Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4480/20.0T8STB.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO RÚSTICO
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
PROPOSTA PARA PREFERIR
ACEITAÇÃO DA PROPOSTA DE CONTRATO
EFICÁCIA OBRIGACIONAL
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A alínea a) do artigo 1381º do Código Civil exige que dos factos provados decorra a intenção de afetar o terreno a algum fim que não seja a cultura e a possibilidade física e jurídica (legal ou regulamentar) da afetação correspondente à intenção do comprador.
II - Estando demonstrada não só a potencialidade edificativa do prédio alienado, como a sua destinação a fins alheios à cultura, mostram-se preenchidos os requisitos enunciados em I.
III - A comunicação prevista no artigo 416º do Código Civil que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente vale como proposta de contrato, correspondente ao projeto de venda que o obrigado à preferência submete à aceitação daquele.
IV - Se o preferente declarar que pretende exercer o seu direito, em resposta que, no prazo estipulado, chegue ao poder ou ao conhecimento do proprietário, este fica vinculado à realização do negócio com o preferente, o qual, havendo incumprimento, é investido no direito potestativo de se constituir titular do direito de propriedade sobre a coisa.
V - No caso, como as aludidas comunicação e resposta foram contidas em documentos assinados que não preencheram os especiais requisitos formais previstos no artigo 875º do Código Civil, de que a celebração do contrato dependeria (por se tratar de um imóvel), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cf. artigo 410.º, n.º 2, do CC) com as respetivas consequências.
VI - A comunicação de preferência (proposta contratual), não produz efeitos em relação a terceiros, designadamente à adquirente (art. 406º, nº 2, do CC), não podendo o autor/preferente substituir-se-lhe no negócio.
VII - O requisito essencial para que o tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor, isto é, ainda que não seja possível quantificar o seu montante.
VIII - Não tendo o autor logrado provar os danos que alegou, não é possível relegar para execução o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e mulher, CC e DD, formulando os seguintes pedidos:
1) Que seja reconhecido o direito de preferência do autor na aquisição do prédio rústico sito no concelho de Grândola, freguesia de Melides, denominado ..., com a área de 16,895100 Hectares, composto de Cultura arvense e Pinhal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o nº ...93 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...40, Secção I, reconhecendo-se este como dono de tal prédio;
2) Que se condenem os 1.ºs réus a entregar ao autor o referido prédio rústico com todas as suas pertenças, dele largando mão;
3) Que o direito de propriedade do autor seja registado na Conservatória do Registo Predial;
4) Que o direito do autor seja reconhecido nos termos dos parágrafos anteriores como anterior e com prioridade legal sobre o eventual direito do 2º réu à execução específica - direito registado quanto ao prédio melhor identificado no artigo 2º supra sob a Ap. ...32 de 2020/09/04, e em consequência seja ordenado o cancelamento do registo correspondente a essa apresentação;
5) Que os 1.ºs réus sejam condenados a compensar o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo não cumprimento da sua obrigação de realização da escritura de compra e venda, pelo valor que venha a ser apurado segundo os juízos de equidade, valor esse que não deverá ser inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
Alega, em síntese, que é proprietário do prédio rústico sito no concelho de Grândola, freguesia de Melides, denominado ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o nº ...46 da freguesia de Melides e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...67, Secção I da freguesia de Melides, e os 1.ºs réus, por sua vez, proprietários do prédio rústico sito no concelho de Grândola, freguesia de Melides, denominado ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o nº ...93 e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...40, Secção I, sendo ambos os prédios confinantes.
No dia 24.08.2020 os 1ºs réus enviaram ao autor uma carta, concedendo-lhe preferência na venda da sua propriedade a DD, pelo valor de € 400.000,00, tendo-lhe concedido 8 dias para se manifestar, tendo o autor enviado uma carta de resposta em 31.08.2020, informando que pretendia exercer o direito de preferência, solicitando contacto para agendamento da escritura pública, e nessa sequência os 1ºs Réus pediram ao autor para marcar a escritura em Lisboa, a qual, depois de inicialmente agendada para as 15 horas do dia 8 de setembro, a hora da escritura foi modificada para as 16 horas do mesmo dia por acordo das partes em função do pedido e dos interesses dos representantes dos 1ºs réus.
Mais alega que no dia 04.09.2020 o representante do autor recebeu por parte da mandatária dos 1ºs réus um e-mail que dizia que a comunicação do direito de preferência se tratava de um lapso, tendo o autor respondido que não concordava tratar-se de lapso e que, pelo contrário, já tinha exercido o direito de preferência, interpelando os 1ºs réus a comparecer na escritura no lugar e na data e hora já marcados por acordo, sendo que os réus não compareceram e não mais atenderam as chamadas do representante do Autor.
Alega, por último, que procedeu à liquidação de IMT e Imposto de Selo necessário à aquisição do prédio, tendo verificado da análise do registo predial do prédio em causa que o 2º réu tinha intentado contra os 1ºs réus ação de execução especifica de contrato-promessa, sendo que a conduta dos 1ºs réus levou a que o autor realizasse despesas e tivesse incómodos desnecessários, os quais computa em € 50.000,00.
Por requerimento de 02.11.2020, o autor veio informar que após a propositura da ação havia sido averbado na descrição predial do imóvel a aquisição do mesmo por Courtesy Scenary, Lda., cuja intervenção principal requereu, pedindo que prevaleça o seu direito, julgando-se o mesmo legítimo proprietário do prédio, quer por se considerar que existe um direito legal de preferência, quer por se considerar que a troca de correspondência entre os 1os réus, oferecendo um direito de preferência (proposta) e a resposta do Autor (aceitação) constitui um verdadeiro e legítimo pacto de preferência.
Foi admitida a requerida intervenção da sociedade chamada.
Contestaram todos os réus.
Os 1.ºs réus aceitaram que enviaram ao autor a proposta para preferência, mas que tal se deveu a lapso, porquanto haviam celebrado contrato promessa em relação ao prédio e o promitente comprador não destinava o prédio a qualquer atividade agrícola ou florestal. Depois, o promitente comprador intentou ação para execução específica do contrato promessa, factos que obstavam à celebração da escritura de compra e venda, como oportunamente referiram ao autor, tendo igualmente referido que por esse motivo não iriam comparecer à escritura marcada, pelo que a passagem do cheque com a importância do preço não lhes é imputável.
No mais invocam a exceção prevista no art. 1381º, nº 1, al. a) do CC, já que o adquirente do prédio não o destina a qualquer atividade agrícola ou florestal.
O 2 º réu defendeu-se por exceção, invocando ser parte ilegítima na ação e sustentando que nunca nasceu na esfera jurídica do autor qualquer direito de preferência que suporte o pedido formulado nos autos, e impugnou parte da factualidade alegada, contrapondo que em virtude do autor nunca ter sido investido de um direito real de aquisição do prédio dos autos, mesmo nas hipóteses de configuração da notificação para preferência como uma proposta de contrato, e de ineficácia da sua revogação, ficaria o autor apenas com um eventual direito indemnizatório sobre os 1.ºs réus, e apenas enquanto o inquinado negócio subjacente não fosse anulado, nunca podendo tal proposta constituir causa de pedir na presente ação.
A sociedade interveniente invocou, no essencial, os argumentos aduzidos pelo 2º réu e arguiu também a exceção de inexistência de direito de preferência, por a aquisição não ter tido em vista o desenvolvimento de qualquer cultura.
Proferiu-se despacho de aperfeiçoamento convidando o autor, a clarificar o ponto 5 do segmento petitório, indicando quais os danos patrimoniais e não patrimoniais já verificados, por que pretende ser indemnizado e a avaliação pecuniária que faz dos mesmos.
O autor respondeu ao convite, e concluiu pedindo que a acrescer à indemnização a fixar com recurso a critérios de equidade devem ainda os 1ºs réus ser condenados a compensar o autor pela privação do valor de € 400.000,00, indemnização essa a fixar em montante correspondente a juros à taxa legal de 4% sobre esse mesmo valor até à efetiva devolução desse valor ao autor ou trânsito em julgado da presente ação, caso a mesma venha a ser julgada procedente.
O 2º réu e a interveniente responderam alegando que o depósito do preço é uma imposição legal, pelo que o pedido deveria ter sido formulado ab inicio.
Realizou-se a audiência prévia, na qual o autor declarou desistir do pedido formulado em 4) supra, desistência que foi homologada por sentença já transitada em julgado.
Foi admitida a ampliação do pedido e da causa de pedir contidos no requerimento entrado em 02.11.2020, na sequência do que o autor foi convidado a alegar que o adquirente não é titular de qualquer prédio confinante com o adquirido e bem assim qual o destino que pretende dar ao prédio e qual o que lhe é conferido na atualidade.
Em resposta, a mandatária do autor referiu que o adquirente não é titular de qualquer prédio confinante com o prédio em causa nos autos e que o autor pretende destinar o prédio a uso agrícola e florestal. Pediu prazo para indicar o seu destino atual, que lhe foi concedido.
Ainda assim e com a anuência de todos, procedeu-se desde logo ao saneamento, onde se declarou a ilegitimidade do 2º réu, que foi absolvido da instância e relegou-se o conhecimento da exceção de inexistência do direito de preferência para final, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.
Ao abrigo do convite formulado em audiência prévia, o autor veio dizer que utiliza o seu prédio exclusivamente para fins de cultura de pinheiro manso e consolidação da cultura de pinheiro manso existente, retirando dessa exploração pinhas, pinhão e lenha.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus dos pedidos formulados.
Inconformado, o autor apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação de prolixas conclusões que, por isso, se transcrevem em tamanho reduzido:
«A) Recurso quanto ao julgamento da matéria de facto
I.
A douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, dá como provados factos que, face à prova produzida, não poderiam ter sido dados como provados e não considera relevantes factos que deveriam ter sido levados à lista de factos dados como provados nos termos do artigo 5º n.º 2 alíneas a), b) e c) do CPC.
II.
Deveria ter sido dado como provado e acrescentado aos pontos numerados da matéria de facto dada como provada um Ponto 13 a) que referisse que “No texto do contrato-promessa referido no ponto 13 da matéria de facto dada como provada não existe qualquer cláusula que permita ao ali contraente DD transferir unilateralmente a sua posição contratual nesse contrato”, pois tal resulta diretamente do contrato junto aos autos a folhas 96 e seguintes e é relevante para a boa decisão da causa. É importante ter em conta que esse contrato promessa não respeita à adquirente do prédio que está atualmente em litígio, e não a vincula.
III.
Deveria ainda ser aditado aos pontos numerados da matéria de facto dada como provada um Ponto 13 b) que referisse que “No texto do contrato-promessa referido no ponto 13 da matéria de facto dada como provada não existe qualquer referência à Ré COURTESY SCENERY”, pois tal resulta diretamente do contrato junto aos autos a folhas 96 e seguintes.
IV.
Não poderia ter sido dado como provado o Ponto 14 dos factos dados como provados.
Em primeiro lugar, já não existe um “segundo Réu”, dado que DD foi absolvido, e assim sendo, em segundo lugar, é irrelevante a sua intenção, dado que o mesmo não adquiriu o imóvel objeto dos presentes autos. Sendo irrelevante, deveria ser eliminado da lista da matéria de facto dada como provada.
V.
Por outro lado, deveriam ter sido dados como provados factos concretos, com prova suficiente nos autos, que claramente manifestam qual a intenção da Ré COURTESY SCENERY ao adquirir o prédio objeto da preferência (que não pode ser confundida com a intenção do ex-Réu DD quando este agiu em nome próprio).
Assim,
VI.
Deveria ainda ser aditado um Ponto 14 – a) entre os factos dados como provados que referisse o seguinte: “Na data da escritura de compra do prédio objeto da preferência celebrada entre a COURTESY SCENERY como compradora e os 1ºs Réus como vendedores, no dia 11/09/2020 (documento de fls 126 a 127 verso), o ex-Réu DD nem era sócio da Ré COURTESY SCENERY, pois a sócia- única era a sociedade PINHEIRO DE ALÉM-TEJO – SOCIEDADE AGRÍCOLA E AGRO- TURISMO, S.A., nem era beneficiário efetivo quer da COURTESY SCENERY, quer da sua sócia-única (conforme certidão permanente da Ré COURTESY SCENERY junta aos autos a fls.247v a 248v e documentos n.ºs e 1 e 2 ora juntos – que apenas espelham informação que pode ser oficiosamente obtida pelo Tribunal, mediante simples consulta).
VII.
Deveria também ser aditado um Ponto 14 – b) aos factos dados como provados, com o seguinte conteúdo: ”a sociedade COURTESY SCENERY, LDA. foi constituída em junho de 2019, tendo, inicialmente por único objeto social a “compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim” – a que corresponde o CAE 68100.” (a prova de tal facto consta da certidão permanente junta aos autos de fls. 128 a 129 verso).
VIII.
Deveria também ser aditado um Ponto 14 – c) aos factos dados como provados, com o seguinte conteúdo: “No dia 8 de setembro de 2020, ou seja, apenas 3 dias antes da escritura de aquisição do prédio objeto da preferência pela COURTESY SCENERY – a sociedade PINHEIRO DE ALÉM-TEJO – SOCIEDADE AGRÍCOLA E AGRO-TURISMO, S.A., comprou 100% do capital da COURTESY SCENERY e simultaneamente alterou o seu objeto social. Essa alteração ao objeto social manteve como objeto principal a compra de imóveis para revenda, mas adicionou como atividade secundária a exploração florestal, agrícola, pecuária, correspondente ao CAE 02200 e agro-turismo. Comércio de produtos agrícolas e florestais.” (conforme consta da certidão permanente junta aos autos a fls. 128 a 129 v – estas alterações ao registo foram feitas através da Apresentação 44 de 20200908).
IX.
Deveria também ser aditado um Ponto 14 – d) aos factos dados como provados, com o seguinte conteúdo: “As alterações ao objeto social mencionadas no ponto 14 c) destinaram-se a adequar o objeto social da Ré COURTESY SCENERY às atividades que a mesma, através da sua estrutura decisória própria, pretendia executar no futuro, designadamente no prédio objeto da preferência” (conforme confissão do Senhor DD que em declarações de parte como representante legal da Ré COURTESY SCENERY afirmou como supra citámos referenciadamente “Adquirimos uma sociedade. Pretendíamos que essa sociedade desempenhasse uma função. O objeto social não se conformava com aquela que era a minha intenção do negócio e eu pedi ao meu gabinete de advogados que na primeira oportunidade atualizasse o objeto social”).
X.
Deveria também ser aditado um Ponto 14 – e) aos factos dados como provados, com o seguinte conteúdo: “Por se tratar de compra para revenda efetuada no âmbito do objeto social da COURTESY SCENERY, a compra por esta sociedade do prédio objeto da preferência foi isenta de IMT”. Tal facto resulta diretamente da escritura de compra e venda junta aos autos em fls. 56 a 58 verso, designadamente quando refere que o intuito da compradora é a revenda e quando referencia que a guia de liquidação de IMT foi emitida com o valor a pagar de € 0,00. Este facto diz muito sobre o objetivo da COURTESY SCENERY LDA ao adquirir o prédio objeto da preferência. Na verdade, nos termos do artigo 11º n.º 5 do Código do IMT e da jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo, se o prédio revendido tiver um "destino diferente" do imóvel adquirido, caduca a isenção de IMT. Assim, na data da escritura, sob pena de não poder beneficiar da isenção de IMT, a intenção da compradora nunca poderia ser alterar a natureza e o destino do prédio rústico adquirido.
XI.
A referência a “segundo Réu” ou “2º Réu” deveria ser substituída nos Pontos 16, 28, 29, 30, 31, 32, 38, 41 e 43 pelo nome “DD”, dado que é evidente que, não sendo Réu, é a esta pessoa a que aqueles factos se reporta, designadamente quando auscultamos a motivação da decisão sobre a matéria de facto (cfr. páginas 28 e 29 da douta sentença recorrida).
XII.
Não deveria ser dado como provado o facto descrito sob o Ponto 18 da matéria de facto dada como provada. Devia ao invés ser dado como provado que “O prédio objeto da preferência é um terreno composto por pinhal com pinheiros-bravos e mansos, sendo que destes últimos é extraída pinha mansa da qual é possível extrair o fruto pinhão, que pode ser comercializado, como o foi pela testemunha EE há cerca de 4 anos”. Tal resulta claramente do depoimento do Réu BB supratranscrito que admite que se produz pinhão, embora não lhe dê lucro. E resulta também do depoimento da testemunha EE, cujo depoimento supra se transcreveu, que afirmou que compra habitualmente as pinhas produzidas pelo terreno do Autor (prédio confinante do objeto da preferência) e que até já comprou as pinhas do prédio objeto da preferência.
XIII.
A douta sentença recorrida incorre em erro evidente na interpretação do depoimento desta última testemunha quando afirma na douta sentença recorrida que a mesma não referiu quando recolheu a pinha no terreno do Senhor BB nem a mando de quem.
Só que, pelo contrário, fica claro das transcrições supra que essa testemunha foi clara e perentória sobre este assunto: disse que há cerca de 4 anos contratou com o Senhor FF (que era quem tomava conta do terreno objeto da preferência) a compra das pinhas mansas desse terreno na árvore.
XIV.
Quanto ao Ponto 19 dos factos dados como provados e especificamente quanto ao documento de fls. 70 a 77 verso junto aos autos, que constitui um PIP deveriam ter sido dados como provados ainda os seguintes factos:
 Ponto 19 – a) “O PIP junto aos autos a fls. 70 a 77 verso foi requerido pelo Réu BB” a prova deste facto decorre do texto do próprio PIP que vem dirigido ao Réu BB e da motivação da douta sentença recorrida (página 28) e do depoimento da testemunha GG supratranscrito.
 Ponto 19 - b) “O PIP junto aos autos a fls. 70 a 77 foi requerido pelo Réu BB antes de o Senhor DD tomar conhecimento de que o prédio objeto da preferência estava à venda”. a prova deste facto decorre da motivação da douta sentença recorrida (página 28) e do depoimento da testemunha GG supratranscrito.
 Ponto 19 - c) “O PIP junto aos autos a fls. 70 a 77 foi requerido pelo Réu BB porque a Testemunha GG, consultor imobiliário, o convenceu de que um PIP seria importante para valorizar o imóvel e facilitar a respetiva venda, e não com o intuito de executar nenhuma construção em concreto”. A prova deste facto decorre da motivação da douta sentença recorrida (página 28) e do depoimento da testemunha GG supratranscrito.
 Ponto 19 - d) “O PIP junto aos autos a fls. 70 a 77 caducou em janeiro de 2021”.
A prova deste facto encontra-se nos autos conforme certidão da Câmara Municipal de Grândola junta aos autos a fls. 258.
 Ponto 19 – e) “O PIP junto aos autos a fls. 70 a 77 é um PIP genérico ou seja, é um PIP que se limita a dizer abstratamente o que é que poderá ser possível construir face ao PDM naquele local e que não confere qualquer segurança quanto concreta à viabilidade construtiva nesse terreno”. A prova deste facto decorre do depoimento da testemunha Arquiteta HH supratranscrito que refere claramente “Eu não entendo porque é que as pessoas põem PIPs genéricos e só vejo imobiliárias a fazê-lo. Privados não o fazem. Ou com uma intenção quase de especulação.” Neste caso, e face ao anteriormente referido pela testemunha GG, o objetivo de pedir o PIP foi claramente especulativo.
XV.
As declarações da testemunha Arquiteta HH sobre a inutilidade dos PIP genéricos emitidos pela Câmara de Grândola é partilhada pela jornalista II (in artigo publicado no jornal Observador no dia 18 de fevereiro de 2022 e supra parcialmente transcrito (https://observador.pt/opiniao/o-futuro-dos-pedidos-de-informacao-previa-em-grandola/) e pelo próprio Presidente da Câmara de Grândola em notícia divulgada em artigo do Diário de Notícias de 17 de fevereiro de 2022, disponível em https://www.dn.pt/local/camara-de-grandola-quer-impedir-novos- empreendimentos-turisticos-em-melides-e-carvalhal-14599902.html e parcialmente transcrita supra). Tais notícias são factos notórios e do conhecimento geral, tendo sido publicadas inúmeras notícias com o mesmo conteúdo em diversos periódicos de âmbito local e nacional, devendo ser conhecidos pelo Tribunal nos termos do artigo 412º, n.º 1 do CPC.
XVI.
Quanto à viabilidade (ou não) de construção no terreno objeto da preferência, e também quanto à natureza do mesmo, deveriam ainda ter sido dados como provados por constituírem matéria de prova relevante para julgamento dos presentes autos os seguintes factos:
Ponto 19 – f) “O terreno objeto da preferência é um terreno em “tira”, típico de terrenos agrícolas, e desadequado para qualquer tipo de construção, designadamente pela necessidade de deixar livre de qualquer construção uma faixa de 50 metros desde cada extrema. Tais condicionantes nunca constariam de um PIP genérico”. A prova deste facto decorre do depoimento da testemunha Arquiteta HH supratranscrito e também do senso comum;
Ponto 19 – g): “O terreno objeto da preferência qualifica-se como solo rústico, da categoria Espaços Florestais de Produção e na faixa de Proteção da Zona Costeira (5 kms)”. A prova deste facto resulta do próprio PIP genérico junto aos autos a fls. 70 a 77;
Ponto 19 – h): “O terreno objeto da preferência situa-se em zona de Perigosidade de incêndio muito elevada e elevada”. A prova deste facto resulta do próprio PIP genérico junto aos autos a fls. 70 a 77;
Ponto 19) – i) “Ambos os prédios – o do Autor e o prédio objeto da preferência têm configuração e flora idênticas”. Conforme depoimentos das testemunhas Dr. JJ e Arquiteta HH supratranscritas;
Ponto 19) – j) “Não existe atualmente qualquer PIP válido para o prédio objeto da preferência”. Facto provado através do documento de folhas 240 a 243 verso;
Ponto 19) – k) “Segundo o Relatório de Monitorização Setorial do Turismo emitido pela Câmara Municipal de Grândola de dezembro de 2021, o município de Grândola, constatando que a intensidade turística efetiva se encontra ultrapassada, pretende no futuro limitar os parâmetros de edificabilidade no concelho, principalmente nas freguesias do litoral – Carvalhal e Melides - dada a excessiva densidade construtiva nessas freguesias, o que irá dificultar e muito qualquer futura pretensão de edificação no local onde se encontram os prédios do Autor e do Réu, dada a sua localização na freguesia de Melides e na faixa costeira (conforme ficou provado pelo documento junto aos autos a fls. 221 a 239).
XVII.
Não deveria ter sido dado como provado o Ponto 22 da matéria de facto dada como provada. Concretamente, além da certidão permanente da Ré COURTESY SCENERY, não existe qualquer outra prova para esse facto, a não ser, como refere a própria douta sentença recorrida na sua página 31, as próprias declarações do legal representante da Ré COURTESY SCENERY, em depoimento de parte. No entanto, a própria certidão permanente da COURTESY SCENERY, LDA vem de certa forma deixar a dúvida sobre as atividades do Senhor DD e sobre as sociedades geridas pelo mesmo. É que dessa certidão consta que o capital da COURTESY SCENERY, LDA foi detido a partir de 8 de setembro de 2020 por uma sociedade agrícola denominada PINHEIRO DO ALÉM-TEJO – SOCIEDADE AGRÍCOLA E AGRO-TURISMO, SA., (o sublinhado é nosso), também gerida por DD. Assim, o ponto 22 da matéria de facto dada como provada deveria limitar-se a dar como provado que “DD é administrador e gerente da Ré COURTESY SCENERY, LDA. e da sociedade Pinheiro de Alem Tejo – Sociedade Agrícola e Agro-Turismo, S.A.”,
XVIII.
O facto indicado sob o Ponto 37 dos factos dados como provados, salvo o devido respeito é uma conclusão e não um facto, pelo que deve ser removido da matéria de facto dada como provada.
XIX.
Os Pontos 43 a 46 da matéria de facto dada como provada teriam de ser dados como não provado, pois a douta sentença recorrida indica uma motivação da decisão de facto claramente insuficiente para basear uma qualquer decisão sobre este tipo de factos. Na verdade, a prova dos factos alegados nesses pontos em concreto poderia e deveria ter sido objeto de alguma prova documental e absolutamente nada foi junto como documento. Assim, sem qualquer suporte documental, a prova testemunhal teria que ser considerada insuficiente, sobretudo se o essencial da informação é trazida aos autos em declarações de parte.
XX.
O que deveria ter sido considerado como provado face ao depoimento da testemunha KK, supra transcrita, no Ponto 43 era apenas que “Em 15/10/2021 a Ré COURTESY SCENERY ainda não sabia que destino dar ao prédio objeto dos presentes autos, dado que submeteu junto da Câmara Municipal de Grândola um pedido de PIP genérico, para saber da viabilidade OU de Turismo em espaço rural OU de uma Habitação OU de Comércio OU de Serviços, PIP esse que ainda não foi aprovado” (também face ao que consta dos documentos de fls. 221 a 243 dos autos).
XXI.
É totalmente incorreto o que vem vertido no Ponto 50 da douta sentença recorrida, pois, como é patente dos documentos juntos a fls. 8 verso a 9 verso (registo predial e caderneta predial do prédio confinante do Autor referido no artigo 1º da Petição Inicial), e fica também evidente do documento de fls. 252 a 254 verso, a construção do Autor fica num prédio urbano totalmente distinto do prédio rústico descrito no artigo 1º da PI, e que constitui o prédio rústico confiante com o prédio objeto da preferência. Neste não existe qualquer construção, conforme foi comprovado.
XXII.
No sentido de demonstrar que não existe qualquer intenção de construir por parte da Ré COURTESY SCENERY, mas apenas um interesse especulativo (dada a inexistência prática de viabilidade de construção), deveria ter sido dado como provado sob o novo Ponto 65 que “Em maio de 2022 a Câmara de Grândola decidiu suspender parcialmente o PDM e aprovou as seguintes medidas preventivas:
 Declaração de caducidade das Informações Prévias (PIP) aprovadas;
 Interdição da instalação de todos os tipos de novos empreendimentos turísticos isolados e de núcleos de desenvolvimento turístico, bem como quaisquer operações urbanísticas relativas a empreendimentos turísticos com aumento da capacidade autorizada nas freguesias de Melides e Carvalhal.”
(A fonte da presente informação é o próprio site Oficial da Câmara Municipal de Grândola, in https://www.cm-grandola.pt/balcao-virtual/gestao-de- territorio/planeamento/planos-objeto-de-suspensao/pdm-grandola-pieran-pp-am).
XXIII.
Deveria ter sido dado como provado (Ponto 66 a aditar aos factos dados como provados) que “O Autor depositou em tempo o preço nos termos exigidos pela Lei para o exercício do Direito de preferência”, nos termos do documento de fls. 31 a 33.
XXIV.
Quanto aos factos dados como não provados, apenas de referir que o facto referido no Ponto C) e que corresponde à matéria do artigo 3º da Contestação dos 1ºs Réus, constitui uma confissão dos 1ºs Réus e deveria ter sido levada à lista de factos provados.
O facto de constar do contrato-promessa referenciado no ponto 13 dos factos dados como provados “Que o Segundo Outorgante, (…) pretende adquirir o prédio acima identificado, com objetivo de nele promover a construção, de acordo com informação constante do Pedido de informação Prévia, que junta se anexa ao presente contrato de promessa.” não significa que o outorgante DD claramente assumia que a compra se destinava a fins diversos da produção agrícola e/ou florestal.
É que, como se disse, por um lado, o PIP é genérico e, por outro lado, esse PIP apenas refere a possibilidade de construção de casa de agricultor ou de hotel rural, fins que não são, de todo, incompatíveis com a produção agrícola ou florestal. Dizer que se pretende construir de acordo com esse PIP pode simplesmente querer dizer que se pretende construir a tal casa de agricultor, sem deixar de explorar o terreno para fins agrícolas ou florestais.
B) Recurso quanto ao julgamento da matéria de Direito
XXV.
O Autor logrou provar, como lhe competia face às regras sobre repartição do ónus da prova, todos os pressupostos do direito legal de preferência previsto no artigo 1380º, nº. 1, do Código Civil:
a. Que tenha sido vendido um prédio rústico (provado segundo os pontos 2 e 20 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida e também segundo os documentos juntos a fls. 10 a 10 verso, de fls. 11, de fls. 56 a 58 verso, de fls. 244, de fls. 252 verso a 254 verso, de fls. 259, de fls. 274 a 277);
b. Que o preferente é proprietário de um prédio rústico confinante com o prédio alienado (provado segundo os pontos 1, 2 e 3 da matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida e ainda segundo os documentos de fls. 216, de fls. 244, de fls. 249 a 252, de fls. 259 e de fls. 274 a 277).
c. Que, pelo menos, um daqueles prédios tem uma área inferior à unidade de cultura (provado que a unidade de cultura fixada para os prédios em causa é de 48 hectares nos termos do artigo 3º da Portaria n.º 219/2016 de 9 de agosto, na redação da Portaria 19/2019 de 15 de janeiro e que nos termos documentos juntos de fls. 8 verso a 11, ambos os referidos prédios têm uma área inferior a 48 hectares).
d. Que o adquirente do prédio não seja proprietário de prédio rústico confinante (provado face ao conteúdo do ponto 64 da matéria de facto dada como provada pela douta sentença recorrida e também nos termos certidão de fls. 247 verso a 248 verso, conjugada com os outros documentos identificativos dos prédios juntos aos autos).
e. Que efetuou o depósito do preço à ordem do processo (provado pelo documento de fls. 31 a 33).
XXVI.
O Autor também provou que utiliza o seu prédio (confinante com o prédio objeto da preferência) para fins de cultura de pinheiro manso e consolidação da cultura de pinheiro manso existente, retirando dessa exploração pinhas, pinhão e lenha (conforme facto dado como provado pela douta sentença recorrida no ponto 63 e pelos depoimentos das testemunhas JJ, HH e EE).
XXVII.
Esse direito de preferência dos proprietários confinantes de prédios rústicos previsto no artigo 1380º do Código Civil pode ser legalmente excluído quando ocorra alguma das situações previstas no artigo 1381º do Código Civil, mas caberia aos Réus nos presentes autos o ónus de alegar e provar que ocorre uma dessas situações de exceção.
XXVIII.
Conforme refere o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/04/2014, no âmbito do processo n.º 854/07.0TBLMG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “A situação excecional de exclusão do direito de preferência, como meio de evitar parcelamentos ilegais, em virtude de o prédio se destinar a algum fim que não seja a cultura, pretende significar que o mesmo não tenha uma aplicação diversa da cultura, um fim incompatível com a cultura, designadamente, a construção urbana, a instalação de um parque de jogos, de um depósito de materiais, de um posto de venda (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2ª edição revista e atualizada, reimpressão, com a colaboração de Henrique Mesquita, 1987, 276.), mas devendo ser alegada pelo demandado, como fato constitutivo da exceção, a intenção de dar a esse terreno um determinado destino e a possibilidade legal da mutação desse destino ( STJ, de 21-6-1994, BMJ nº 438º, 450; STJ, de 22-11-1988, BMJ nº 381º, 592)”.
XXIX.
Assim, nos termos da referida jurisprudência, cabia aos Réus provar:
a. A intenção da adquirente COURTESY SCENERY dar ao terreno objeto da preferência um determinado destino, incompatível com a cultura;
b. A possibilidade legal e física dessa mutação de destino.
XXX.
Quanto ao requisito da intenção, invocaram os Réus que o primitivo promitente-comprador – DD – intencionava destinar o prédio a finalidade diferente da agrícola ou florestal. Essa tese foi acolhida pela douta sentença recorrida, com a qual o Autor não se conforma.
XXXI.
Em primeiro lugar, DD, que celebrou, seis meses antes, e em nome individual um contrato promessa de compra e venda tendente à aquisição aos 1ºs Réus do prédio objeto da preferência, não foi quem posteriormente adquiriu o prédio objeto da preferência, motivo pelo qual foi absolvido e não é Réu nos presentes autos.
Assim, a sua intenção revelada no âmbito desse contrato-promessa ou das suas negociações é completamente irrelevante. Até porque não existem nos autos evidências de transmissão da posição contratual naquele contrato ou aditamento ao contrato-promessa que operasse uma tal alteração subjetiva.
XXXII.
Nada foi comprovado, ou sequer alegado, para que pudesse ser aplicada a “desconsideração da personalidade jurídica” da Ré COURTESY SCENERY, para se considerar mais relevante no caso sub judice, a opinião do seu sócio-gerente, também com interesses pessoais no negócio, necessariamente distintos do interesse da sociedade, de quem nem era, à data dos factos, como se demonstrou, beneficiário efetivo.
XXXIII.
Em segundo lugar, mesmo o Senhor DD nunca revelou qualquer intenção concreta e determinada sobre o fim que pretendia quanto ao prédio objeto da preferência. E não se pode afastar um direito legal de preferência que ainda é a regra geral nos termos da Lei, com uma vaga intenção de construir não se sabe o quê. Salvo o devido respeito, que é muito, não podemos aferir da vontade da sociedade COURTESY SCENERY em 11/09/2020, por daquilo que foi manifestado pelo seu sócio-gerente, quando a título pessoal (em negócio que nada teve a ver com a COURTESY SCENERY) e seis meses antes da escritura faz declarações vagas e imprecisas do que seriam as suas intenções pessoais relativamente ao imóvel.
XXXIV.
A única referência da douta sentença recorrida quanto a esta intenção do Senhor DD (que nem seria a intenção relevante sublinhe-se) é aquilo que consta do considerando b) do referido contrato-promessa (celebrado pelo Senhor DD a título individual 6 meses antes da escritura de aquisição pela Ré COURTESY SCENERY). Mas esse considerando também não revela um destino determinado. Diz esse considerando “Que o Segundo Outorgante, previamente tomou conhecimento do estado de conservação do Imóvel, e do estado construtivo e urbanístico e pretende adquirir o prédio acima identificado, com objetivo de nele promover a construção, de acordo com informação constante do Pedido de informação Prévia, que junta se anexa ao presente contrato de promessa.”. De acordo com o PIP, tanto se poderia intencionar construir uma casa de agricultor como um hotel rural.
XXXV.
Em terceiro lugar, a Ré COURTESY SCENERY, que é quem efetivamente veio a adquirir o imóvel objeto da preferência, revelou uma intenção muito clara no âmbito da escritura – que pretendia adquirir o prédio para revenda.
XXXVI.
Essa intenção declarada não só consta do documento autêntico – escritura – como teve a consequência da isenção de IMT. Note-se que quando na escritura a COURTESY SCENERY declara que pretende adquirir o prédio para revenda, não pode simultaneamente pretender mudar a sua natureza ou destino. É que a isenção de IMT pela intenção de revenda pressupõe precisamente que o prédio seja revendido nos mesmos termos e com o mesmo destino com que que foi comprado nos termos do artigo 11º n.º 5 do Código do IMT. A intenção de revenda revelada na escritura, conforme já foi decidido no âmbito do douto acórdão da Relação de Coimbra supracitado, revela só por si que não podia haver a intenção mudança do destino a dar ao prédio – neste âmbito só se pode revender o que se comprou.
XXXVII.
Em quarto lugar, a Ré COURTESY SCENERY 3 dias antes da escritura de aquisição do prédio objeto da preferência (conforme consta na certidão permanente junta aos autos a fls. 128 a 129 v) mudou de objeto social, para aí incluir, entre outras aividades, a exploração florestal. O Senhor DD, ao depor como representante legal, e alegando decisão plural (“adquirimos”, “pretendíamos”), confessou que essa mudança de objeto foi realizada para adequar a sociedade recém- adquirida à função que “pretendiam” que ela viesse a desempenhar.
XXXVIII.
Este facto, quer obviamente dizer, que a atividade de exploração florestal estava nos planos da Ré COURTESY SCENERY quando adquiriu o prédio objeto da preferência. E também que a atividade de hotel rural (com um CAE totalmente distinto dos CAE indicados na certidão permanente suprarreferida), ou de museu ao ar livre, como chegou a ser referido por DD não constavam nem passaram a constar do objeto social da Ré COURTESY SCENERY quando se deu essa mudança, pelos que não estavam nos planos dessa sociedade.
XXXIX.
Assim, as diversas informações contraditórias sobre o destino que a Ré COURTESY SCENERY pretendia dar ao prédio, deveriam pelo menos ter criado a dúvida sobre as reais intenções daquela sociedade quando adquiriu o prédio, o que face às regras do ónus da prova deveria ter favorecido a posição do Autor.
XL.
E essa dúvida sobre o destino a dar ao prédio ainda é mais flagrante quando fica provado nos autos que em 15/10/2021, mais de um ano sobre a compra, a Ré COURTESY SCENERY, LDA ainda não sabia que destino concreto deveria dar ao prédio objeto dos presentes autos, dado que submeteu junto da Câmara Municipal de Grândola um pedido de PIP genérico, para saber da viabilidade ou Turismo em espaço rural OU Habitação OU Comércio OU Serviços, PIP esse que não foi emitido.
XLI.
Quanto á possibilidade legal e física de o prédio objeto da preferência mudar de destino, a douta sentença recorrida baseia a sua decisão única e exclusivamente no PIP junto aos autos de fls. 70 a 77 verso para fundamentar a possibilidade legal da mutação do destino do prédio, posição com que se discorda em absoluto, salvo o devido respeito.
XLII.
Como acima se referiu, a própria adquirente COURTESY SCENERY deixou caducar esse PIP, o que revela que a própria o considerava totalmente inútil. É que esse PIP era um PIP genérico, apenas com a descrição da legislação aplicável àquele local e pronunciando-se abstratamente sobre o que, eventualmente e cumprindo a Lei, poderia ser possível construir. Note-se que a própria conclusão citada pela douta sentença recorrida não refere que “são viáveis as operações urbanísticas” mas diz “poderão ser viáveis”.
XLIII.
Na sua página 37, a douta sentença recorrida desvaloriza o depoimento da testemunha Arquiteta HH acima transcrito quanto ao facto de os PIP genéricos serem absolutamente inúteis do ponto de vista de aferição da viabilidade de construção, mas verifica-se que essa é também a posição do próprio Presidente da Câmara Municipal de Grândola e da Jornalista II, conforme notícias vindas a público e que supra se transcreveram concretamente em relação ao Município de Grândola.
XLIV.
Face ao que fica aqui alegado, seria forçoso concluir que não ficaram provados os pressupostos de aplicação da exceção perentória prevista no artigo 1381º, al a) do Código Civil. E como era aos Réus que cabia essa prova (estamos claramente perante um facto impeditivo do direito de preferência invocado pelo Autor, cuja prova caberia aos Réus, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º, do CC), deveria ter sido julgada não provada essa exceção.
XLV.
Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida, salvo o devido respeito, afasta a aplicação da norma-regra, que consagra o direito de preferência do proprietário de prédio rústico confinante com base em “em meras intenções declaradas e apenas remota e hipoteticamente possíveis” em que o declarante nem sequer é a sociedade adquirente, mas o seu gerente quando agiu a título pessoal e não como legal representante da Ré COURTESY SCENERY. Caso vingasse a tese da douta sentença recorrida, seria forçoso concluir que qualquer pessoa, com uma simples declaração num contrato-promessa, e quiçá com uma intenção fraudulenta, poderia fazer precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante.
XLVI.
Perante tudo o que se deixou exposto, deve concluir-se, salvo melhor opinião, que se mostram verificados todos os pressupostos legais que permitem ao Autor exercer, através da presente ação, o direito de preferência na compra do sobredito prédio, na venda que dele foi feita à Ré COURTESY SCENERY, LDA pelos 1ºs Réus, substituindo aquela nessa compra.
XLVII.
Acresce ainda que, mediante o mecanismo de proposta-aceitação, consolidou-se na esfera jurídica do Autor o direito potestativo de aquisição do imóvel.
Enquanto declaração firme, completa e devidamente formalizada, a comunicação para preferência recebida pelo Autor e enviada pelos 1ºs Réus assume os contornos de uma verdadeira proposta contratual, e é irrevogável depois de ter sido recebida, nos termos do artigo 230º nº1 do Código Civil, sendo que a mera aceitação dá lugar ao nascimento de uma relação contratual entre as partes.
XLVIII.
Esse direito está abrangido pela proteção da execução específica nos termos do artigo 830º do Código Civil, sendo que a presente ação consubstancia essa execução específica porquanto o Autor peticiona na petição inicial e posteriormente aperfeiçoado no seu requerimento de Intervenção Principal Provocada de fls. 53 verso a 55 verso que lhe seja reconhecido o seu direito de propriedade, com prioridade sobre os direitos da Interveniente, ora Ré, por conta da prioridade do registo.
XLIX.
Assim, e ainda que se considerasse que não havia direito legal de preferência, hipótese que não se admite e apenas se coloca por mera cautela de patrocínio, também no âmbito desse direito à execução específica, devidamente e atempadamente exercido pelo A., deveria ter sido proferida sentença a reconhecer ao Autor do direito de propriedade do imóvel sobre o prédio ....
L.
A própria douta sentença recorrida reconhece que os 1ºs RR ao não celebrarem a escritura com o Autor incorreram em incumprimento contratual que merece a tutela do Direito, tendo também ficado provado que os 1ºs Réus, com esse comportamento fizeram o Autor incorrer em despesas com honorários de advogados e arquitetos e incómodos que não teria tido, não fora o incumprimento contratual, com imenso tempo e energia perdidos (cfr. pontos 55, 56, 57, 58, 59 e 60 da matéria de facto dada como provada que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
LI.
Discorda-se, assim, da decisão proferida na douta sentença recorrida de considerar que não existem elementos nos autos para proceder a tal juízo de equidade. Como resulta daqueles pontos da matéria de facto dada como provada existem danos comprovados, que se consubstanciam no tempo despendido tanto pelo Autor, como pelas pessoas que o mesmo contratou para lhe prestarem serviços de aconselhamento jurídico e técnico, e respetivas deslocações ao local. Esses danos estão dados como provados pela douta sentença recorrida e poderiam ser quantificados segundo os juízos de equidade face à experiência do julgador e entendimento sobre aquilo que seria justo. Mas caso assim não se entendesse, nos termos do artigo 609º, n.º 2 do CPC, o douto Tribunal a quo deveria, salvo o devido respeito, ter condenado os 1ºs Réus naquilo que viesse a ser liquidado em execução de sentença. O que não podia de forma nenhuma era decidir como decidiu: dar como provado o incumprimento, a culpa e o dano e absolver os Réus do pedido indemnizatório.
LII.
Quanto ao pedido de indemnização correspondente a juros à taxa de 4% sobre o valor depositado nos presentes autos como montante do preço, não há dúvidas que a necessidade do depósito do preço resultou dos comportamentos dos 1ºs Réus que, depois de darem a preferência ao Autor, lha retiraram em claro incumprimento contratual. A taxa de 4% é um valor que o legislador entendeu adequado no sentido de remunerar a privação de capital por incumprimento e, por conseguinte, é perfeitamente adequado servir de base ao pedido indemnizatório formulado pelo Autor.
LIII.
Assim, deveria ter sido proferida decisão que condenasse os Réus no pagamento de indemnização: a) Pelo tempo despendido pelo Autor e pelos profissionais contactados pelo mesmo para se dedicarem à análise da conveniência e possibilidade do exercício do Direito de preferência – a fixar segundo os juízos de equidade; b) Pela privação do direito de propriedade sobre o prédio objeto da preferência e sobre os € 400.000,00 que o Autor teve que depositar à ordem dos presentes autos como condição para a prossecução da presente ação de preferência – a fixar tendo em conta a aplicação da taxa de juro de 4% sobre aquele capital durante todo o período em que durar essa privação.
LIV.
Caso assim não se entendesse, deveria a fixação do montante indemnizatório ser relegado para execução de sentença, sendo, porém, os 1ºs Réus condenados a compensar o Autor por todos os danos que lhe tenham sido causados como consequência do seu incumprimento e em custas.
NESTES TERMOS e nos melhores de Direito que V.Exas., Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação e em consequência ser a presente ação julgada procedente por provada considerando-se procedentes, por provados todos os pedidos formulados pelo Autor no âmbito dos presentes autos.
Assim se fazendo a Vossa costumada JUSTIÇA!!!»

Contra-alegaram os 1.ºs réus, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir, atenta a sua precedência lógica, consubstanciam-se em saber:
- se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto;
- se o autor goza do direito de preferência em relação à aquisição do prédio pela interveniente;
- se há lugar à execução específica do contrato-promessa celebrado entre o autor e os 1ºs réus;
- se os 1ºs réus incorreram em violação de deveres pré-contratuais ou contratuais com o autor, constituindo-se na obrigação de o indemnizar e qual o montante dessa indemnização.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[1]:
1. Na CRP de Grândola, freguesia de Melides está descrito sob o nº 646 o prédio rústico denominado ..., situado em ..., composto por cultura arvense, com a área de 107890 m2, confrontando a nascente com herdeiros de LL, inscrito na matriz predial sob o artº ...67, Secção I (parte), cuja titularidade está averbada a favor de AA, pela ap. ...80, de 29.04.2013, por compra a MM.
2. Na CRP de Grândola, freguesia de Melides está descrita sob o nº ...93 o prédio rústico denominado ..., situado em Melides, composto por terreno para cultura, com a área de 168950,52 m2, confrontando a Poente com “...”, inscrito na matriz predial sob o artº ...40, Secção I, cuja titularidade está averbada a favor de Courtesy Scenery, Ldª, pela ap. ...39, de 16.09.2020. por compra a BB e CC.
3. Os prédios acima referidos são confinantes.
4. No dia 24 de agosto de 2020 o Réu BB endereçou ao A. a carta cuja cópia está junta a fls. 12 vº e que aqui se dá por reproduzida, onde além do mais refere:
“BB, residente em Rua ..., Setúbal, na qualidade na proprietário do sobre prédio rústico sito em Melides, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola a sob a descrição ... (1893) da freguesia de Melides, concelho de Grândola, e, inscrito atualmente na matriz predial rustica sob o artigo DUZENTOS E QUARENTA (240), SECÇÃO I, da freguesia de Melides, concelho de Grândola, vem informar V. Exa, que pretende vender o imóvel acima identificado.
Sendo este um imóvel confinante com outro imóvel rústico do qual se pressupõe que Vossa Excelência é proprietário, vem-se por este meio, nos termos do artigo 1380° do Código Civil e para os efeitos do Decreto Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, comunicar que deverá V. Exa. informar se pretende exercer o direito de preferência na respetiva transmissão de propriedade que lhe é atribuído por Lei.
Solicita-se que a comunicação seja efetuada por escrito, no prazo de 8 dias, ou por protocolo. Findo este prazo, e na ausência de resposta, considerar-se-á que não pretende exercer o respetivo direito de preferência.
Para sua melhor consideração, informa-se ainda o seguinte:
- o Comprador é DD.
- o valor de venda é de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros).
- as condições de pagamento são: pagamento de sinal já efetuado no valor de 40.000,00 €, e restante valor na data de celebração de contrato definitivo, a celebrar imediatamente após o decurso do prazo para exercício de direito de preferência.”.
4-a). A carta foi recebida no dia 25 de agosto de 2020.
5. Em 31 de Agosto de 2020, JJ endereçou aos R. BB a carta cuja cópia está junta a fls. 13 vº e que aqui se dá por reproduzida, onde além do mais refere:
“Na qualidade procurador do Senhor AA, na sequência da sua carta datada de 24 de Agosto de 2020 (recebida no dia 25 de Agosto de 2020), venho informá-lo que o meu Cliente pretende exercer o seu direito de preferência relativamente ao prédio por si detido (inscrito nas finanças sob o artigo rústico ...40 da secção I de Melides e descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob a descrição ...93).
O meu Cliente está em condições de adquirir o imóvel pelo que agradeço que me contacte no sentido de agendarmos a escritura pública.”.
5. No dia vinte e um de fevereiro de dois mil e catorze, AA, passou a procuração cuja cópia está junta a fls. 14 a 16 e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, na qual constituiu seu bastante procurador “JJ que também usa assinar profissionalmente JJ, a quem conferiu, com os de substabelecer uma ou mais vezes, com ou sem reserva, todos e quaisquer poderes necessários para, além do mais “- Comprar a quem e pelo preço, cláusulas e condições que entender quaisquer imóveis, rústicos, urbanos ou frações autónomas…”.
6. A escritura foi marcada pelo procurador do A. para o dia 08 de Setembro de 2020, pelas 15h00, hora que foi posteriormente alterada para as 16h00, por acordo das partes e em função do pedido e interesse dos representantes dos 1ºs Réus.
7. No dia 4 de setembro de 2020 o representante do Autor recebeu um email em nome dos réus, que dizia que a comunicação do Direito de preferência se tratava de um lapso.
8. Tendo o Autor respondido que não concordava tratar-se de lapso e que pelo contrário já tinha exercido o direito de preferência, devendo os 1ºs Réus comparecer na escritura no lugar e na data e hora já marcados.
9. Nessa sequência continuaram os contactos entre as partes, tendo o Autor sempre insistido que a marcação era válida e que os 1ºs Réus deviam comparecer conforme agendado.
10. Os 1ºs Réus não compareceram à escritura, no dia 8 de setembro de 2020.
11. E também não mais atenderam as chamadas do representante do Autor.
12. O A. emitiu cheque bancário no valor de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) para pagamento do preço.
13. Em 04.03.2020 os primeiros réus na qualidade de primeiros outorgantes celebraram com DD, na qualidade de segundo outorgante, o acordo escrito denominado “contrato promessa de compra e venda e recibo de sinal”, cuja cópia está junta a fls. 96 e ss. e que aqui se dá por inteiramente reproduzida, onde, além do mais é referido:
“ Considerando que:
a) Os Primeiros Outorgantes, na qualidade em que outorgam, são donos e Ilegítimos possuidores do direito de propriedade sobre o prédio rustico, sito em Melides, ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de Grândola sob a descrição número ... (1893) da freguesia de Melides, concelho de Grândola, e inscrito atualmente na matriz predial rustica sob o artigo DUZENTOS E QUARENTA (240), Secção I, da freguesia de Melides, concelho de Grândola.
b) Que o Segundo Outorgante, previamente tomou conhecimento do estado de conservação do Imóvel, e do estado construtivo e urbanístico e pretende adquirir o prédio acima identificado, com objetivo de nele promover a construção, de acordo com informação constante do Pedido de informação Prévia, que junta se anexa ao presente contrato de promessa.
(…)
CLÁUSULA PRIMEIRA
Pelo presente contrato, os Primeiros Outorgantes prometem vender ao Segundo Outorgante e, por sua vez, este promete comprar àqueles, o referido imóvel acima identificado, livre de quaisquer ónus ou encargos, devoluto de pessoa e, no exato estado físico e jurídico em que se encontra.
CLÁUSULA SEGUNDA
(Preço)
1 - O preço global da prometida compra e venda é de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros) e, será pago pela forma e nos prazos seguintes:
(…)
CLÁUSULA TERCEIRA (Contrato definitivo)
A escritura ou documento que titule o ato definitivo será realizada no prazo de [cento e oitenta dias e, a sua marcação fica a cargo do Segundo Outorgante que deverá avisar os Primeiros Outorgantes do local e hora, com pelo menos dez dias de antecedência, através de email ou carta registada, ou através de mediadora interveniente no negócio.
CLÁUSULA QUARTA
(Incumprimento)
1- Qualquer das Partes poderá resolver o presente contrato promessa em caso de incumprimento pela contraparte das obrigações para si emergentes deste contrato, se a parte faltosa não sanar a situação de incumprimento no prazo máximo de 10 (dez) dias após a receção da notificação que nesse sentido lhe seja feita pela contraparte.
(…)
5 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, ao incumprimento deste contrato as partes acordam em aplicar as disposições gerais legais em vigor em matéria de Contrato Promessa, incluindo a possibilidade de recurso à execução específica…”.
14. O segundo réu pretendia promover a construção, no imóvel em questão.
15. Foi o Procurador do Autor que logo no dia 02 de Setembro agendou a escritura pública de compra e venda.
16. No dia 03 de Setembro de 2020, em reunião presencial ocorrida nas instalações da agência Imobiliária Remax Up em Palmela, onde estiveram presentes o Procurador do Autor, a Mandatária dos 1º Réus e os consultores comerciais que mediaram o negócio de compra e venda, foi referido ao Ilustre Procurador do Autor os seguintes factos: a) - que a carta enviada a comunicar direito de preferência tinha sido de facto enviado por lapso; b) - que para o prédio rustico em apreço existia já um P.I.P. aonde se constata a viabilidade construtiva do referido prédio; c) - que o então promitente comprador veio informar que a pretensão que subjaz à compra do prédio rústico visava um destino que não era a produção agrícola ou florestal, mas sim proceder á construção urbana de uma edificação destinada a turismo rural; d) - que o 2º Réu iria dar entrada de um processo judicial a exigir a execução específica do Contrato de Promessa de Compra e Venda.
17. Desde logo e atendendo aos factos acima mencionados, foi dito que não se iria proceder á celebração da escritura de compra e venda agendada pelo Ilustre Procurador do Autor para dia 08 de Setembro de 2020.
18. No prédio vendido e desde momento não concretamente apurado, não é praticada qualquer tipo de atividade relacionada com a exploração agrícola, sendo que os 1ºs Réus e os proprietários antecessores nada cultivavam, nem plantavam árvores.
19. Foi apresentada na Câmara Municipal de Grândola um “Pedido de Informação Prévia referente á Viabilidade de Construção, destinada a Habitação e Empreendimento Turístico” no prédio rústico denominado ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola sob o nº...93; inscrito na matriz nº ...40 da secção I, freguesia de Melides, identificado como processo nº ...9, que mereceu a seguinte conclusão/proposta, datada de 25.01.2020:
“Feita a apreciação do pedido, com enquadramento na legislação em apreço, considera-se que poderão ser viáveis as operações urbanísticas construção destinada ao uso habitacional, bem como de construção destinada a empreendimento turístico, nas condições referidas, estando as mesmas condicionadas a parecer favorável da CMDF, nos termos do Art.º 16.2 do Decreto-Lei nº 124/2006 de 28 de Junho, na sua atual redação.
Mais se informa que:
- As obras de construção estão sujeitas a licença administrativa nos termos da alínea c) do nº 2 do Artº 4º do RJUE, cujo processo deverá ser instruído em conformidade com a Portaria n.2 113/15 de 22 de Abril, e demais legislação aplicável;
- (…) o pedido de informação prévia tem validade por 1 ano após a decisão favorável, e vincula as entidades competentes na decisão sobre o pedido de licenciamento.”.
20. No dia 11.09.2020 os primeiros réus, na qualidade de primeiros outorgantes e DD, que outorgou na qualidade de gerente, em representação da sociedade comercial por quotas denominada “COURTESY SCENERY LDA", como segundo outorgantes, celebraram a escritura notarial constante de fls. 126 a 127, que aqui se dá por inteiramente reproduzida e onde além do mais consta:
“PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES FOI DITO: Que, pelo preço de QUATROCENTOS MIL EUROS, já recebido, VENDEM à sociedade representada do segundo outorgante, livre de ónus ou encargos, o seguinte imóvel: RÚSTICO, denominado "...", sito em Melides, freguesia de Melides, concelho de Grândola, composto por terreno para cultura, inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ...40 da seção I, com o valor patrimonial de €14.067,62, e descrito na competente conservatória do registo predial sob o número ..., da referida freguesia
(…)
DISSE O SEGUNDO OUTORGANTE: - Que, para a sociedade sua representada, aceita a presente venda nos termos exarados e que o prédio se destina à revenda.
Que a sociedade sua representada adquire o prédio objeto do presente contrato com o objetivo de nele promover a construção de acordo com o pedido de informação prévia favorável emitido pelo Município de Grândola no âmbito do processo duzentos e noventa e oito barra dois mil e dezanove…”.
21. Pela ap....45 de 11.09.2020 o autor procedeu ao registo no prédio ...93 da presente ação, onde consta:” Pedido: Ser reconhecido o direito de preferência do autor na aquisição deste prédio; ser o direito do autor reconhecido como anterior e com prioridade legal sobre o eventual direito do réu DD à execução específica e em consequência ser ordenado o cancelamento do registo correspondente à Ap. ...32 de 2020/09/04”.
22. DD é administrador e gerente de diversas sociedades do sector imobiliário e turístico que, nos últimos anos, têm estado ligadas ao desenvolvimento de um conjunto de projetos imobiliários no Município de Grândola.
23. No dia 26 de Agosto de 2020, DD recebeu da mediadora imobiliária que representava os 1ºs Réus, a Senhora D. NN, email solicitando o agendamento da escritura pública de compra e venda do imóvel.
24. Nesse mesmo dia, DD diligenciou pelo agendamento da escritura, através da sua advogada, tendo previamente obtido o assentimento dos 1ºs Réus para o agendamento em data posterior àquela que se encontrava fixada no contrato-promessa.
25. E comunicou à mediadora encarregue da venda que se encontrava agendada a escritura de compra e venda para o dia 11 de Setembro, às 15 horas, no Cartório Notarial ..., sito na R. ..., ... Grândola, solicitando que fossem entregues no referido cartório os elementos de identificação dos vendedores, bem como do imóvel..
26. Mais ali referia que, nos termos já acordados, ficava a aguardar que, no decurso da semana seguinte, lhe fosse enviada minuta do aditamento ao contrato-promessa, para formalização da alteração do prazo de realização da escritura para aquele dia.
27. A hora agendada para a realização da escritura seria alterada para melhor conveniência da mediadora imobiliária, que declarou que iria imediatamente enviar a documentação para o cartório notarial.
28. O que fez, dando disso conhecimento ao 2.º Réu.
29. No dia 2 de Setembro de 2020, não tendo ainda recebido a prometida proposta de adenda ao contrato, a advogada do 2.º Réu contactou a mediadora imobiliária, que a informou que para o efeito deveria falar com a advogada da agência, a Senhora Dr.ª OO.
30. No dia 3 de Setembro de 2020, a advogada da agência imobiliária, falou com a advogada do 2.º Réu, dando-lhe nota de que a agência havia aconselhado os 1ºs Réus a fazerem uma comunicação ao proprietário do prédio confinante para preferir e que, tendo aqueles acolhido aquele conselho, o Autor comunicara que pretendia exercer o direito de preferência, tendo agendado já a escritura pública para o efeito para o dia 7 de Setembro seguinte.
31. Pelo que a escritura entre o 2.º e os 1.º s Réus não se faria.
32. Perante esta comunicação, porque estava seguro de que, neste caso, não há lugar a qualquer direito de preferência e porque entendeu que da declaração de que não compareceriam na escritura resultava o não cumprimento definitivo do contrato-promessa, o 2.º Réu preparou e submeteu de imediato junto deste tribunal, no dia 4 de Setembro de 2020, ação de execução específica do contrato promessa.
33. A antedita ação correu termos sob o nº 4363/20.3T8STB e foi objeto de desistência da instância, homologada por decisão que transitou em julgado em 07.12.2020.
34. Foi promovido o registo da referida ação pela AP ...32, de 04.09.2020.
35. Os vendedores são pessoas de alguma idade e inexperientes neste tipo de transação e eram desconhecedores do que deveriam fazer em matéria de direito de preferência.
36. Por esta razão, aceitaram fazer a comunicação que lhes foi aconselhada pela agência.
37. Perante a informação de que o imóvel se destinava à construção e que existia mesmo já um Pedido de Informação Prévia apresentado e respondido de forma favorável àquela intenção, algo que estava já declarado no contrato-promessa mas cujo alcance os 1.ºs Réus não haviam integralmente abarcado, entendeu a agência e aqueles, que não existia direito de preferência, tendo dito que iriam corrigir este engano, esclarecendo-o perante o Autor.
38. Foi nessa sequência que foi dito ao Autor que a comunicação para preferir lhe havia sido transmitida em erro e que o negócio prosseguiria com o 2º Réu.
39. Eliminado.
40. Eliminado.
41. O Autor ofereceu aos Réus €40.000,00 para celebrar com ele e não com o 2.º Réu, a compra e venda.
42. No dia 14 de Setembro, DD dirigiu ao presidente da Câmara Municipal de Grândola um email no qual anunciava o projeto de expansão do seu museu ao ar livre - que integra um empreendimento turístico de temática cultural que se encontra a desenvolver ali em Melides - para o local, para o que se encontrava já a elaborar o correspondente projeto urbanístico nos termos do pedido de informação prévia emitido.
43. O comprador, através do 2.º Réu, iniciou igualmente diligências para a realização do projeto urbanístico e arquitetónico, tendo contratado e encontrando-se já a trabalhar com Arquiteto PP, que será responsável por aquele projeto.
44. E com a empresa IVL – Projetos e Património, Lda., a quem incumbiu da realização dos projetos de acessibilidade, da rede viária interna, contenção periférica, movimento de terras, rede contra incêndio, rede de águas e esgotos e ligação à fibra ótica.
45. Ao mesmo tempo, e porque se trata de procedimentos prévios à elaboração do projeto, solicitou também o estudo de geotecnia do solo à empresa Sonengil para poder adequadamente projetar as estruturas da construção que ali se projeta.
46. Bem como o levantamento topográfico altimétrico, de metro a metro, que é o que habitualmente utiliza.
47. Eliminado.
48. A venda do imóvel esteve anunciada através de duas placas da empresa REMAX com o dizer “Vende” desde Outubro de 2019 e com os contactos do mediador.
49. Uma placa na estrada da Vigia que dá acesso à habitação do Autor no local.
50. E a outra junto a uma outra construção que o Autor desenvolve no prédio rústico identificado no artigo 1.º da sua petição inicial.
51. Em Março de 2019, afixou-se sobre a placa “Vende” um autocolante com o dizer “Vendido”.
52. Foi sob a convicção de que estaria obrigado à notificação para preferência que o Senhor BB remeteu ao Autor a carta datada de 24 de Agosto de 2020 e de assunto “Exercício de Direito de Preferência sobre prédio rústico”.
53. O A. estava ciente de que o 1º R. era uma pessoa simples e sem grandes meios, encontrando-se numa posição de grande stress e suscetibilidade em virtude do assunto da venda do seu terreno.
54. E de que o motivo que levou o 1.º Réu a remeter ao Autor a notificação para preferência foi o facto de ter-se achado obrigado à mesma.
55. O Autor, quando recebeu a carta do 1º R. mobilizou recursos para poder exercer essa preferência.
56. O primeiro passo foi, desde logo, perceber se era interessante exercer o Direito de preferência e se a aquisição não acarretaria para si riscos desnecessários.
57. Para tanto, contactou um arquiteto, tentando perceber qual a localização exata do prédio em questão e as características do mesmo.
58. Para saber quais os riscos envolvidos, o Autor contactou com um escritório de advogados a quem pediu um estudo (“due diligence”) jurídica.
59. Tendo percebido qual seria o prédio rústico em questão, e tendo analisado as conclusões dos advogados quanto aos riscos, o Autor concluiu que tinha interesse em exercer a preferência.
60. Com as diligências anteditas, o A. despendeu um tempo não concretamente apurado.
61. o Autor é um renomado designer de sapatos do mundo.
62. Eliminado.
63. O A. utiliza o seu prédio exclusivamente para fins de cultura de pinheiro manso e consolidação da cultura de pinheiro manso existente, retirando dessa exploração pinhas, pinhão e lenha,
64. A adquirente não era titular de qualquer prédio confinante com o prédio em causa nos autos.

Factos considerados não provados:
A) Assim que foi recebida a carta do Autor pelos 1ºs Réus os mesmos apressaram-se a encetar diligências para a marcação de escritura pública de compra e venda.
B) Tendo pedido ao representante do Autor para marcar a escritura em Lisboa.
C) A carta enviada por parte dos 1ºs Réus ao Autor, na data de 24 de Agosto de 2020, teve por base o facto de no contrato promessa não estar claramente assumido que a compra se destinava a fins diversos à produção agrícola e/ou florestal.
D) O Autor ficou muito satisfeito com o referido a resolução da situação e com a aquisição
E) O A. procedeu à liquidação de liquidação de IMT e Imposto de Selo necessário à aquisição.
F) Os 1ºs Réus agiram de má fé.
G) As conversas com os arquitetos tomaram ao Autor, pelo menos, 2 horas de conferências telefónicas.
H) Que a ausência de cultivo do prédio vendido remonte há mais de 50 anos e que que a vegetação que lá existe cresceu de forma espontânea, por motivos associados inclusive a imperativos legais.
I) A agência não era conhecedora de todos os aspetos do processo.
J) Os primeiros Réus comunicaram ao 2.º Réu o seu receio perante os modos com que o Autor reagiria à correção do aludido erro.
K) A intenção da R. de construir no terreno não podia ser ignorada pelo Autor, que conhece pessoalmente o 2º Réu e sabe que a atividade deste é a promoção imobiliária, não a agricultura.
L) A intenção de venda do imóvel não podia ser ignorada pelo Autor.
M) A comunicação enviada pelo 1º R. não traduzia uma vontade em contratar com o Autor em desproveito do 2.º Réu.
N) Com os advogados, o Autor terá passado, durante o período de decisão sobre o possível exercício do direito de preferência, pelo menos, 2 horas ao telefone.
O) Quando a Ilustre mandatária dos 1ºs réus comunicou que a anterior comunicação tinha sido um lapso, o Autor ficou bastante transtornado e teve dificuldades em compreender como seria possível juridicamente os 1ºs Réus voltarem atrás na comunicação de preferência.
P) O Autor despendeu mais de 8 horas ao telefone com o seu mandatário, nos dias seguintes a essa comunicação.
Q) Eliminada.
R) Por causa do tempo e energia despendidos com as negociações e comunicações sobre a situação da “remoção” do direito de preferência anteriormente concedido pelos 1ºs Réus, o Autor deixou de se dedicar a outras atividades lucrativas.
S) Tendo passado alguns dias sem conseguir dedicar-se convenientemente ao seu trabalho.
T) Sendo normalmente o seu tempo de trabalho recompensado de forma extremamente lucrativa.
U) Tendo perdido várias horas do seu tempo a pensar e a tentar arranjar soluções para a situação criada pelos Réus, não pôde dedicar essas horas a outras atividades extremamente lucrativas.
V) A enorme perturbação causada por esta situação também afetou a produtividade do seu trabalho habitual.
W) o Autor é o mais renomado designer de sapatos do mundo.
X) O A. pretende destinar o prédio em causa a uso agrícola e florestal.

Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental e depoimentos das testemunhas e declarações de parte registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que o recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados, referiu a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e também não deixou de indicar as passagens da gravação em que funda o seu recurso, transcrevendo mesmo essas passagens no corpo das alegações, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
(…)
Assim, altera-se a redação do ponto 22 dos factos provados, que passa a ser a seguinte:
«DD é administrador e gerente da ré COURTESY SCENERY, LDA. e da sociedade Pinheiro do Além Tejo - Sociedade Agrícola e Agro-Turismo, S.A., as quais nos últimos anos têm estado ligadas ao desenvolvimento de um conjunto de projetos imobiliários no Município de Grândola».
(…)
Resulta, pois, do exposto – com a exceção do referido a propósito do ponto 22 - que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou a Sr.ª Juíza a quo na decisão sobre a matéria de facto, a qual, por isso, permanece intacta, com a ressalva assinalada.

Do direito de preferência da autora/recorrente
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à decisão recorrida relativamente a esta questão, onde se fez uma correta subsunção dos factos ao direito.
Fazemos por isso nossas as seguintes palavras da sentença:
«In casu os RR lograram provar a possibilidade legal da mutação do destino do prédio, desde logo porque a Câmara Municipal deferiu o PIP que lhe foi submetido, nos seguintes termos: “Feita a apreciação do pedido, com enquadramento na legislação em apreço, considera-se que poderão ser viáveis as operações urbanísticas construção destinada ao uso habitacional, bem como de construção destinada a empreendimento turístico, nas condições referidas, estando as mesmas condicionadas a parecer favorável da CMDF, nos termos do Art.º 16.2 do Decreto-Lei nº 124/2006 de 28 de Junho, na sua atual redação”.
E embora ali se diga também que “ As obras de construção estão sujeitas a licença administrativa nos termos da alínea c) do nº 2 do Artº 4º do RJUE, cujo processo deverá ser instruído em conformidade com a Portaria n.2 113/15 de 22 de Abril, e demais legislação aplicável”, temos de concluir que, respeitadas as normas referidas, é legalmente possível conferir ao imóvel um destino diferente da exploração agrícola e/ou florestal.
Nem se diga que o referido PIP “genérico” é uma inutilidade e não confere qualquer possibilidade real de construção, tendo em vista que a Câmara Municipal de Grândola já ultrapassou o número de camas previsto no PDM, como referiu a testemunha HH, que trabalha para o A. como arquiteta e que adiantou que a sua experiência lhe diz que tal instrumento não tem qualquer correspondência na real possibilidade de construção. É que isso seria destituir de razão de ser um instrumento com previsão legal e uma finalidade muito clara: perceber se de acordo com os instrumentos legais da zona é ou não possível construir em determinado local, o que no caso foi afirmado pela positiva. Eventuais circunstâncias que possam vir a revelar-se futuramente e colidam com o prévio parecer favorável, é questão que entra no campo da especulação, tanto mais que as mesmas não foram alegadas, nem ficaram demonstradas (sendo que o relatório de fls. 221 e ss., de per si, nada nos diz em contra do que consta do PIP).
É certo que o próprio PIP refere que a sua validade é de um ano, pelo que perdeu eficácia em 25.01.2021, mas aquando da escritura de compra e venda, realizada em 11.09.2020, a informação era válida e essa é a data que releva para aferir da possibilidade legal de mutação do destino de prédio, já que as condições para o exercício do direito de preferência e respetivas exclusões são aferidas por reporte à data do ato translativo que se quer por em causa.
E como foi decidido no recente ac. do TRG, de 24-03-2022, pº nº 1371/19.0T8VRL.G1, em www.Dgsi.pt/ “Demonstrando-se que o adquirente de um prédio rústico teve como intenção a construção no mesmo de um parque industrial, tendo sujeitado ao respetivo município um pedido de informação prévia (PIP), o qual deu parecer positivo à pretensão (…), tal é impeditivo, nos termos do disposto no artigo 1380º alínea a) do Código Civil, ao exercício do direito de preferência”.
Nestes termos só podemos concluir que à data da escritura de compra e venda era legalmente possível conferir ao prédio comprado pela R. Sociedade, um destino diferente da atividade agrícola e/ou florestal.
Paralelamente, embora não conste do contrato de compra e venda qual o destino projetado para o imóvel, o mesmo consta do contrato promessa. E apesar de o promitente comprador ser entidade jurídica distinta de quem veio a adquirir o imóvel, resultou provado que DD, promitente comprador, é administrador e gerente de diversas sociedades do sector imobiliário e turístico que, nos últimos anos, têm estado ligadas ao desenvolvimento de um conjunto de projetos imobiliários no Município de Grândola, tendo sido ele quem interveio na escritura de compra e venda em representação da sociedade adquirente, de que era gerente.
Mais, também resulta da matéria dos pontos 16, que DD tinha intenção de conferir ao prédio um destino que nada tinha a ver com a atividade agrícola e/ou florestal, o que era do conhecimento da imobiliária e dos primeiros réus, já que tal menção constava do contrato promessa, intenção que foi prosseguida pela sociedade já após a celebração do contrato de compra e venda, conforme resulta da matéria dos pontos 42 a 46.
Desta feita, somos a concluir que está objetivamente demonstrado que o destino que se pretendia dar ao imóvel era alheio a qualquer atividade agrícola e/ou florestal e que o mesmo era legalmente possível.
É certo que o A. invoca o artº 18, nº 1, do DL 384/88, de 25/10, em ordem a afastar a aplicabilidade da exclusão do direito de preferência a que se vem aludindo.
Dispunha tal normativo que “os proprietários de terrenos confinantes gozam de direito de preferência previsto no artigo1380 do C. Civil ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”, ou seja, o mesmo visava a eliminação dos minifúndios, pelo graves inconvenientes que a exploração da terra provoca em termos de produtividade e rentabilidade agrícola quando feita nessa situação , mas não excluía a aplicação da regra excecionadora do artº 1381º do CC.
Como foi referido no ac. do TRP, de 08-09-2020, pº nº 1194/18.4T8PVZ.P1, em www.dgsi.pt/ “o direito de preferência consagrado no artigo 1380º do CCivil e alargado pelo artigo 18.º, n.º 1, do DL n.º384/88, de 25/10, representa uma restrição relevante ao princípio basilar da liberdade contratual e apenas está consagrado para assegurar a rentabilidade das explorações agrícolas e evitar o excessivo parcelamento do solo apto para cultura, no pressuposto necessário de ser previsível que o prédio do preferente e o objeto da preferência vão continuar a ser destinados à produção agrícola ou florestal.
Assim, quando os prédios confinantes, apesar da afetação florestal, possuem uma efetiva potencialidade edificativa, conferida pelo PDM, não se justifica a apontada restrição, porque necessariamente, por razões económicas e sociais, a curto ou a médio prazo deixarão de ser afetos à produção florestal”.
Por último, não pode esquecer-se que o referido diploma legal foi revogado pelo al. a) do artº 64º da Lei nº 111/2015, de 27 de Agosto, que também não revogou a norma do artº 1381º do CC.
Pelo exposto, estando demonstrada não só a potencialidade edificativa do prédio alienado, como a sua destinação a fins alheios à cultura, nos termos do artº 1381º, a) do CC, verifica-se que inexiste o direito legal de preferência reclamado pelo A.»
Acrescentaremos apenas mais algumas palavras.
Dispõe o nº 1 do artigo 1380º do CC que «[o]s proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante».
Por sua vez o artigo 1381º estipula:
«Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:
a) Quando algum dos terrenos constitua parte correspondente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;
b) (…)»
O direito de preferência consagrado no artigo 1380º do CC visa promover o emparcelamento rural de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas. Este direito legal de preferência foi instituído como meio de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização.
O Supremo Tribunal de Justiça tem interpretado a fórmula quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura da alínea a) do art. 1381.º do Código Civil como significando quando o adquirente e, em especial, o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura[4]. Em consequência, «[o] fim que releva […] não é aquele a que o terreno esteja afectado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe»[5].
Como se escreveu no acórdão do STJ de 20.11.2019[6], «[i]nterpretando a fórmula da alínea a) do art. 1381.º como significando quando o comprador destine o terreno a algum fim que não seja a cultura, o Supremo Tribunal de Justiça exige que dos factos provados decorram duas coisas: em primeiro lugar, a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura […] e, em segundo lugar, a possibilidade física […] e jurídica (legal ou regulamentar) da afectação correspondente à intenção do comprador […]. Os dois requisitos explicam-se pelo perigo de fraude: “Caso contrário [- caso não se exigisse a prova de que a intenção de afectar o terreno a algum fim que não seja a cultura é legal e regulamentarmente possível -] estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante” […].»
Ao invés do que afirma o recorrente, não foi apenas o promitente-comprador, quando pessoalmente prometeu adquirir o imóvel, que declarou a intenção de ali construir de acordo com o PIP, pois como resulta do ponto 20 dos factos provados, aquela intenção foi igualmente declarada na escritura pelo mesmo DD, na qualidade de legal representante da sociedade.
Aliás, quanto à intenção edificatória da recorrida, esta foi transmitida não apenas na escritura, mas pelo então gerente da sociedade, em email dirigido ao Presidente da Câmara no qual anunciava o projeto de expansão do seu museu ao ar livre - que integra um empreendimento turístico de temática cultural que se encontra a desenvolver ali em Melides - para o local, para o que se encontrava já a elaborar o correspondente projeto urbanístico nos termos do pedido de informação prévia emitido - cfr. ponto 42 dos factos provados.
Ademais, na data em que foi outorgada a escritura de compra e venda existia um PIP, emitido nos termos dos artigos 14º e 16º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [RJUE] que, ainda que não associado a um projeto concreto relativamente ao qual existisse uma obrigação de aprovação por parte da Câmara Municipal de Grândola, não deixa, ainda assim, de consubstanciar um PIP favorável – os pedidos genéricos de informação prévia admitem também uma resposta desfavorável – quanto a um determinado uso que foi manifestado dar ao prédio.
Nos termos do disposto no artigo 17º do RJUE, a circunstância de o pedido ser genérico (nº 1 do artigo 14º), e não concreto (nº 2 do mesmo artigo 14º), não tem implicação nos efeitos da informação favorável[7], mas apenas no tipo de procedimento que deve ser adotado posteriormente, admitindo-se, nos casos em que o pedido seja feito ao abrigo do número 2 do referido preceito, que o procedimento subsequente seja simplificado, ao abrigo de comunicação prévia, e que sejam dispensados os pareceres externos já solicitados (cfr. nº 3 do art. 17º).
Como aduz a recorrida nas contra-alegações, este carácter vinculativo quanto ao respetivo conteúdo e, no caso, quanto à viabilidade de uma dada pretensão urbanística, resulta da lei e não é afastada pelo facto de ter sido requerido pelos anteriores proprietários ou por ter sido requerido para valorização do imóvel, porquanto a intenção subjacente ao pedido não desqualifica o respetivo efeito.
Como já se referiu, para efeitos de aplicação da exceção prevista na alínea a) do artigo 1381º do CC, o que releva é o destino a dar pelo adquirente ao imóvel adquirido, bastando que se alegue e demonstre que esse fim não é a cultura, e que o mesmo é legalmente admissível.
Assim, estando demonstrada não só a potencialidade edificativa do prédio alienado, como a sua destinação a fins alheios à cultura, só restava ao Tribunal a quo aplicar ao caso a referida exceção, como fez.
Inexiste, por conseguinte, o direito legal de preferência invocado pelo recorrente.

Defende ainda o recorrente que mediante o mecanismo de proposta-aceitação, consolidou-se na esfera jurídica do autor o direito potestativo de aquisição do imóvel assumindo a comunicação para preferência recebida pelo autor e enviada pelos 1ºs réus, «os contornos de uma verdadeira proposta contratual, e é irrevogável depois de ter sido recebida, nos termos do artigo 230º nº1 do Código Civil, sendo que a mera aceitação dá lugar ao nascimento de uma relação contratual entre as partes» (conclusão XLVII).
Acrescentando que esse direito «está abrangido pela proteção da execução específica nos termos do artigo 830º do Código Civil, sendo que a presente ação consubstancia essa execução específica porquanto o Autor peticiona na petição inicial e posteriormente aperfeiçoado no seu requerimento de Intervenção Principal Provocada de fls. 53 verso a 55 verso que lhe seja reconhecido o seu direito de propriedade, com prioridade sobre os direitos da Interveniente, ora Ré, por conta da prioridade do registo».
Vejamos.
Como é consensual, o regime da notificação/comunicação extrajudicial a que alude o art. 416º do CC tanto vale para os pactos de preferência como para as preferências legais, mediante remissão feita caso a caso, como o faz a norma que prevê o direito, que o autor/recorrente aqui exerce, à preferência (legal) fundado no art. 1380º do CC.
Trata-se, pois, de averiguar qual o efeito jurídico da receção pelo titular do direito à preferência da comunicação feita pelo obrigado da sua intenção de venda do imóvel – contendo os elementos essenciais do projetado negócio e necessários à decisão do titular do direito – e da consequente receção pelo segundo da comunicação pelo primeiro da sua vontade de exercer tal direito.
Ora, a controvérsia suscitada nestes autos trava-se em torno de duas teses sobre esse efeito:
Uma foi perfilhada no acórdão do STJ de 08.01.2009[8], cuja fundamentação foi assim sintetizada:
«(…) o obrigado à preferência não fica sem possibilidade de desistir do projectado negócio, porquanto a notificação que efectuou não corresponde a uma proposta contratual, nem a declaração de pretender preferir corresponde a uma aceitação dessa proposta. O direito de preferência, antes apenas virtual, só se radica efectivamente na esfera jurídica do seu titular (preferente) quando se concretiza a alienação da coisa que constitui o objecto do dito direito de preferência, e não antes, nomeadamente naquela fase preambular em que meramente se oferece a preferência e a mesma é, ou não, aceite. Deste modo, o pedido da autora não pode proceder.»
A outra, foi adotada, inter alia, no acórdão de 19.10.2010[9], com o seguinte sumário:
«A comunicação a que alude o art. 416.º do CC desde que contenha todos os elementos necessários à decisão do preferente vale como proposta de contrato. A irrevogabilidade da proposta nos termos do art. 230.º do CC não exclui o reconhecimento da sua invalidade, tal como sucede com qualquer outra declaração negocial, invocando-se e demonstrando-se vício de vontade.»
Este entendimento que havia sido acolhido em arestos anteriores[10], foi também seguido no acórdão do STJ de 09.04.2019[11], no qual se escreveu:
«(…), descontando o mencionado aresto dissonante, pode afirmar-se que a orientação deste Supremo tem sido a de reconhecer eficácia real ao direito legal de preferência e de aceitar que, no caso de incumprimento, fica o devedor vinculado à realização do negócio e o preferente investido no direito potestativo de exigir que, por decisão judicial, seja constituído o seu direito de propriedade sobre a coisa, não podendo o obrigado desistir do negócio projectado. Tem sido salientado que «a notificação para preferir ficaria despojada de qualquer sentido útil se o obrigado pudesse desistir livremente do negócio, perante resposta positiva do preferente; na verdade, todo o mecanismo legal relativo ao direito de preferência visa, por um lado, possibilitar o exercício desse direito e, por outro, evitar situações de conflito a dirimir por via judicial (as frequentes acções de preferência), por omissão da notificação» ([3]).
Como se sabe, o actual Código Civil estabelece várias restrições à autonomia da vontade, desde logo, com os direitos legais de preferência, mas também com o estabelecimento, em princípio, da irrevogabilidade da proposta de contrato, depois de ela ter sido recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida (cf. arts. 224º, nº 1, e 230º). No plano adjectivo, é também isso mesmo que se reconhece com o art. 1028º do CPC, norma que estatui que a resposta positiva do notificado para a preferência judicial vincula à celebração do contrato.
Perfilhando esta segunda via, também nós entendemos que a notificação extrajudicial a que alude a norma do art. 416º do CC e que contenha os elementos necessários à decisão do titular do direito de preferência consubstancia uma proposta contratual e a declaração de vontade que o mesmo emita, na sequência dessa notificação, de exercer o direito (potestativo), uma vez recebida pelo vinculado à prelação, perfecciona o contrato, mesmo que sujeito a forma, desde que esta seja observada pela comunicação do obrigado e pela resposta do preferente.»
No caso em apreço, como as aludidas comunicação e resposta foram contidas em documentos que, embora assinados, não preencheram os especiais requisitos formais previstos no art. 875º do CC, de que a celebração do contrato dependeria (por se tratar de um imóvel), deve entender-se que se concluiu um contrato-promessa (cf. artigo 410º, nº 2, do CC) com as respetivas consequências, entre as quais, em teoria, a possibilidade de o autor obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos 1ºs réus faltosos[12].
Sucede, porém, como bem se observou na sentença recorrida, que a comunicação de preferência (proposta contratual), «não produz efeitos em relação a terceiros, designadamente à adquirente (artº 406º, nº 2), pelo que não é suficiente para o A. se lhe substituir no negócio.
Nem se diga que o registo da presente ação realizado cinco dias antes do registo da aquisição da interveniente, é obstativo à anterior conclusão, porquanto tal facto apenas relevaria em caso de procedência da ação, situação em que a sentença favorável, além de vincular as partes, produziria ainda efeitos contra quem adquirisse sobre a coisa litigiosa, direitos incompatíveis com os do preferente (cfr. ac. do TRE, de 20-11-201, pº nº 22/11.6TBORQ.E, em www.dgsi.pt/).
É que o registo desta ação não confere eficácia real à proposta contratual em causa, (…), já que tal efeito só se obtém, além do mais, com a publicitação do facto jurídico e não da ação, sem esquecer que o A. não peticionou a execução da proposta contratual.»

Resta, por último, o pedido de condenação dos 1.ºs réus a compensar o autor pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pelo não cumprimento da sua obrigação de realização da escritura de compra e venda, pelo valor que venha a ser apurado segundo os juízos de equidade, valor esse que não deverá ser inferior a € 50.000,00.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«Na situação em análise não foi alegado nem resultou provado que o autor tivesse remunerado os contactos realizados, o que não se presume, pelo que tal facto não tem desvalor pecuniário que importe ressarcir.
O mesmo sucede quanto ao tempo que o autor despendeu, já que não resultou provado que poderia dedicar o mesmo com outras atividades lucrativas, além de que não foi alegado, nem resultou provado se o A. ainda trabalha e qual a média de rendimento do seu tempo laboral, o que faz com que também esta circunstância não se assuma como tendo um desvalor pecuniário.
Quanto aos impostos necessários à escritura de compra e venda, não resultou provado que o autor os tivesse pago, além de que foi antecipadamente informado que os réus não compareceriam à escritura de compra e venda e respetivo motivo.»
Mostra-se totalmente correto este entendimento e, ao invés do que defende o recorrente, não há que relegar para incidente de liquidação o montante indemnizatório, pois não se provou qualquer dano.
Como se sumariou no acórdão do STJ de 18.09.2018[13]:
«I - O tribunal deve condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: (i) que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor; e (ii) que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados (art. 609.º do CPC).
II - O requisito essencial para que o tribunal possa remeter para liquidação em execução de sentença é que se prove a existência de danos, ainda que se desconheça o seu valor, i.e., ainda que não seja possível quantificar o seu montante.
III - Não tendo a autora logrado provar os danos que alegou, não é possível relegar para execução o apuramento, a determinação e a prova dos próprios danos.»
Uma última nota relativamente ao pedido de pagamento de juros à taxa de 4%, sobre o montante do preço depositado à ordem dos autos.
Como é sabido, o depósito do preço, no âmbito da ação de preferência, cobre o risco do alienante se ver confrontado com a hipótese de perder o negócio com o adquirente e de não vir a celebrar qualquer contrato com o preferente, forçando-o a apresentar os meios para a aquisição que pretende efetuar.
Ora, tendo a ação sido julgada improcedente, não faz sentido condenar os 1ºs réus a pagarem ao autor juros à taxa legal sobre o valor do montante depositado, sendo que a improcedência da ação é uma das possibilidades do desfecho da lide.
Só resta, pois, confirmar a decisão recorrida.
Vencido no recurso, suportará o autor/recorrente as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.


IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Évora, 20 de abril de 2023
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

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[1] Mantém-se a redação e a numeração dos factos constantes da sentença, desconhecendo-se o motivo porque nos pontos 39, 40, 47 e 62 dos factos provados consta o adjetivo “eliminado”, e na alínea Q) dos factos não provados “eliminada”.
[2] Doravante CC.
[3] Trata-se dos depoimentos das testemunhas QQ, que trabalha para a Remax e teve intervenção na angariação do imóvel, e GG, consultor imobiliário, que também teve intervenção na venda do imóvel.
[4] Cfr., inter alia, os acórdãos do STJ de 31.03.1998, proc. 98A113, de 20.06.2000, proc. 00A217, de 09.01.2003, proc. 02B3914, de 06.02.2003, proc. 02B4164, de 29.04.2004, proc. 04B980, de 04.10.2007, proc. 07B2739, de 11.12.2008, proc. 08B3602, de 06.05.2010, proc. 537/02.G1.S1 e de 19.02.2013, proc. 246/05.5TBMNC.G1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, p. 276, e Henrique Mesquita, Direito de Preferência, Colectânea de Jurisprudência, Ano XI, Tomo V, 1986.
[6] Proc. 8496/17.5T8STB.E1.S2, in www.dgsi.pt.
[7] A informação prévia favorável não deixa de vincular as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia.
[8] Proc. 08B2772, in www.dgsi.pt. Este acórdão, tanto quanto nos foi possível apurar pelas decisões publicitadas, foi o único aresto do STJ a adotar tal posição.
[9] Proc. 155/2002.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[10] Acórdãos do STJ de 15.06.1989, 11.05.1993, proc. 083208, 09.07.1998, proc. 98A517, 02.03.1999, proc. 99A069, 05.07.2001, proc. 01B1765 e 21.02.2006, proc. 05B3984, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[11] Proc. 3094/17.6T8FNC.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[12] A segunda das referidas orientações também tem o conforto da generalidade da doutrina. Especificamente no sentido de que a notificação para preferir e a declaração para preferir formam, pelo seu encontro, um contrato-promessa, desde que na hipótese concreta obedeçam ao formalismo legalmente prescrito para ele, possuindo a primeira o significado de proposta e a segunda de aceitação, corporizando as duas, no seu conjunto, a promessa bilateral ou recíproca de compra e venda, vd. Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 168; P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., p. 391; ), Vaz Serra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 101º, pp. 233 e ss); e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, 1994, pp. 373-374.
[13] Proc. 4174/16.0T8LRS.L1.S1, in www.dgsi.pt.