Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1615/18.6T8STR.E1
Relator: SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
JUROS
CONTAGEM DO PRAZO
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Considerando a gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor/recorrido, justifica-se a indemnização no valor de € 40.000,00 fixada pelo tribunal a quo.
2 – Em princípio, a sentença que fixa o valor de uma indemnização com base na equidade deve ser considerada uma decisão actualizadora para o efeito previsto no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1615/18.6T8STR.E1

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Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de apelação da sentença, proferida na acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra si proposta por (…), mediante a qual o tribunal a quo o condenou no pagamento, a este último, de uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 40.000,00 acrescida de juros, contados desde a data da citação, à taxa legal de 4%, nos termos da Portaria n.º 291/03, de 08.04, ou outra taxa que lhe sobrevier, até integral pagamento.

As conclusões do recurso são as seguintes:

1. Atribui-se ao recurso o valor de € 34.000,00 correspondente ao valor de decaimento que é posto em causa, pelo que foi liquidada taxa de justiça no valor de € 306,00.

2. O apelante foi condenado a indemnizar o autor em € 40.000,00 dos quais se põem em causa € 34.000,00, entendendo ser adequado o quantum indemnizatório de € 6.000, a título de danos não patrimoniais.

3. O quantum doloris do autor foi fixado no grau 4 de 7, o dano estético no grau 1 de 7 e a repercussão nas actividades desportivas e de lazer no grau 2 de 7.

4. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 3 pontos.

5. Atentas as lesões sofridas pelo autor e as sequelas de que ficou a padecer, o montante arbitrado peca por excessivo, devendo ser reduzido a € 6.000,00.

6. Quanto à data para início de contagem de juros de mora sobre a indemnização arbitrada, não existe qualquer menção na douta sentença no sentido do afastamento do art.º 566.º, n.º 2, do CC, pelo que a indemnização deve ter-se por reportada à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal – a da sentença.

7. De facto, a M.ª Juíza a quo não computou os danos à data da citação, para depois fazer a sua correcção por meio de juros de mora desde então até à data em que proferiu a sentença.

8. E se não é referido que a data da citação do réu tenha entrado como base para o cálculo efectuado na douta sentença, teremos de reportar-nos à data desta, o dia 10.03.2020.

9. A douta decisão de fls. violou o art.º 566.º, n.º 3, do Código Civil e o douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio.

O recorrido apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

A. O recorrente, apesar de entender que o valor do “quantum indemnizatório” a fixar é o de € 6.000, não invoca qualquer fundamento concreto para a sua pretensão, qualquer norma jurídica violada ou erro na determinação da norma aplicada.

B. Limitando-se a alegar conceitos genéricos de equidade e jurisprudência de tribunais superiores.

C. O valor de € 6.000,00 alegado pelo recorrente, e pelo qual o mesmo pugna, para lá de uma afronta, aos danos, dores, desgostos, sofrimentos, desilusões, angústia, tristeza, incapacidade e défice funcional permanente da integridade física e limitações sofridas pelo recorrido, à data que as sofreu, com 21 anos de idade, é um valor meramente simbólico.

D. A jurisprudência assente, há vários anos, é no sentido de que a indemnização, nas situações sub judice, não pode ser meramente simbólica.

E. E deve ter por base o prudente arbítrio do julgador, com o recurso aos critérios de equidade, como prevê o disposto no artigo 566.º, n.º 3, do C. Civil.

F. O tribunal a quo, com base nesses critérios de equidade, considerando todos os danos do recorrido, bem e justamente considerou que o valor fixado se destina a proporcionar a este satisfações ou alegrias que, de algum modo, possam compensar os referidos danos não patrimoniais como os sofrimentos, dores desgostos, desilusões causados pelo acidente.

G. Portanto, o valor de € 40.000,00 fixado, atenta toda a factualidade provada, todos os danos sofridos pelo recorrido, a jurisprudência assente e os critérios de equidade é correcto e deve manter-se.

H. Os juros fixados a contar da data de citação foram correctamente decididos, já que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 9 de Maio, assenta na ideia de indemnização actualizadora lato sensu, remetendo para compensação ocorrida entre a inflação e o momento do dano.

I. Ora, na sentença não é fixada a compensação por referência à actualização.

J. Pelo que os juros de mora devem ser fixados, como foram, desde a data de citação do réu.

K. Aliás, o acórdão do STJ de 2/2/2006, entendeu, exactamente, que não havendo cálculo actualizado os juros contam-se a partir da citação.

O recurso foi admitido, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.


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As questões a resolver são as seguintes:

1 – Montante da indemnização;

2 – Momento a partir do qual se contam os juros de mora.


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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1 – O acidente ocorreu no dia 28/06/2013, pelas 20.00 horas.

2 – Na E. M. (…), Rua (…), (…), Madalena, concelho de Tomar.

3 – No local onde ocorreu o evento a estrada é asfaltada e o piso regular.

4 – Com curva e visibilidade reduzida.

5 – O piso estava seco, sem areia.

6 – O tempo estava bom.

7 – Tendo a faixa de rodagem a largura de 5,00 metros.

8 – Nestas circunstancias de tempo, modo e lugar, o autor circulava, no sentido (…)-(…).

9 – O veículo automóvel com a matrícula (…), propriedade de (…), e conduzido pelo autor.

10 – Condução esta que observava as elementares normas do direito estradal.

11 – Nomeadamente, seguia bem dentro da sua faixa de rodagem, tendo em conta o seu sentido de marcha.

12 – A cerca de 40/50kms/hora.

13 – E atento ao restante trânsito rodoviário.

14 – Entretanto, em sentido contrário, isto é, no sentido (…)-(…), circulava um veículo automóvel ligeiro de passageiros.

15 – Cuja matrícula e identificação do condutor se desconhece.

16 – Circulando a uma velocidade manifestamente exagerada, de cerca de 90/100kms/hora.

17 – Surgindo inopinada e repentinamente, sem nada que o fizesse prever, invadiu por completo a faixa de rodagem do autor, circulando totalmente na faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, ou seja, circulando em contramão.

18 – Perante tal factualidade e para evitar uma colisão frontal, o autor foi obrigado a travar e a guinar bruscamente o seu veículo para a direita.

19 – Saindo da sua faixa de rodagem para o lado direito, perdendo assim o controlo do seu veículo automóvel, indo embater numa árvore que existe junto à faixa de rodagem, do lado direito atento o sentido de marcha do autor.

20 – Devido ao embate, o veículo automóvel em causa ficou impossibilitado de circular, aí se imobilizando.

21 – O autor não teve qualquer hipótese de deixar de desviar o seu veículo automóvel para a direita.

22 – O acidente ficou a dever-se, única e exclusivamente, à imperícia, inconsideração, negligência, falta de atenção e cuidados devidos pelo condutor cuja identidade se desconhece e que bem poderia tê-lo evitado.

23 – Como consequência directa e necessária do acidente, o autor perdeu, de imediato, a consciência, e sofreu ferimentos graves.

24 – Tendo sido socorrido pelos bombeiros do INEM.

25 – Foi transportado ao Hospital de Abrantes.

26 – Onde veio a recuperar novamente a consciência, após período de agitação e confusão mental que se manteve até ao dia seguinte.

27 – Também como consequência directa e necessária do acidente o autor sofreu lesões na perna esquerda, não conseguindo andar, tinha dores em todo o corpo, feridas na face e no braço esquerdo.

28 – Nesse hospital foi suturado e fez pensos nas feridas, RX, tendo ficado internado no serviço de ortopedia com diagnóstico de fractura dos ossos da perna esquerda.

29 – Foi operado no dia 04.07.2013, com encavilhamento fechado com cavilha T2.

30 – No dia 07.07.2013 teve alta para o domicílio, não conseguindo ainda locomover-se.

31 – Pelo que se manteve acamado, necessitando de apoio de terceira pessoa para a realização das suas tarefas básicas até ao dia 31.07.2013.

32 – Ainda no domicílio começou a fazer tratamentos de Fisioterapia, bem como a fazer treino de marcha com recurso a canadianas.

33 – No dia 13.08.2013, deslocou-se à consulta de ortopedia, onde foi submetido a RX de controle.

34 – Tendo sido requisitado pelo médico ortopedista programa de fisioterapia para que o autor continuasse a sua recuperação.

35 – Programa esse, que realizou no Entroncamento até ao dia 12 de Agosto de 2013.

36 – O autor manteve sempre dores na perna esquerda que lhe dificultavam o exercício da profissão.

37 – A partir de Outubro de 2016 a sua situação agravou-se, uma vez que lhe surgiu edema do joelho esquerdo e perna esquerda.

38 – O autor deslocou-se a Santarém, à consulta de ortopedia ao Hospital da CUF, tendo feito RX que revelou presença ainda do material de osteossíntese, as cavilhas aplicadas na altura do acidente.

39 – Após observação pelo médico ortopedista, foi proposta indicação para remoção do material de osteossíntese.

40 – O autor foi operado a 24.04.2017, tendo tido alta a 25.04.2017.

41 – A partir dessa data iniciou marcha com canadianas até dia 31.05.2017.

42 – O autor regressou à consulta de ortopedia a 07.06.2017, realizando novo RX de controle ao joelho esquerdo.

43 – Tendo-lhe nesse dia sido atribuída alta médica.

44 – Actualmente, o autor apresenta:

- Dores na perna esquerda que se agravam com a marcha;

- Dificuldades em andar em terrenos irregulares ou descer escadas;

- Dores na cicatriz operatória;

- Mais dores com as mudanças de tempo;

- Dores à flexão do joelho e tibiotársica esquerda que dificulta o exercício da sua profissão.

45 – Em termos de exame objectivo apresenta:

- Atrofia muscular da perna esquerda em 3 cm;

- Cicatriz operatória no joelho com 5 cm;

- Cicatriz operatória na perna esquerda com 3 cm;

- Ligeira rigidez à flexão plantar;

- Cicatriz operatória na região tibiotársica esquerda com 3 cm;

- Cicatriz dolorosa na região do 1/3 superior da perna esquerda;

- Dores à flexão do joelho e tibiotársica esquerdas.

46 – A data da consolidação foi fixada em 07.06.2017.

47 – Sendo que o período que decorreu entre a data do acidente e a data de consolidação foi de incapacidade temporária.

48 – No que respeita à Incapacidade:

a) o período de défice funcional temporário total foi de 11 dias;

b) o período de défice funcional temporário parcial foi de 1430 dias;

c) o período de repercussão temporária da actividade profissional total foi de 65 dias;

d) o período de repercussão temporária da actividade profissional parcial foi fixado em 1376 dias.

49 – As intervenções cirúrgicas a que o autor foi submetido causaram-lhe dores e angústia, pelo risco que qualquer operação implica, a que se aliou o prejuízo provocado na sua saúde pelas anestesias que lhe foram administradas.

50 – O autor sofreu dores em consequência dos ferimentos e as decorrentes dos tratamentos a que foi submetido.

51 – A que se juntou a incomodidade do internamento e a acamamento a que foi obrigado e a causada pelo uso de canadianas, com os consequentes desconforto e mal-estar, além do afastamento dos familiares e amigos.

52 – O quantum doloris durante o período de incapacidade temporária, tendo em vista as lesões sofridas e os tratamentos efetuados, que inclui uma intervenção cirúrgica com anestesia geral, foi quantificado de grau 4 “considerável” no escalonamento progressivo; sendo que 1) muito ligeiro, 2) ligeiro, 3) moderado, 4) médio, 5) considerável, 6) importante e 7) muito importante.

53 – Em relação ao défice funcional permanente da integridade psico-física foi de 3 pontos.

54 – O dano estético é o resultado das cicatrizes a nível da perna esquerda, que confrontados com a idade, sexo e condição socio-profissional do examinado, poderá ser qualificado no caso em apreço de grau 1 “muito ligeiro”, dentro de escalonamento utilizado para o quantum doloris.

55 – Na data do acidente o autor tinha 21 anos de idade.

56 – Era um jovem saudável, escorreito e sem qualquer defeito físico.

57 – Em virtude das sequelas que o autor ficou portador em consequência do acidente em apreço, deixou de poder praticar as modalidades desportivas de corrida, bicicleta e canoagem a que se dedicava, com grande satisfação.

58 – A partir da data do acidente, o mesmo, desgostosamente, jamais pôde praticar desporto.

59 – A impossibilidade de praticar desporto, bem como as sequelas de que é portador, fazem-no sentir diminuído perante si próprio, em cada instante.

60 – Perante os seus familiares e amigos.

61 – No meio social e profissional em que se insere.

62 – Causando-lhe enorme desgosto e terríveis complexos de inferioridade física.

63 – Tanto mais que o autor era um rapaz saudável, escorreito, activo e trabalhador, e agora vê-se como um deficiente, já que está fisicamente muito limitado.

64 – Por outro lado, o autor todos os anos ia passar férias à praia, na época balnear, acompanhado da família e amigos.

65 – Usando o calção de banho tradicional.

66 – Sucede que, por virtude das sequelas de que é portador, o autor deixou de o poder fazer.

67 – Facto que o deixa desgostoso, desolado e com terríveis complexos de inferioridade. (artº 69º da petição inicial)

68 – Além do mais, e devido as sequelas acima referidas, o autor passou a ter dificuldades de relacionamento social, com os colegas e amigos, uma vez que não os pode acompanhar nas actividades que tinham, antes do acidente do autor e que aqueles mantêm.

69 – Assim como, passou a ter dificuldades em relacionar-se com as raparigas, porquanto sente grandes complexos, em virtude das suas sequelas.

70 – Tudo isto, causa ao autor enorme desgosto e complexos de inferioridade.

71 – O desgosto e os complexos de inferioridade do autor são permanentes e contínuos e lançaram-no numa constante angústia e má disposição.

72 – Causando-lhe trauma psíquico e abalo moral, de grau 2 “ligeiro”, dentro de escalonamento utilizado para o quantum doloris.

Na sentença recorrida, foram julgados não provados os seguintes factos:

A) O acidente de viação em apreço constituiu no despiste isolado do veículo conduzido pelo autor.

B) O veículo (…) conduzido pelo autor despistou-se para a direita em plena curva.

C) E foi embater frontalmente numa oliveira que se encontrava na berma, a cerca de um metro da faixa de rodagem, contra a qual ficou imobilizado.

D) O veículo do autor sofreu danos em toda a sua estrutura, que traduzem a violência do embate e denunciam a velocidade elevada a que o autor seguia, incompatível com o respeito pelo limite de 50 km/h que se impunha no local.


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1 – Montante da indemnização:

O tribunal a quo atribuiu ao recorrido uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de € 40.000,00. O recorrente pretende a redução do montante dessa indemnização para € 6.000,00.

O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil (CC), estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito. A 1.ª parte do n.º 4 do mesmo artigo dispõe que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, a saber, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar o lesado do sofrimento em que aqueles se traduzem. Como o dano não pode ser suprimido, procura-se aquela compensação através da atribuição de uma quantia em dinheiro que, em toda a medida do possível, proporcione ao lesado um benefício proporcional ao seu sofrimento.

Os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido são muito significativos. Nomeadamente, o recorrido sofreu, além de outros ferimentos, fractura dos ossos da perna esquerda, foi sujeito a duas operações (em 04.07.2013 e 24.04.2017), esteve acamado durante quase um mês, necessitando, então, de apoio de terceira pessoa para a realização das suas tarefas básicas, teve de se sujeitar a tratamentos, consultas e exames médicos, teve períodos em que necessitou de canadianas para andar e apresenta diversas sequelas. Os períodos de incapacidade foram longos. O quantum doloris foi fixado no grau 4 numa escala de 1 a 7. O défice funcional permanente da integridade psico-física foi de 3 pontos.

Realce-se que, à data do acidente, o recorrido tinha apenas 21 anos de idade e era saudável, sem qualquer defeito físico. Desde o acidente e por causa das lesões deste resultantes, a qualidade de vida do recorrido degradou-se acentuadamente, nos termos descritos na sentença recorrida. Devido às sequelas de que ficou portador, o recorrido deixou de praticar as modalidades desportivas a que anteriormente se dedicava e ficou compreensivelmente abalado.

Em face do quadro factual detalhadamente descrito na sentença recorrida em matéria de danos não patrimoniais, cujos aspectos mais relevantes procurámos resumir, tem plena justificação, à luz do critério legal acima enunciado, a indemnização de € 40.000,00 atribuída pelo tribunal a quo. Deverá, pois, a sentença recorrida ser confirmada nesse aspecto.

2 – Momento a partir do qual se contam os juros de mora:

O recorrente sustenta que são devidos juros de mora a partir, não da data em que foi citado, mas daquela em que a sentença recorrida foi proferida.

O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002 fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.”

A existência da referida actualização pode resultar expressa ou tacitamente da decisão. Ocorrerá esta última hipótese quando o montante da indemnização for fixado através da equidade, pois, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.2008 (relator: Bettencourt de Faria), “uma quantia fixada segundo a equidade, é-o, atendendo aos padrões actuais de justiça do julgador. Deste modo, ainda quando nada se diga, há que entender que tal montante é fixado de forma actualizada.” No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2018, (relator: Álvaro Rodrigues), no qual se reiterou, nomeadamente, que “ainda que não tenha sido declarada expressamente tal actualização, a aplicação do critério da equidade para a determinação do quantum indemnizatório evidenciaria tacitamente a mesma”.

Pode acontecer que uma sentença não proceda ao cálculo do montante de uma indemnização por danos não patrimoniais com referência à data da sua prolação, ou seja, a um cálculo actualizado dos mesmos danos, não obstante basear-se necessariamente no critério de equidade estabelecido no artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do CC. Nessa hipótese, não tem aplicação a jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, contando-se os juros de mora a partir da citação, nos termos do artigo 805.º, n.º 3, 2.ª parte, do CC.

Porém, para poder concluir-se que não se procedeu a tal actualização do montante da indemnização à data da prolação da sentença, esta última terá de o dizer de alguma forma. Na ausência de fundamento para interpretar a sentença nesse sentido, será legítimo concluir-se, pelas razões anteriormente referidas, que o cálculo do montante da indemnização se reporta à data da prolação da sentença e, consequentemente, que, por aplicação da jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, a contagem de juros de mora se inicia naquela data.

Debruçou-se expressamente sobre esta questão o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.06.2017 (relator: Lopes do Rego), cujo sumário citamos na parte que agora nos interessa: “IV. Na normalidade das situações poderá admitir-se, em princípio, que – assentando o valor indemnizatório arbitrado a título de compensação dos danos não patrimoniais essencialmente em juízos equitativos – estes terão sido formulados actualizadamente à data em que a sentença, fixando a indemnização, foi proferida: nada se dizendo sobre tal questão na sentença, o que estará fundamentalmente em causa será proceder a uma interpretação do nela estipulado, procurando determinar objectivamente, à luz da fundamentação emitida e que suporta o conteúdo decisório, se o juiz incorporou no juízo equitativo que está essencialmente na base dessa avaliação do dano, quer os valores monetários correntes, quer os próprios critérios jurisprudenciais vigentes nesse momento (e não na data da produção do acidente). V. Porém, se o juiz que a proferiu referir explicitamente que não se procedeu a qualquer actualização de tais valores indemnizatórios, serão os juros de mora devidos desde a data da citação.” Ou seja, decidiu-se em consonância com a jurisprudência do mesmo tribunal que anteriormente citámos e com a qual inteiramente concordamos.

No caso dos autos, o tribunal a quo fixou o montante dos danos não patrimoniais com recurso à equidade, nos termos do artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do CC. Logo, pelas razões anteriormente referidas, deverá, na interpretação da sentença recorrida, partir-se do princípio de que aquela fixação teve como ponto de referência a data da prolação da mesma sentença. Só assim não será se esta última contiver algum elemento que permita concluir que a fixação do montante da indemnização teve como ponto de referência outra data, como a da citação da recorrente. Ora, nada na sentença recorrida legitima tal interpretação. Ao invés, a fundamentação da sentença inculca que o tribunal a quo procedeu a um cálculo actualista, ou seja, reportado à data em que decidiu a causa, do montante da indemnização.

Sendo assim, concluímos que, neste ponto, a razão está do lado do recorrente. Por aplicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, são devidos juros de mora a partir da data da prolação da sentença recorrida (10.03.2020) e não da citação.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso parcialmente procedente, mantendo-se a condenação do recorrente a pagar ao recorrido uma indemnização, por danos não patrimoniais, no montante de € 40.000,00, mas determinando-se que a contagem dos juros de mora, à taxa fixada na sentença recorrida, se inicie em 10.03.2020, data da prolação desta última.

Custas por recorrente e recorrido na proporção do respectivo decaimento.

Notifique.


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Sumário:

(…)


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Évora, 14.01.2021

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata