qual consta ter o PIP caducado no final de 2008. Na verdade, tratou-se de informação fornecida não ao Réu, mas sim à Caixa de Crédito Agrícola de … (cfr. fls. 78), que fora quem encomendara a avaliação sobremencionada para fins alheios ao Réu (cfr. relatório de avaliação junto a fls. 148 e ss. e passagem 00:01:19 do depoimento da testemunha …). É certo que o mais tardar aquando da instauração da presente ação tal documento veio ao conhecimento do Réu, pois foi quem o apresentou nos autos. Mas, mesmo quando reconheceu ter sabido que o PIP caducou por um documento que leu (passagem 01:21:23 das declarações de parte), o Réu não situou a tomada de conhecimento no período de tempo visado pela Recorrente no facto 30).
Em segundo lugar, muito embora a testemunha (…) efetivamente referisse terem sido realizadas várias diligências com vista à aprovação do projeto (mormente a elaboração de relatório ambiental – passagem 00:23:21 e ss. do seu depoimento), não as situou em 2012. Pelo contrário, reconheceu que após 2010 não fazia sentido à Autora (v.g. ao seu grupo de empresas) continuar a desenvolver o projeto “enquanto não fosse retomada a atividade económica e a procura no Algarve” (passagem 00:16:58 e ss.), tendo a intervenção da Autora terminado por essa altura (passagem 00:15:39).
Em terceiro lugar, sendo efetivamente notório que se deu a crise subprime com consequente recessão em 2008/2009 e intervenção da Troika, em Portugal, entre 2011 e 2014 – ao que poderá acrescentar-se as dificuldades económicas com que se debatia o grupo de empresas em que se integrava a Autora, traduzidas designadamente na apresentação a PER em 2014 (cfr. facto 51) –, a prova produzida em audiência de julgamento não permite concluir que o Réu estivesse – então – inteirado de que aquelas dificuldades financeiras tivessem reflexo ao nível da aprovação e desenvolvimento do empreendimento projetado e, muito menos, que aquiescesse a que fossem as diligências suspensas. Efetivamente, o Réu esclareceu de modo convincente que primeiramente lhe foi sendo dito que tudo estava controlado (passagem 00:16:00 e ss.) e que, depois e até aproximadamente 2017/2018, a Autora desapareceu do mapa (passagem 00:23:25), estando o Réu confiante de que conseguiriam construir o empreendimento (passagem 00:01:20 e ss.). Esta passividade do Réu não é, de todo, inverosímil, desde logo pelos motivos enunciados pela própria Recorrente: o Réu havia recebido € 3.000.000,00 e, de acordo com o contrato-promessa firmado com a Autora, era sobre esta – e não sobre o Réu – que impendia a obrigação de promover as diligências tendentes à aprovação do projeto e execução do empreendimento.
Aliás, muito embora a testemunha (…) referisse ter sido “combinada com o Réu” a suspensão de tais diligências (passagem 00:18:34), a testemunha acabou por reconhecer que essa era a sua “visão” em face da postura do Réu que se limitava a dizer “vocês é que sabem o que estão a fazer; é o vosso core, eu confio em vocês”.
Nem o facto de o Réu ser um homem de negócios impõe necessariamente entendimento diverso. Efetivamente, o Réu é corticeiro e, como reconhecido pelo próprio (passagem 13:12 e ss. das declarações de parte) e corroborado pela testemunha … (passagem 00:06:30 do depoimento desta testemunha), não detém experiência na aprovação de projetos imobiliários, meandro consabidamente complexo e tecnicamente especializado, não podendo de uma atividade extrapolar-se para a outra.
Como tal, queda irrelevante, também, o aditamento do facto 53-D, referente às características profissionais do Réu.
Em quarto lugar, a referência efetuada pela mandatária do Réu (em sede de processo executivo, distinto do presente, e em que o Réu procurava insurgir-se contra uma penhora por dívida da Autora) à inexistência de incumprimento do contrato-promessa não tem reflexo atendível nos presentes autos.
Em quinto lugar, o mais referido pela Recorrente, mormente as conversações da testemunha (…) com o Réu (conversações essas que a testemunha não soube situar no tempo – cfr. passagem 00:03:11 e ss. –, mas que o Réu situou inquestionavelmente no verão de 2017 – cfr. passagem 00:28:43 e ss.), a apresentação do PIP de 2018 e o pedido de prorrogação a propósito deste, são o prenúncio da resolução levada a cabo pela Autora, não podendo, como tal, ter-se por demonstrativo de uma qualquer aquiescência por parte do Réu à suspensão de diligências pela Autora.
Em suma, da prova produzida não resulta que até pelo menos 2012 a Autora realizou diligências (oficiais) junto das entidades que enuncia para obter a qualificação do projeto como PIN ou PIN+ e que, após e até 2018, só não realizou diligências oficiais.
Aliás, para demonstrar a candidatura à classificação PIN ou PIN+ bastava à Autora juntar (o que não fez) o documento a comprová-la, já que a mesma se realizava mediante a entrega de requerimento, conforme ressalta quer do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 8/2005, de 17 de agosto, quer do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 174/2008, de 26 de agosto.
Por outro lado, o processo lógico enunciado pela Recorrente para fazer operar as regras da experiência comum e/ou presunções naturais, não é de molde a que possa extrair-se um facto desconhecido (o de que a suspensão de diligências para aprovação do projeto ocorreu com o acordo do Réu ou, pelo menos, como seu conhecimento) dos factos conhecidos.
Improcede, pois, a impugnação relativa ao ponto 30) da matéria de facto, sem embargo de, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, se determinar a correção dos lapsos de escrita que tal facto patenteia, passando a ler-se “desse” onde atualmente se lê “desso” e “tendo” onde atualmente consta “tenro”.

2.3 Do erro de julgamento quanto aos pontos 40), 48) e 53) da matéria de facto provada e do aditamento do facto 53-A)
Como vimos já, o facto de a Autora ter inteirado o Réu da segunda submissão do PIP (submissão essa efetuada, como resulta do facto 31, com o único intento de o Réu não poder assacar à Autora um incumprimento das obrigações assumidas no contrato-promessa), constitui um prenúncio da resolução objeto destes autos.
Por outro lado, como também salientado antes, não pode extrair-se as conclusões pretendidas pela Recorrente da defesa exercida pelo Réu num processo que não o dos autos e com vista a insurgir-se contra uma penhora de que fora alvo um bem seu, por dívida da Autora, bem como do facto de ter sido o Réu quem em final de 2012 mostrou o terreno a um terceiro e de a Câmara Municipal de Aljezur ter comunicado a uma entidade terceira que o PIP cessara os seus efeitos no final de 2008.
Os aditamentos propugnados pela Recorrente aos pontos 40), 48) e 53) da matéria de facto provada e o aditamento do facto 53-A) carecem, portanto, de relevância.
Improcede, pois, a impugnação, também nesta parte.

2.4 Do aditamento do facto 53-C)
Pretende a Recorrente que seja aditado um facto com o seguinte conteúdo:
“53-C) Em 2017 o R. não se mostrou disponível perante o A. para adaptar o projecto previsto no CPCV para um formato que fosse viável aprovar junto da Câmara Municipal de Aljezur”.

Trata-se do momento em que a Autora, por intermédio da testemunha (…), procurou convencer o Réu a alterar o projeto para “quintinhas” (“sete quintinhas”, nas palavras do Réu – 00:28:43).

Acontece que o facto, nos termos em que a Recorrente o pretende ver aditado, encerra uma afirmação de viabilidade de aprovação da nova solução que não encontra sustentação na prova produzida.

Acresce que, conforme referido pela testemunha (…), as abordagens alternativas ao projeto enunciado no contrato-promessa não colheram nem o interesse da Autora, nem o do Réu (passagem 00:24:48 do depoimento desta testemunha), pelo que aditar um facto nos termos requeridos não só buliria com a prova produzida, como deturparia o relato do curso dos eventos.

Improcede, pois, a impugnação, também nesta parte.

2.5 Do aditamento do facto 56)

Como vimos supra, sob II.1.1, a ilicitude da resolução e o incumprimento definitivo do contrato-promessa foram invocados pelo Réu na presente ação, pelo que não pode colher a pretensão da Autora de ver aditado que o Réu “até esta data jamais suscitou a incumprimento do CPCV perante a Autora”.
Como tal, a impugnação improcede também nesta parte.

*
Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC determina-se a correção do lapso de escrita que consta do ponto 32) da matéria de facto, determinando-se que, onde se lê “a instar a Autora”, passe a constar “instou a Autora”.

3. Matéria de facto estabilizada

Atenta a parcial procedência do recurso sobre a matéria de facto, a factualidade assente e não provada passa a ser a seguinte (mostrando-se destacados, para melhor perceção, os factos que resultaram da procedência da impugnação ou da retificação de lapsos de escrita):

3.1 Factos provados

1. A Autora (…) – Compra e Venda de Imóveis, Lda. é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de imóveis, à revenda dos imóveis adquiridos para esse fim, à comercialização e venda de imóveis, a dar e tomar de arrendamento imóveis, proceder à sua administração, realizar a exploração turística de imóveis de que seja proprietário ou arrendatário, à construção de edifícios para venda, à promoção e desenvolvimento de empreendimentos imobiliários e urbanizações, à promoção e desenvolvimento de empreendimentos de obras públicas e particulares, bem como à prestação de serviços comerciais, estudos económicos e gestão de projetos, organização de campanhas de publicidade, consultoria, assessoria e marketing no âmbito das atividades acima referidas, tal como resulta de fls. 10 a 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. No âmbito das suas atividades, em 15 de março de 2007, a Autora (…) – Compra e Venda de Imóveis, Lda. e o Réu (…) outorgaram no Cartório Notarial da Dra. (…), por escritura pública exarada de fls. 41 a 42 do Livro de notas para escrituras diversas n.º (…), bem como do documento complementar que dela faz parte integrante, um Contrato Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real, mediante o qual este prometeu vender àquela ou com ela permutar, no todo ou em parte, e nas condições naquele contrato referidas, o prédio misto, composto por cultura arvense, mato, pinheiros, sobreiros, horta, leito curso de água, construções rurais e edifício de rés-do-chão, destinado a habitação e armazéns, com área de 148,5 m2, sito na herdade da (…) – (…), concelho de Aljezur, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aljezur sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo matricial (…), Secção (…) e na matriz predial urbana sob o artigo matricial (…), na freguesia de (…), com a área coberta de 362,5 m2 e área total de 2.770.250 m2, tal como resulta de fls. 24 a 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. A celebração do referido contrato promessa de compra e venda teve como pressuposto e condição negocial a Autora poder desenvolver no acima identificado prédio uma operação de promoção imobiliária essencialmente habitacional, mas também com vertente turística, no qual se integraria um campo de golfe, manifestando o Réu, desde logo, interesse em que aquela efetuasse a referida promoção imobiliária – Considerandos c) e d).

4. Em concreto, a Autora pretendia “desenvolver uma operação de promoção imobiliária essencialmente habitacional mas também com vertente turística, na qual se integrará um campo de golfe”, sendo que o produto da promoção imobiliária a edificar no local (prédio objeto do referido contrato promessa) destinava-se a ser vendido a terceiros, nomeadamente as frações autónomas que integrariam os imóveis a serem sujeitos ao regime da propriedade horizontal, moradias unifamiliares, o campo de golfe e as construções hoteleiras, de lazer e desportivas, prometendo a Autora comprar o prédio ou permutá-lo, “bem como promete efetuar todo o processo necessário ao desenvolvimento da promoção imobiliária identificada no considerando c) anterior, utilizando para tal o instrumento urbanístico mais adequado à concretização de tal objetivo”, mais acordando que “O instrumento urbanístico, a apresentar junto das autoridades administrativas competentes deverá prever também um plano global de urbanização, dividido por fases, de modo a tornar possível a antevisão do número tola de camas a atribuir, no futuro, ao empreendimento” – (Considerando c) e cláusulas 1ª, n.º 4 e 3ª).

5. A finalidade acima mencionada de desenvolvimento do empreendimento imobiliário a edificar no prédio objeto do referido contrato promessa, conhecida e querida por ambas as partes, foi tão determinante na celebração daquele contrato que o preço a pagar ao vendedor, ora Réu, seria o que resultasse da aplicação de 20% (vinte por cento) sobre o valor efetivo da venda de todas as frações autónomas que resultassem daquele empreendimento imobiliário, nela se incluindo os montantes obtidos pelas vendas de cada uma das referidas frações, moradias unifamiliares, do campo de golfe e construções hoteleiras, de lazer e desportivas, ou, em alternativa ao pagamento em dinheiro, aquele poderia optar ser pago, total ou parcialmente e até ao montante de preço que resultasse da mencionada aplicação de 20% (vinte por cento) sobre o valor efetivo da venda de todas as frações autónomas que resultassem daquele empreendimento imobiliário, por via da transmissão, a seu favor, da propriedade de frações autónomas que viesse a integrar o empreendimento imobiliário em causa cláusula 4ª, n.os 1 e 3).

6. Para o referido efeito, Autora e Réu estipularam, inclusive, que a planificação do instrumento urbanístico apto ao desenvolvimento da promoção imobiliária deveria corresponder a uma distribuição equilibrada do fracionamento da propriedade, tendo em conta a topografia do terreno e o acesso ao campo de golfe e infra-estruturas do empreendimento; sendo que cada lote ou cada parcela resultante do fracionamento da propriedade com vista ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto daquele contrato promessa não poderia ter uma área inferior a 500 m2 (quinhentos metros quadrados) – (cláusula 5ª).

7. Da cláusula 6ª resulta que o vendedor, na data da outorga da escritura que conferirá eficácia real ao contrato, terá direito a receber, a título de adiantamento, € 3.000.000,00, em várias tranches, sendo que receberá, a título de adiantamento, € 6.000.000,00 na data da outorga da escritura pública de compra e venda.

8. Não obstante o convencionado quanto à determinação do preço do contrato celebrado anteriormente mencionado, a Autora pagou ao Réu, a título de adiantamento e por conta daquele preço, em 15 de março e 16 de abril de 2007, a quantia total de € 3.000.000,00.

9. Conforme previsto na cláusula 8ª (n.os 1 e 2), a Autora, no âmbito da prossecução das suas atividades, obrigou-se a diligenciar todos os atos necessários para efeitos da promoção, submissão e aprovação nas entidades administrativas competentes, do instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do contrato promessa, tendo-se a Autora obrigado, no prazo máximo de 9 meses, após a celebração do aludido contrato promessa de compra e venda, a ter instruído e entregue às autoridades administrativas competentes, o pedido de licenciamento ou autorização relativo ao instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do contrato promessa.

10. Atendendo, também, ao referido propósito e finalidade contratual, Autora e Réu estipularam, ainda, como condição resolutiva do mencionado contrato promessa de compra e venda que, reconhecendo que as decisões administrativas relativas à aprovação dos instrumentos urbanísticos mais adequados ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do presente contrato promessa dependem de pressupostos alheios às partes, se durante a vigência deste contrato os instrumentos urbanísticos adequados ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do mesmo não viessem a ser aprovados inviabilizando o desenvolvimento da promoção imobiliária ou tendo sido aprovados deles não resultasse a atribuição ao projeto de, pelo menos, 2.000 (duas mil) camas no empreendimento urbanístico, o comprador, ora Autora, reservava-se no direito de resolver aquele contrato, mediante simples declaração unilateral receptícia, dirigida ao vendedor, ora Réu, sendo que nesse caso este devolveria àquela a quantia de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), dispondo de um prazo máximo de 3 anos para efetuar o pagamento de tal devolução (cláusula 9ª).

11. A escritura pública definitiva de compra e venda prometida devia ser outorgada nos trinta dias subsequentes à aprovação do instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do referido contrato promessa – cfr. doc. n.º 2 que se junta (cláusula 10ª, n.º 1).

12. Foi com base nos pressupostos negociais e condições contratuais acima descritos, que a Autora decidiu celebrar o referido contrato-promessa, prometendo comprar o supra identificado prédio ou permutá-lo, no todo ou em parte, se tal fosse a opção do vendedor, bem como prometeu efetuar todo o processo necessário ao desenvolvimento da mencionada promoção imobiliária, utilizando para tal o instrumento urbanístico mais adequado à concretização de tal objetivo – cfr. doc. n.º 2 que se junta (cláusula 3ª, n.º 1).

13. Os referidos pressupostos negociais e condições contratuais resultaram das informações então prestadas pelo Réu à Autora, bem como das que foram obtidas por esta em conjunto com aquele junto da Câmara Municipal de Aljezur, a propósito da viabilidade de realização do empreendimento imobiliário em causa, com alguma brevidade – cfr. doc. n.º 6 que se junta.

14. No seguimento da celebração do referido contrato promessa, a Autora, desde logo em 2007, contratou uma equipa de técnicos especialistas no setor, que desenvolveram e elaboraram uma proposta de desenvolvimento urbanístico para análise camarária, tendo aquela apresentado, em 14 de dezembro de 2007, junto da Câmara Municipal de Aljezur um Pedido de Informação Prévia em Área Abrangida por PDM (n.º …) para o efeito de realizar o acima mencionado empreendimento urbanístico no prédio objeto daquele contrato, instruindo aquele pedido com diversa documentação, conforme nele assinalado, tal como resulta de fls. 38 verso e 39, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

15. Em 4 de janeiro de 2008, o Município de Aljezur informou a Autora que relativamente ao referido pedido de informação prévia, e no cumprimento de deliberação tomada pelo executivo daquela Câmara Municipal, na reunião realizada em 26-12-2007, foi deliberado emitir parecer favorável ao pedido de informação prévia, devendo contudo o processo ser superiormente submetido à classificação de Projeto de Interesse Nacional (PIN ou PIN+) e com a consequente suspensão do PDM na área de intervenção do projeto, tal como resulta de fls. 39 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

16. Na sequência do Pedido de Informação Prévia com parecer favorável por parte da Câmara Municipal de Aljezur, foram lançados, em Fevereiro de 2010, os Termos de Referência e demais documentação a apresentar ao observatório do PROT (Plano Regional de Ordenamento do Território) Algarve, para abertura, pela autarquia, do Procedimento do Concurso para Atribuição de Camas e concretização de um Núcleo de Desenvolvimento Turístico.

17. Sendo de 2100 o número máximo de camas a atribuir.

18. Tendo sido afirmado pela Câmara Municipal de Aljezur, em comunicado, e que era pretensão desta edilidade, dar provas inequívocas da forte aposta no estímulo às atividades económicas, muito em particular ao Turismo de alta qualidade, ligado ao ambiente e biodiversidade, sector estratégico para o desenvolvimento económico do concelho.

19. A alteração dos planos de ordenamento do território é de iniciativa e competência exclusivamente pública, não podendo a Autora, enquanto entidade privada relacionada com a promoção imobiliária, imiscuir-se, intervir ou procurar influenciar esse procedimento, sob pena até de eventuais consequências criminais, mas podendo diligenciar pela apresentação de um projeto que permita à edilidade justificar uma alteração ou suspensão do PDM e podendo requerer a qualificação do projeto como PIN ou PIN+.

20. O Réu contactou por diversas vezes os representantes da Autora, o Dr. (…), e os Chamados, a fim de da Autora se responsabilizar pela limpeza e manutenção do terreno prometido, conforme previsto na cláusula 8ª, ponto 6º, do contrato promessa de compra e venda com eficácia real.

21. A Autora apenas pagou as despesas de manutenção do terreno no ano de 2007 e o IVA relativo à limpeza dos anos 2008 a 2011, como se obrigou, tendo o Réu realizado a manutenção e limpeza do terreno, a fim de evitar problemas futuros, nomeadamente contra-ordenações administrativas ou penais.

22. O Réu notificou a Autora a 4 de maio de 2012, a fim de a Autora executar os trabalhos a que se obrigou, tal como resulta de fls. 80 verso, a qual não respondeu.

23. Por email, enviado a 23 de julho de 2012, à atenção do Arq. (…), o Réu enviou nova notificação, face a ausência de manutenção e limpeza do terreno nos últimos 5 anos, tal como resulta de fls. 81, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

24. A Autora e o Réu, em 3 de setembro de 2012 celebraram um acordo escrito nos termos do qual a primeira aceitou pagar ao segundo a quantia de € 39.000,00 mais IVA relativamente à limpeza do prédio efetuada nos anos 2008 a 2011, cujo pagamento do valor de € 39.000,00 só ocorreria com a venda de frações no empreendimento a construir, tal como resulta de fls. 81 verso e 82, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

25. A Autora não pagou tal quantia.

26. Em 16 de abril de 2018, o Réu interpelou a Autora, através de carta registada, conferindo um prazo de 15 dias, a fim da Autora executar os trabalhos a que se obrigou, ou responsabilizar-se pelo pagamento das despesas inerentes aos trabalhos, tal como resulta de fls. 82 verso e 83, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

27. A Autora não respondeu a tal missiva.

28. Em 5 de Setembro de 2018, o Réu remete carta à Autora, na qual concede o prazo de 15 dias para a Autora prestar informações necessárias sobre as diligências efetuadas perante as entidades administrativas competentes, tal como resulta de fls. 40 e 41, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

29. Em 10 de Outubro de 2018, a Autora responde ao Réu por carta, na qual refere que, desde 2007, realizaram algumas diligências, estando tudo dependente da alteração dos planos de ordenamento do território, sendo que têm mantido contactos com diversas entidades no sentido de investigar um possível enquadramento legal do empreendimento, o que se tem revelado difícil face à referida necessidade de alteração dos instrumentos de gestão territorial que o possam enquadrar e continuará a acompanhar de perto o desenrolar da situação, procurando certificarmo-nos da viabilidade do empreendimento, tal como resulta de fls. 41 verso a 43, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

30. A Autora, após a resposta ao Pedido de Informação Prévia de 2007, até 2010 realizou diligências com vista ao desenvolvimento desse projeto do empreendimento da (…), tendo suspendido as diligências nessa data, nada mais tendo realizado até ao pedido e PIP de 2018 (artigo 69º da contestação).

31. Para que não viesse a existir qualquer motivo que o Réu pudesse vir eventualmente a assacar à Autora quanto ao cumprimento das obrigações por si assumidas no contrato promessa celebrado entre aqueles, esta, em 20 de dezembro de 2018, apresentou junto do Município de Aljezur novo Pedido de Informação Prévia relativo a operação urbanística de promoção imobiliária de empreendimento essencialmente habitacional com vertente turística onde seria integrado um campo de golfe e outras construções hoteleiras, de lazer e desportivas, a desenvolver no prédio objeto do referido contrato promessa, já prevendo que o mesmo seria indeferido por falta de pressupostos legais, tal como resulta de fls. 43 verso e 44, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

32. O Réu, em Julho de 2019, através de duas cartas registadas, instou a Autora a cumprir o contrato promessa de compra e venda nos seus exatos termos, sendo certo que, nessa mesmas missivas o Réu demonstra o seu desagrado sobre a forma como a Autora procedeu (ou não procedeu), deixando passar 12 anos incite na questão da manutenção e limpeza do terreno, enviado para a Autora 3 orçamentos conforme previsto no n.º 6 da cláusula 8ª do Contrato Promessa de Compra e Venda, sendo 2 deles de empresas 2, tendo a Autora se insurgido com essa questão e também com o preço apresentado, por ser pelo menos 3 vezes superior aos valores apresentados para os anos de 2008 a 2011, tal como resulta de fls. 86 a 88, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

33. Em 13 de março de 2019, o Município de Aljezur informou a Autora que relativamente ao referido pedido de informação prévia, e em cumprimento da deliberação tomada pelo executivo daquela Câmara Municipal, na reunião realizada em 12-03-2019, foi deliberado manifestar a intenção de indeferir a pretensão apresentada, com base no teor constante da informação n.º (…), datada de 14-02-2019, do Departamento Técnico de Obras e Urbanismo, anexa àquela, tal como resulta de fls. 44 v.º a 46, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

34. A referida informação interna n.º (…) considerou, entre outras, que as propostas de edificação de um conjunto habitacional e de um conjunto turístico incidiam sobre uma propriedade localizada em solo rural, a qual de acordo com a carta de condicionantes do Plano Diretor Municipal é parcialmente abrangida por Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional e de acordo com a carta de ordenamento do mesmo plano é abrangida por Áreas Florestais e Agroflorestais, pelo que, do ponto de vista urbanístico e dos instrumentos de gestão do território aplicáveis, a pretensão não reunia as condições para ser aprovada.

35. Para além de a Autora ter informado o Réu da apresentação, em 20-12-2018, do novo Pedido de Informação Prévia junto do Município de Aljezur, aquela foi igualmente informando o Réu das respostas desta Edilidade, através das missivas enviadas a este, em 03 e 22 de abril de 2019, tal como resulta de fls. 47 verso a 51, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

36. A Autora, em 26 de julho de 2019, enviou à ilustre advogada do Réu, sra. Dra. (…), uma carta de resposta à remetida por esta, em 23 de abril de 2019, na qual esclarecia uma vez mais as diligências efetuadas com vista confirmar a viabilidade urbanística do empreendimento pretendido, salientando que aquela Câmara somente em 2019 invocara os fundamentos de indeferimento que já existiam à data do primeiro PIP (Pedido de Informação Prévia), em 2008, demonstrativo afinal de que o empreendimento contratualizado nunca fora viável do ponto de vista urbanístico, situação que não podia deixar de ser conhecimento daquela, tal como resulta de fls. 53 verso a 55, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

37. Na referida missiva, a Autora mencionou a imposição de adaptação do projeto para um formato que fosse compatível com os instrumentos legais urbanísticos, o que, em caso de oposição do Réu, não restaria outra alternativa senão fazer cessar o contrato promessa de compra e venda celebrado a 15-03-2007, com devolução dos montantes devidos e eventual compensação por todos os esforços, despesas e encargos incorridos por aquela durante todo o tempo decorrido.

38. A Autora comunicou ao Réu, em 30 de agosto de 2019, por carta, a resolução com justa causa do contrato promessa de compra e venda celebrado a 15-03-2007, com efeitos imediatos e uma vez que se tornara impossível a subsistência deste contrato, dada a confirmação por parte da Câmara Municipal de Aljezur da inviabilidade do empreendimento imobiliário pretendido de acordo com as condições naquele contratualizadas, notificando o mesmo para proceder à devolução das quantias entregues a título de sinal, no valor de € 3.000.000,00 (três milhões de euros), no prazo máximo de trinta dias, tal como resulta de fls. 55 a 57, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

39. Nessa missiva, a Autora invocava, a título subsidiário, que a reprovação do instrumento urbanístico necessário ao desenvolvimento do empreendimento imobiliário nas condições pretendidas sempre daria direito à resolução daquele contrato promessa nos termos do disposto na cláusula 9ª, n.º 2, do mesmo.

40. A ilustre advogada do Réu, sra. Dra. (…), enviou à Autora, em 6 de setembro de 2019, uma carta de resposta à remetida por esta ao Réu, na qual manifestava que este não aceitava a declaração daquela de resolução do contrato promessa de compra e venda, perante o facto de aquele não ter incumprido o contrato, e que o mesmo pretendia chegar a uma solução, dentro dos princípios da boa fé contratual, tal como resulta de fls. 57 v.º a 59, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

41. À qual, a Autora respondeu quer àquela quer ao Réu, em 26 de setembro de 2019, voltando a expor os principais motivos fundamentadores da inviabilidade do empreendimento nos termos contratualizados com o Réu e as razões invocadas para a resolução do contrato, mostrando-se, todavia, disponível para a realização da solicitada reunião, para a qual sugeriu data, hora e local, tal como resulta de fls. 60 a 63, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

42. Em 4 de outubro de 2019, a ilustre advogada do Réu, sra. Dra. (…), enviou à Autora nova carta, na qual concordava com a realização da reunião, mas propondo que a mesma se realizasse na herdade da (...), a fim de que se verificasse o que fora executado no terreno e o que faltaria executar a nível de manutenção, tal como resulta de fls. 63 verso e 64, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

43. Não se chegou a realizar qualquer reunião entre as partes, nem na data apontada (09-10-2019), nem posteriormente e até ao presente.

44. O Réu não procedeu, até à presente data, à devolução à Autora de qualquer montante relativamente aos € 3.000.000,00 (três milhões de euros) pagos por esta àquele, em março e abril de 2007, no seguimento da outorga do contrato promessa de compra e venda, recebidos na base da celebração futura do contrato definitivo prometido.

45. A 20/02/2018, o Réu deparou-se com o registo de uma penhora, no valor de € 3.648.684,88, no seu prédio, ou seja, o prédio prometido compra /vender, descrito na Conservatória do Registo Predial através do n.º (…).

46. Essa penhora advém do processo executivo n.º 16191/15.3T8SLV, que se encontra pendente no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Execução-Juiz 2, sendo exequente o Banco (…), S.A., Sociedade Aberta, e sendo executada a aqui Autora.

47. No requerimento executivo, na descrição factual consta: “O Exequente é dono e legitimo portador de uma Livrança exequenda no valor de € 3.351.982,30, vencida no dia 22 de abril de 2013, dada em garantia de um contrato de crédito em conta corrente celebrado e respetivos aditamentos. A referida livrança mostra-se subscrita pela Sociedade (…) – Compra e Venda de Imóveis, Lda. e avalizada pela sociedade atualmente denominada (…), SGPS, S.A., e, apesar de vencida e apresentada a pagamento, não foi paga. Do exposto, requer a V. Exa. se digne ordenar a citação da executada, nos termos do artigo 726.º, n.º 6, do CPC, com vista ao prosseguimento da execução até ressarcimento integral da responsabilidade executada, que se cifra em € 3.648.684,88, acrescidos dos juros de mora até integral pagamento e demais encargos”.

48. Posteriormente, o Réu foi notificado de uma penhora de créditos, o qual mereceu a oposição do aqui Réu apresentando-se o Réu nos autos executivos como interveniente acidental.

49. A Autora é detida 99% pela (…), SGPS, SA.

50. A (…), SGPS, SA dedica-se à gestão de participações sociais de sociedades de desenvolvimento e promoção imobiliária, como forma indireta de exercício de atividade económicas.

51. A (…), SGPS, SA submeteu-se, em maio de 2014, a um processo especial de revitalização, que correu termos sob o número de proc. n.º 746/14.6TYLSB, junto da Instância Central de Lisboa – Secção Comércio-JI, no âmbito do qual foi aprovado um Plano de Revitalização, homologado em janeiro de 2015.

52. A (…), SGPS, SA não possui qualquer liquidez, e não haverá qualquer liquidez, enquanto não houver cobertura de resultados transitados negativos de todo o grupo, a iniciar essa reestruturação, pelas empresas que detém e outras, e novo socio, encontra-se igualmente sem capitais próprios e negativos como todas as empresas do grupo (…), SGPS, SA.

53. No âmbito do negócio, previsto no contrato promessa de compra e venda com eficácia real, foi realizada uma avaliação ao prédio prometido, tendo em consideração o PIP aprovado em 2007, tendo sido avaliado em € 75.080.000,00.

54. O Réu, desde 2007 até à presente data, extraiu, por si ou através de empresas suas, a cortiça do prédio dos autos e comercializou a mesma.

55. A Câmara de Aljezur informou não existir, no município, qualquer processo concursal de atribuição de camas referente à Autora ou à “Herdade da (…)”.

56. A presente ação foi intentada em 30 de junho de 2023.


3.2 Factos não provados:

a) A Já a classificação como projeto de interesse nacional só era admissível para empreendimentos previamente viabilizados e com enquadramento legal, o que não era ainda o caso do projeto imobiliário submetido pela Autora à apreciação camarária (artigo 16º da petição inicial).

b) O contrato promessa de compra e venda com eficácia real foi celebrado com a (…), Lda./(…), SGPS, Lda./(…), SGPS, SA, (…), SGPS, SA, (…), SGPS (…), Lda.., (…), SA, (…), Lda., (…), Lda. e (…), SA (artigo 104º da contestação).

c) A Autora celebrou u contrato promessa com o Réu, sem a expectativa concreta de realizar a respetiva escritura, sendo certo que, a Autora não era possuidora de quaisquer fundos para fazer frente ao negócio, e pagar ao Réu (artigo 118º da contestação).


4. Fundamentos de Direito
4.1.
Mostra-se incontroverso terem Autora e Réu celebrado validamente um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel (mais concretamente de um terreno) e que a celebração de tal contrato teve como pressuposto e condição negocial a Autora poder desenvolver nesse terreno uma operação de promoção imobiliária essencialmente habitacional, mas também com vertente turística. O produto da promoção imobiliária a edificar no local destinava-se a ser vendido a terceiros, sendo o preço a pagar ao Réu o que resultasse da aplicação de uma percentagem sobre o valor dessa venda ou o equivalente em frações, cuja propriedade se transmitiria, nesse caso, ao Réu.
Os contraentes previram na cláusula oitava, número 1, do referido contrato-promessa que a Autora, ora Recorrente, se obrigaria “a diligenciar todos os atos necessários e cumprir pontual e diligentemente tudo o que legalmente for necessário para efeitos de promoção, submissão e aprovação nas entidades administrativas competentes, do instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária objecto do presente contrato”. E, de facto, Autora e Réu não contestam que impendia sobre aquela o desenvolvimento dos esforços necessários à concretização do almejado empreendimento imobiliário.
Do acervo factual ressalta, ainda, que, tendo o contrato-promessa sido celebrado em 15/03/2007, a Autora desenvolveu e elaborou uma proposta de desenvolvimento urbanístico para análise camarária, que apresentou em 14/12/2007 na edilidade, o que fez cumprindo o estipulado na cláusula 8ª, n.º 2, do contrato-promessa.
Em 04/01/2008 o Município de Aljezur informou a Autora de que fora “deliberado emitir parecer favorável ao pedido de informação prévia, devendo contudo o processo ser superiormente submetido à classificação de projeto de Interesse Nacional (PIN ou PIN+) e com a consequente suspensão do PDM na área de intervenção do projeto”.
Em 30/08/2019, por sua vez, a Autora comunicou ao Réu ter-se tornado impossível a subsistência do contrato, pelo que o declarava resolvido “nos termos legais e contratuais” para o que invocou a confirmação, pela edilidade, da inviabilidade do empreendimento nas condições contratualizadas e a falta de recetividade do Réu para encontrar soluções “de adequação do projeto à realidade”, exigindo a devolução, no prazo máximo de 30 dias, da quantia até então entregue, no valor de € 3.000.000,00.
Da mesma missiva fez a Autora ainda constar que “Em qualquer caso, a recente reprovação do instrumento urbanístico necessário ao desenvolvimento do empreendimento nas condições pretendidas sempre dará direito à resolução nos termos do disposto na cláusula 9ª, n.º 2, o que invocamos desde já num plano subsidiário”.
Como vimos supra, sob I. 6.1, objeto do recurso é unicamente a resolução subsidiariamente invocada, que a Autora, ao invés do Réu, reputa de lícita.

4.2.
A Autora fundou a resolução, subsidiariamente, na cláusula 9.ª do contrato-promessa, cujo teor é o seguinte:

(Condição Resolutiva)
1. As Partes reconhecem que as decisões administrativas relativas à aprovação dos instrumentos urbanísticos mais adequados ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do presente contrato dependem de pressupostos alheios às Partes.
2. Se, durante a vigência do presente Contrato os referidos instrumentos urbanísticos não venham a ser aprovados inviabilizando o desenvolvimento da promoção imobiliária ou tendo sido aprovados deles não resultar a atribuição ao projeto de, pelo menos, 2.000 (duas mil) camas no empreendimento urbanístico, o comprador reservava-se o direito de resolver o presente Contrato, mediante simples declaração unilateral receptícia, dirigida à vendedora.
3. Nesse caso o vendedor devolverá à compradora a quantia de € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros), dispondo de um prazo máximo de três anos para efectuar o pagamento de tal devolução.

A resolução do contrato pode fundar-se na lei ou em convenção (artigo 432.º, n.º 1, do Código Civil, de ora em diante CC), sendo na resolução convencional que agora importa atentar, face à delimitação do recurso.

Pese embora a nomenclatura empregue pelos outorgantes no contrato em questão, foi estipulada não uma condição resolutiva, mas sim uma cláusula resolutiva. Efetivamente, esta traduz-se num direito potestativo de extinção retroativa da relação contratual, apenas conferindo “ao beneficiário o poder de resolver o contrato uma vez verificado o facto por ela descrito”, enquanto a condição resolutiva “determina a imediata destruição da relação contratual assim que o facto futuro e incerto se verifica” [3].

Para fazer operar a resolução, impõe-se que a parte legitimada a exercer o poder conferido pela cláusula invoque o fundamento concreto determinante da decisão de resolução. A Autora procedeu em conformidade, tendo indicado como fundamento da resolução ao abrigo da referida cláusula 9ª a reprovação do instrumento urbanístico necessário ao desenvolvimento do empreendimento nas condições pretendidas.

Por outro lado, aparentemente o facto fundamento invocado na resolução mostrar-se-ia demonstrado. Efetivamente, tendo em 20/12/2018 sido apresentado pela Autora segundo pedido de informação prévia junto da Câmara Municipal de Aljezur, esta, em 13/03/2019, manifestou a intenção de indeferir a pretensão apresentada, com base em informação que considerou que, do ponto de vista urbanístico e dos instrumentos de gestão do território aplicáveis, a pretensão da Autora não reunia condições para ser aprovada.

Ainda assim, o tribunal a quo reputou a resolução pela Autora de ilícita, para o que assentou no seguinte raciocínio:

- a Autora, ao não diligenciar pela classificação do projeto como PIN ou PIN+, não procedeu como estava contratualmente obrigada;

- numa relação pautada pela boa fé não é “normal nem razoável” não terem sido efetuadas pela Autora diligências desde 2010 para que o processo [de aprovação do projeto urbanístico] avançasse;

- o incumprimento é imputável à Autora;

- a interpretação da cláusula resolutiva tem de ser no sentido de que [a Autora] teria direito à devolução de parte do dinheiro caso tivesse realizado todas as diligências ao seu alcance para viabilização do projeto e, ainda assim, não tivesse obtido o licenciamento.

Vejamos.

O fundamento resolutivo convencionado no contrato-promessa em questão assenta, aparentemente, num facto objetivo: a não aprovação dos instrumentos urbanísticos e consequente inviabilização do desenvolvimento da promoção imobiliária.

E a tanto não obsta a lei, pois o fundamento convencionado não tem de repousar necessariamente num incumprimento, nem a culpa é requisito essencial de qualquer resolução[4]. Autora e Réu eram, como tal, livres de estipular uma causa objetiva de resolução do contrato, ao abrigo da autonomia contratual prevista no artigo 405.º do CC.

O tribunal a quo, porém, não se bastou com a sobredita aparência e procedeu à interpretação da cláusula sobremencionada, no que não merece censura, pois, estando-se em sede de um negócio jurídico, é legítimo interpretar o seu conteúdo com recurso aos critérios constantes dos artigos 236.º e ss. do CC.

Ora, a faculdade resolutiva prevista no n.º 2 da cláusula em questão foi precedida, no contrato, mais concretamente no n.º 1 da mesma cláusula (9ª), pelo reconhecimento de que “as decisões administrativas relativas à aprovação dos instrumentos urbanísticos mais adequados ao desenvolvimento da promoção imobiliária [visada pelo contrato] dependem de pressupostos legais alheios às partes”. O que, para qualquer declaratário normal, colocado na posição da Autora e do Réu, significa que a resolução por falta de aprovação dos instrumentos urbanísticos necessários apenas poderia operar se tal falta se devesse a pressupostos legais alheios às partes.

Trata-se de sentido que encontra correspondência no texto e que uma pessoa normalmente diligente retiraria dos termos da cláusula e das demais circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto dos declaratários, mormente do facto de uma das partes (a Autora) se ter obrigado a diligenciar por “todos os actos necessários e cumprir pontual e diligentemente tudo o que legalmente for necessário para efeitos de promoção, submissão e aprovação nas entidades administrativas competentes, do instrumento urbanístico mais adequado ao desenvolvimento da promoção imobiliária objeto do […] contrato”, conforme cláusula 8ª, n.º 1, do contrato-promessa.

Mais, entender o contrário, ou seja, que qualquer não aprovação dos instrumentos urbanísticos permitia a resolução, ainda que tal não aprovação fosse imputável à parte que pretende invocar a resolução, seria atentatório da boa fé.

E, sendo assim, importava escrutinar, como fez o tribunal a quo, se o fundamento invocado pela Autora – a não aprovação do projeto –, assentava em facto que lhe era alheio.

A resposta parece-nos dever ser negativa.

Vejamos.

A Autora começou por observar o contratualizado, com apresentação tempestiva de um pedido de informação prévia, que, em 04/01/2008, mereceu da edilidade a resposta de que fora “deliberado emitir parecer favorável ao pedido de informação prévia, devendo contudo o processo ser superiormente submetido à classificação de projeto de Interesse Nacional (PIN ou PIN+) e com a consequente suspensão do PDM na área de intervenção do projeto” (o sublinhado é nosso).
Deste parecer extrai-se que o projeto era passível de licenciamento desde que, primeiramente se desse a classificação PIN ou PIN+, o que permitiria à Câmara Municipal de Aljezur subsequentemente suspender o PDM na área de intervenção do projeto.
Ora, conforme se extrai do ponto 19. da matéria de facto, a Autora podia ir de encontro àquela primeira exigência formulada pelo município, estando na sua disponibilidade requerer a classificação do projeto como PIN ou PIN+. Efetivamente, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 1, do então vigente Decreto Regulamentar n.º 8/2005, de 17 de agosto (o mesmo resultando do diploma que lhe sucedeu, em 27/08/2008: o Decreto-Lei n.º 174/2008, de 26 de agosto), os interessados no reconhecimento de um projeto como PIN podiam apresentar a sua candidatura junto da CAA-PIN.
Não obstante, a Autora não demonstrou ter efetuado tal candidatura e, mais, em 2010 suspendeu as diligências com vista ao desenvolvimento do projeto contratualizado, nada mais tendo realizado até ao pedido de informação prévia (PIP) de 2018 (cfr. ponto 30 da matéria de facto).
Este, por sua vez, apenas foi apresentado após interpelação do Réu para que a Autora prestasse informações sobre as diligências efetuadas perante as entidades administrativas competentes (cfr. ponto 28 da matéria de facto), estando subjacente à apresentação deste segundo PIP não só o intuito – por parte da Autora – de que “não viesse a existir qualquer motivo que o Réu pudesse vir eventualmente a assacar à Autora quanto ao cumprimento das obrigações por si assumidas no contrato promessa”, como a Autora aquando da apresentação sabia já que o mesmo seria indeferido por falta de pressupostos legais (cfr. ponto 31 da matéria de facto).
Em face deste cenário, consideramos, à semelhança do que fez o tribunal a quo, que a Autora, ao não diligenciar pela classificação do projeto como PIN ou PIN+, não procedeu como estava contratualmente obrigada e que, ao suspender durante cerca de oito anos as diligências tendentes à aprovação do projeto e, depois, formular um PIP cujo desfecho desfavorável já antevia, inclusivamente adotou uma conduta que não se afigura razoável numa relação pautada pela boa fé.
O fundamento invocado pela Autora para a resolução – a não aprovação do projeto – assentou, portanto, em facto ao qual a Autora não foi (de todo) alheia, e, como tal, não podia a Autora trazê-lo à colação para resolver o contrato-promessa.
Na verdade, resulta manifesto do acervo fáctico (ponto 13) que, na época em que o primeiro PIP foi apresentado, não só havia uma efetiva perspetiva de que o empreendimento pudesse ser viabilizado, como a edilidade estava fortemente apostada em fazer a sua parte para que se desse essa viabilização (cfr. facto 18).
Vale isto por dizer, que as eventuais condicionantes (relacionadas com o PDM) eram, àquela data, ultrapassáveis, pois, tivesse havido a realização da candidatura PIN pela Autora, havia motivação e efetiva vontade por parte da edilidade para consequentemente suspender o PDM.
Ao não diligenciar pela classificação do projeto como PIN ou PIN+, a Autora inviabilizou, contudo, que sequer se chegasse à fase de suspensão do PDM.
Como tal, tem de considerar-se que a conduta da Autora após a comunicação da aprovação (condicionada) do PIP em 2008 e até 2010, consubstanciada num total alheamento do projeto (cfr. facto 30), foi determinante para que em 2018 não se verificasse já a possibilidade de serem ultrapassados os entraves inerentes ao PDM, os quais, em 2018, acabaram por ser invocados para fundar o parecer desfavorável ao segundo pedido de informação prévia (que, como vimos já, foi apresentado pela Autora, como mero pró-forma e a fim de justificar a resolução contratual).
Para defender o contrário argumenta a Recorrente, por um lado, não ser verdade que abandonou o projeto urbanístico e, por outro, que a suspensão das diligências tendentes à aprovação do projeto junto do município colheram a anuência do Réu ou que este no mínimo se conformou com tal suspensão, além do que o Réu não aquiesceu a uma alteração ao contrato passível de viabilizar aquela aprovação. Contudo, estas asserções fundam-se na impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não tendo a impugnação merecido acolhimento, nesta parte.

É certo que do procedimento parcial da impugnação da decisão relativa à matéria de facto resultou terem sido lançados, em fevereiro de 2010, os termos de referência e demais documentação a apresentar ao observatório do PROT Algarve, para abertura, pela Câmara Municipal de Aljezur, do procedimento do concurso para atribuição de camas e concretização de um núcleo de desenvolvimento turístico, sendo que a Câmara de Aljezur informou não existir no município qualquer processo concursal de atribuição de camas referente à Autora ou ao imóvel prometido vender (cfr. pontos 16 e 55 da matéria de facto). Porém, não resulta do acervo factual e, tão-pouco da legislação aplicável, que a abertura do concurso para atribuição de camas fosse determinante para a apresentação da candidatura, pela Autora, à classificação PIN ou PIN+.

Aliás, de acordo com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do então vigente Decreto Regulamentar n.º 8/2005, de 17 de agosto (o mesmo resultando do diploma que lhe sucedeu, em 27/08/2008: o Decreto-Lei n.º 174/2008, de 26 de agosto), verificando-se estar em falta um elemento relevante para a candidatura, a CAA-PIN pode solicitá-lo ao requerente, ao invés de imediatamente proferir decisão de não reconhecimento do projeto como PIN. Donde se infere, que nada obstava à candidatura pela Autora à classificação PIN ou PIN+, cabendo à CAA-PIN, caso entendesse dever o pedido ser instruído com o resultado do concurso para atribuição de camas, requerê-lo à Autora que, por sua vez, podia, desta forma, demonstrar ao município a importância de levar a cabo o concurso. Só então a Autora, caso o município não procedesse em conformidade, poderia invocar a falta de aprovação do projeto por motivos lhe alheios. Para o efeito, porém, impunha-se que não tivesse descurado o projeto durante oito anos.

Ou seja, se é inquestionável que o licenciamento de uma obra, para mais da envergadura daquela perspetivada no contrato-promessa aqui em questão, envolve e convoca vários instrumentos urbanísticos e entidades, certo é, também, que, não sendo dado sequer o primeiro passo (que, de acordo com a entidade licenciadora, era a candidatura a PIN/PIN+, a levar a cabo pela Autora), como aconteceu no caso em apreço, necessariamente ficou coartada qualquer hipótese de um futuro licenciamento.

Assim, em síntese, apesar de a suspensão do PDM (segunda condicionante do parecer municipal de 2008) incumbir à Câmara Municipal de Aljezur (cfr. a 1ª parte do facto 19), assim não acontecia com a submissão do projeto à classificação PIN ou PIN+ (que tinha de lhe preceder), conforme ressalta, além do mais, da segunda parte do ponto 19 da matéria de facto. E, ao não submeter o projeto a tal classificação, a Autora inviabilizou, logo à partida, qualquer hipótese de licenciamento, tendo desbaratado a “janela de oportunidade” então existente, decorrente da aposta da Câmara Municipal na viabilização do projeto.

Mais, a Autora não só não diligenciou por requerer tal classificação, como genericamente descurou o projeto durante oito anos, apresentando, depois, um pedido de informação prévia cujo indeferimento já previa e destinado unicamente a legitimar a resolução.

Assim, como vimos já, o motivo invocado pela Autora na resolução – a não aprovação do projeto – assentou em facto ao qual a mesma não foi alheio e, como tal, à luz da cláusula 9ª do contrato-promessa, não constituía fundamento suficiente para uma resolução lícita.

4.3
O tribunal a quo concluiu ser a resolução ilícita, mas que tal circunstância «não faz renascer o contrato-promessa, dado que [a Autora] declarou definitivamente […] não pretender diligenciar pela obtenção do licenciamento para construção do empreendimento em causa».
A Recorrente insurge-se contra este entendimento.
É consabida a discussão acerca das consequências ou eficácia da resolução ilícita. De um lado, encontramos o entendimento segundo o qual, consubstanciando a resolução uma declaração extrajudicial e receptícia, determinará a cessação do vínculo contratual, ainda que carecida de justificação. Em sentido diverso, o entendimento de acordo com o qual a resolução, por ilícita, deve ser tida como nula/ineficaz e, logo, inidónea a produzir o efeito extintivo do contrato. E, configurando, diríamos nós, uma solução eclética, temos autores, como Pedro Romano Martinez, para quem é possível que o vínculo subsista caso estejam cumulativamente reunidos três pressupostos, a saber, (i) o cumprimento das prestações ainda ser possível, (ii) a parte lesada manter interesse na execução do contrato e (iii) a execução do contrato não ser excessivamente onerosa para aquele que o resolveu ilicitamente [5].
Sem embargo, parece-nos não haver uma resposta unívoca para esta questão, podendo e devendo a mesma variar consoante o tipo de contrato visado pela resolução.
Mais, a resolução será sempre relevante para a aferição de outras vicissitudes da relação contratual, como, porventura, para ser considerada uma recusa categórica de cumprimento. Na verdade, mesmo quem, como Brandão Proença, entende dever a sentença declarar a manutenção da eficácia do contrato[6], reconhece que a manutenção do contrato deve ser declarada no pressuposto de que a resolução ilícita não conduza automaticamente ao incumprimento definitivo do declarante (por poder configurar uma recusa categórica de cumprimento) e a contraparte não invoque – com fundamento – a cessação do contrato.
A jurisprudência, por sua vez, é praticamente unânime em considerar que a verificação de incumprimento definitivo do contrato dependerá de uma ponderação casuística em torno do circunstancialismo da declaração de resolução sem fundamento, devendo, mormente com apelo às regras da experiência comum, apreciar-se se evidencia uma recusa definitiva, firme e categórica de cumprimento por parte do promitente autor da declaração[7].
Ora, o conceito de recusa de cumprimento não se restringe à declaração expressa de não querer cumprir, antes se compreendendo, em geral, nesse conceito todo e qualquer comportamento que indique de maneira certa e unívoca que o devedor não pode, ou não quer, cumprir, devendo, quando tal se constate, ser, sem mais, considerado inadimplente de forma definitiva[8].
No caso dos autos, não se tratará tanto (como entendeu o tribunal a quo) de a Autora ter declarado definitivamente não pretender diligenciar pela obtenção do licenciamento para construção do empreendimento em causa, mas sim de se verificar uma impossibilidade, por razão imputável à Autora, de obter tal licenciamento, atento o parecer desfavorável ao pedido de informação prévia de 2018. Não estamos já, como inicialmente (2008), perante um parecer condicionado pelo município a possíveis atuações da promitente compradora, mas sim de um parecer integralmente desfavorável e assente em causas estruturais, quais sejam a localização do terreno (ou de parte do mesmo) em Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional e abrangida por Áreas Florestais e Agroflorestais, o que, de acordo com o município, detentor da competência para o licenciamento, determina, à data, que a pretensão de construção materializada no contrato-promessa não reúna as condições para ser aprovada do ponto de vista urbanístico e dos instrumentos de gestão do território aplicáveis (cfr. pontos 33 e 34 da matéria de facto).
Ou seja, fruto da conduta adotada pela Autora e do tempo decorrido, deixou de existir a possibilidade de licenciamento que existia em 2008, aquando da apresentação do primeiro pedido de informação prévia. Efetivamente, como ressalta do que se expendeu supra, a hodierna impossibilidade encontra a sua causa última na conduta da Autora, que, ao não submeter o projeto à classificação PIN, em 2008, inviabilizou que a Câmara – então fortemente apostada em contribuir para que fossem ultrapassadas as condicionantes do PDM – suspendesse o PDM e, assim, possibilitasse o licenciamento do empreendimento.
E, como se extrai da matéria de facto (cfr. seu ponto 5), a finalidade de desenvolvimento do empreendimento a edificar no prédio objeto do contrato-promessa não só era conhecida e querida por ambas as partes, mas foi determinante na celebração do contrato, tratando-se verdadeiramente do seu cerne.
Em suma, mais do que a aparentemente muito frágil condição económica do grupo de empresas que a Autora integra (cfr. factos 49 a 52), com inerente dificuldade, se não impossibilidade, de concretização de um empreendimento da monta daquele visado (empreendimento urbanístico abrangendo pelo menos 2.000 camas e um campo de golfe – cfr. factos 3, 4 e 10), é a impossibilidade – culposa – de a Autora cumprir a obrigação – que sobre si impendia – de obtenção do licenciamento para o projeto contratado que determina ter de considerar-se a Autora definitiva e culposamente inadimplente, nos termos do disposto no artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim o entendeu o tribunal a quo e daí retirou as devidas consequências, mormente ao nível da retenção, pelo Réu, do sinal, nos termos do disposto no artigo 442.º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil.
Inexiste, como tal, motivo para alterar a decisão recorrida.

5. Custas

Dado o decaimento, as custas do recurso ficam a cargo da Recorrente (artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC e tabela I-B do Regulamento das Custas Processuais).

As custas do recurso subordinado são a suportar pelo Réu, atenta a respetiva não admissão (artigo 527.º, n.º 1, do CPC).

III. DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas nos termos determinados.

Évora, 27 de novembro de 2025

Sónia Kietzmann Lopes (Relatora)

Sónia Moura (1ª Adjunta)

Maria João Sousa e Faro (2ª Adjunta – vencida conforme declaração infra)

Declaração de voto:

Salvo o devido respeito, creio que deveria ter sido dado provimento ao pedido subsidiário formulado na acção e, por consequência ter sido ordenada a condenação da Ré a restituir à Autora 1 milhão e 500 mil euros correspondente a metade do adiantamento (3 milhões de euros) que efectuou por conta do preço do imóvel que lhe prometeu adquirir com o escopo de, como pacificamente aceite pelas partes, nele ser executada uma operação de promoção imobiliária.

Tal pedido fundou-se exclusivamente no oportuno accionamento pela Autora de uma “cláusula” resolutiva constante do contrato promessa – a cláusula 9ª apodada pelas partes de “ condição resolutiva” – na qual se consagrava grosso modo o direito da Autora (promitente compradora) a resolver o contrato se, durante a vigência do mesmo, os instrumentos urbanísticos mais adequados ao desenvolvimento da promoção imobiliária não viessem a ser aprovados, inviabilizando, assim, o desenvolvimento da promoção imobiliária pretendida ou, ainda que aprovados, deles não resultasse a atribuição ao projecto de, pelo menos, 2.000 camas no empreendimento urbanístico.

Pese embora, como reconhecido no acórdão, o facto fundamento invocado na resolução se mostrar objectivamente demonstrado já que, na sequência do segundo pedido de informação prévia por si formulado junto da Câmara Municipal de Aljezur, esta ter manifestado a intenção de indeferir a pretensão apresentada, foi negada a restituição prevista no n.º 3 da cláusula, o que a nosso ver só poderia ter sucedido por via do instituto do abuso de direito no exercício de tal direito potestativo, instituto este que não foi sequer convocado e apreciado.

Mas, ainda que assim não se considere, entendo que a matéria de facto provada não consentia tal juízo de improcedência, já que a não restituição do adiantamento expressamente consagrado na cláusula como mera decorrência da resolução do contrato pela ocorrência do evento previsto, se deve configurar como uma situação excepcional a implicar ónus de prova factual por parte daquele contra quem o direito é exercido, no caso a Ré, conforme direito probatório material ex vi do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

Efectivamente, da matéria de facto provada não resulta que a Autora tenha (deliberadamente) sabotado o projecto e provocado, por isso, a inviabilidade da sua concretização.

Também com todo o respeito, não há que convocar as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações para negar o provimento do pedido subsidiário pois, como se disse, o que está apenas em causa é a aplicação da cláusula 9ª do contrato e a restituição nela prevista de metade do adiantamento efectuado pela Autora.

Contudo, sempre se diga que os factos provados não consentem de todo a afirmação de um juízo de imputabilidade da impossibilidade de concretização do projecto à Autora, como exigido pelo artigo 801.º, n.º 1, do Código Civil.

Tal só seria cogitável se a possibilidade de realização do projecto dependesse exclusivamente de circunstâncias controláveis pela sua vontade.

Por isso, ainda que hipoteticamente se considerasse ter a Autora, por inércia, contribuído para tal desfecho, sempre teria direito a reaver metade do montante adiantado à luz dos princípios da conculpabilidade (artigo 570.º do Código Civil). E, também, por esta via, o pedido subsidiário procederia.

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[1] Veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/10/2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, pág. 65 e ss., no qual se lê que as questões novas não podem ser apreciadas no recurso, “quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuar[em] a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões e não a decidir questões novas por tal apreciação equivaler a suprimir um ou mais órgãos de jurisdição […]”.

[2] In “Recursos em Processo Civil”, 8.ª ed. atualizada, Almedina, pág. 163 e seguintes.

[3] Daniela Farto Baptista, in “Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica, pág. 138.

[4] Neste sentido, Brandão Proença, in “A cláusula resolutiva expressa como síntese da autonomia e da heteronomia: considerações a partir da análise de uma decisão judicial”, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 22 (2012), pág. 14.

[5] In “Da Cessação do Contrato”, 2.ª edição, Almedina, págs. 222 e seguintes.

[6] In “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, Coimbra Editora, 1996, págs. 152 e segts..

[7] Neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 31/05/2005, proferido no proc. n.º 05B1494, de 30/05/2023, proferido no processo n.º 10723/18.2T8LSB.L1.S1, e de 13/02/2025, proferido no processo n.º 25472/20.3T8LSB.L1.S1, todos disponíveis na base de dados da dgsi.

[8] Neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2005, proferido no proc. n.º 05B002, e de 22/05/2018, proferido no processo n.º 27800/15.4T8PRT.P1.S1, ambos disponíveis na base de dados da dgsi.