Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4/16.1T9STR.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
INTERRUPÇÃO
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
REENVIO DO PROCESSO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário:
I. Não resulta da lei processual penal – concretamente do disposto nos artigos 328.º, 118.º, n.ºs 1 e 2, 119.º e 120.º, n.º 2 – que a inobservância do prazo consagrado no n.º 6 do artigo 328.º constitua nulidade. Semelhante inobservância, a ocorrer, constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo penal.

II. A afirmação do crime na forma continuada impõe o conhecimento em conjunto do comportamento delituoso. Neste contexto, não resta senão proceder à soma das quantias declaradas à Segurança Social, não para se determinar se o crime de abuso de confiança deve ser qualificado, mas para determinar o montante global que não foi entregue à Segurança Social. Da fixação desse montante pode resultar a qualificação do crime.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 4/16.1T9STR do Juízo Local de Benavente da Comarca de Santarém, mediante acusação pública, foi pronunciada:

P. .. S.A.”, pessoa coletiva n.º ---, com sede na Zona Industrial de Muge, em Muge,
pela prática, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, previsto e punido pelos artigos 7.º e 107.º, n.ºs 1 e 2, com referência ao disposto no artigo 105.º, n.ºs 1, 4, 5 e 7, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, e ao disposto nos artigos 26.º e 30.º, n.º 2, do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 3 de maio de 2018, foi decidido:

«(…)condenar a arguida P…,, S.A. pela prática, na forma consumada e continuada, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.ºs 1 e 3, 107.º, n.º 1 e 105.º, n.ºs , 4, alíneas a) e b), 5 e 7, ex vi do artigo 107.º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias, bem como nos artigos 26.º e 30.º, n.º 2, do Cód. Penal, na pena de 350 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, perfazendo um total de
€ 1.750,00.
*
Condenar a sociedade arguida P…, S.A.. no pagamento de 2 [duas] U.C.’s de taxa de justiça e nas demais custas do processo, nos termos dos art.ºs. 513.º, n.º 1 e 2 e 514.º do Cód. Proc. Penal e art.º 8.º, n.º 9 e da tabela III anexa ao RCP.»

Inconformada com tal decisão, a Arguida dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«I.I – DA NULIDADE DA SENTENÇA, POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO N.º 6 DO ART. º 328 CPP
1.
A Sentença proferida pelo tribunal A Quo enferma de uma nulidade absoluta, nos termos do Art.º 120º, n.º 2 do CPP, al. d) do CPP, em razão de a mesma violar o princípio da imediação das provas e continuidade da audiência, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos, porquanto,

2.
No dia 22.02.18 o tribunal A Quo deu por encerrada a audiência de julgamento.

3.
No dia 01.03.2018, data agendada para a leitura o tribunal A Quo decide reabrir a audiência de julgamento para que fosse produzida prova suplementar.

4.
Em 22.03.18 foi produzida a prova suplementar e exercido o direito ao contraditório, tendo a audiência de julgamento sido encerrada em 03.05.2018, seguindo-se na mesma diligência a leitura da sentença.

5.
Entre a data da produção do prova suplementar e a data de continuação da audiência de julgamento e leitura da sentença, decorreu mais de 30 dias sem que tenham existido causas interruptivas da mesma.

6.
Nos termos do Art. 328 do Código do Processo Penal, o legislador definiu: “1. A audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento; 6- O adiamento não pode exceder 30 dias (...)”, consagrando assim o princípio da continuidade e da concentração da audiência de julgamento no processo penal.

7.
A reaberta a audiência de julgamento para a produção de prova suplementar a mesma fica sujeita aos prazos previstos para a continuidade da audiência de julgamento.

8.
Pelo que, o tribunal A Quo andou mal quando entre a data de produção da prova suplementar e a data de encerramento da audiência de julgamento decorreu mais de 30 dias sem que exista uma causa justificativa ou interruptiva para tal, pelo que, a prova produzida perde eficácia, termos em que o julgamento deverá ser declarado inválido.

9.
Deste modo, a sentença proferida enferma de nulidade absoluta, nos termos do Art. 120º, n.º2 do CPP, al. d) do CPP, tal nulidade envolve a invalidade do julgamento e, consequentemente, da própria sentença, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos, termos em que a sentença deve ser declarada nula.

I.II – DA PRESCRIÇÃO DO CRIME
10.
O tribunal A Quo decidiu condenar a arguida P…, S.A. na forma consumada e continuada de um crime de abuso de confiança contra a segurança social qualificado, previsto e punido pelos artigos 7º, nº1 e 3, 107º, n.º1 e 105º, n.º4 alíneas a) e b) 5 e 7, ex vi do artigo 107º, todos do Regime Geral das Infrações Tributárias(…)

11.
No entanto, o Tribunal A Quo interpretou incorretamente, a norma do n.º 2 do Art.º 107º do CPP, quando o mesmo interpreta a norma, no sentido de somar o valor constante nas diversas declarações apresentadas pelo contribuinte à segurança social, nos períodos pelos quais a sociedade arguida vem acusada, para verificar se o mesmo enquadra os pressupostos da qualificação ou não.

Artigo 107.º
1 – As entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total o parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.ºs 1 e 5 do artigo 105.º.
2 – É aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 7 do artigo 105.º

Sendo aplicável os nº. 4 e 7 do Art.º 105 do RGIT,

Artigo 105.º
4 – Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.
7 – Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a presentar à administração tributária. (sublinhado nosso)

12.
Salvo o devido respeito, tal entendimento não é correto e não resultada lei, porquanto, os valores a considerar para efeitos de qualificação do crime, afere-se pelo valor constante em cada uma das declarações em cada período e individualmente e não do somatório de todos os períodos, conforme resulta, do n.º 7 do Art.º 105º do RGIT.

13.
Ou seja, das declarações apresentadas pela sociedade arguida P. à Segurança Social, resulta claro e manifesto que, no período de Fevereiro a Dezembro de 2010 que consta na acusação, não existe nenhuma declaração cujo imposto declarado seja em montante igual ou superior a € 50.000,00, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos.

14.
Antes pelo contrário, da análise dos valores declarados em cada um dos períodos nos meses de Fevereiro a Dezembro de 2010, nenhum dos mesmos é igual ou superior a € 50.000,00, logo, o crime de abuso de confiança fiscal nunca poderá ser enquadrável como crime qualificado mas antes simples.

15.
Assim, em abstrato, o crime alegadamente praticado pela sociedade arguida, de abuso de confiança fiscal para com a segurança social é de natureza simples, pelo que, a moldura penal não excedendo três anos, a prescrição do procedimento criminal é de 5 anos, nos termos da alínea c) do n.º1 do Art.º 118 do CPP, aplicável ex vi, do disposto no Art.º 21º do RGIT.

16.
Ou seja, andou mal o tribunal A Quo quando decide que não há lugar a prescrição do procedimento criminal pelo qual a sociedade arguida vem acusada, em razão de o crime praticado pela referida sociedade sendo de natureza qualificada, o prazo de prescrição é de 10 anos,

17.
Quando na verdade, tal conclusão e decisão enferma numa deficiente leitura da norma do n.º 2 do Art.º 107 do CPP, relativamente ao apuramento do valor para efeitos de qualificação.

18.
Gerando como consequência uma deficiente leitura do prazo de prescrição aplicável, uma vez que, sendo o prazo de prescrição de cinco anos, in casu, entre a data da prática do crime e a data da acusação, decorreu mais de cinco anos, pelo que, encontra-se prescrito o procedimento criminal, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos.

I.III - DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO

19.
O tribunal A Quo deu como provado no que à questão suscitada diz respeito que, nos períodos compreendidos entre os meses de Fevereiro de 2010 e Dezembro de 2010, a sociedade arguida deixou de cumprir a obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e aos órgãos estatutários, no montante em dívida à Segurança Social - € 58.174,81, conforme resulta dos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados.

20.
O tribunal A Quo deu ainda como provado que, dos salários declarados e mencionados em 5 e 6, os salários referentes aos meses de Março e Abril não foram pagos aos trabalhadores constantes no ponto 16.

21.
No entanto, e não obstante o tribunal dar por provado que os salários de 95 trabalhadores que se encontram descritos no ponto 16, não foram pagos nos meses de Março e Abril de 2010,

22.
O tribunal A Quo condenou a sociedade arguida P. na pratica de um crime de abuso de confiança fiscal qualificado, pela não entrega ao estado do imposto retido no montante de €58.174,81, quando tal facto é manifestamente errado e não corresponde à verdade dada como provada pelo próprio tribunal, fazendo assim tabua rasa dos factos dados como provados e, condenando a sociedade pela pratica de um crime de abuso de confiança fiscal para com a segurança social por um montante superior aquele que em abstrato era devido.

23.
Existe um vicio de contradição insanável da fundamentação e da decisão, ou seja, seguindo um fio condutor de raciocínio logico do julgador é manifesta a colisão entre os factos que o mesmo dá por provados e a decisão da sentença proferida.

24.
É manifesto o erro e notório o mesmo, quando o tribunal A Quo dá como provado que os salários não foram pagos nos meses de Março e Abril de 2010 e condena a arguida pela falta de entrega do imposto que não foi retido aos trabalhadores no referido período.

25.
Assim face ao vicio da efetiva contradição insanável da decisão deve a sentença proferida ser revogada, nos termos e para os legais efeitos.

I.IV – ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
26.
O tribunal A Quo aferiu da sua convicção na “ausência de contraindícios, as declarações de remunerações remetidas pela sociedade arguida à Segurança Social constituem prova bastante de que tais remunerações foram pagas e deduzidas as contribuições devidas à Segurança Social” conforme resulta da sua motivação.

27.
Salvo douto e melhor entendimento, o tribunal A Quo andou mal quando considera pela prova indiciária a ocorrência da prática do crime, violando assim o princípio do in dúbio pro reu, o que se invoca nos termos e para os legais efeitos.

28.
O tribunal só poderá decidir com base na prova indiciária quando se encontra munido de uma pluralidade de factos indiciários plenamente provados e absolutamente credíveis para concluir pela inexistência de qualquer dúvida razoável, sob pena de, violar o princípio do in dúbio pro reu.

29.
Pode ou deve o tribunal A Quo presumir que o mero envio das declarações tributárias à Segurança Social constitui elemento de prova bastante para se considerar produzida a prova indiciária? Em nosso entender não, desde logo porque a sociedade arguida negou ter retido o valor dos impostos em causa, em razão de não ter pago os salários aos trabalhadores no período de Fevereiro a Dezembro de 2010.

30.
A sociedade arguida juntou cópia das reclamações de créditos apresentadas pelos 95 trabalhadores, que reclamaram o pagamento de salários, nomeadamente Março de 2010, por não terem sido pagos, assim como, os mesmos comunicaram a suspensão dos contratos de trabalho, deixando de prestar trabalho.

31.
Compete à acusação demonstrar que a sociedade arguida efetivamente reteve o valor dos impostos em causa, pelo que, competia ao MP ter feito diligências de prova para demonstrar que os trabalhadores que constam nas declarações de Fevereiro a Dezembro de 2010 efetivamente receberam as suas remunerações.

32.
Acresce que o tribunal A Quo já havia reconhecido no ponto 16 dos factos provados que, 95 dos trabalhadores não receberam os seus salários,

33.
Ou seja, os indícios existentes nos autos são mais no sentido de que os salários não foram pagos do que, os mesmos tenham efetivamente sido pagos os trabalhadores.

34.
Assim e resultando a decisão da prova indiciária, o mesmo não devia ter concluído que a mera submissão das declarações à segurança social é prova indiciária bastante, quando, da prova documental produzida resulta efetivamente que os salários não foram pagos.

35.
Logo, o tribunal A Quo ao ter formado a sua “convicção” com base na prova indiciária, não resultando da mesma uma demonstração cabal e sem quaisquer dúvidas de que os salários foram efetivamente pagos, submetendo a referida prova ao princípio do in dúbio pro réu, deveria o mesmo ter concluído pela absolvição da arguida face à existência de uma dúvida razoável que resulta da prova.

Nestes termos e nos melhores de Direito e com mui suprimento dos Excelentíssimos Desembargadores, deverá a sentença proferida pelo tribunal A Quo:

A) Declarar a nulidade da sentença face à invalidade do julgamento, nos termos do Art.º 328º conjugado com o Art.º 371 e 120º do CPP, revogando a mesma;

B) Declarar prescrito o procedimento criminal, revogando a sentença proferida por outra que absolva a sociedade arguida;

C) Declarar a contradição insanável entre a fundamentação e a sentença, revogando a sentença proferida;

D) Declarar a existência de erro na apreciação da prova, revogando a sentença e substituindo a mesma por outra em que a sociedade arguida seja absolvida, fazendo-se assim JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Nenhuma invalidade afeta o julgamento realizado e tampouco nula é a sentença proferida, para efeitos do invocado no artigo 120.º n.º 2 alínea d) do Código de processo penal, porquanto a prova produzida em audiência de discussão e julgamento não perdeu a sua eficácia, nos termos previstos pelo n.º 6 do art.º 328.º do Código de Processo Penal e Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 11/2008, publicado no DR, I Série de 11.12.2008, já que no período de tempo decorrido entre o dia 22 de fevereiro de 2018 – data do início da audiência de discussão e julgamento – e o dia 3 de maio de 2018 – data da sua continuação e de leitura da sentença – não pode, nos termos previstos pelo n.º 7 do referido art.º 328.º do Código de Processo Penal, ser considerado para efeitos da contagem do prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do mesmo diploma legal, porquanto, todo ele foi período em que, por motivos estranhos ao Tribunal, os autos aguardaram a realização de diligências de prova.

2. Mesmo que o crime continuado de abuso de confiança contra a Segurança Social cometido pela sociedade arguida fosse na forma simples, o prazo de prescrição do procedimento criminal de cinco anos - de harmonia com o preceituado no art.º 21.º, n.º 1, RGIT e do art.º 118.º n.º 1 alínea c) do Código Penal – não se mostraria, a esta data, integralmente decorrido, porquanto ressalvados os períodos de suspensão d etal prazo de prescrição verificados pelas respetivas causas suspensivas ocorridas, constata-se que desde 15 de abril de 2011 – início da contagem do prazo prescricional – tendo ocorrido causas interruptivas do mesmo – constituição da sociedade na qualidade de arguida em 08 de janeiro de 2016, e a notificação da acusação contra si deduzida em 18 de maio de 2016, nos termos previstos pelo art.º 121.º n.º 1 alíneas a) e b) do Código Penal – não decorreu ainda, conforme prevê o n.º 3 do art.º 121.º do Código Penal, o prazo normal de prescrição de cinco anos acrescido de metade, ou seja, dois anos e seis meses.

3. A sentença recorrida não padece do invocado vício de contradição na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão proferida, porquanto se não surpreende no elenco dos factos dados como provados qualquer factualidade incompatível entre si, tendo-se a Mma. Juiz a quo, com referência aos salários declarados e sob alusão nos pontos 5 e 6 da matéria de facto provada, limitado a também dar como provado que, nos meses de março e parte de abril de 2010 os salários não foram pagos aos trabalhadores discriminados no ponto 19 da matéria de facto dada como provada, o que não equivale a dizer que não foram pagos à totalidade dos trabalhadores da sociedade arguida, conforma pretenderia a recorrente.

4. A sentença recorrida não padece identicamente do vício de erro notório na apreciação da prova que lhe aponta a sociedade arguida recorrente, na medida em que a convicção do Tribunal a quo relativa à matéria de facto dada como provada não foi arbitrária, tendo antes encontrado o seu sustento na análise conjugada da prova documental junta aos autos – declarações de remunerações remetidas pela sociedade arguida à segurança social – com as declarações das testemunhas inquiridas – designadamente os trabalhadores da sociedade arguida que afirmaram ter recebido, no indicado período os seus salários, e o senhor funcionário da Segurança Social, LMN, que confirmou que a sociedade arguida não procedeu à entrega das cotizações deduzidas nos salários dos trabalhadores – sendo de resto lógica e consonante com o entendimento jurisprudencial apropriadamente citado.

5. A decisão proferida foi-o de acordo com os princípios da imediação e da livre convicção do julgador, estribando-se em todos os mencionados elementos de prova diante de si produzidos. Devidamente, concatenados com as sobreditas regras e máximas de lógica e de normal experiência da vida, tendo a Mma. Juiz a quo ficado esclarecida sobre o ocorrido, razão pela qual nenhuma dívida se suscitou no seu espírito ou deveria ter suscitado que justificasse a aplicação do princípio in dubio pro reo, o qual, na situação dos autos, não foi, apropriadamente, convocado.

Termos em que entendemos dever ser mantida nos seus exatos termos a sentença proferida pela Mma. Juiz a quo, negando-se provimento ao recurso interposto e julgando-se o mesmo, totalmente, improcedente.

Decidindo, Vossas Excelências farão justiça.»
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, acolhendo as razões expressas na resposta apresenta pelo Ministério público, na 1.ª Instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância são colocadas as questões:

- da invalidade decorrente da inobservância do disposto no n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal;
- da prescrição do procedimento criminal;
- da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
- do erro notório na apreciação da prova.

Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

1. A arguida "P…, SA", tem por objeto social “metalomecânica ligeira, produtos metálicos, importação e exportação.”

2. JMN exerceu as funções de administrador da sociedade arguida, desde 26.06.1997 até ao dia 19 de Janeiro de 2011.

3. No desempenho de tais funções o arguido detinha poderes para efetuar pagamentos a fornecedores, a entidades bancárias, para fracturação, para contratação de empregados, processamento de salários e pagamentos à Administração Fiscal e Segurança Social.

4. A sociedade arguida no período de Fevereiro de 2010 a Dezembro de 2010, exerceu de facto a atividade a que se tinha destinado, satisfazendo prestações a diversos clientes e pagando, pelo menos em parte, aos seus fornecedores e demais credores.

5. No exercício da sua atividade a sociedade arguida teve sob a sua dependência laboral, um número variável de trabalhadores declarados à Segurança Social, os quais recebiam os seus salários e estavam sujeitos à retenção na fonte das contribuições por eles devidas à Segurança Social, calculadas pela incidência de percentagens fixadas na lei sobre as remunerações auferidas.

6. Das remunerações por si pagas aos seus trabalhadores (código 000) e aos membros dos seus órgãos sociais (código 669) a sociedade arguida deduziu as contribuições por estes devidas à Segurança Social, nos termos estipulados no art.º 5.º n.º 2 e n.º 3 do Decreto-lei n.º 103/80 de 9 de Maio e artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 199/99 de 8 de Junho.

7. Sucede, porém que nos períodos compreendidos entre os meses de Fevereiro de 2010 e Dezembro de 2010, a sociedade arguida deixou de cumprir a obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e aos órgãos estatutários.

8. Assim, no período referido, a arguida "P…, S.A" não entregou à Segurança Social as contribuições deduzidas e retidas aos trabalhadores e órgãos estatutários, conforme se descrimina, no seguinte quadro:

- Fevereiro de 2010 – quotizações/trabalhador (€ 5.752,08, €4.796,72, €1.769,88, €2.877,54),
- Março de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 3.850,76, €6.209,14, €508,15, €811,04)
- Abril de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 4.160,35, €4.749,10, €673,95, €1.075,72),
- Maio de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.538,37, €229,39, €509,15, €406,34, €101,43),
- Junho de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 2.322,41, €11,79, €515,35, €1,95),
- Julho de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 846,24, €199,82, €515,35),
- Agosto de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.933,64, €539,62, €1.030,62),
- Setembro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.302,17, €672,03, €515,35),
- Outubro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.364,45, €371,63, €515,35),
- Novembro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 2.626,29, €100,71, €1.030,69),
- Dezembro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.259,28, €165,01, €315,94),
- TOTAL em dívida à Segurança Social - € 58.174,81.

9. JMN na qualidade de Administrador da sociedade arguida e entidade patronal, sabia que estava obrigado a entregar à Segurança Social as quantias monetárias resultantes dos descontos efetuados nos salários dos seus empregados e dos corpos gerentes, até ao dia 15 do mês seguinte àqueles a que se referiam, nos termos do disposto no art.º 10.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 199/99 de 8.06.

10. A sociedade arguida procedia mensalmente à entrega das folhas de remunerações na Segurança Social.

11. Todavia, a sociedade arguida não procedeu ao pagamento das contribuições legalmente imputáveis aos trabalhadores dentro dos prazos legais, nem nos 90 dias subsequentes.

12. Notificada a sociedade arguida para proceder ao pagamento das contribuições em divida à Segurança Social no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no art.º 105.º, n.º 4, al. b) do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 05 de Junho, na redação dada pela Lei n.º 53-A/2006 de 29 de Dezembro, aquela não o fez.

13. Efetivamente, a sociedade arguida reteve e não entregou até à presente data à Segurança Social a quantia total de € 58.174,81 referente às deduções por si efetuadas a título de contribuições para a Segurança Social nas remunerações dos seus trabalhadores e dos seus administradores, a qual ingressou no acervo patrimonial da sociedade, tornando-se coisa sua.

14. Não obstante a sua situação de divida à Segurança Social, a sociedade arguida, continuou a laborar, a pagar vencimentos, a efetuar pagamentos a fornecedores.

15. Sabia JMN que, na qualidade de administrador da sociedade arguida e entidade patronal, era responsável pelos pagamentos perante a Segurança Social das contribuições devidas pelos trabalhadores e pelos membros sociais, as quais eram, para tanto, por si deduzidas e retidas dos seus salários.

16. No entanto, e apesar de consciente desse seu dever, JMN, enquanto administrador da sociedade arguida, não efetuou esses pagamentos a que aquela estava obrigada, antes introduzindo no acervo patrimonial da sociedade arguida as quantias deduzidas das remunerações, com as quais efetuou diversos pagamentos relacionados com a atividade da sociedade.

17. Agiu JMN, enquanto administrador da sociedade arguida, de forma livre, deliberada e consciente, atuando em nome e no interesse da sociedade, sempre da mesma forma e repetindo as descritas condutas enquanto foi conseguindo, de modo idêntico de todas as vezes em que não efetuou a entrega mensal das quantias devidas à Segurança Social.

18. Bem sabia JMN, enquanto administrador da sociedade arguida que a sua conduta era proibida e criminalmente punida por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.

19. Mais ficou provado que dos salários declarados e mencionados em 5. e 6., os salários referentes aos meses de Março e parte de Abril não foram pagos aos seguintes trabalhadores:
(…)

20. A sociedade arguida foi declarada insolvente.

21. A sociedade arguida não tem quaisquer antecedentes criminais registados.»

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:

«Não existem factos a considerar não provados.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, valorada à luz das regras de experiência comum, nos termos do disposto no artigo 127.º do Cód. Proc. Penal.

O Tribunal considerou toda a documentação junta aos autos, nomeadamente, o mapa de fls. 5 e 6, a certidão comercial permanente da sociedade arguida de fls. 66 a 74, os extratos globais da declaração de remunerações e a notificação do artigo 105.º, n.º 4, alínea b) do Regime Geral das Infrações Tributárias de fls. 675.

O Tribunal ponderou o teor das declarações dos legais representantes da sociedade arguida, bem como o teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, NML, administrador de insolvência da sociedade arguida, LMN, gestor de contribuinte, NP e EP, ambas ex-trabalhadoras da sociedade arguida.

As testemunhas depuseram em tribunal de forma linear, isenta e objetiva, razão pela mereceram a credibilidade deste Tribunal.

Desde já se dirá que o Tribunal não teve em consideração o depoimento das testemunhas VV e DN, na medida em que as mesmas não revelaram ter conhecimento de factos pertinentes para a boa descoberta da verdade material.

Os factos constantes em 1., 2. e 20. ficaram provados com base na certidão do registo comercial da sociedade arguida, de onde se extrai o seu objeto social e a identificação do presidente do Conselho de Administração.

O facto constante em 3. resultou provado da conjugação do teor da certidão do registo comercial com as regras da experiência comum e da lógica, que nos permitem concluir que o legal representante da arguida tinha os poderes aí referidos.

No que concerne aos factos dados como provados em 4. a 8., 10., 11., 13. e 14., o Tribunal atendeu ao depoimento das testemunhas NML e NP.

Na verdade, a testemunha NML esclareceu o Tribunal sobre o valor das vendas faturadas pela sociedade arguida nos meses de Fevereiro a Dezembro de 2010, tendo a mesma apresentado valores positivos.

Por outro lado, a testemunha NP, ex-trabalhadora da sociedade arguida responsável pelo processamento dos salários, afirmou que a sociedade se encontrava a laborar em 2010, pese embora tenha sofrido uma redução significativa da produção, que chegou a estar totalmente paralisada. No entanto, esta testemunha foi perentória ao afirmar que a sociedade manteve sempre alguns trabalhadores ao seu serviço, cujos salários eram processados por si. Inquirida, esclareceu que apenas processava os salários dos trabalhadores que se encontravam efetivamente ao serviço.

Cotejando estes elementos probatórios com o objeto social da sociedade arguida (produção e comercialização de produtos de metalomecânica ligeira), apenas poderemos concluir que a sociedade arguida exerceu de facto a atividade a que se tinha dedicado, pese embora de forma reduzida a nível de produção.

Por outro lado, resulta claro do depoimento da testemunha NP que a sociedade arguida tinha um número variável de trabalhadores, cujos salários eram processados por si e posteriormente declarados à Segurança Social. O depoimento desta testemunha mostrou-se, nesta parte, corroborado pelo teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os extratos globais das declarações de remunerações e, bem assim, pelo depoimento da testemunha LMN, gestor de contribuinte, que confirmou o envio das referidas declarações.

Ora, na ausência de contraindícios, as declarações de remunerações remetidas pelo próprio arguido/contribuinte á Segurança Social - declarações onde constam discriminados os trabalhadores do empregador/arguido, os montantes dos salários pagos e as contribuições retidas - constituem prova (indireta) bastante de que tais remunerações foram pagas e deduzidas as contribuições devidas à Segurança Social. – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04/06/2013, processo n.º 952/09.5TALLE.E1, disponível in www.dgsi.pt.

É verdade que os legais representantes da sociedade arguida vieram alegar, em sede de audiência de julgamento, que os salários não foram pagos aos trabalhadores nos meses que aqui nos ocupam. Sucede, porém, que, para prova da alegação efetuada pelos legais representantes da sociedade arguida, apenas foram juntas aos autos as reclamações de créditos apresentadas pelos trabalhadores identificados em 19. Atento o teor das referidas reclamações, o Tribunal entendeu dar como provado o facto constante em 19.. Sempre se dirá que o mapa de pagamentos efetuados pelo senhor administrador de insolvência não se mostra suficiente para dar como provado a falta de pagamento dos salários, pois que daí não se retira a causa subjacente dos pagamentos efetuados.

No entanto, relativamente aos restantes trabalhadores e salários declarados pela sociedade arguida, não foram carreados quaisquer elementos de prova que ponham em causa o teor das declarações de remunerações remetidas à Segurança Social. Na verdade, as testemunhas NP e EP nada sabiam quanto ao efetivo pagamento dos salários, já que tal não cabia nas suas funções. De igual modo, a testemunha DN nada sabia, já que não estava ao serviço na data dos factos. As restantes testemunhas ouvidas nesta sede também nada sabiam concretamente.

Assim sendo, e na ausência de contraindícios, as declarações de remunerações remetidas pela sociedade arguida à Segurança Social constituem prova bastante de que tais remunerações foram pagas e deduzidas as contribuições devidas à Segurança Social.

Ora, a testemunha LMN afirmou em sede de audiência de julgamento que a sociedade arguida não procedeu à entrega das cotizações deduzidas nos salários dos trabalhadores, cujos valores se encontram elencados no mapa de fls. 5 e 6, que não se mostraram infirmados por quaisquer elementos probatórios juntos aos autos.

A partir do momento em que tais quantias foram descontadas das remunerações dos trabalhadores e, consequentemente, retidas pela sociedade arguida, devem ser consideradas, para todos os efeitos, propriedade da Segurança Social. Assim sendo, se tais quantias não foram entregues à Segurança Social, apenas se pode concluir que a sociedade arguida se apropriou delas.

Em face de tudo o que se deixou exposto, o Tribunal decidiu dar como provados os factos constantes em 4. a 8.. 10., 11., 13. e 14.

O facto constante em 12. resultou provado com base na notificação de fls. 675.

No que diz respeito ao elemento intencional, o mesmo resulta da conjugação da factualidade descrita conjugada com as regras de experiência comum. Na verdade, é de conhecimento geral e comum que as sociedades que têm trabalhadores a seu cargo no regime geral se encontram obrigadas a deduzir das remunerações base pagas aos mesmos as contribuições devidas à Segurança Social, contribuições estas que devem ser entregues ao Instituto de Gestão Financeira do Instituto da Solidariedade e Segurança Social.

Assim sendo, ao não proceder à entrega das quantias monetárias que haviam sido retidas para que as guardassem e viessem a entregar ao Instituto de Solidariedade e Segurança Social, não obstante ter conhecimento da obrigatoriedade da entrega das mesmas, apenas se pode concluir que a sociedade arguida agiu com o propósito concretizado de integrar na sociedade a quantia global de €58.174,81, que sabia não lhe pertencer, utilizando-a em proveito da sociedade arguida, bem sabendo que, agindo da forma descrita, obtinha uma vantagem patrimonial indevida e prejudicava os interesses do Estado, na veste da Segurança Social, na perceção dos montantes referidos.

Quanto aos antecedentes criminais da sociedade arguida, o tribunal teve em consideração o seu certificado de registo criminal.»

Conhecendo.

(i) Da nulidade da sentença decorrente da inobservância do disposto no n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal

Diz o Recorrente que a sentença proferida nos autos enferma da nulidade prevenida na alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, por invalidade do julgamento decorrente da inobservância do disposto no n.º 6 do artigo 328.º do mesmo compêndio legal – entre a data da produção de prova suplementar e a data da continuação da audiência de julgamento, em que teve lugar a leitura da sentença, decorreram mais de 30 (trinta) dias.

Vejamos se lhe assiste razão.

Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:

a. O julgamento nos presentes autos teve início em 22 de fevereiro de 2018.
Foi, então, produzida a prova arrolada nos autos e designado o dia 1 de março de 2018 para a leitura da sentença.

b. No dia 1 de março de 2018, foi determinada a reabertura da audiência para produção de prova suplementar, tendo sido solicitadas informações à Segurança Social.
E foi designado o dia 15 de março de 2018 para a continuação da audiência de julgamento.

c. No dia 15 de março de 2018, a Senhora Juiz titular do processo transferiu para o dia 6 de abril de 2018 a audiência que havia sido designada para 15 de março de 2018.
E justificou essa decisão com a circunstância de a Segurança Social não ter, até então, satisfeito o pedido que lhe havia sido dirigido.

d. No dia 15 de março de 2018, foram prestadas as informações solicitadas à Segurança Social.

e. No dia 5 de abril de 2018, por ainda se encontrar a decorrer o prazo para a Arguida se pronunciar quanto aos documentos juntos aos autos pela Segurança Social, a Senhora Juiz titular do processo transferiu para o dia 12 de abril de 2018 a audiência que havia sido designada para 6 de abril de 2018.

f. No dia 11 de abril de 2018, foi solicitada à Segurança Social «informação complementar à já prestada (…), uma vez que apenas chegou a faturação até maio, quando foi solicitada até setembro (…)».

g. No dia 11 de abril de 2018, foi proferida decisão judicial com o seguinte teor:

«Uma vez que, na sequência do anteriormente solicitado e por se ter verificado que os elementos juntos as autos não se mostravam completos, o Instituto da Segurança Social veio juntar aos autos novos documentos, documentos estes que na data de hoje foram notificados ao ilustre mandatário da arguida, que, nessa sequência, solicitou prazo para exercer o seu direito ao contraditório, e a fim de evitar a prática de atos e deslocações inúteis, decide-se dar sem efeito a diligência agendada nos presentes autos para o próximo dia 12 de abril de 2018 e designar, para o efeito, o próximo dia 26 de abril de 2018, pelas 13h45m.

Notifique e convoque pela forma mais expedita

h. E no dia 20 de abril de 2018, foi proferida decisão judicial com o seguinte teor:

«Estando o ilustre defensor da arguida impedido de comparecer na data agendada para a continuação da audiência de julgamento, decide-se dar sem efeito a data designada para o efeito e designar o próximo dia 3 de maio de 2018, às 13h45m.
Notifique demais d.n.»

i. No dia 3 de maio de 2018, após alteração da qualificação jurídica dos factos imputados à Arguida “P…, S.A.”, foi publicitada a sentença.

j) Nessa ocasião, a que esteve presente o Mandatário da Arguida, não foi suscitada a questão do desrespeito do prazo consagrado no n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal.

Diz o Recorrente que a inobservância do prazo consagrado no n.º 6 do artigo 328.º do Código de Processo Penal acarreta a nulidade absoluta prevenida na línea d) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.

Não vemos como, face ao que consta do referido preceito de lei - «Constituem nulidade dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: (…) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.»

E não resulta da lei processual – concretamente do disposto nos artigos 328.º, 118.º, n.ºs 1 e 2, 119.º e 120.º, n.º 2 – que a inobservância do prazo consagrado no n.º 6 do artigo 328.º constitua nulidade.

Semelhante inobservância, a ocorrer, constitui mera irregularidade, sujeita à disciplina do n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal.

Ora, como decorre da tramitação do processo que acima se deixou transcrita, ao ato de leitura da sentença proferida nos autos assistiu o Mandatário da Recorrente. Que, então, nada invocou.
O que impõe se conclua que a mencionada irregularidade, a ocorrer, ficou sanada.

Improcedendo o recurso, neste segmento.

(ii) Da prescrição do procedimento criminal
Neste domínio, invoca a Recorrente que o Tribunal a quo interpretou incorretamente o que consta do n.º 2 do artigo 107.º do RGIT, ao somar o valor constante nas diversas declarações apresentadas à Segurança Social, com o propósito de verificar se ocorrem os pressupostos da qualificação do crime de abuso de confiança.

E porque no período compreendido entre fevereiro e dezembro de 2010 não existe qualquer declaração cujo imposto seja igual ou superior a € 50 000,00 (cinquenta mil euros), o crime de abuso de confiança nunca poderá ser enquadrável como crime qualificado.

Assim, não excedendo a moldura penal abstrata do crime cometido pela Recorrente os 3 (três) anos de prisão, a prescrição do respetivo procedimento criminal é de 5 cinco) anos e já ocorreu.

Não lhe assiste razão.

Porque se encontra acusada pela prática de um único crime, na forma continuada.

A lei substantiva penal vigente regula no seu artigo 30.º a problemática do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único constituído por uma pluralidade de atos ou ações, traduzindo o pensamento desde há muito expresso pelo Professor Eduardo Correia, na sua obra “Unidade e Pluralidade de Infrações – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”.

Aí se consagra que
«1 O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
(…)»

O preceito legal aludido não fornece uma definição do que seja o concurso de crimes, limitando-se a indicar um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de crimes.

Numa primeira abordagem, pode dizer-se que a afirmação de um crime pressupõe uma resolução (decisão de praticar determinados atos), atos de execução e que estes preencham a previsão legal (integrem um tipo de crime previsto no Código Penal).

O n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal contém duas partes, ambas reportadas a situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente – na primeira parte dispõe-se que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos pela conduta do agente; na segunda parte declara-se que o número de crimes também se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

Estamos, assim, respetivamente, perante os denominados “concurso heterogéneo” (realização de diversos crimes decorrente da violação de diversas normas incriminadoras) e “concurso homogéneo” (realização plúrima do mesmo crime decorrente de violações da mesma norma incriminadora).

Certo é que, quer na primeira quer na segunda situação descritas, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só ação, como em vários factos ou ações. Efetivamente, a partir de um só facto ou de uma só ação podem realizar-se diversos crimes, por violação simultânea de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora; tal como a partir de vários factos ou de várias ações pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação repetida da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras.

Em qualquer destes casos, estamos perante concurso de crimes, já que o mesmo ocorre sempre que o mesmo agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer mediante vários factos.

Mas não pode ficar-se por aqui, sendo certo que o crime é um facto humano, tipicamente ilícito e culpável e que o tipo de crime abrange o conteúdo global da norma incriminadora, isto é, o tipo legal objetivo e subjetivo.

E sendo toda e qualquer infração criminal constituída por três elementos – o facto típico, a culpabilidade e a punibilidade –, não basta produzir pelo modo previsto na mesma ou em várias disposições legais o evento jurídico de cada uma, sendo também necessário que relativamente a cada crime concorrente se verifique vontade culpável. É indispensável que cada crime seja doloso ou culposo e, nessa medida, punível.

No caso de pluralidade de infrações, distingue-se entre o concurso legal, aparente ou impuro e o concurso efetivo, verdadeiro ou puro. No primeiro caso, verifica-se que a conduta do agente preenche formalmente vários tipos de crime, mas, por via de interpretação, conclui-se que o conteúdo dessa conduta é exclusiva e totalmente abrangido por um só dos tipos violados, pelo que os outros tipos devem recuar, não devendo ser aplicados.

Esses tipos de crime podem encontrar-se numa relação de especialidade [um dos tipos aplicáveis (tipo especial) incorpora os elementos essenciais de um tipo aplicável (tipo fundamental), acrescendo elementos suplementares ou especiais referentes ao facto ou ao próprio agente – situação em que deve ser aplicado o tipo especializado], de consumpção [o preenchimento de um tipo legal (mais grave) inclui o preenchimento de outro tipo legal (menos grave) – situação em que, por regra, deve ser aplicado o tipo mais grave], de subsidiariedade [certas normas só se aplicam subsidiariamente, ou seja, quando o facto não é punido por outra norma mais grave] e de facto posterior não punível [os crimes que visam garantir ou aproveitar a impunidade de outros crimes não são punidos em concurso efetivo com o crime de fim lucrativo ou de apropriação, salvo se ocasionarem um novo dano ao ofendido ou se dirigirem contra um novo bem jurídico].

No caso de concurso efetivo verdadeiro ou puro, entre os tipos legais preenchidos pela conduta do agente não se dá uma exclusão por via de qualquer das regras acabadas de enunciar, e as diversas normas aplicáveis surgem como concorrentes na aplicação concreta.

Dentro deste concurso faz-se a distinção entre o concurso ideal [quando mediante uma só ação se violam diferentes tipos (concurso ideal heterogéneo) ou se viola várias vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo)] e o concurso real [quando à pluralidade de crimes cometidos corresponde uma pluralidade de ações].

Resta referir que as relações entre normas que conduzem ao concurso legal aparente ou impuro não devem ser consideradas quando os bens jurídicos tutelados pelas normas violadas revestem natureza eminentemente pessoal.

Por último, importa ter presente que a regra constante no n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal, para além das restrições resultantes do concurso aparente sofre, ainda, a restrição resultante do crime continuado.

O crime continuado surge definido no n.º 2 artigo 30.º do Código Penal.
«Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.»

A afirmação do crime continuado pressupõe, pois, o cometimento de vários crimes – a execução plural do mesmo crime ou de crimes em que esteja em causa a lesão do mesmo bem jurídico –, uma homogeneidade na forma de execução desses ilícitos, através de um propósito idêntico e da mesma unidade do dolo, bem como a persistência de uma situação exterior que facilite a execução e diminua consideravelmente a culpa do agente.

Não se insurgiu a Arguida, ora Recorrente, contra a qualificação jurídica do crime que lhe foi imputado nos autos – um único crime, na forma continuada.

Esta forma, impõe o conhecimento em conjunto do seu comportamento delituoso.

Neste contexto, não resta senão proceder à soma das quantias declaradas à Segurança Social, não para determinar se o crime de abuso de confiança deve ser qualificado, mas para, nesse enquadramento determinar o montante global que não entregou à Segurança Social.

E da fixação desse montante, resulta a qualificação do crime.

Isto posto, o prazo de prescrição do procedimento criminal não decorreu ainda, por ser, pelo menos [[3]], de 10 (dez) anos e a sua contagem se iniciar em dezembro de 2010.

Improcede o recurso, também neste segmento.

(iii) Dos factos provadosa contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova

Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.

Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[4]]

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão. Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[5]]

O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[6]]

Em causa, nos presentes autos, está a não entrega, em tempo útil, à Segurança Social, de contribuições devidas após a sua dedução nos salários de trabalhadores e de membros dos órgãos sociais da “P…, S.A.”.

O crime de abuso de confiança em relação à segurança social, previsto e punido pelos artigos 105.º e 107.º, ambos do RGIT, consiste em o agente, após ter deduzido do valor das remunerações de trabalhadores e de membros dos órgãos sociais o montante das contribuições devidas a título de contribuição para o sistema de segurança social, não as entregar no tempo devido às instituições a que eram destinadas, dando-lhes outro destino, ou seja, desviando-as em proveito próprio ou alheio ou afetando-as a outro fim.

E o montante não entregue à Segurança Social releva para a qualificação do crime e, naturalmente, para a determinação da sanção a impor.

No ponto 6 dos factos provados diz-se que «Das remunerações por si pagas aos seus trabalhadores (código 000) e aos membros dos seus órgãos sociais (código 669) a sociedade arguida deduziu as contribuições por estes devidas à Segurança Social, nos termos estipulados no art.º 5.º n.º 2 e n.º 3 do Decreto-lei n.º 103/80 de 9 de Maio e artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 199/99 de 8 de Junho.»

Acrescenta-se, «Sucede, porém que nos períodos compreendidos entre os meses de Fevereiro de 2010 e Dezembro de 2010, a sociedade arguida deixou de cumprir a obrigação de entregar à Segurança Social tais contribuições, retidas mensalmente das remunerações pagas aos trabalhadores e aos órgãos estatutários.» - ponto 7 dos factos provados.

E ainda que «Assim, no período referido, a arguida "P…, S.A" não entregou à Segurança Social as contribuições deduzidas e retidas aos trabalhadores e órgãos estatutários, conforme se descrimina, no seguinte quadro:

- Fevereiro de 2010 – quotizações/trabalhador (€ 5.752,08, €4.796,72, €1.769,88, €2.877,54),
- Março de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 3.850,76, €6.209,14, €508,15, €811,04)
- Abril de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 4.160,35, €4.749,10, €673,95, €1.075,72),
- Maio de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.538,37, €229,39, €509,15, €406,34, €101,43),
- Junho de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 2.322,41, €11,79, €515,35, €1,95),
- Julho de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 846,24, €199,82, €515,35),
- Agosto de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.933,64, €539,62, €1.030,62),
- Setembro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.302,17, €672,03, €515,35),
- Outubro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.364,45, €371,63, €515,35),
- Novembro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 2.626,29, €100,71, €1.030,69),
- Dezembro de 2010 - quotizações/trabalhador (€ 1.259,28, €165,01, €315,94),
- TOTAL em dívida à Segurança Social - € 58.174,81.» - ponto 8 dos factos provados.

Mais adiante, no ponto 19 dos factos provados diz-se que:
«Mais ficou provado que dos salários declarados e mencionados em 5. e 6., os salários referentes aos meses de Março e parte de Abril não foram pagos aos seguintes trabalhadores:
(…)

E daqui decorre a afirmação simultânea de uma coisa e do seu contrário.

Que dos salários que pagou aos seus trabalhadores, a Arguida deduziu as contribuições por estes devidas à Segurança Social. E que das contribuições assim deduzidas, não entregou as relativas aos meses de fevereiro de 2010, março de 2010, abril de 2010, maio de 2010, junho de 2010, julho de 2010, agosto de 2010, setembro de 2010, outubro de 2010, novembro de 2010 e dezembro de 2010, num total de € 58 174, 81 (cinquenta e oito mil cento e setenta e quatro euros e oitenta e um cêntimos).

Que dos salários referidos não foram pagos a 95 (noventa e cinco) trabalhadores da Arguida os relativos ao mês de março de 2010 e a parte de abril de 2010.

Trata-se de inequívoca contradição que não encontra esclarecimento nem solução na sentença, antes se adensando na fundamentação da matéria considerada – como provada e não provada – pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Aí se refere que para prova da alegação dos legais representantes da Arguida da falta de pagamento dos salários aos trabalhadores no período compreendido entre fevereiro de 2010 e dezembro de 2010, tomaram-se em consideração autos de reclamação de créditos não confirmados pelo administrador da insolvência, uma vez que o mapa de pagamentos por este efetuado «não se mostra suficiente para dar como provada a falta de pagamento dos salários, pois que daí não se retira a causa subjacente dos pagamentos efetuados

Considerando que os simples autos de reclamação de créditos não bastam para afirmar a existência do crédito, a ausência de qualquer outro elemento probatório relativamente à falta de pagamento dos salários evidencia falha grosseira e ostensiva na análise da prova.

Ou seja, fica-se sem saber se os salários destes 95 (noventa e cinco) trabalhadores lhes foram ou não pagos nos meses de março e parte de abril de 2010 e se as respetivas contribuições por estes devidas à Segurança Social englobam os valores constantes do ponto 8 dos factos provados.

Questão determinante para a afirmação do crime em causa nos presentes autos.

Os defeitos assinalados constituem os vícios prevenidos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova – vícios que esta Relação não pode suprir, por falta de todos os elementos a tanto necessários, e para garantir o duplo grau de jurisdição consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Vícios que determinam o reenvio do processo para novo julgamento, relativo à sua totalidade, dada a importância das questões assinaladas para a decisão da causa – artigo 426.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, dando parcial provimento ao recurso, decide-se ordenar o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade – artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.

Sem tributação.
û
Évora, 2018 novembro 22
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)

______________________________________________
(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)
______________________________________________
(Renato Amorim Damas Barroso)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] Sem se considerarem causas de interrupção e de suspensão desse prazo.

[4] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.

[5] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.

[6] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.