Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4725/12.0TBPTM.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: VENDA EXECUTIVA
AGENTE DE EXECUÇÃO
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo o Tribunal apreciado requerimento apresentado pela Encarregada da Venda, indeferindo a pretensão de lhe ser atribuída a remuneração no montante reclamado, tal decisão, notificada à requerente em 2 de Outubro, sendo passível de apelação autónoma, uma vez que a execução fora declarada extinta, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 644.º, n.º 2, alínea g), 638.º, n.º 1, parte final, 852.º e 853.º, n.º 2, alínea a), pertencendo todos os preceitos ao CPC, e não tendo sido impugnada, transitou em julgado, tornando-se definitiva no processo independentemente do seu eventual desacerto ou de quaisquer vícios de que padecesse, ainda que idóneos a provocarem a sua nulidade.
Confrontado o Tribunal com requerimento apresentado pela encarregada da venda reiterando a sua pretensão, a excepção do caso julgado impedia nova pronúncia.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 4725/12.0TBPTM.E1[1]
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Execução de Silves – Juiz 1


I. Relatório
Banco (…), SA instaurou contra (…), (…), (…) e (…), a presente acção executiva para cobrança coerciva da quantia de € 72.104,74, respeitando € 65.231,43 a dívida de capital e o restante a juros vencidos, dando à execução dois contratos de mútuo, ambos garantidos por hipoteca incidente sobre o prédio que identificou.

Pelo Sr. AE nomeado nos autos foi efectuada penhora do usufruto de que eram beneficiários os executados (…) e (…), ambos entretanto falecidos, e da nua propriedade, titulada pelos restantes executados.

Por despacho exarado no dia 24 de Maio de 2018 [Ref.ª 109581193] foi decretada a anulação de todo o processado após 1 de Setembro de 2014, data do falecimento do executado (…), incluindo a adjudicação que havia sido feita à exequente, quer do usufruto, quer da nua propriedade do prédio penhorado.

A executada (…) foi declarada insolvente, vindo a execução a ser declarada extinta quanto a esta nos termos do artigo 88.º, n.ºs 1 e 3, do CIRE.
Por ter a exequente desistido da instância executiva quanto aos executados falecidos (…) e (…), desistência homologada por decisão proferida em 17 de Setembro de 2018 [Ref.ª 110509218], transitada em julgado, prosseguiram os autos apenas contra o executado (…).

Foi entretanto celebrada escritura pública em 12 de Dezembro de 2018, na qual intervieram (…), em representação do Sr. agente de execução, e o exequente Banco (…), SA, nos termos da qual , “(…) em conformidade com a declaração de venda e certidão de transmissão emitidas pelo Sr. Agente de Execução (…), este declarou vender ao banco a fracção autónoma penhorada nos autos pelo preço de quarenta e oito ml e quinhentos euros, que o comprador ficou dispensado de depositar nos termos do artigo 815.º do CC” (cfr. escritura junta de fls. 285 a 287 dos autos).

Por requerimento datado de 13 de Setembro de 2023, veio (…), SA, na qualidade de encarregada da venda, alegando terem resultado frustradas as várias tentativas levadas a cabo junto dos intervenientes do processo para “o ressarcimento dos valores dos seus honorários e despesas provenientes das várias diligências”, requerer que fosse “determinado o pagamento à Encarregada da Venda nos termos devidamente justificados, faturados e já apresentados”.
Alegou para tanto ter sido designada em 15 de Março de 2014 encarregada da venda no presente processo executivo, designação da iniciativa do agente de execução, Dr. (…), assim tendo sido estabelecida uma relação contratual de prestação de serviços entre a requerente, o agente de execução e a exequente; tal relação é regulada pelas condições contratuais apresentadas pela requerente e aceites, delas constando os honorários a cobrar pelos serviços prestados pelas vendas, tanto de bens móveis, como de imóveis, correspondente a uma percentagem de 5% sobre o valor da transacção, que é devido ainda quando seja o credor reclamante ou terceiros a apresentarem proposta de aquisição e a mesma seja aceite, conforme consta da nota de rodapé que identifica; enquanto entidade mandatada para a venda, a requerente praticou diversos serviços, melhor descritos e identificados no relatório que apresentou e fez juntar aos autos; decorrente dos resultados provenientes das várias diligências encetadas, veio a requerente a concluir a prestação de serviços, tendo apresentado nota de honorários, calculados sobre o valor da venda -que neste caso, alega, ascende a € 72.104,74, sendo devido o montante de € 4.434,54, acrescido do IVA em vigor, valor por liquidar e sobre o qual são agora devidos juros de mora que liquidou em € 1.084,98; encontra-se em dívida € 5.519,43, por cujo pagamento são solidariamente responsáveis a exequente e o Sr. AE em exercício.
Sem prejuízo do antes alegado, invocou ainda ter sido mandatada como encarregada da venda judicial, nomeação na sequência da qual desenvolveu actividade tendente à venda do imóvel penhorado, esperando ser paga. Deste modo, e não tendo sido realizado o pagamento da nota de honorários apresentada, solicitou a intervenção do Tribunal a este respeito, “sempre no entendimento, em qualquer caso, estando pendente sob alçada de superior fixação e determinação de V.ª Ex.ª, fundamentadamente, quanto a honorários e despesas nos termos e para os efeitos do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais”.
Tendo convocado jurisprudência conforme ao entendimento de que compete ao juiz de execução a fixação da remuneração devida ao Encarregado da venda extrajudicial até ao limite de 5% do valor da causa ou dos bens vendidos, e reconhecendo embora que são inoponíveis ao Tribunal quaisquer acordos havidos com o agente de execução, sustentou que a consideração dos termos respectivos é imposta pela boa fé, pelo que sempre tal remuneração deveria ser fixada no montante reclamado.
Juntou diversa documentação, da qual resulta ter sido nomeada encarregada da venda por acto do Sr. AE de 15 de Março de 2014, tendo sido removida do cargo conforme notificação de 2 de Abril de 2020, com expressa remissão para uma anterior, alegadamente enviada em 7 de dezembro de 2018, a qual disse não ter sido por si recebida.
Procedeu ainda à junção da nota de honorários, da qual resulta que, ao invés do alegado, o valor de € 4.434,44 inclui já o Iva à taxa legal, e a factura n.º (…), no montante de € 3.735,17, já liquidado pela exequente.

O Sr. AE pronunciou-se sobre o requerido nos seguintes termos:
“Vem a encarregada de venda requerer que lhe seja liquidada nota de honorários no valor de € 5.519,43, correspondente a 5% do valor da adjudicação do imóvel à exequente e os respetivos juros.
Encarregada de venda nomeada foi paga do valor de € 3.735,17, valor por si requerido após adjudicação do imóvel em 2018 à exequente conforme escritura que se junta.
Vem agora requerer comissão na adjudicação do bem ao exequente, a remuneração da encarregada da venda a título de comissão só é devida quando tal entidade tenha efectiva intervenção nessa venda.
No caso a venda foi feita ao exequente por adjudicação e não compradores angariados pela requerente, não havendo assim fundamento legal para a requerida fixação de remuneração, ainda mais após a venda ter cobrado apenas as despesas.
Acresce ainda que nas condições que junta no seu requerimento apresentado aquando nomeação indicava que na venda dos bens imóveis não existiam valores a cobrar além de % em caso de venda o que não se verificou – cobrou e foi ressarcida.
Na nota de rodapé dessas condições fala em caso de adjudicação ter em consideração o pagamento dos valores àquela entidade existentes em conformidade que resultam das diligências decorridas, ora, foi o que se fez – foram liquidados os valores por si requeridos a título de despesas no valor de € 3.735,17”.

Presentes os autos à Sr.ª Juíza, proferiu despacho em 25 de Setembro de 2023 [Ref.ª 129586075], com o seguinte exacto teor:
De acordo com a posição explanada pelo Senhor Agente de Execução, a factura apresentada pela Encarregada de Venda foi paga nos seus estritos termos.
Nada mais lhe é devido sendo descabido o pedido de “pagamentos adicionais” num caso em que nem sequer procedeu à venda do bem a um terceiro, mas se adjudicou o bem à própria Exequente.
Notifique-se.”

A requerente foi notificada do despacho ora transcrito por ofício certificado a 29 de Setembro, presumindo-se a notificação efectuada a 2 de Outubro (artigo 249.º, n.º 1, do CPC), data em que procedeu à junção de procuração outorgada a favor de Ilustre Advogado.
Por requerimento entrado em juízo em 19 de Outubro, veio a mesma (…), SA, já representada pelo Il. mandatário constituído, apresentar novo requerimento, pedindo a final que “(…) em acrescento material a legalmente exigível apreciação e fixação de remuneração fixa nos termos e para efeitos do artigo 17.º/6, do RCJ, não por venda mas com base no quanto administrado e provido aos autos, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo e ora em rectificação de omissão, fundamentadamente, tudo o quanto a ser imputado à credora e sendo caso adiantado pelos respectivos cofres do Tribunal/IGFPJ”.

Alegou para tanto:
“Não está ainda fixada a remuneração para efeitos do artigo 17.º/6, do RCP, compreendendo a alternativa ali aludida, aquando de inexistência de venda, i.é, critério de “até 5% do valor da causa ou dos bens (…) administrados, se este for inferior”.
1- Ora, é claro e vasto na jurisprudência que nos termos do n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, é ao Juiz da Execução que compete a fixação da remuneração devida ao Encarregado de Venda extrajudicial até ao limite de 5% do valor da causa ou dos bens (…) administrados.
2- “A este propósito, cumpre dizer que inquestionavelmente o Agente de Execução tem competência para efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à Secretaria ou sejam da competência do Juiz da Execução, incluindo, nomeadamente a realização de penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos (cfr. artigo 719.º, n.º 1, do C.P.C.). No entanto, como é fácil de compreender, efetuar “pagamentos”, não é exatamente a mesma coisa que fixar a remuneração devida ao encarregado de venda.”
3- “O ato a que o artigo 719.º, n.º 1, in fine, do C.P.C. se refere, traduz-se unicamente no cumprimento, mais ou menos mecânico, de “pagamentos” que decorram de decisões judiciais produzidas no processo executivo ou que decorram diretamente da aplicação direta da lei.“
4- Ora, a EVJ proveu a sua actividade e forneceu toda a informação carreada quanto ao objecto e objectivo em apreço, tendo ainda no sentido de avaliação provido por informações e sugestões, expondo os seus dizeres e ponderações, relatórios, propostas, o quanto seguramente profícuo ao conhecimento dos autos, da AE e das partes, e suas posições e determinações processuais, designadamente a adjudicação provida pela própria exequente.
5- O mesmo é confessar, o que não é despiciente de conhecimento dos autos, da Meritíssima Juiz a Quo, e todos os intervenientes processuais, devidamente notificados das informações prestadas sobre o estado da execução e bens, e sem qualquer oposição ou objecção destes, a recorrente, na qualidade de Encarregada de Venda desenvolveu a sua actividade em prol, no sentido de obtenção do desiderato almejado, promovendo as diligências que lhe competiam (com maior ou menor sucesso).
6- Sucede assim que, só pode ser intelectualmente descabido referenciar que a actividade confessada e reconhecidamente desenvolvida pela Encarregada de Venda não é alvo de pagamento de honorários previstos no artigo 17.º/6, do RCP, ou que deve ser circunscrita a despesas (o que já pago), quando inclusive é reconhecido e patente que a EVJ trouxe o seu labor aos autos a intuito e vontade das partes, e permitiu a sua apreciação e conformação no sentido de análise e perspectiva de resultados.
7- Seria o mesmo que dizer que o quanto em prol do processo, surge do nada, é desenvolvido, o Sr. AE dá nota de tanto aos autos, ao Meritíssimo Juiz, ao credor e executados, beneficia-se com a mesma que impele a negociações e a ponderação de moldes de apresentação no mercado e venda, todos o sabem, são feitos relatórios e expressas informações de forma reiterada e regular, ninguém objecta, são-lhe dadas instruções, valor base, indicada modalidade de venda… e a final, nada é devido, ou reduzidamente é devido por tal… ou seja trabalho/labor em prol de terceiros, por expressa designação judicial, a ser provido de mote grátis!
8- A actividade da Encarregada de Venda é uma actividade de meios e não de resultados, daí a alternativa da Lei aos moldes de fixação de honorários fixos, e só assim pode ser compreendida sob pena desta inúmeras vezes se descapitalizar e despender recursos, vendo o objecto do seu trabalho invariavelmente postergado por acordo entre as partes ou até por remição, ou mesmo adjudicação dos próprios credores.
9- Ou seja, quer os autos, o Tribunal, Agente de Execução, credores, etc… beneficiavam e enriqueciam sem causa no que concerne ao trabalho alocado e recursos desenvolvidos pela Encarregada de Venda.
10- Não tem a Encarregada de Venda de suportar per si os encargos adstritos às diligências e riscos processuais das partes interessadas com as mesmas no sentido de visar obter cobrança coerciva/resultados, tal configura um desrespeito e incompreensão pelo trabalho da Encarregada de Venda, que é atentatório e vexatório, e que se repete de forma intolerável na não consideração do reportado ao longo do tempo em que prestou actividade enquanto EVJ, e em intuito de não sindicância ou pagamento de honorários.
11- Pelo que não só é exigível o ressarcimento de despesas havidas em nome e por conta do processo (já pago), como lhe são devidos honorários (que não só ressarcimento por despesas) nos termos legais previstos no artigo 17.º/6, do RCP, os quais independentes de qualquer efectiva venda, e a serem fixados pelo Tribunal entre o mínimo e máximo legal em função do decorrido e administrado.
12- A este propósito e a título de exemplo do quanto vem sendo entendimento generalizado da jurisprudência enuncia-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28-03-2019 in DGSI, quando expressa em resposta especifica à questão única a decidir que “consiste em saber se o encarregado da venda tem direito a receber a remuneração devida pela atividade que desenvolveu, apesar de não ter procedida à venda do bem penhorado.”. “A resposta à questão colocada prende-se com a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais. O recorrente entende que estando prevista proposta de venda, o recebimento de 5% do valor da venda não é devido à encarregada da venda quando esta não procede a qualquer venda, sob pena de violação do n.º 1 do artigo 17.º do Regulamento das Custas. Em sentido oposto entendeu a decisão recorrida, considerando-se que “apesar de não ter sido concretizada a venda, a encarregada da venda tem direito a receber a remuneração devida pelo labor desenvolvido tendo em vista a venda, não podendo ignorar-se que a mesma deslocou-se ao local, elaborou uma brochura que divulgou na sua plataforma eletrónica e enviou a mesma para a sua carteira de clientes, realizando outras diligências e obtendo um total de 16 propostas”. Ora, é evidente que não podemos deixar de acompanhar a interpretação seguida pelo tribunal a quo.
Com efeito, sob a epígrafe “Remunerações fixas”, reza, na parte que aqui importa, os n.ºs 1 e 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais:
1 – As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer diligências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.
6 – Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal. Assim, resulta expressamente deste preceito legal que a entidade encarregada da venda (excluindo o agente de execução, pese embora este possa, ao abrigo do n.º 2 do artigo 833.º do CPC, ser encarregado da venda por negociação particular) recebe a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na Tabela IV pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal – n.º 6 do artigo 17.º do RCP.
Donde, resulta do seu n.º 6 o critério a observar na quantificação dessa remuneração. Na verdade, enquanto o seu n.º 1 estabelece a regra geral de que o encarregado da venda (entre outros), que colabore em diligências processuais, tem direito à remuneração prevista no Regulamento das Custas processuais, o seu n.º 6 fixa os critérios que deve presidir à fixação em concreto dessa remuneração, em particular quando a taxa seja variável, como no caso concreto, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior. Salvador da Costa, in “Regulamento das Custas Processuais anotado”, 2013, 5.ª ed., Almedina, pág. 286, socorrendo-se de Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, refere a este propósito que «intervêm acidentalmente nos processos, além das testemunhas a que se reporta a alínea e) do n.º 1 deste artigo, os peritos, os tradutores, os intérpretes, os depositários, os encarregados de vendas, os técnicos e outros”. Esta retribuição integra o conceito legal de encargos do processo, como decorre da alínea h) do n.º 1 do artigo 16.º do R. C. Processuais, e entra na conta de custas da parte, são imputados na conta de custas da parte ou partes responsáveis por custas, na proporção da condenação – seu artigo 24.º. Entender-se de outro modo, como defende o recorrente, a encarregada da venda, apesar das diligências efetuadas e encargos suportadas com vista à realização da venda não teria qualquer direito a remuneração sempre que a venda não chegasse a efetivar-se, o que seria totalmente inadmissível, violando-se, desde logo, o princípio geral previsto n.º 1 do citado artigo 17.º, ao prever a remuneração para quem coadjuve em qualquer diligência, independentemente do seu resultado, entenda-se. Sumariando, nos termos do artigo 663.º/7, do C. P. C., a sociedade nomeada, na execução, encarregada da venda, tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, até 5% do valor do processo, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado”.
13- Ainda o recente Acórdão do TRC de 29-03-2023, que expressamente alude “i) A encarregada da venda, nomeada na execução, tem direito à remuneração a fixar pelo tribunal, até 5% do valor da causa – nos termos das disposições combinadas e disposto nos artigos 17.º, n.º 1, 2, 4 e 6, do Regulamento das Custas Processuais, 833.º, n.º 1, do NCPC e 1158.º do CC –, pelas várias diligências realizadas com vista à concretização da venda do imóvel penhorado, ainda que não tenha sido ela a realizá-la por facto que não lhe é imputável.
(…)”

Notificado o exequente, veio declarar a sua adesão ao exposto pelo Sr. AE, acrescentando que o Tribunal se havia pronunciado em 25/9/2023 sobre o requerido, com o consequente esgotamento jurisdicional do tribunal, tendo a decisão proferida transitado em julgado.

Presentes os autos à Sr.ª juíza titular proferiu despacho, ora recorrido, com o seguinte conteúdo:
Nada mais tem o Tribunal a acrescentar ao despacho proferido a 25 de Setembro de 2023.
Notifique-se.
Desta feita, sem custas.
Doravante, e continuando a apresentar ao Tribunal este tipo de requerimento em desrespeito à decisão tomada, será condenada nas custas do incidente”.

Inconformada, apresentou-se a encarregada da venda a recorrer e, tendo desenvolvido na alegação os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“I – Verifica-se a falta de determinação por despacho de procedimentos e moldes a adoptar, e respectiva notificação de tudo o quanto concernente à matéria em apreço, para contraditório à EVJ.
II – Não obstante a determinação decisória no que contende com o previsto no artigo 17.º/6, do RCJ não é de alçada de competência do Sr. Agente de Execução, mas de competência exclusiva do Meritíssimo Juiz a quo.
III – O despacho recorrido decide erroneamente reconduzir para precedente despacho e para a figura do Sr. Agente de Execução, e nada decidir nos termos e para efeitos do artigo 17.º/6, do RCJ conforme foi requerido.
IV – Verifica-se omissão de pronúncia e decisão que entende o Juiz a quo com tal despacho não suprir.
V – Verifica-se a inalienabilidade de poder e obrigação decisória, que de exclusiva competência do Sr. Juiz, no que concerne ao previsto no artigo 17.º/6, do RCJ, e a sua omissão de pronúncia, sustentada e fundamentada, sendo exigível tal apreciação e determinação.
VI – É violado, ao eximir-se de decisão, de forma correcta e equitativamente ajustada, quanto previsto no artigo 17.º/6, do RCJ.
VII – Atente-se o recente Acórdão do TRC, Processo: 1551/10.4TBCBR-C.C1, de 28-03-2023”.
Conclui a requerer a revogação da decisão recorrida, devendo o requerido ser apreciado e fixada a remuneração prevista no artigo 17.º/6, do RCJ.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constituem questões a decidir:
i. determinar se se verifica a excepção do caso julgado;
ii. não se verificando, se se impõe a fixação de remuneração à recorrente encarregada da venda nos termos dos n.ºs 1 e 6 do RCP.
*
II. Fundamentação
Interessando à decisão os factos relatados em I., verifica-se que, tal como apontado na decisão recorrida, no requerimento apresentado pela ora apelante em 19 de Outubro, esta reiterou a pretensão antes formulada no requerimento de 13 de Setembro e com idêntica fundamentação, não sendo obviamente pela circunstância de neste último se mostrar representada por Il. Advogado e reclamar remuneração “não por venda, mas com base no quanto administrado e provido aos autos” que deixamos de nos mover dentro do mesmo pedido – fixação de remuneração nos termos do artigo 17.º, n.º 6, do CCJ – e da mesma causa de pedir, a saber, a realização de diligências tendentes à concretização da venda.
Nos termos do artigo 613.º do CPC, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, ressalvando-se os casos de rectificação de erros materiais, que lhe é lícito suprir (vide n.ºs 1 e 2 do preceito), regime aplicável aos despachos por força do n.º 3 do preceito. A razão pragmática do princípio da extinção do poder jurisdicional, do qual decorre a impossibilidade do juiz, por sua iniciativa ou a requerimento, e ressalvadas as situações em que é permitida a reforma, aqui sem aplicação, proceder à modificação da decisão proferida, “consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional (…) sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão”[2].
O trânsito em julgado, por seu turno, conforme decorre do artigo 628.º do CPC, ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário. Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal que, dizendo respeito às sentenças e despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual, só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cfr. artigo 620.º, n.º 1), e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o artigo 619.º.
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, assim obstando a que repita a decisão antes proferida ou a contradiga – efeito negativo – e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado[3].
No caso dos autos, no despacho proferido em 25 de Setembro procedeu a Sr.ª juíza à apreciação do requerimento apresentado pela Encarregada da Venda, indeferindo a pretensão de lhe ser atribuída a remuneração no montante reclamado, assim recusando como válido o fundamento de que tal remuneração era devida com base nas condições que disse ter apresentado ao Sr. AE e terem sido aceites, declarando ainda não ser devida qualquer outra quantia para além dos montantes já pagos, ainda que a título de remuneração nos termos previstos no artigo 17.º do RCP, disposição legal que a requerente expressamente convocara.
Tal decisão, notificada à requerente em 2 de Outubro, sendo passível de apelação autónoma, uma vez que a execução fora declarada extinta, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 644.º, n.º 2, alínea g), 638.º, n.º 1, parte final, 852.º e 853.º, n.º 2, alínea a), pertencendo todos os preceitos ao CPC, não foi por aquela impugnada, tendo por isso transitado em julgado, tornando-se definitiva no processo independentemente do seu eventual desacerto ou de quaisquer vícios de que padecesse, ainda que idóneos a provocarem a sua nulidade.
Deste modo, relevando quanto dispõe o convocado artigo 620.º, estando em causa despacho que recaiu sobre a relação processual e mostrando-se transitado em julgado, não só é imodificável no interior deste processo, como impede que sobre a mesma questão concreta recaia nova e eventualmente diferente decisão. Daí que a Sr.ª juíza, confrontada com a mesma questão -formulação de idêntica pretensão, com idêntica fundamentação- tenha correctamente invocado que se esgotara o seu poder jurisdicional, nada decidindo porque já nada havia a decidir. E tendo a decisão de 23 de Setembro transitado em julgado, conforme se verificou, tornou-se definitiva no processo, encontrando-se pois assente que a ora apelante a nenhuma quantia tem direito a título de remuneração no âmbito destes autos.
A procedência da excepção do caso julgado prejudica a apreciação da questão remanescente suscitada no recurso (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC), que assim se julga inteiramente improcedente.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão reclamada.
Custas a cargo da apelante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
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Sumário: (…)
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Évora, 19 de Março de 2024
Maria Domingas Simões
Rui Machado e Moura
Ana Margarida Leite
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[1] Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos:
Sr. Juiz Desembargador Rui Machado e Moura;
Sr.ª juíza Desembargadora Ana Margarida Carvalho Leite.
[2] Professor Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. V, Reimpressão, pág. 127.
[3] Na lição do Prof. Alberto dos Reis, CPC anotado, vol. III, Reimpressão, págs. 92-93, o caso julgado exerce uma função positiva, quando faz valer a sua força e autoridade (princípio da exequibilidade), e uma função negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal.