Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
736/10.8TXEVR-N.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
PENAS
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1 - A aplicabilidade do artigo 63º, nº 3 afasta a aplicabilidade do nº 5 do artigo 61, ambos do C.P.. E vice-versa. Trata-se de fazer a aplicação de normas de regime idêntico a hipóteses de facto diversas.
2 - O nº 3 do artigo 63º do C.P. é, relativamente ao nº 4 do artigo 64º, norma especial no caso de se dever fazer a soma de penas para a execução sucessiva de várias penas, em que não tenha sido revogada a liberdade condicional.
3 - Como o nº 4 do artigo 63º do C.P. estatui que o regime desse preceito não é aplicável caso tenha ocorrido revogação de liberdade condicional, daqui resultam, três regimes quanto a penas e soma de penas:
a) – o regime geral (artigo 61º) em que o recluso foi condenado a uma só pena;
b) – o regime de execução sucessiva de várias penas (artigo 63º, nsº 1 a 3) no qual a condenação em mais de uma pena provoca a soma de todas as penas para computo da liberdade condicional;
c) – o regime muito especial em que a existência de ao menos uma revogação da LC (artigo 63º, nº 4) implica o retorno da pena ou penas objecto de revogação e que integrava(m) a “soma”, ao regime geral do artigo 61º. Aqui a - ou as – pena(s) objecto de revogação passa(m) a ser pena(s) isolada(s), autónoma(s).
4 - Ou seja, as penas em que já ocorreu revogação da LC não podem integrar a soma de penas relevantes para os nsº 1 na 3 do artigo 63º do C.P..
5 - Desta forma, se o regime especial de execução sucessiva de penas do artigo 63º deixa de ser aplicável a alguma ou algumas das penas que integravam a “soma”, em virtude de ter actuado a norma proibitiva do seu nº 4, das três uma:
- ou resta mais do que uma pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essas, volta a aplicar-se o regime da soma do artigo 63º nsº 1 a 3;
- ou resta uma só pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essa, aplica-se o regime geral do artigo 61º in totum, pois que essa aplicação não se restringe ao seu nº 4;
- ou restam várias penas de ambas as naturezas (objecto de revogação e não), aplicando-se ambos os regimes em função da existência ou não de revogação.
6 – Deve daqui inferir-se que o legislador não pretende que as penas objecto de revogação de LC entrem no universo de penas que contam para os prazos de nova concessão de LC, no qual a soma sempre seria favorável ao arguido. E estas são, portanto, as “sanções” inerentes e consequentes ao operar do nº 4 do artigo 63º do Código Penal, com exclusão de quaisquer outras.
7 - Assim, a função do nº 4 do artigo 63º do Código Penal é a mera remissão para o regime geral da LC de todas as penas objecto de revogação da LC, que deixam de beneficiar do regime mais favorável da “soma de penas” típica da execução sucessiva de penas. Isto significa que as penas objecto de revogação da LC deixam de integrar qualquer soma e passam a ser encaradas como penas individualizadas, autónomas. Mas apenas isso.
8 - E temos como certo que está vedado fazer no nº 4 do artigo 63 uma leitura que vê a norma como “punitiva” no sentido de ela permitir afirmar que o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional.
9 – Por isso se discorda da posição jurisprudencial que afirma, a partir da sanção normativa supra referida, que a pena (ou penas) objecto de revogação deve ser cumprida na íntegra. Isso seguramente que não resulta do artigo 63º, nº 4 do Código Penal.
10 - Os artigos 64º, nsº 2 e 3 do Código Penal, apesar da inicial aparência de contradição, podem coexistir. E essa co-existência estará apenas dependente de um juízo judicial do evoluir da personalidade do arguido, expressa em factos que possam ser apreciados pelo TEP.
11 - A liquidação do remanescente da pena não pode contabilizar duas realidades jurídicas, o resto da pena mais o prazo de liberdade condicional concedido. Só pode contabilizar o resto da pena não cumprido à data da concessão da LC por necessária referência à pena inicialmente imposta deduzida do período da pena parcialmente cumprida.
12 - A todas as penas em discussão nos autos - três, sendo duas objecto de revogação da LC - se aplicam as regras de concessão de nova LC mas seguindo as regras do regime geral do artigo 61º em relação a todas e cada uma delas.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n° 736/10.8TXEVR-N.E1

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nos autos de Liberdade Condicional (doravante LC) supra numerados do Tribunal de Execução de Penas de Évora, a Mmª juíza, por decisão de 01/6/2017, revogou a liberdade condicional concedida a BB e, consequentemente, determinou a execução das penas de prisão, nas partes ainda não cumpridas, impostas nos processos 762/01.8PAOLH da Secção de Competência Genérica (Juiz 2) da Instância Local de Olhão e 1741/07.7PBSTB da Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Setúbal.


*

Por promoção de 01-09-2017 o Digno magistrado do Ministério Público veio requerer que «este deveria cumprir a totalidade da pena em execução e ver apreciada a nova liberdade condicional no marco temporal do ½ da pena(s) remanescente(s) (A apreciação da nova liberdade condicional ocorrerá desta forma em princípio em 6-5-2021, enquanto na hipótese inversa ocorreria em 6-3-2022)

Isto na medida em que, «tendo em conta o quantum das penas em causa e “no seguimento do entendimento jurisprudencial unânime do Tribunal da Relação de Évora - vide acórdãos de 31-5-2011 (proferido no processo nº 1229/10.5TXEVR), 7-2-2012 (proferido no processo nº 1405/03.0TXEVR-B-A1), 24-9-2013 (proferido no processo nº 782/10.1TXEVR) e de 15-12­2016 (proferido no processo n o 4057/10.8TXLSB-I-E1), porque mais favorável ao recluso…..

A sua promoção foi, assim, no sentido de os autos aguardarem pela data prevista para o termo da pena em execução (6-5-2019), data na qual deveria ser ligado ao processo nº 762/01.8PAOLH.

Fundou a sua posição no facto de o recluso cumprir actualmente a pena de 2 anos e 4 meses de prisão à ordem do processo nº 192/14.1GBASL da Instância Central - Secção Criminal, J1 - da Comarca de Setúbal e ter - em face da decisão de revogação - ainda a cumprir o remanescente total de 4 anos de prisão, resultantes de revogação de liberdade condicional de que beneficiou relativamente às penas aplicadas nos processos nsº 762/01.8PAOLH (remanescente de 1 ano e 6 meses de prisão) e 1741/07.7PB5TB (remanescente de 2 anos e 6 meses de prisão).

Por despacho de 12-09-2017 a Mmª Juíza lavrou a decisão recorrida que vai transcrita infra em B.1.


***

Recorre o Digno magistrado do M.P. junto do TEP da decisão da Mmª Juíza do TEP de Évora, com as seguintes conclusões:

1-A concessão da liberdade condicional quando ocorre no circunstancialismo previsto no artigo 61º n° 5 do CP consubstancia uma verdadeira modificação substancial da pena, sendo que a data fixada para o termo da liberdade condicional ou seja do novo termo da pena é inalterável após o trânsito em julgado da decisão que operou tal modificação.
2-A revogação da liberdade condicional dá lugar ao cumprimento de uma pena residual, cuja duração é igual à parte não cumprida da pena ou penas em execução aquando da concessão da liberdade condicional.
3-A pena residual por revogação de liberdade condicional, embora determinada pela pena inicial, desta é funcionalmente autónoma, sendo legalmente admissível a apreciação/concessão de nova liberdade condicional (quer a revogação derive da violação de regras de conduta, quer da prática de crime punido com pena de prisão ocorrido no decurso do período da liberdade condicional) ­(artigo 64 ° n ° 3 do CP).
4-No caso de execução de duas ou mais penas autónomas, a lei impõe a sua execução sucessiva, apreciando-se a liberdade condicional conjunta, no momento em que se possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas (artigo 63 ° nº 2 do CP).
5-Contudo, o artigo 64º nº 3 do CP, de forma clara e inequívoca afasta a aplicação do disposto nos seus números anteriores no caso de uma das penas resultar de revogação de liberdade condicional, não havendo lugar à elaboração de cômputo de execução sucessiva de penas.
6-Assim, em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão, em que não seja aplicável o disposto no artigo 63º nºs 1 e 2 do CP, por força do estatuído no seu n° 4, necessariamente uma das penas tem de ser cumprida integralmente, sendo que o mais razoável é que seja a pena remanescente derivada de revogação de liberdade condicional.
7-Sem prejuízo, porém, de sendo esta a regra, nada obstar a que excepcionalmente o condenado possa cumprir integralmente a nova pena e ver apreciada a liberdade condicional por referência ao meio do cumprimento da pena remanescente, sempre e quanto esta solução lhe seja mais favorável.
8-No caso dos autos, é mais favorável ao recluso cumprir integralmente a pena de 2 anos e 4 meses de prisão e ver apreciada a nova liberdade condicional por referência ao marco temporal do ½ das penas remanescentes, o que ocorrerá em 6-5­-2021, uma vez que no caso contrário a apreciação em causa só ocorreria em 6-3-2022.
9 - O Tribunal "a quo" violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 61° n° 5, 63º nºs 2 e 4 e 64º nºs 2 e 3 do CP.
Nesta conformidade, deverão Vªs Exªs., concedendo provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar a sua substituição por outro que defira integralmente a promoção do MP, sendo assim feita justiça.

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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no n. 2 do art. 417° do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação:

B.1 - Os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo são os que constam relatório, transcrevendo-se o despacho recorrido, lavrado a 12-09-2017:

«Homologo o cômputo do remanescente de pena que antecede, calculado em 1 ano e 6 meses, no que respeita ao Proc. 762/01.8PAOLH.
Relativamente ao remanescente de pena a cumprir referente à condenação sofrida no Proc. 1741/07.7PBSTB, concluímos de forma diferente.
Assim, e não obstante a liberdade condicional concedida perdurar desde 19/6/2015 a 19/12/2017, assim foi determinada tendo por base o limite temporal máximo fixado no artigo 61 n. 5 do Código Penal.
Ou seja, porque aquando da sua concessão o remanescente da soma das penas ainda por executar excedia o limite de 5 anos imposto naquele normativo, foi a liberdade condicional concedida com a referida duração.
Mas, e face ao cômputo da soma das penas que se executava, e à própria medida da pena aplicada no Proc. 1741/07.7PBSTB, o termo desta apenas ocorreria em 1/3/2018.
Assim, e revogada agora a liberdade condicional, deve ser executada a parte da pena de prisão ainda não cumprida (cfr. Artigo 64 n. 2 do Código Penal).
A nosso ver, o remanescente a cumprir deverá corresponder, não só ao período de liberdade condicional fixado, mas também à restante parte da pena por cumprir, ou seja, ao período de tempo que decorre desde 19/6/2015 a 1/3/2018, num total de 2 anos, 8 meses e 10 dias.
De facto, a delimitação temporal de 5 anos como duração máxima da liberdade condicional tem por razão de ser evitar prolongados estados de transição entre uma situação de reclusão e a liberdade definitiva, antes permitindo que, ao fim de período de tempo de avaliação considerado adequado se deva tornar definitiva a situação jurídica do condenado.
Se durante o período da liberdade condicional se conclui que o condenado não soube corresponder às expectativas de reinserção sobre si depositadas e aquela vem a ser revogada, nenhuma razão existe já para que não se atenda à medida da pena aplicada pelo processo da condenação, ainda que superior ao período da liberdade condicional (pois que revogada).
Parece-nos que a delimitação temporal prevista no art. 61 n. 5 reporta-se apenas à liberdade condicional e que no momento da sua concessão não se pode desde logo julgar definitivamente extinta a restante parte da pena no segmento de tempo que a ultrapassa. Esta será uma decisão a tomar em momento ulterior e, sim, deverá ser tomada no caso de a liberdade condicional não vir a ser revogada.
Citando o Ac. da RE de 15/12/2009 in www.dgsi.pt “A regra do art. 61 n. 5 do Código Penal (...) antes explicita que, findo o prazo máximo da liberdade condicional (cinco anos) e não se verificando a existência de motivo relevante para a sua revogação, corre a extinção do remanescente da pena (. . .). A extinção do excedente da pena não opera no caso de revogação da liberdade condicional, conforme decorre do disposto no art. 64 n. 2 do citado diploma".
Isto posto, calculo em 2 anos, 8 meses e 10 dias o remanescente de pena cumprir por conta da condenação sofrida no Proc. 1741/07.7PBSTB.
O recluso cumpre actualmente a pena de 2 anos e 4 meses de prisão aplicada no Proc. 192/l4.1GBASL da Secção Criminal (Juiz 1) da Instância Central de Setúbal, com o meio previsto para 6/3/2018.
Tem ainda para cumprir os remanescentes de 1 ano e 6 meses (Proc. 762/01.8PAOLH) e de 2 anos, 8 meses e 10 dias (Proc. 1741/07.7PBSTB), resultantes da revogação da liberdade condicional, conforme decidido no apenso K, com trânsito em julgado em 13/7/2017. *
Da articulação dos art.°s 63 nsº 2 e 4 e 64 nº 3 do Código Penal resulta, a nosso ver, que perante uma situação de penas de cumprimento sucessivo em que uma dessas penas resulta da revogação de liberdade condicional - como é o caso dos autos - o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional.
Neste sentido defende Paulo Pinto de Albuquerque, in Código Penal Anotado.
Também nesse sentido nos parece ser de interpretar a expressão "pode" utilizada na norma contida no art. 64 n. 3, conjugada com a exclusão contida no n. 4 do art. 63, ambos normativos do Código Penal, não se devendo, a nosso ver, e a bem da segurança jurídica, proceder de modo diferente consoante as medidas das penas a cumprir, seja da pena de execução sucessiva, seja do remanescente de pena.
Na verdade, os normativos citados apenas se reportam ao remanescente de liberdade condicional, estipulando sobre o seu tratamento em caso de cumprimento sucessivo de penas e sobre a possibilidade de poder de novo beneficiar de liberdade condicional. É deste que se está a tratar pelo que, colocar a hipótese de escolha entre o cumprimento do remanescente ou de uma outra pena efectiva de prisão também por cumprir em função das suas medidas e acabar por se decidir pela não concessão da liberdade condicional relativamente a esta (que dela até era susceptível), mas antes pela aplicação daquele instituto ao remanescente de pena (com o argumento de um tratamento mais favorável para o recluso) será estar a criar novo critério de decisão, pois que não previsto na lei.
Será já possível (daí a menção "pode" do art. 64 n. 3 do Código Penal) a apreciação dos pressupostos da liberdade condicional num remanescente de pena de prisão a cumprir (por via de revogação de anterior decisão de liberdade condicional) quando apenas este exista para executar, mas já não em casos de sucessão de penas.
O que não é o caso.
Pelo exposto, e diferentemente do promovido, determino que:
a) Com efeitos a partir de 13/7/2017 se interrompa o cumprimento da pena em execução, passando o recluso a cumprir até seu termo o remanescente de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por conta da pena aplicada no Proc. 762/01.8PAOLH;
b) No termo deste remanescente o recluso deverá passar a cumprir, também na íntegra, o remanescente de 2 (dois) anos. 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de prisão por conta da pena aplicada no Proc, 1741/07.7PBSTB;
c) Findo este segundo remanescente, deverá retomar o cumprimento da pena aplicada no Proc, 192/14.1GBASL da Secção Criminal (Juiz 1) da Instância Central de Setúbal.
A liberdade condicional será apreciada oportunamente por referência ao meio desta terceira pena.
Para cumprimento do determinado nos pontos a) e b), de imediato passe os competentes mandados de desligamento/ligamento.
Notifique e comunique aos processos acima referidos, ao Estabelecimento Prisional e aos serviços de reinserção social - juntando cópia da promoção que antecede.
Uma vez cumprido e confirmado nos autos o que se determina em a), abra depois vista ao M'P", para indicação do termo do cumprimento do 1º remanescente de pena (cfr. Artigo 141-j) do Código de Execução das Penas).»

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Cumpre conhecer.

B.2 – Convém começar por tornar claras duas realidades, uma factual, outra jurídica.

a) - A primeira que o recluso BB cumpre actualmente a pena de 2 anos e 4 meses de prisão à ordem do processo nº 192/14.1GBASL da Instância Central - Secção Criminal, J1 - da Comarca de Setúbal e tem - em face da decisão de 01/6/2017 que lhe revogou a liberdade condicional - ainda para cumprir o remanescente das penas resultantes de revogação de liberdade condicional de que beneficiou relativamente às penas aplicadas nos processos;

a) nsº 762/01.8PAOLH da Secção de Competência Genérica (Juiz 2) da Instância Local de Olhão (remanescente de 1 ano e 6 meses de prisão);

b) e 1741/07.7PB5TB da Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Setúbal (remanescente em discussão - ou 2 anos e 6 meses de prisão ou 2 anos, 8 meses e 10 dias).

Relativamente ao primeiro processo (nº 762/01.8PAOLH) não se suscita qualquer problema pois que no mesmo se quantificou o remanescente da pena, após a revogação da LC, em moldes idênticos pelo Ministério Público e pela Mmª Juíza e tal remanescente não integra o objecto do recurso nem este tribunal tem elementos para contrariar tais entendimentos.

Assim, a primeira parte do objecto do recurso centra-se na quantificação do remanescente da pena no proc. nº 1741/07.7PBSTB e o despacho recorrido é claro na delimitação do dissídio, como segue:

Mas, e face ao cômputo da soma das penas que se executava, e à própria medida da pena aplicada no Proc. 1741/07.7PBSTB, o termo desta apenas ocorreria em 1/3/2018.

Assim, e revogada agora a liberdade condicional, deve ser executada a parte da pena de prisão ainda não cumprida (cfr. Artigo 64 n. 2 do Código Penal).

A nosso ver, o remanescente a cumprir deverá corresponder, não só ao período de liberdade condicional fixado, mas também à restante parte da pena por cumprir, ou seja, ao período de tempo que decorre desde 19/6/2015 a 1/3/2018, num total de 2 anos, 8 meses e 10 dias.

Mas a resposta a tal questão supõe estarem resolvidas todas as questões jurídicas que se apresentam de seguida, pelo que a resposta só pode ser dada num capítulo final desta decisão.


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b) - A segunda questão a resolver é uma questão jurídica que supõe e consequencia uma resposta clara e sistematizada, até para orientação decisória.

E ela está, igualmente, bem delimitada no despacho recorrido, da seguinte forma:

Da articulação dos art.°s 63 nsº 2 e 4 e 64 nº 3 do Código Penal resulta, a nosso ver, que perante uma situação de penas de cumprimento sucessivo em que uma dessas penas resulta da revogação de liberdade condicional - como é o caso dos autos - o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional.

E não nos parece que o sumariado nos acórdãos desta Relação, citados nos autos, a resolvam de forma completa. Não por defeito de tais acórdãos mas porque as situações de facto que abordam apresentam alguma diversidade factual – ou específico enfoque factual - que impossibilita uma definição clara do regime aplicável ao caso sub iudicio.

A jurisprudência do STJ e das Relações – que a há, com alguma abundância nos últimos anos – deve ser relegada para uma segunda fase de análise, pois que inicialmente se impõe aproveitar a ocasião para fazer uma re-interpretação das normas aplicáveis (o aqui relator foi adjunto no citado acórdão desta Relação de Évora de 15-12-2016 e procede agora a um estudo mais sistematrizado). Esse é caminho que nos impomos percorrer para facilitar o nosso trabalho no relato do presente.

E essa análise deve assentar numa interpretação literal, sistemática, histórica e lógica dos preceitos que regem na matéria, centrando-nos nas normas do Código Penal, pois que normas previstas noutras fontes se revelam secundárias (designadamente as do Código de Processo Penal e do CEPMS - Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade - Lei n.º 115/2009, de 12-10).

E o universo de normas do C.P. relevantes para o caso concreto é surpreendentemente parco para a tempestade jurisprudencial que tem causado (excluindo, claro, o artigo 62º, norma que regula a “adaptação à liberdade condicional” que antecipa a preparação para a liberdade – uma espécie de preparação para a preparação – que é irrelevante para o caso concreto). Estamos a falar dos artigos 61º, 63º e 64º do C.P., o primeiro e o terceiro regulando, directamente ou por remissão, o cerne do sistema da liberdade condicional, e o restante - o artigo 63º - regulando um aspecto muito específico da liberdade condicional, o caso de “execução sucessiva de várias penas”, que é o caso dos autos.

E esta simples constatação deveria ser suficiente, aparentemente, para termos encontrado todo o sistema legal que regula o caso concreto – o artigo 63º do Código Penal. Ou seja, bastar-nos-ia o elementar da interpretação literal e sistemática para sabermos qual a norma aplicável ao caso concreto, o art 63º do Código Penal, com exclusão de qualquer outro. Isto porquanto são várias as penas a executar e o recluso até cumpre agora uma pena que não foi objecto de revogação de LC. Ora, esta constatação tornaria inexplicável o furor jurisprudencial que alastra, pelo que se impõe desconfiar de tal aparência e apurar do acerto desta ideia preliminar.


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B.3 – O regime da execução sucessiva de várias penas de prisão só surge com o Dec-Lei nº 48/95, de 15-03, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, então ainda com o número 62º e só viria a ganhar a actual numeração – artigo 63º - com a Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro.

Antes de 1995 (até aí era vigente a dita 6ª versão do C.P. com as últimas alterações ocorridas com os Dec-Lei n.º 101-A/88, de 26/03 e n.º 132/93, de 23/04) o C.P. alinhavava o âmago do regime de liberdade condicional nos mesmos quatro artigos – 61º a 64º - mas com uma seca regulamentação, bem distribuída por tais artigos, como segue: o artigo 61º regrava os pressupostos e duração; o artigo 62º disciplinava (directamente e por remissão) o seu regime; o artigo 63º regulava a sua revogação; e o artigo 64º dispunha sobre a extinção da pena.

Nenhum dos indicados artigos dispunha de qualquer comando sobre o regime da liberdade condicional em caso de execução sucessiva de penas.

Tanto assim é que o próprio “legislador” na sua veste doutrinária, o Prof. Fig. Dias, reflectia na sua obra que a «solução da soma» já seguida pela jurisprudência portuguesa se antevia como uma solução viável, com vantagens sobre uma «solução diferenciada» da situação relativamente a cada uma das penas. [1]

Assim, a regulamentação no C.P. da “execução sucessiva de penas” para efeitos de liberdade condicional surge com as alterações introduzidas em 1995, em virtude da constatação da lacuna e largamente influenciado pela solução legislativa germânica, via consagração da «solução da soma» no artigo 454º, b) do StPo.

E na alteração projectada em 1991 que irá vigorar a partir de 1995 mantinham-se os mesmíssimos quatro artigos (61º a 64º) e a solução surge no artigo 61º-A do ante-projecto discutido na Comissão de Revisão do Código Penal com quatro números, sob a epígrafe «Liberdade condicional em caso de execução de várias penas», como segue (Na acta nº 7, de 17-04-1989 – fls. 63): [2]

Artigo 61º-A
1 - Se houver lugar à execução sucessiva de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar será interrompida:
a) Quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses, no caso da alínea b) do nº 2 do artigo anterior;
b) Quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, nos casos restantes.
2 – O disposto no número anterior não vale porém para o caso em que a execução da pena resulte de revogação da liberdade condicional.
3 – No caso previsto no nº 1, o tribunal decidirá sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
4 – Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder 8 anos de prisão, o tribunal colocará o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

Essa solução virá a emergir no artigo 62º do projecto com três números, sob a epígrafe «Liberdade condicional em caso de execução de várias penas»:

«1. Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, o tribunal decide sobre a liberdade condicional, nos termos dos nsº 2 e 3 do artigo anterior, quando se mostrarem cumpridos, respectivamente, metade ou dois terços da soma das penas.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, se a soma das penas exceder 6 anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, nos termos do nº 4 do artigo anterior, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
3. O disposto nos números anteriores não vale para o caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.» [3]

As vicissitudes do projecto legislativo virão a consagrar a redacção do actual artigo 63.º, retomando a epígrafe recusada pela comissão (o termo “sucessiva”, mas apenas aqui, na epígrafe, pois que o nº 1 mantém a exclusão) «Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas» e estipula em quatro números:

1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.
2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.
4 - O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.

Do que se acaba de expor e do que resulta das declarações dos membros da Comissão de Revisão do Código Penal, podemos fazer sobressair as seguintes ideias: [4]

- que o instituto da LC (liberdade condicional) necessita de três artigos - (Prof. Fig. Dias, Acta 7ª, pag. 63);
- que se detectou lacuna quanto à existência de um regime de LC no caso de cumprimento de várias penas de prisão onde não se opere o cúmulo jurídico - (Prof. Fig. Dias, Acta 7ª, pag. 63);
- que o problema recebeu recente resposta no artigo 454º, b) do Código de Processo Penal alemão - (Prof. Fig. Dias, Acta 7ª, pag. 63);
- relativamente ao nº 2 do actual artigo 64º é a “parte restante” da pena que se deve considerar e não a “pena inicial” - (Prof. Fig. Dias face a dúvida do Dr. Lopes Rocha, Acta 16ª, pag. 157);
- que quanto à concessão de nova LC no âmbito do actual artigo 63º e como houve uma tentativa que falhou, não faz sentido levantar periodicamente a questão da LC, para além do previsto nos termos gerais (artigo 61ª) - (Prof. Fig. Dias, Acta 16ª, pag. 157);
- a Comissão “assentou na necessidade de proceder à alteração do artigo 483º do C.P.P.” - (Acta 16ª, pag. 157);
- após aprovação da nova redacção do artigo 62º do projecto, o Prof. Fig. Dias relembrou que a execução de penas é que é sucessiva, só se somando para efeitos de concessão de liberdade condicional - (Prof. Fig. Dias, Acta 16ª, pag. 157);

Como complemento de esclarecimento resta acrescentar que a redacção do artigo 483º do Código de Processo Penal, à data, era irrelevante para o caso concreto.

Já relevante para a análise do actual nº 4 do artigo 63º do C.P.P. português é o teor do nº 3 (3) do StPO (C.P.P. alemão). Aí se estipula que os números anteriores do preceito que regulam a execução de sentenças que devam ser executadas em sucessão não são válidos (não se aplicam) no caso de «“resto de penas” que se executem em razão da sua revogação» (“el resto de penas” na tradução espanhola [5] e “a remainder of sentence[6] na tradução inglesa). [7]


*

B.4 – A ideia base que nos surge neste breve excurso interpretativo é a constatação de que são suficientes quatro artigos para regular a “alma” da LC no Código Penal, ficando os outros dois diplomas supra citados limitados às questões da regulação prática e orgânica dos actos necessários à sua execução.

Dois desses preceitos do C.P., aliás, limitam-se à enunciação de casos específicos – a adaptação à LC e a execução sucessiva de penas – restando um só artigo, o 61º, como o coração do sistema, meramente complementado pelo artigo 64º com uma função de remissão para o regime da suspensão da pena e de previsão de preceitos de carácter quase processual. Esta aparente exiguidade é completada com a remissão para regras que regulam o regime em função do comportamento esperado/verificado do arguido-recluso – arts. 52º a 55º - enquanto as duas outras normas objecto de remissão completam o regime da LC na sua vertente “revogação da LC” (artigo 56º) e de “extinção” da pena (artigo 57º)[8], com o simples chamamento supletivo do regime da suspensão da pena de prisão. E o sistema faz sentido já que a LC é tida como “suspensão do resto da pena” pelo sistema germânico, consagrando a similitude dos dois sistemas.

Assim, o actual artigo 63º do Código Penal surge-nos como um regime completo para regular a execução sucessiva de penas de prisão, para a qual – em princípio – se torna desnecessário o recurso a qualquer outro normativo.

É assim que o artigo 63º vê o seu nº 1 a determinar que «a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena», o nº 2 a ordenar ao tribunal que, assim que possível, decida sobre a liberdade condicional de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas, o nº 3 a explicitar que se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

O nº 4, por fim, estatui que «o disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional».

Desta forma e para o caso concreto aquilo que a norma determina literalmente, em função da proibição do seu nº 4 é que, mesmo em caso de várias penas a executar em sucessão, caso ocorra a revogação da LC relativamente a uma ou mais penas que integrem a soma, deixa de ser aplicável este regime especial à pena objecto de revogação e:

- a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar não tem que ser interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena (nos termos deste preceito mas aplicando-se o regime geral do artigo 61);

- o tribunal não tem que decidir sobre a liberdade condicional de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas;

- e se a pena objecto de revogação exceder seis anos de prisão, o tribunal não tem que colocar o condenado em liberdade condicional logo que se encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas ao abrigo desta norma, mas sim do disposto no nº 3 do artigo 61º (o regime geral, por sinal de teor idêntico).

Daqui resultam várias consequências.

Desde logo que a - ou as – pena(s) objecto de revogação deixa(m) a “soma” e passa(m) a ser uma pena isolada, autónoma.

Necessariamente, deixando de a ela ser aplicável este regime especial para os casos de somas de penas, só um regime é aplicável às penas autónomas, o regime “geral” previsto nos artigos 61º e 64º do Código Penal para o caso típico de pena isolada, autónoma (termos que se usam para evitar confusão com o termo pena “única”). É a única solução que resta!

De onde resulta também que o preceito contém norma – o nº 3, com o seu excesso de 6 anos de prisão – que se torna norma especial relativamente ao nº 4 do artigo 61º e que determina para o regime geral que o condenado a pena superior a 6 anos de prisão deve ser colocado em LC logo que atinja os 5/6 da pena. Dito de outra forma, o nº 3 do artigo 63º do C.P. é norma especial no caso de se dever fazer a soma de penas para a execução sucessiva de várias penas, que não tenham sido revogadas.

Daqui resultam, três regimes quanto a penas – e soma de penas – superiores a 6 anos de prisão:

1) – o regime geral (artigo 61º, nº 4) em que o recluso foi condenado a uma só pena superior a 6 anos de prisão, a implicar a LC logo que se completem 5/6 da pena;

2) – o regime de execução sucessiva de várias penas (artigo 63º, nº 3) no qual a condenação em mais de uma pena cuja soma seja superior a 6 anos, provoca a LC logo que se completem 5/6 da soma das penas;

3) – o regime muito especial em que a existência de ao menos uma revogação da LC (artigo 63º, nº 4) implica o retorno da pena objecto de revogação e que integrava a “soma” ao regime geral do nº 1.

Ou seja e para o caso concreto, mesmo que a soma das penas fosse superior a 6 anos o recluso não beneficiaria de LC no sentido de que as penas em que já ocorreu revogação da LC não podem integrar a soma de penas relevante para o nº 3 do artigo 63.

Visto o problema de diverso ângulo, para o caso concreto de uma pena em que não ocorreu revogação da LC e duas em que ocorreu a revogação, a contagem da LC tem que ter como referência cada uma das penas e não qualquer soma. Isto é, no caso dos autos em que apenas uma pena resta que não foi objecto de revogação da LC - e porquanto apenas uma pena resta – o regime aplicável deixa de ser o artigo 63º e passa a ser o regime geral do artigo 61º.

E relativamente às duas penas objecto de revogação a “transformação” é idêntica: a ambas – autonomamente consideradas - se passa a aplicar o regime geral da LC.

Repetindo, agora com precisão do seu objecto. Se o regime especial de execução sucessiva de penas do artigo 63º deixa de ser aplicável a alguma ou algumas das penas que integravam a “soma”, em virtude de ter actuado a norma proibitiva do seu nº 4, das três uma:

- ou resta mais do que uma pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essas, volta a aplicar-se o regime da soma do artigo 63º nsº 1 a 3;

- ou resta uma só pena (não objecto de revogação de LC) e, quanto a essa, aplica-se o regime geral do artigo 61º in totum, pois que essa aplicação não se restringe ao seu nº 4;

- ou restam várias penas de ambas as naturezas, num mínimo de duas para cada regime (objecto de revogação e não), aplicam-se ambos os regimes em função da existência ou não de revogação.

Parece poder daqui inferir-se que o legislador não pretende que as penas objecto de revogação de LC entrem no universo de penas que contam para os prazos de nova concessão de LC, no qual a soma sempre seria favorável ao arguido.

E estas são, portanto, as “sanções” inerentes e consequentes ao operar do nº 4 do artigo 63º do Código Penal, com exclusão de quaisquer outras. Não pode, pois, o intérpete criar sanções não previstas pela norma.

Designadamente, não pode considerar a não aplicabilidade do regime mais favorável do artigo 63º no caso de coexistirem duas penas não objecto de revogação de LC.

Assim, a função do nº 4 do artigo 63º do Código Penal é a mera remissão para o regime geral da LC de todas as penas objecto de revogação da LC, que deixam de beneficiar do regime mais favorável da “soma de penas” típica da execução sucessiva de penas.

E temos como certo que está vedado fazer no nº 4 do artigo 63 uma leitura que vê a norma como “punitiva” no sentido de ela permitir afirmar que o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional.


*

B.5 – Daqui se infere naturalmente que a não aplicação dos nsº 1 a 3 do artigo 63º do Código Penal (ex vi do seu nº 4) não permite uma interpretação contra reum de todas as normas que virão a ser-lhe aplicáveis.

A intenção do legislador é clara se tivermos presente o seu desígnio na criação daquele especial regime previsto no artigo 63º do C.P.. Trata-se de regime muito mais favorável ao recluso que viu a sua condenação dispersa em várias condenações que se não encontravam em concurso de crimes e que, por via disso, não beneficiou de uma pena única.

Aquele regime vem a possibilitar – mesmo face à inexistência de concurso de crimes – que o recluso venha a beneficiar de uma soma de penas que se concretiza num mais favorável regime de contagem de prazos de LC, ao invés de ver as suas várias penas a contarem por si só, uma a uma, para vários regimes de LC, confusos e com gravame pessoal. E confusos, também, para quem faz a aplicação da lei, naturalmente.

E aquilo que o número 4 do artigo 63º vem consagrar é uma sanção de natureza normativa resultante da revogação da LC que consiste no afirmar que o benefício da “solução da soma” deixa de existir face a uma (ou várias) pena(s) objecto de revogação da LC. [9]

Daí resulta – e apenas – a aplicabilidade do regime geral do artigo 61º à ou às penas em presença.

Isto significa que as penas objecto de revogação da LC deixam de integrar qualquer soma e passam a ser encaradas como penas individualizadas, autónomas. Mas apenas isso.

No entanto é comum verificar que se parte da afirmação da sanção normativa supra referida para o alargamento da sanção com alcance e gravame que nos parece injustificado: a afirmação de que a pena (ou penas) objecto de revogação deve ser cumprida na íntegra. E isso não consta de qualquer norma que se conheça. Seguramente que não resulta do artigo 63º do Código Penal.

Esta é posição jurisprudencial com a qual se discorda frontalmente pois que norma alguma o permite e está assente em duas ideias inaceitáveis:

- na interpretação do vocábulo “pode” do artigo 64º nº 3 que claramente não pode ter o sentido de excluir a aplicação de nova LC. Trata-se de basilar interpretação literal que não tem a mínima base de sustentação no texto da lei e que contraria a sua teleologia. Como se afirma no acórdão desta Relação de Évora de que fomos adjunto (acórdão de 15-12-2016, sendo rel. o Desemb. Carlos Berguete Coelho, proc. 4057/10.8TXLSB-I.E1), no final da proposição II, “a expressão aí vertida, de que “pode ter lugar”, apenas consente que se trate de faculdade que dependerá de juízo de prognose a efectuar”. Naturalmente. [10] [11]

- e em mero imaginar das intenções de um legislador ainda não existente. Afirmar que o “legislador parte do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade de em liberdade se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial” é estar a fazer lei.

É que a conclusão é – tem que ser – referida a uma pena concreta (e não a todas as penas em geral) e exige um despacho judicial de análise do comportamento do recluso (em proc. subsequente de aplicação do regime geral de LC) no caso de se não estar perante o prazo a que se referem os artigos 61º, nº 4 e 63º, nº 3.

Assim, não existe norma que permita afirmar que o remanescente da pena objecto de revogação de LC deva se cumprida por inteiro e os argumentos usados na sustentação da tese não têm substância.


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B.6 – O que nos reconduz para a única norma que de algo semelhante fala e que se insere no regime geral da LC: o artigo 64º do C.P., regime que é o aplicável por via da remissão operada pelo nº 4 do artigo 63º do mesmo diploma.

No seu nº 2 o artigo afirma que a “revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”. O seu nº 3, por seu turno, dispõe que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”.

Se este preceito contivesse apenas o citado número 2 aquela leitura agravada talvez fosse justificável. Poderia ali ler-se: a “revogação da liberdade condicional determina a execução (integral) da pena de prisão ainda não cumprida”. Mas, mesmo sem considerar outros parâmetros de análise, designadamente a natureza da LC e a justificação da sua existência, o nº 3 inviabiliza a afirmação. Nega-a frontalmente.

Porque, apesar da inicial aparência de contradição, os dois preceitos completam-se. Melhor dito: podem coexistir. E essa co-existência estará apenas dependente de um juízo judicial do evoluir da personalidade do arguido, expressa em factos que possam ser apreciados pelo TEP.

Assim, afirmar que a «“revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, mas isso não impede que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional”, desde que ocorra um novo e favorável juízo judicial» não encerra qualquer contradição e é a solução que se impõe.


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B.8 – Da análise jurisprudencial que vem sugerida nas peças origem deste recurso pode afirmar-se que, de facto, os acórdãos desta Relação de Évora citados no despacho recorrido e na promoção que a ele conduziu revelam que as exigências da casuística não deixam tornar clara uma sistematização esclarecedora. Mas é sabido que os recursos se destinam a resolver casos concretos e o seu excesso, e o tempo - na sua escassez - não são aliados de qualquer germanização do pensamento. Podemos é afirmar estar em desacordo com o expresso nos arestos desta Relação de Évora de 31-05-2011 e 07-02-2012 quando afirmam que as penas objecto de revogação devem ser cumpridas por inteiro.

Mas esse esboço de sistematização já se torna mais esclarecedor se alargarmos horizontes para jurisprudência mais lata, incluindo jurisprudência obrigatória.

Ao nível do STJ convém, desde logo, ter sempre presente o AUJ nº 3/2006 que claramente estatui: «Nos termos dos nsº 5 do artigo 61º e 3 do artigo 62º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.» (a referência no AUJ deve ser feita hoje ao nº 3 do artigo 63º).

O tratamento conjunto das duas hipóteses de LC obrigatória aos 5/6 da pena é bem revelador de que o mesmo e idêntico regime é aplicável às duas hipóteses de facto que se podem colocar, a consideração de uma única pena superior a 6 anos e a soma de penas superiores a seis anos que devam ser cumpridas em sucessão, casos que o próprio acórdão designa como “hipóteses simétricas” (ponto 3.6 da fundamentação do aresto, pag. 178 do DR, I-A, de 09-01-2006).

E esta é uma realidade inultrapassável, parece-nos, com o significado de que a aplicabilidade do artigo 63º, nº 3 afasta a aplicabilidade do nº 5 do artigo 61, ambos do C.P., ao caso concreto. E vice-versa. Trata-se de fazer a aplicação de normas de regime idêntico a hipóteses de facto diversas.

Certo, todavia, é que a pena (ou penas) objecto de revogação da LC cairá no regime geral.

E isso também é expresso em subsequentes acórdãos do STJ:

- de 25-06-2008 (proc. 08P2184, sendo rel. a Cons. Simas Santos) quando nas proposições 4 a 7 afirma:

4 – De acordo com o n.º 4 do art. 63.º do C. Penal, o disposto nos n.ºs 1 a 3 do mesmo artigo, que tratam da concessão de liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas, não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional, o que significa que se uma das penas resultar da revogação da liberdade condicional, ela não entrará nesse cômputo, devendo ser cumprida autonomamente, sem prejuízo do n.º 3 do art. 64.º, salvaguarda que prescreve que, relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida, em função da revogação da liberdade condicional, pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do art. 61.º.
5 – Com efeito, a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete e que inclui o n.º 4 que dispõe que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».
6 – Compreende-se a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, mas o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º, pelo que deve ser considerado em conjunto com a pena já cumprida para efeito de eventual aplicação de uma das modalidades de liberdade condicional: a do citado n.º 4 do art. 61.º.

- de 02-12-2010 (proc. 3564/10.7TXLSB-F.S1, sendo relator o Cons. Santos Cabral):

XIII - Pode-se distinguir uma dicotomia na concessão de liberdade condicional por forma obrigatória: a primeira, na hipótese de o condenado estar a cumprir uma única pena de prisão superior a 6 anos, segundo o qual o condenado deve ser colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido 5/6 dessa pena (n.º 4 do art. 61.º do CP) e, a segunda, no caso de o condenado estar a cumprir sucessivamente várias penas de prisão, cuja soma exceda os 6 anos de prisão, segundo o qual o condenado deve ser colocado em liberdade condicional logo que se encontrarem cumpridos 5/6 da soma das penas (n.º 3 do art. 63.º).
IX - A pena de prisão remanescente da revogação da liberdade condicional pode ser objecto de nova concessão de liberdade condicional, nos termos gerais do art. 61.º. Sublinhe-se que, por contraposição ao art. 63.º em que está em causa a soma das penas, na hipótese do art. 64.º está em causa a pena de prisão que vier a ser cumprida, o que constitui uma diferença qualitativa.
X - Porém, para o que importa sublinhar no caso em apreço, e para além de autonomizar o remanescente da pena em relação à pena global, dando-lhe um tratamento específico em termos de liberdade condicional (o que significa que o segmento de pena cumprido antes da revogação não releva para tal efeito), o art. 64.º não estabelece uma outorga automática de liberdade condicional, mas cria um poder-dever de concessão da liberdade condicional que tem subjacente uma decisão nesse sentido. Nestes termos, o requerente não tem direito à liberdade condicional automática prevista no n.º 4 do art. 61.º do CP. A sua concessão dependerá de um juízo de ponderação por parte do TEP.

- de 30-10-2014 (proc. 181/13.3TXPRT-F.S1, Cons. Helena Moniz):

III — Quando o condenado é colocado em liberdade condicional, mas infringe grosseira e repetidamente os deveres ou regras de conduta que lhe tenham sido impostas, será aquela revogada, por força do disposto no art. 64.º e 56.º, do CP. O que terá como consequência a “execução da pena de prisão ainda não cumprida” (art. 64.º, n.º 2, do CP), sendo certo que “relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º” (art 64.º, n.º 3, do CP, itálico nosso). (…)
VI — Conclui-se que uma vez revogada a liberdade condicional ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 1, do CP, o delinquente terá que cumprir nova pena correspondente ao remanescente da pena em que inicialmente foi condenado, e nova liberdade condicional poderá (ou não) ser concedida consoante estejam verificados os pressupostos do art. 61.º, do CP, ou seja, os pressupostos exigidos em todo aquele dispositivo.

E quanto à jurisprudência das Relações não queremos deixar de prestar preito aos acórdãos onde existe acordo, ao menos parcial, das Relações:

- do Porto,

- de 03-10-2012, (Élia São Pedro),

Apesar de ter sido revogada a liberdade condicional anteriormente aplicada, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos 5/6 da mesma pena, pois para que tal ocorra basta o decurso do tempo e a concordância do condenado.

- de 04-02-2015 (Castela Rio):

I – Enquanto o artigo 63º nºs 1 a 3 do CP consagra uma «doutrina de soma» ou cômputo de penas, o art 63º nº 4 do CP consagra uma «doutrina de diferenciação» ou autonomia de penas.

II - O artigo 63º nº 3 do CP não exclui do direito à liberdade condicional o condenado que já dela beneficiou anteriormente.

III – O artigo 64º nº 3 do CP, ao dispor «pode», não visa afastar o regime automático do artigo 61º nº 4 do CP mas apenas esclarecer que nada obsta à concessão de liberdade condicional ao condenado que dela já beneficiou anteriormente.

IV – A Jurisprudência do AUJ 3/2006 abrange o condenado em cumprimento de pena após revogação da liberdade condicional concedida ao abrigo do artigo 61º nºs 2 e 3 do CP.

- de Coimbra,

de 03-12-2008 (Orlando Gonçalves),

O recluso, que cumpre pena residual por revogação de liberdade condicional, tem o direito a ver apreciada a sua libertação antecipada à metade e aos 2/3 de tal pena.

- de 07-04-2010 (Esteves Marques):

1.A liberdade condicional visa a suspensão da reclusão, de forma a criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, assim permitindo que o recluso ganhe o sentido de orientação social que, necessariamente, o período de encarceramento enfraqueceu.
2. O remanescente da pena a cumprir – em consequência da revogação da liberdade condicional – não é uma nova pena, mas sim a execução da parte de pena cujo cumprimento foi interrompido com a concessão da liberdade condicional, depois revogada.
3.O facto de ter sido revogada a liberdade condicional não implica que o arguido não possa vir a beneficiar de uma nova liberdade condicional durante o cumprimento do remanescente da pena.
4. Os períodos temporais fixados no artº 61º CP para a concessão da liberdade condicional têm de ser acatados, mesmo no caso de execução do remanescente da pena resultante da revogação da liberdade condicional, desde que estejam preenchidos os respectivos pressupostos.
5 No caso de cumprimento do remanescente da pena, em consequência da revogação da liberdade condicional, o cálculo das datas para a concessão de nova liberdade condicional deve ser feito tendo em conta igualmente a pena que esteve na sua origem, nos termos do art. 479º nº 2 CPP.
6. Assim quando se perfizerem os 5/6 do cumprimento da pena, contados nos termos acima referidos, a instância deve ser renovada para efeitos de apreciação da concessão da liberdade condicional.

de 15-02-2010 – proposições 2 e 4 (Jorge Jacob),

2. O que se visa através da exclusão prevista no nº 4 do art. 63º do CP é impor o cumprimento autónomo da pena que resulta da revogação da liberdade condicional, porquanto diluir esta última pena numa soma de penas que não comportam cúmulo jurídico e que por essa razão devem ser cumpridas sucessivamente não encontraria justificação nas considerações de prevenção especial subjacentes ao cumprimento da pena.
4. O cumprimento do remanescente da pena de prisão resultante da revogação da liberdade condicional anteriormente concedida constitui, para efeitos de determinação do momento da concessão da liberdade condicional, uma pena autónoma.


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B.9 – Podemos, agora, retirar ilações para o caso concreto.

Desde logo – e quanto à primeira parte do recurso - que a liquidação do remanescente da pena efectuada pelo tribunal recorrido no processo 1741/07.7PB5TB não pode contabilizar duas realidades jurídicas, o resto da pena mais o prazo de liberdade condicional concedido. Só pode contabilizar o resto da pena não cumprido à data da concessão da LC por necessária referência à pena inicialmente imposta deduzida do período da pena parcialmente cumprida.

Assim, afirmar que «A nosso ver, o remanescente a cumprir deverá corresponder, não só ao período de liberdade condicional fixado, mas também à restante parte da pena por cumprir, ou seja, ao período de tempo que decorre desde 19/6/2015 a 1/3/2018, num total de 2 anos, 8 meses e 10 dias» não é aceitável e terá que ser reduzida à dimensão estipulada pelo artigo 64º, nº 2 do C.P.: “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”, mas só contabilizando o resto da pena do respectivo processo e não da soma das duas penas, o que nos parece ter sido o raciocínio feito pelo tribunal recorrido.

E “parece” pois que não existem nos autos todos os elementos para a liquidação de tal pena, aceitando nós que a discrepância indicada quanto ao remanescente da pena (2 anos e 6 meses ou 2 anos, 8 meses e 10 dias) tem que ser resolvido a favor do remanescente de 2 anos e 6 meses, tal como peticionado pelo recorrente.

E quanto à segunda parte do recurso também não é passável a posição do tribunal recorrido quando afirma que “o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional”.

Nem tal se deduz do artigo 63º do C.P. como o contrário resulta das Actas da Comissão e de uma interpretação literal, sistemática e teleológica do regime de LC.

Nem, por outro lado, as penas objecto de revogação “devem” ser cumpridas por inteiro. A todas as penas em discussão nos autos - três, sendo duas objecto de revogação da LC - se aplicam as regras de concessão de nova LC mas seguindo as regras do regime geral em relação a todas e cada uma delas.

Naturalmente que para o caso sub iudicio é irrelevante saber se em determinado momento a outorga da LC opera ope legis ou está dependente de despacho judicial na medida em que se não coloca uma questão temporal normativamente regulada. A questão nos autos limita-se a apurar se a LC pode ser concedida após revogação da pena e, nesse ponto, a nossa resposta é afirmativa.

Isto é o que está consagrado em letra de lei. Será o melhor sistema?

Essa é questão que, para além de ser - como vimos – controversa de iure constituto, mereceria resposta de iure condito provavelmente diversa. Mas não cabe a este tribunal interpretar a lei de acordo com aquilo que se entende que deveria ser o sentido da lei, que essa é uma forma não prevista de revogação legal. Pode não ser o melhor sistema – nem isso é questão que ora importe nem sobre a mesma emitimos qualquer opinião - mas é o sistema que está consagrado legalmente.

A nós impõe-se determinar apenas que a LC é admissível nos termos indicados, exigindo despacho judicial relativamente a cada uma das penas supra indicadas.

Que critérios utilizar na regulamentação de um universo de três penas, todas elas podendo beneficiar de LC nos termos do regime geral do artigo 61º do Código Penal é questão que não cabe no objecto do recurso - e este tribunal não regula o futuro não contraditado - mas que é abordada pela jurisprudência, incluindo aquela supra citada.

É, pois, procedente o recurso interposto.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora acordam em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que, em tempo devido, decida sobre a flexibilização da execução de cada uma das penas, na consideração dos critérios supra expostos.

Sem tributação.

Notifique-se.

Transitado, remeta-se ao TEP.

Évora, de 06 de Fevereiro de 2018

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa (relator)

António Condesso (adjunto)

__________________________________________________
[1] - In «Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime». Editorial Notícias, 1993, § 847.
[2] - “Actas da Comissão de Revisão do Código Penal“ in «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 1983, pag. 63.
[3] - “Código Penal – Projecto” in «Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão», Ministério da Justiça, Rei dos Livros, 1983, pags. 561-562.
[4] - Na obra indicada, «Actas da Comissão de Revisão», o regime é tratado nas Actas das Sessões 7ª, 16ª, 41ª e 42ª, sendo as 7ª, 16ª e 42ª as determinantes para a norma charneira para o caso concreto, o actual artigo 63º.
[5] - “Código Penal Alemán e Código de Procesal Penal Alemán - Stgb e Stpo”, Emilio Eiranova Encinas (coord.) et. al., Marcial Pons, 2000.
[6] - “Remainder” no sentido de resíduo, resto, remanescente – v.g. «Dicionário Jurídico-Law Dictionary», Maria Chaves de Melo, Dinalivro, 3ª edição, 2002; ou “Remand” com o sentido de “reenviar”, in «1001 Legal words you need to know», Jay Feinman, Oxford U.P, 2003; e «The Dictionary of Legal Terms», Irving Shapiro, LLP, 2011.
[7] - https://www.gesetze-im-internet.de/englisch_stpo/englisch_stpo.html#p2567
«Section 454b [Execution of Prison Sentences and of Default Imprisonment]
(1) Prison sentences and default imprisonment for failure to pay a fine should be executed consecutively.
(2) Where more than one prison sentence, or a prison sentence and default imprisonment for failure to pay a fine are to be executed consecutively, the executing authority shall interrupt execution of the first prison sentence to be executed, if
1. under the conditions of section 57 subsection (2), number 1, of the Criminal Code one half, but at least six months of the sentence,
2. in the case of a determinate prison sentence two-thirds, but at least two months of the sentence, or
3. in the case of a sentence of life imprisonment, fifteen years of the sentence
have been served. This shall not apply to a remainder of sentence executed because its suspension has been revoked. Where the conditions for interrupting the first prison sentence to be executed have already been met before the prison sentence subsequently to be executed becomes liable to execution, the interruption shall take effect retrospectively from the time the prison sentence became liable to execution.
(3) Where the executing authority has interrupted execution pursuant to subsection (2), the court shall not give the decisions pursuant to section 57 and section 57a of the Criminal Code until a decision can be given at the same time on suspension of execution of the remainder of all sentences.»
[8] - Estes dois regimes eram anteriormente previstos nos artigos 63º (a revogação) e 64º (extinção da pena).
[9] - No sentido de que a razão de ser deste nº 4 está na existência da revogação, Maria João Antunes, in «Consequências Jurídicas do Crime», Coimbra Editora, 2013, pag. 92.
[10] - Também neste sentido o bem relatado acórdão da Relação do Porto de 04-02-2015 (Castela Rio) que vai citado infra. Quanto ao ponto em que agora a ele fazemos referência respinga-se da fundamentação: «a circunstância de o citado preceito dispor “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional”, não visa afastar o regime automático do nº 4 do artigo 61º, mas tão só esclarecer que nada obsta a que, revogada a liberdade condicional, ela venha a ser novamente concedida, quer nos termos de ponderação efetuada conforme ao disposto nos nºs 2 e 3, quer após o cumprimento de 5/6 da pena, como previsto naquele nº 4. Com efeito, “ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus”. Nada, no texto legal, permite efetuar tal interpretação restritiva».
[11] - Na nota 37 do aresto acabado de citar faz-se uma exposição sucinta das três posições jurisprudenciais em discussão neste concreto tema.