Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
261/06.1TBSSB.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: SIMULAÇÃO DE PREÇO
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: 1. O art. 55.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), ao referir-se à “indicação inexacta do preço”, dispensa a prova dos requisitos da simulação relativos à existência do pacto simulatório e do intuito de enganar terceiros.
2. Exige, no entanto, a prova da divergência entre a vontade real e a vontade declarada no que respeita ao preço.
3. Exige, também, a prova de que essa divergência originou a liquidação do imposto por valor inferior ao devido, tendo em atenção que este é liquidado de acordo com “o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”
4. Finalmente, exige a prova de que o imposto que deveria ter sido liquidado excederia em 30% ou em € 5.000,00, pelo menos, o valor sobre que incidiu.
5. O valor de mercado do imóvel transmitido não constitui base de incidência do IMT.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Na Secção de Competência Genérica de Sesimbra, o Digno Magistrado do Ministério Público, em representação da Câmara Municipal, intentou acção contra AA Imobiliários, S.A., e BB, pedindo se reconheça o direito do Município a preferir na compra de quatro lotes de terreno, identificados nos autos, com fundamento no art. 55.º n.ºs 1 e 2 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
Contestaram os RR. e, após julgamento, por sentença de 15.07.2008 foi a acção julgada procedente.
Na sequência de recurso dos RR., por Acórdão de 28.04.2009 o Tribunal da Relação de Lisboa anulou o julgamento quanto ao item f) dos factos dados como provados e na parte em que deu como não provada a simulação de preço, ordenando a baixa dos autos para que se cumprissem as diligências de instrução úteis e necessárias aos indicados fins.
Regressaram os autos à primeira instância e, após diversas diligências de prova, foi de novo proferida sentença, em 14.12.2015, no mesmo sentido da primeira.

De novo inconformados, os RR. apresentam recurso com as seguintes conclusões:
1. «Reportam-se as presentes Alegações ao recurso de Apelação interposto da sentença proferida no Proc. 261/06.1TBSSB que ofereceu integral procedência à Acção proposta por MUNICÍPIO “… em virtude de indicação inexacta do preço constante da escritura de compra e venda dos quatro lotes em apreço, e nessa medida o exercício do direito de preferência pelo A., Câmara Municipal, mediante o depósito do preço declarado no prazo de 15 dias após o trânsito, prazo que se fixa para a entrega dos bens imóveis” (cfr. capítulo III. Decisão da Douta Sentença ora em crise).
2. A sentença recorrida perfilhou um entendimento extravagante sobre a disposição do art. 55.º do CIMT, sem base legal e em patente violação de preceitos constitucionais de primeira água e, com ela, os ora recorrentes não se podem conformar.
3. O aresto recorrido desconsiderou in limine a prova produzida, quer documental, quer pericial quer ainda testemunhal, no que toca à valorização dos imóveis que, no entendimento dos recorrente, determinaria resposta inversa àquela que veio a ser fixada nos Factos Provados f) fazendo ainda, sem prejuízo do supra, errada aplicação do direito aos factos.
4. Por tudo, serve o presente Recurso a revogação e rectificação dos Erros no Julgamento da Matéria de Facto e de Direito que, sempre e qualquer um de ambos, impõem a revogação do decidido em primeira instância e sua substituição por aresto deste Tribunal da Relação de Lisboa que ofereça, como se espera, a Acção proposta por Improcedente.
5. Para o efeito, importa, antes de mais, analisar o enquadramento dos presentes autos, concretamente no que respeita à “nova” audiência de discussão, no que concerne ao cumprimento de decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa nos autos de Apelação que com o n.º 261/06.1TBSSB.L1 correram seus termos pela 7.ª secção e, nessa sequência, na prova que, no entendimento dos recorrentes, haverá que conjugar e apreciar com vista à prolação de decisão, a qual, no modesto entendimento, não foi – indevidamente – tida em consideração, dando-se, nesta sede, por integralmente reproduzido o vertido no capítulo II das Alegações sob a epígrafe “Breve Resenha”.
6. Salvo, reitera-se, o devido respeito pelo Mmo. Juiz do Tribunal “a quo”, a decisão recorrida não conforma a boa solução do caso sub iudice, porque, no entendimento dos Recorrentes e salvo melhor e Douta opinião, errou no Julgamento da Matéria de Facto, conquanto o Tribunal “a quo” se socorreu de somente 1 Relatório Pericial para dar como provado o facto (provado) f) sem conjugar o mesmo com a demais prova documental e testemunhal existente nos autos, ignorando, inclusive, relatórios periciais igualmente nele constantes bem como considerou como não provado o quesito 6 da BI do qual resultava “Há documentos atinentes à quitação dos pagamentos efectuados ou que os possam demonstrar?” e Errou no Julgamento da Matéria de Direito, independentemente da alteração (ou não) da resposta dada ao facto provado em f) como infra se demonstrará.
7. A questão a que importa dar resposta e que fundamenta o presente Recurso em matéria de facto, prende-se com o facto de saber se dos autos resulta demonstrado, face aos elementos disponíveis, que o valor de mercado de cada um dos imóveis é superior a € 25.000,00, quer no ano de 2003 quer em Setembro de 2005 bem como à consideração como não provado do quesito 6.º da PI ampliada.
8. O Tribunal deu por provado que “O valor de mercado de cada um dos imóveis referidos em i), ii), iii) e iv) de A) é superior a € 25.000,00, quer no ano de 2003, quer em Setembro de 2005” (cfr. Sentença recorrida, fls. 4). Refere-se o descrito item da Matéria Provada ao valor comercial dos imóveis transaccionados entre as RR objecto do alegado direito preferência de que o Município de Sesimbra se arroga nestes Autos.
9. Salvo melhor e Douta opinião, para efeitos da resposta dada como provada na al. f) dos factos provados, não foi feita qualquer conjugação da prova produzida em sede de audiência de julgamento com a demais prova já existente nos autos e devidamente pacificada.
10. Vejamos, então, se a prova produzida em Julgamento permite e sustenta a asserção – a efectivamente útil para os Autos – que os imóveis adquiridos pela 2.ª R. e vendidos pela 1.ª, ambas aqui recorrentes, possuíam, na altura dessa venda, o valor de, pelo menos, € 25.000,00 cada um, começando por analisar os vários relatórios periciais existentes nos autos, bem como a prova testemunhal produzida em sede de audiência e julgamento, no que concretamente respeita à classificação dos terrenos em sede de PDM.
11. A requerimento do A. e ora recorrido, o Tribunal ordenou a realização de Perícia cujo Relatório respectivo se encontra junto a fls. dos Autos, elaborado por Eng.º CC, tendo dado entrada no processo em 03.05.2008 e que teve por objecto, precisamente, a aferição do valor dos lotes de terreno descritos a Factos Provados a) e que foram transaccionados entre as RR. e recorrentes.
12. Atenta a natureza técnica de uma avaliação, pois que este específico meio probatório possuirá grande relevo no juízo a produzir sobre a avaliação dos prédios cuja preferência se pretende exercida na presente Acção, sendo de grande relevância proceder à sua análise e à extracção de conclusões do que do mesmo consta, para efeitos de conjugação com a demais prova pericial existente nos autos bem como a documental e testemunhal, atendendo a que, como já se referiu, este relatório em apreço avaliou os imóveis à data de 2008 e não de 2003 e 2005 como se pretende.
13. Contudo, apesar do momento da avaliação em causa não relevar para o que, nesta sede, se pretende alcançar, o enquadramento e considerações são, sobremaneira, relevantes para a “desconsideração” do único Relatório Pericial no qual o Douto Tribunal “a quo” se sustentou para a decisão que veio a proferir no que concretamente respeita ao facto provado f).
14. A págs. 10 do Relatório e respectivos ANEXOS I II e III, desde logo se aponta que os lotes de terreno em causa possuem escasso valor de mercado, por se integrarem “em zona classificada no PDM (Plano Director Municipal) como «Zonas Verdes» e, como tal, não têm de todo qualquer viabilidade de construção” e ainda se acrescenta que estava prevista, durante o ano de 2008 “a revisão do Plano Parcial de Urbanização da Quinta e que, em princípio, não iria haver alteração à finalidade dos imóveis em apreço”, dispondo, por fim, que “a referida revisão do Plano de Urbanização foi efectivamente publicada no dia 4 de Fevereiro [de 2008, ano do Relatório], em Diário da República, em nada alterando a classificação dos espaços objecto de avaliação como «Zonas Verdes»”. De referir que a classificação dos referidos lotes resulta de informação prestada pelos Serviços Camarários competentes da Câmara Municipal, concretamente pelo Sr. Arq.º DD.
15. Mais adiante, a págs. 15 do Relatório, reitera o Sr. Perito “Os lotes de terreno 2374, 2375, 2398 e 2399 por estarem classificados em «zona verde» não têm qualquer viabilidade construtiva e, portanto, por si só, não são apetecíveis e têm muito baixo valor” (cfr. Relatório Pericial, fls. 15).
16. Sublinha-se ainda no aludido relatório que os operadores imobiliários da região não possuem, em carteira, lotes em Zona Verde para comercialização, o que por si só denuncia cabalmente da falta de relevo de mercado de terrenos com a configuração dos que ficam tocados nestes autos. “constatou-se que os diversos agentes e mediadores imobiliários não dispõem de uma base de dados fidedigna e nem sequer têm lotes disponíveis em zona verde para comercialização no seu «portfolio». Tal não constitui de todo uma surpresa, em primeiro lugar, porque o crédito bancário não está normalmente associado a este tipo de investimentos e, mesmo em condições favoráveis, exige uma garantia de construção a edificar que este tipo de lotes em zona verde não pode[m] oferecer (porque efectivamente não existe viabilidade de construção, que é a parte tangível que interessa como garantia a uma entidade financeira)” (cfr. Relatório Pericial, fls. 4). Assim, temos que o próprio mercado imobiliário não reconhece relevância a esta tipologia de prédios, que não comercializa porque, está bom de ver, não lhe conhece qualquer aptidão para aportar mais-valias ao seu negócio.
17. Não é, por isso, de estranhar que o Relatório Pericial, logo na nota introdutória, cifre a avaliação “Inerente ao valor próprio e real do terreno”, somando todos os lotes, em € 6.600,00 (cfr. Relatório Pericial, fls. 6) o que, articulado com o que se diz nas conclusões finais a fls. 19, nos permite a conclusão que cada um dos lotes possui valia comercial intrínseca de € 1.647,00 (cfr. Relatório Pericial, fls. 19).
18. Na sequência do Douto Acórdão do TRL a que supra se alude, posterior ao Relatório Pericial que temos vindo a analisar, foi determinada a ampliação da Base Instrutória para efeitos de aferição do concreto valor dos imóveis nos anos de 2003 e 2005. Sem prejuízo do supra elencado em sede de “Breve Resenha” que, por razões de economia processual, nesta sede se tem por integralmente reproduzido, veio a ser nomeado novo Perito para proceder à realização de Perícia com vista a determinar o valor de mercado dos lotes em apreço por referência a 2003 e a 2005.
19. O Exmo. Perito nomeado EE, apresentou um relatório, datado de 11.02.2011, no qual começa por referir “… perito nomeado pelo Tribunal Judicial para completar, esclarecer ou fundamentar por escrito o relatório de avaliação datado de 21 de Março de 2008…”, referido, apesar de ter adoptado o critério de valorização em sede de processo expropriativo, aplicando preços por m2 com base na Média Global de valores unitários de Avaliação Bancária de Moradias no concelho, que “Os 4 lotes de terreno em 2003 e 2005 encontravam-se inseridos em zona classificada no P.D.M: (Plano Director Municipal) como “zonas verdes” e mantiveram a mesma classificação na revisão do Plano Parcial de Urbanização da Quinta publicado a 4 de Fevereiro de 2008. (…)” – cfr. pág. 1 do referido Relatório.
20. Quanto ao método aplicado (valorização em sede de processo expropriativo) já o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa havia afastado como adequado para efeitos de aferição de valor de mercado, referindo a págs. 18 do mesmo “As avaliações feitas no âmbito de processos de expropriação seguem procedimentos especiais na busca do valor justo da expropriação e, portanto, não pode ser parâmetro para aferir dos valores de mercado ou do comportamento dos operadores económicos.” (sublinhado nosso).
21. Porque os aqui recorrentes se não conformaram com o teor do Relatório apresentado (cfr. requerimento de 07.03.2011) vieram, para além dos fundamentos nele expostos relativamente aos erros manifestos de que padecia e que nesta sede se têm, por razões de economia processual, por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos, juntar documentos (posteriormente admitidos), requerer a inquirição da Eng.ª FF, a qual, entre 01.08.1990 e 07.03.1994 exerceu o cargo de Directora de Projecto Municipal da Quinta e requerer a realização de 2.ª Perícia colegial, indicando, para o efeito, como seu perito o Exmo. Sr. Eng.º GG, tendo vindo a ser ainda nomeados Em 29-04-2014, Perito indicado pelo Tribunal: HH e Perito indicado pelo Tribunal: II.
22. Em 08.07.2014 o Perito II vem apresentar o seu Relatório Pericial, no qual conclui que, à data de Julho de 2014, cada um dos imóveis possuía um valor de € 6.658,00, referindo que a zona (concretamente os lotes) no âmbito do PDM se encontravam considerados como uma área de loteamento clandestino, classificada no Regulamento como Espaço Urbano/Urbanizável contudo, sujeitos ao artigo 122 do PDM e sempre condicionados pelo facto de não existir para o local um Plano de Urbanização ou Loteamento aprovado o que veio a acontecer apenas em Fevereiro de 2008 e, no âmbito do Plano de Urbanização da Quinta conclui que os lotes se encontram integrados em estrutura ecológica mais concretamente como espaços verdes e outros espaços públicos. (cfr. págs. 8 e 9 do Relatório).
23. E, em 28.10.2014 o Perito HH vem apresentar o seu Relatório Pericial, no qual conclui que “…o valor de mercado constatado em 2005, mas não cientificamente explicável, foi no mínimo de 21,61 €/m2 e no máximo 83,33 €/m2.”, portanto € 7.596,96 (mínimo) e no máximo € 27.998,88, que, com base no valor anualmente fixado pela Câmara Municipal a pagar pela obtenção de parcelas destinadas a equipamento ou zonas verdes se alcança, em 2003 € 11,91, em 2004 € 12,32 e em 2005 de € 12,72 por m2, portanto e respectivamente € 4.001,76, € 4.139,52 e € 4.273,92, concluindo ainda que o valor patrimonial tributário determinado em 2003, 2004 e 2005 era de, respectivamente, € 4,50, € 4,50 e € 4,59 por m2, ou seja, € 1.520,00, € 1.520,00 e € 1.550,00.
24. O Sr. Perito enquadrou ainda os Lotes “Pelas datas de referência de 2003 e 2005, encontrava-se em vigor o Regulamento do Plano Parcial de Urbanização da Quinta publicado pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território no Diário da República II.ª Série, n.º 270, de 22 de Novembro de 1986. Por consulta à planta de síntese nos serviços da Câmara Municipal, verifica-se que os lotes estão abrangidos por “Zonas verdes e outros espaços públicos” com definição regulamentar no artigo 7.º, alínea c), e no artigo 44.º.
Concretamente o artigo 44.º prescreve:
1 – Não serão autorizadas quaisquer construções nestas zonas nem a destruição da vegetação existente.
2 – Excepcionalmente, poderão ser permitidas instalações de interesse colectivo, desde que não prejudiquem a circulação de peões e se integrem harmoniosamente no espaço verde urbano.”
25. Os aqui recorrentes reclamaram do Relatório Pericial do Perito II (requerimento de 21.11.2014) atendendo a que o mesmo avaliada os imóveis reportado a Julho de 2014 e não ao ano de 2003 e 2005 como se impunha e, nessa sequência, veio a ser, em 20.03.2015, apresentado pelo Perito II novo relatório, no qual, avalia os imóveis em € 50.400,00 cada um, reportado a Julho de 2003 e em € 53.760,00 cada um, reportado a Setembro de 2005, cujo enquadramento para classificação dos lotes consta de fls. 8 e 9, mantendo o já efectuado no seu relatório de 08.07.2014, reiterado na resposta à reclamação do mesmo apresentada pelos esclarecimentos prestados em 28.06.2015.
26. Sucede que, conforme supra se tem vindo a referir, somente este Perito II é que não classifica os lotes, em 2003 e 2005 como zona verde, mas antes como espaço urbano/urbanizável (sem prejuízo do que infra se dirá quanto ao critério de avaliação utilizado) todos os demais peritos são claros na classificação dos lotes (em sede de PDM e de Plano de Urbanização de 2008) como enquadrados em zona verde, sem qualquer capacidade edificativa.
27. Mais, do depoimento prestado pela Testemunha FF – cfr. Acta de 09.12.2015 - depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início às 10:53 horas e o seu termo às 11:28 horas – resultou inequívoco que a mesma exerceu funções na Câmara Municipal, ligada ao projecto municipal da Quinta, sendo clara a classificar os imóveis como inseridos em zona verde, reconhecendo ainda ter intervindo em Perícia de avaliação aos mesmos imóveis (em 2010) aos quais se atribuiu o valor de 1,00 €/m2.
28. Atente-se ainda do que resulta do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa já identificado, no que concretamente respeita à classificação dos lotes de terreno, designadamente no que concerne aos depoimentos de JJe de LL“(…)
Quer o depoimento de JJ quer o de LL, referem que os lotes de terreno em Zona Verde já teriam, em 2003, alguma procura, por existir uma expectativa, embora vaga, de os seus proprietários viessem a ser compensados ou conseguissem permutas com a Câmara. Isto porque a Câmara podia ter interesse nesses lotes para alguma infra-estrutura, procurando adquirir os mesmos, por via de permuta ou da expropriação.
Porém, ambos reconhecem que o interesse da Câmara nestes lotes, bem como as expectativas de permuta dos particulares, só mais recentemente se intensificaram e que este novo mercado (em que os terrenos são comprados com a perspectiva de troca com a Câmara) só terá começado a emergir em 2006, com a discussão pública do Plano de Urbanização, aprovado em Fevereiro de 2008.
O depoimento de LL, também não permite solucionar as dúvidas que existissem quanto: (i) ao valor que os terrenos teriam em 2003; (ii) ao interesse que a Câmara poderia ter neles em 2003 (ou em 2005 ou 2006); (iii) à valorização que, entretanto, foram sofrendo, ao longo de 5 anos. O mesmo não conhecia a situação concreta dos lotes em apreço, sabendo apenas que os mesmos se localizavam em zona verde. As informações prestadas foram vagas e globais e por isso não conclusivas.”
29. De notar ainda que foi requerido pelas Recorrentes a prestação de esclarecimentos por parte do Perito II em sede de audiência de discussão e julgamento, não tendo o mesmo comparecido quer na data designada de 16.11.2015 (cfr. Acta), Quer ainda no dia 09.12.2015, não se tendo, para o efeito, designado qualquer outra data, atento o despacho proferido pela MM.ª Juiz (cfr. Acta).
30. A ausência do Exmo. Sr. Perito à audiência de discussão e julgamento impediu as recorrentes de o confrontar com o teor do seu relatório bem como com o teor dos demais no que concretamente respeita ao enquadramento/classificação dos imóveis em sede de instrumentos de gestão territorial, designadamente PDM,
31. Tendo, não obstante tal facto, o Douto Tribunal aceite e assumido como único Relatório Pericial o apresentado por tal perito II, ignorando e não conciliando com o teor dos demais produzidos nos autos.
32. Somente o Perito II é que enquadra os lotes como tendo capacidade edificativa (sem prejuízo do que infra se dirá em sede de critério de avaliação) contradizendo, por essa via, todos os demais peritos intervenientes nos autos (mais 3 peritos pelo menos), sem que às aqui recorrentes fosse possível contraditar o mesmo solicitando, nesse concreto ponto, os adequados esclarecimentos face aos instrumentos territoriais vigentes.
33. Mais grave ainda, o Douto Tribunal ignorou, por completo, o relatório Pericial apresentado pelo Perito HH, já que, quanto ao mesmo, em momento algum da Douta Decisão se pronuncia quanto ao seu teor ou por quais razões o mesmo é desvalorizado em detrimento daquele que veio a ser apresentado pelo Exmo. Perito Faltoso II.
34. Tal omissão é, no entendimento dos aqui recorrentes, passível de configurar nulidade da decisão nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do (N)CPC o que, nesta sede, expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
35. Já no Relatório Pericial de 28.02.2008 do Sr. Perito CC, para além da avaliação quanto ao valor objectivo e real dos imóveis, efectuou ainda uma segunda, que se baseou no que apelidou de “circunstâncias externas” e concluiu que ascenderiam no seu conjunto, nesses especiais e externos circunstancialismos, ao valor dantesco de € 30.000,00 cada um, para um total de € 120.000,00 pelos três Lotes (cfr. Relatório Pericial, pp. 6 e 19), fundado num mercado especulativo e pouco transparente, relacionado com permutas cfr. Relatório Pericial, pp. 4-5 e pág. 15).
36. Esta conclusão apurada veio a ser desconsiderada face à prova produzida em Julgamento, já que a existência de um mercado paralelo sobre terrenos em zona verde que tem por base o interesse que a Câmara Municipal neles possui, porém, é questão que somente se colocou após o Plano de Urbanização de Quinta ter sido aprovado em 04 de Fevereiro de 2008 (cfr. Anexo III junto ao Relatório Pericial e 2ª Série do Diário da República nº 24, de 04 de Fevereiro de 2008) ou o início da sua discussão pública, ou seja, em momento posterior à outorga do Contrato Promessa e da subsequente Escritura de Compra e Venda.
37. Para tanto atente-se no Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa já identificado, do qual consta “Em primeiro lugar, a perícia constante dos autos, data de Março de 2008, e refere que os lotes em apreço, por se situarem em zona de reserva ecológica natural, não são apetecíveis e têm muito pouco valor no mercado imobiliário, concluindo que cada um dos lotes possuía uma valia comercial intrínseca de apenas € 1.647,00. Porém o relatório refere, ainda, a existência de determinadas circunstâncias, à data de 2008, que levaram ao desenvolvimento de “um mercado especulativo paralelo muito pouco transparente em que os lotes de terreno são utilizados como permuta com a Câmara em operações imobiliárias de maior ou menor valor, ou a título particular, como moeda de troca com a Câmara a qual poderá ceder num outro local um lote com possibilidades de construção”. Ora, era nesse contexto e para estes fins especiais que os referidos lotes, inseridos e zonas verdes pelo PDM, começaram a ganhar interesse a e ter alguma procura (sobretudo pelos promotores de construção), atingindo o valor de € 30.000,00, cada um.
O Sr. Perito prestou esclarecimentos em audiência de julgamento e referiu que não era capaz de avaliar os referidos lotes à data de 2003. Pelo contrário, insistiu que as conclusões do estudo se reportavam unicamente a 2008, não dispondo de um histórico das transacções que se têm feito sobre lotes análogos aos que estão em apreço, nem das contingências que pudessem fazer oscilar esse mesmo valor.
(…)
Quer o depoimento de JJ quer o de LL, referem que os lotes de terreno em Zona Verde já teriam, em 2003, alguma procura, por existir uma expectativa, embora vaga, de os seus proprietários viessem a ser compensados ou conseguissem permutas com a Câmara. Isto porque a Câmara podia ter interesse nesses lotes para alguma infra-estrutura, procurando adquirir os mesmos, por via de permuta ou da expropriação.
Porém, ambos reconhecem que o interesse da Câmara nestes lotes, bem como as expectativas de permuta dos particulares, só mais recentemente se intensificaram e que este novo mercado (em que os terrenos são comprados com a perspectiva de troca com a Câmara) só terá começado a emergir em 2006, com a discussão pública do Plano de Urbanização, aprovado em Fevereiro de 2008.
O depoimento de Carlos Borges, também não permite solucionar as dúvidas que existissem quanto: (i) ao valor que os terrenos teriam em 2003; (ii) ao interesse que a Câmara poderia ter neles em 2003 (ou em 2005 ou 2006); (iii) à valorização que, entretanto, foram sofrendo, ao longo de 5 anos. O mesmo não conhecia a situação concreta dos lotes em apreço, sabendo apenas que os mesmos se localizavam em zona verde. As informações prestadas foram vagas e globais e por isso não conclusivas.”
38. Ora, no que concretamente respeita a este “mercado paralelo” referenciado, não foi produzida qualquer prova demonstrativa de que o mesmo se verificava já em 2003 ou 2005, contudo, o Relatório Pericial do Exmo. Perito II de 15.03.2015 (bem como os esclarecimentos posteriores de 28.06.2015) nada refere quanto a esse mercado paralelo.
39. Não obstante tal facto, conforme já supra se referiu, nesse aludido Relatório e Esclarecimentos, o Perito enquadra os lotes de terreno em Espaço Urbano/Urbanizável U81 por se tratar de área de loteamento clandestina. Por esse facto entende que possuem cada um dos Lotes em causa capacidade edificativa??? Se existem construções clandestinas os lotes em causa também poderão ter construções clandestinas (somente esta é a conclusão que se pode retirar do relatório).
40. Além do mais, note-se até onde chega a incongruência do Sr. Perito ao referir nos seus esclarecimentos de 28.06.2015 - cfr. págs. 5 e 6 dos esclarecimentos ao concluir que, considerando-se os imóveis classificados em zona verde (que no seu entendimento – errado – somente sucede a partir de 2008, os imóveis não têm capacidade edificativa e, como tal, possuem valor inferior a € 25.000,00 (mais concretamente € 6.658,00 cada um).
41. No seu relatório considerou que em 2003 e 2005 os mesmos possuíam capacidade edificativa – o que amplamente se demonstra, face aos demais relatórios Periciais e demais prova documental e testemunhal dos autos, estar incorrecto – e, por essa via, entende que o valor dos mesmos ascende em 2003 a € 50.400,00 cada um e em 2005 a € 53.760,00 cada um.
42. Mas mais, tal capacidade edificativa – a existir claro está – sequer é permitida pelos instrumentos territoriais a que o Perito faz alusão no seu Relatório e Esclarecimentos, nos quais é claro a referir que a zona integra um LOTEAMENTO CLANDESTINO, contudo, porque existem à volta dos lotes casas ilegais construídas, naqueles concretos lotes também se poderiam construir CASAS ILEGAIS!!!!!
43. Mas quanto a isso não pode ser o Exmo. Perito confrontado em sede de audiência de discussão e julgamento atendendo a que o mesmo não compareceu nas duas datas designadas para o efeito e, por esse facto, o Douto Tribunal entendeu não adiar, mais uma vez, a diligência.
44. Não se conhece qualquer avaliação de valor de mercado com base em capacidade edificativa inexistente e/ou autorizada pelos instrumentos de gestão territorial. Todos os terrenos do país, até as dunas e os areais das praias permitem construção ilegal ou clandestina, quer tenham ou não construções ilegais ou clandestinas ao lado. Trata-se, salvo o devido respeito, de um absoluto e inqualificável disparate.
45. No caso de tal avaliação ser sustentada com Recurso ao Código das Expropriações, já vimos que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no Douto Acórdão proferido nos presentes autos, afastou esse mesmo critério como critério justo e adequado para se alcançar o valor de mercado dos lotes.
46. Acresce que, para além deste supra aludido Relatório, foi ainda produzido em 28.10.2014, outro Relatório Pericial subscrito pelo Perito HH, o qual, inexplicavelmente, sequer foi referenciado na Douta Decisão ora em crise, configurando, como supra se referiu, omissão de pronúncia.
47. Na verdade, trata-se de Relatório Pericial diametralmente oposto daquele que, igualmente sem qualquer fundamentação que o justifique, mereceu acolhimento pelo Douto Tribunal para efeitos de prolação da decisão (e sentido da mesma) ora em crise, onde, o Perito HH, para além de, com manifesta clareza e sapiência, enquadrar os lotes de terreno em zona verde, ou seja, sem viabilidade construtiva, acaba por concluir que “…o valor de mercado constatado em 2005, mas não cientificamente explicável, foi no mínimo de 21,61 €/m2 e no máximo 83,33 €/m2.”, portanto € 7.596,96 (mínimo) e no máximo € 27.998,88, que, com base no valor anualmente fixado pela Câmara Municipal a pagar pela obtenção de parcelas destinadas a equipamento ou zonas verdes se alcança, em 2003 € 11,91, em 2004 € 12,32 e em 2005 de € 12,72 por m2, portanto e respectivamente € 4.001,76, € 4.139,52 e € 4.273,92, concluindo ainda que o valor patrimonial tributário determinado em 2003, 2004 e 2005 era de, respectivamente, € 4,50, € 4,50 e € 4,59 por m2, ou seja, € 1.520,00, € 1.520,00 e € 1.550,00.
48. Ora, ao Douto Tribunal, na presente de (pelo menos) 2 Relatórios Periciais efectuados na sequência do determinado pelo Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, competiria, salvo melhor e Douta opinião, efectuar uma análise crítica de ambos e, nessa sequência, justificar e fundamentar as razões que o levam a adoptar um em detrimento de outro.
49. No caso concreto, o Relatório Pericial apresentado por HH, foi completa e totalmente ignorado e postergado, sequer o Douto Tribunal se pronunciou quanto ao seu teor ou, sequer, quanto à sua existência.
50. Sendo certo que o Relatório Pericial apresentado por II, no que concretamente respeita à classificação dos lotes no âmbito dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis, contraria todos os relatórios periciais produzidos nos autos e, acaba por avaliar os lotes de terreno como possuindo capacidade edificativa, a qual, claramente não têm.
51. Assim e face ao exposto, importa concluir que, da análise de todos os relatórios periciais constantes dos autos, sem excepção, todos são unânimes em concluir que os lotes de terreno, não possuindo capacidade edificativa, não possuem valores de mercado que excedam os € 25.000,00.
52. Somente no que respeita ao relatório que 28.02.2008 (CC) é feita referência a um mercado paralelo (permutas) que poderiam inflacionar os preços dos lotes, contudo, já amplamente vimos que dos autos e da prova produzida não resulta demonstrado que tal mercado paralelo já existia em 2003 e 2005.
53. Já do Relatório Pericial de 11.02.2011 (EE) resulta a utilização de um critério de avaliação (método expropriativo) que já havia sido afasto pelo Venerando TRL no seu Acórdão ao referir que se não trata de critério adequado para alcançar o valor de mercado dos bens.
54. Do Relatório Pericial de II é feita uma avaliação tendo por base que os lotes possuíam à data de 2003 e 2005 capacidade edificativa – que já vimos e demonstramos não corresponder à verdade – contudo, mesmo que assim fosse, tal capacidade teve condicionada até 2008 (pois o que existia era um loteamento clandestino com construções clandestinas) e desde 2008 os lotes deixaram de ter capacidade edificativa.
55. E do Relatório Pericial que veio a ser ignorado pelo Douto Tribunal, de 28.10.2014 de HH, somente numa situação alcançou valor que excede os € 25.000,00, contudo, quanto a esse método de avaliação, refere tratar-se de “valor de mercado constatado em 2005, mas não cientificamente explicável, …”, referindo inclusive a págs. 9 do seu relatório “Em relação aos dados referentes a escrituras públicas de compra e venda, verificamos que se trata de uma amostra estatisticamente pouco expressiva, apesar dos dados serem admissíveis pelas suas circunstâncias face aos instrumentos de gestão territorial e localização. A numeração dos lotes (próxima) e a quantidade da amostra não permitem, de forma científica, produzir grandes afirmações. Os valores apresentam-se díspares: por um lado temos um conjunto com valores unitários com uma média de 22,61 €/m2 e, por outro, um lote de 83,33 €/m2. (…)”
56. Conjugados estes elementos com a prova testemunhal produzida, designadamente a supra referida quanto aos depoimentos de FF, JJ e LL bem como os demais elementos documentais disponíveis nos autos, designadamente Relatório Pericial de 2010 (na qual a testemunha FF teve intervenção) que avalia os imóveis em 1,00 €/m2, os valores patrimoniais inicialmente fixados pela AT e o valor que, após 2.ª avaliação e reclamação desta acabou por vir a ser fixado € 1,520,00 por lote e as comunicações da Câmara Municipal, datadas de 25.02.2011 nas quais se dava conta do início do procedimento de Permutas e, relativamente às quais, o interessado teria ainda, para além do lote de permuta, que liquidar a quantia de € 11.500,00 ou € 17.500,00 conforme se tratasse de lote com 5 ou 7,5 metros de frente, impunha-se resposta diversa ao quesito daquela que veio a ser fixada,
57. No tocante ao valor da perícia, quer se trate da primeira perícia quer da segunda, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389º do Código Civil), o que no caso dos autos, entendem os recorrentes, não se verificou.
58. Entendem pois os recorrentes que deveria ter sido dada resposta negativa ao quesito referente ao valor de cada um dos terrenos, já que da prova produzida e da matéria documental constante dos autos não resulta demonstrado que o valor de cada um excede os € 25.000,00.Errou pois o Douto Tribunal na fixação da alínea f) como provada, impondo-se a revogação da decisão nessa parte, devendo tal alínea ser considerada como não provada, sem prejuízo da suscitada invalidade da decisão face à total e completa omissão de referência ao Relatório Pericial de 28.10.2014 do Perito HH.
59. Atento o exposto e os específicos meios probatórios a considerar na decisão, maxime tudo o supra exposto quanto àqueles, pois que temos que o Tribunal incorreu em patente ERRO NO JULGAMENTO EM MATÉRIA DE FACTO ao dar por provado o item f) da Matéria de Facto, incorrendo em violação do disposto nos arts. 413.º e 414.º do Código de Processo Civil, 342.º e 389.º do Código Civil, pelo que deve a sentença ser revogada nessa parte, sem mais, devendo o mesmo Facto ser havido por NÃO-PROVADO.
60. Dispunha assim o quesito 6.º aditado em cumprimento da Douta Decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa “Há documentos atinentes à quitação dos pagamentos efectuados ou que os possam demonstrar?”
61. Quanto à aludida demonstração, as ora recorrentes já haviam junto aos autos, em 02.07.2008 documentos comprovativos, da contabilidade da recorrente sociedade, da entrada e lançamento contabilístico das verbas referentes ao pagamento do preço – 10 documentos juntos com o requerimento que, nesta sede por razões de economia processual se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
62. Caso tais valores tenham sido liquidados em numerário, obviamente que não é possível demonstrar tais entregas com recurso a cheque ou comprovativos de transferência, razão pela qual são os documentos juntos suficientes para que se responda positivamente ao quesito 6.º, o qual, por essa via e na sequência da revogação da decisão nessa concreta parte, deverá ser incluso na matéria de facto dada como provada.
63. Mesmo que assim se não entendesse, sempre a 1.ª parte do quesito se encontraria respondida de forma positiva, pois que a documentação contabilística junta é sobremaneira suficiente para demonstrar a quitação dos pagamentos efectuados.
64. Pelo que igualmente nessa concreta parte se impõe a revogação da decisão e, consequentemente, a inclusão dessa resposta parcial ao quesito 6.º como provada.
65. Quando proceda o Recurso em Matéria de Facto disposto no Capítulo anterior, pois que não se extrai do acervo factual do caso sub iudice que o preço indicado pelas partes contratantes na Escritura Pública, ora RR, não tivesse correspondência com o preço de mercado à altura da transmissão, desprovendo assim de suporte factual a decisão do caso sub iudice, revogando-se a Douta Decisão e substituindo-se a mesma por outra que julgue a acção improcedente e absolva as recorrentes do pedido contra si formulado.
66. Quando se não conceda à alteração em matéria de facto, ainda assim a sentença deve ser revogada por ter incorrido o Tribunal “a quo” em Erro no Julgamento em Matéria de Direito.
67. Como bem afirma o próprio Tribunal recorrido na sentença que produziu, o art. 55.º do CIMT faz condicionar a preferência sobre a compra de imóveis à “indicação inexacta do preço ou simulação deste” sendo ainda necessário, sempre, que “o imposto” tenha “sido liquidado por valor inferior ao devido” (cfr. sentença recorrida, fls. 6). Logo por aqui se conclui que o direito de preferência que se pretendeu exercido tem de decorrer de um acto que, materialmente, prejudicou a receita de IMT que cabe ao Município nos termos da Lei Tributária.
68. Ora, no caso presente, o Tribunal “a quo” é o primeiro a garantir que o valor declarado na Escritura Pública que formalizou a Compra-e-Venda “não é simulado, (cfr. Sentença recorrida, fls. 7). Podemos assentar, então, que não se suscita no caso dos Autos qualquer dissidência entre o valor declarado e o valor efectivamente pago no negócio, não se verificando sedimento de simulação que despoletasse o instituto da preferência.
69. Ao contrário, o Tribunal afirma e reitera que o preço não é simulado, pelo que não existiu, com a declaração do preço dos imóveis como de € 2.250,00 cada um, qualquer discrepância entre o valor do contrato e o montante que se fez constar da Escritura. Mas muito embora aceite que os valores indicados na Escritura Pública constituem os termos exactos do negócio (ou, ao menos, que se não provou que assim não fosse), o Tribunal oferece procedência integral à Acção por entender que existiu indicação inexacta do preço, assim subsumindo ao caso a possibilidade legal prevista no art. 55.º/1, primeira parte, do CIMT.
70. O Tribunal “a quo” demonstra não compreender com exactidão o instituto da simulação e o que consta do art. 55.º do CIMT, o que o conduziu a incorrer num ERRO DE JULGAMENTO evidente.
71. A simulação (art. 240.º do Código Civil) possui ainda como requisito essencial, para além de uma divergência intencional entre a declaração e a vontade dos declarantes, a existência de “intuito de enganar terceiros”, nas palavras da Lei (cfr. art. 240.º/1 do Código Civil e art. 11.º/2 da Lei Geral Tributária).
72. Para além da indicação de preço inexacto, por pacto entre as partes, para que se despolete o direito a preferir com base em simulação (55.º/1, 2.ª parte CIMT), necessário é ainda que os contratantes, com o pacto simulatório, tivessem o intuito de enganar terceiros com o incurso em simulação (cfr. Neste sentido e por todos, MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1993, p. 471-472).
73. Noutros casos, o Município está desonerado de provar este facto específico (animus defraudatori), que respeitaria a um elemento psicológico, conquanto o art. 55.º do CIMT prevê também, como facto constitutivo do direito a preferir, a mera indicação inexacta do preço, ou seja, contempla ainda e também, os casos de mero Erro na indicação da Cláusula de preço por que o negócio é celebrado (arts. 247.º e 249.º do Código Civil).
74. As expressões “indicação inexacta do preço” e “simulação deste” do art. 55.º do CIMT remetem ambas para dois tipos de vícios da vontade conhecidos pela Lei Civil, autónomos e independentes, destacáveis e perfeitamente apreensíveis, e que resultam, ambos, na lesão de receita de IMT por minoração da base de tributação.
75. Se as partes pactuam entre si escriturar uma Compra e Venda de um imóvel por valor inferior ao que, efectivamente, é pago ao abrigo do contrato, com isso visando ludibriar o credor fiscal (Município) sobre o valor de imposto que é devido, temos que o Município poderá preferir arguindo simulação ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 55.º do CIMT e 240.º do Código Civil.
76. Mas se as partes se enganam na formulação da sua vontade ao realizar a Escritura Pública, fazendo inscrever um preço inferior ao que efectivamente é pago por lapso, sem consciência ou vontade de ludibriar o credor fiscal ou sequer de o iludir sobre a base de tributação do imposto, temos que, ainda assim, o Município pode exercer preferência, agora por “indicação inexacta do preço”, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 55.º do CIMT e 247.º do Código Civil.
77. Porque não se diagnostica, da matéria factual apurada nos Autos (quer proceda o recurso em matéria de facto ou não) qualquer vício da vontade das contratantes relativamente à cláusula de preço (que se diz ser real e verdadeira), não se verificam os factos constitutivos do direito a preferir.
78. Não se pode entender as partes oneradas com a necessidade de apurar previamente qual o valor de mercado mais corrente para o imóvel que pretendem transaccionar, fazendo inscrever no título translativo esse preço «majorado» (e falso, face à sua vontade e ao negócio contratado) por forma a precludir um direito a preferir do Município, ainda que não seja esse o valor porque acordaram a transmissão do imóvel.
79. A tese plasmada na Sentença recorrida é de tal forma ousada que levaria a que os operadores no comércio jurídico tivessem que prestar falsas declarações perante Notário relativamente ao preço por que transaccionam o imóvel, este o único comportamento possível para proteger os efeitos que pretendem alcançar com o negócio.
80. O entendimento propugnado pelo Tribunal recorrido, absolutamente extravagante e insustentável, levaria ainda a que os Municípios pudessem preferir sobre as vendas de prédios situados no Concelho sempre que alguém comprasse barato.
81. Diz-se «barato» o preço de aquisição inferior ao preço corrente no mercado para a coisa comprada (e «caro» o preço de aquisição superior), o que sempre importaria, na tese do Tribunal recorrido, o direito do Município a interferir numa relação jurídica entre dois privados, impossibilitando-a, e havendo para si o imóvel transaccionado.
82. É por demais evidente que o Tribunal incorreu em patente Erro no Julgamento em Matéria de Direito quando decidiu nos termos em que o fez.
83. A interpretação da norma que lhe confere o Tribunal “a quo” impossibilita a livre circulação de bens e o exercício de autonomia da vontade (art. 405.º do Código Civil), conquanto admite um régio poder «usurpador» à autarquia, e cria uma grosseira situação de instabilidade, já que o negócio impoluto de contraentes particulares, em que as partes fazem consignar expressa e adequadamente a vontade por si formada na génese do negócio, ficará, apesar disso, sempre pendente sobre o que se entenda ser o «valor corrente» do imóvel e da vontade do Município em exercer a sua violenta prerrogativa em preferir.
84. A posição perfilhada pelo Tribunal não deixa, atento o exposto, de violar o direito à propriedade privada na vertente que consagra o direito à sua transmissão em vida (art. 62.º/1 da Constituição da República Portuguesa) e veda a expropriação sem base legal (art. 62.º/2 da Constituição da República Portuguesa) bem como os Princípios de Segurança Jurídica e de Liberdade no Exercício da Vontade (arts. 1.º, 2.º e 27.º/1 da Constituição da República Portuguesa).
85. A norma do art. 55.º do CIMT, quando interpretada no sentido de permitir ao Município preferir sempre que o preço inscrito no contrato de transmissão de imóvel não for o seu «valor de mercado», é inconstitucional por violação das citadas normas da Lei Fundamental, pelo que, também por essa via, deve a decisão recorrida ser revogada.
86. Quando sabemos que o valor do contrato foi, efectivamente, o que consta da Escritura Pública (como bem aponta e sublinha o Tribunal “a quo” – pelo menos o contrário não se provou) é mais que evidente que não existiu qualquer prejuízo em IMT pelos factos que bordejam os presentes Autos porque jamais o imposto seria liquidado com base noutro valor que não o inscrito na Escritura Pública de Compra e Venda!!
87. De facto, o valor a considerar para efeitos de base de tributação de IMT no caso de vendas onerosas de imóveis é sempre um de dois, consoante o que for maior. A saber: (i) O Valor do Contrato; ou (ii) O Valor Patrimonial Tributário apurado de acordo com as regras estatuídas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) - (cfr. art. 12.º/1 do CIMT)
88. O valor da venda, apesar de inferior (naquela data) ao valor patrimonial de cada um dos lotes, foi o que resultou do estabelecido no contrato-promessa (que é para respeitar ao que se nos crê) o qual, nessa data, era superior ao valor patrimonial de cada um dos lotes (cfr. factos provados g) e h))
89. Mas o Tribunal “a quo” foi buscar um terceiro valor para procurar sustentar que existiu omissão da receita de imposto e que este seria liquidado sobre uma grandeza superior à da Escritura.
90. Como se não bastasse o que já foi acima exposto, por aqui se denota que a Sentença recorrida comete-se a um outro vício de inconstitucionalidade, o da violação do Princípio da Legalidade Fiscal, pelo qual nenhum imposto é devido fora dos cânones prescritos por normas de incidência real antecipadas em Lei Tributária (cfr. art. 103.º/2 e 3 da Constituição da República Portuguesa).
91. Não considerando a mínima importância a este Princípio Normativo basilar e estruturante, o Tribunal “a quo” apura o prejuízo fiscal (valor de imposto em falta) com base num cálculo que toma por valor tributável um montante que NUNCA o poderá ser. O «valor de mercado» não é parâmetro sobre o qual se possa lançar a taxa do IMT para efeitos de apuramento de imposto devido!! É-o sim, apenas e simplesmente, o valor do contrato (que, reitera-se, o Tribunal diz por verdadeiro e real) ou o valor patrimonial tributário.
92. Ainda que se pudesse considerar a indicação de preço na Escritura como inexacta, concluímos, NUNCA E EM CASO ALGUM se poderia entender que o IMT deveria ter sido liquidado por valor superior em 30% ou em € 5.000,00 ao valor da Escritura outorgada pelas RR, requisito substantivo que se teria obrigatoriamente de verificar para que existisse direito do Município a preferir (cfr. art. 55.º/1 do CIMT, última parte).
93. Mesmo que se entenda que existe uma indicação inexacta do preço dos lotes de terreno (que não existe, é apodíctico!), o IMT seria SEMPRE liquidado sobre o valor do contrato, porque este é real e foi o efectivamente acertado entre a compradora e a vendedora (cfr. Facto Provado h)), porque é superior ao valor patrimonial tributário dos imóveis e porque o princípio da legalidade fiscal PROÍBE que o imposto possa ser lançado com base num montante que não é incluído na base de tributação na norma tributária de incidência real do IMT (cfr. art. 12.º/1 do CIMT).
94. Enfim, concluímos por isso, que, sempre em qualquer caso, teria que concluir o Tribunal não se verificarem os requisitos substantivos do direito de preferência do Município plasmados no art. 55.º/1 do CIMT e, assim sendo, incorreu a Sentença recorrida em múltiplos ERROS NO JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO e em violação do disposto nos arts. 55.º/1 e 12.º/1, ambos do CIMT, pelo que deve a sentença ser revogada e a Acção ser julgada completamente Improcedente por Não-Provada, o que ora se pede a este Venerando Tribunal.
95. Também decorre do que foi dito, o art. 55.º/1 do CIMT quando interpretado no sentido que o valor por que o IMT deveria ter sido liquidado corresponde ao «valor de mercado» do imóvel é MATERIALMENTE INCONSTITUCIONAL por violação do art. 103.º/2 e 3 e 62.º/1 da Constituição da República Portuguesa.»

Contra-alegou o Digno Magistrado do Ministério Público, requerendo ainda a ampliação do âmbito do recurso e concluindo:
1.ª «Salvo melhor opinião, entendemos que não assiste razão às recorrentes.
2.ª A perícia realizada nos presentes autos teve como desiderato permitir que o tribunal respondesse ao quesito primeiro da base instrutória que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa havia mandado alterar, conforme resulta do douto Acórdão de fls. 627 a 648.
3.ª Tal quesito tinha a seguinte formulação:
O valor de mercado de cada um dos imóveis referidos em i), ii), iii) e iv) de A) era superior a €25.000, quer no ano de 2003, quer em Setembro de 2005?
4.ª A resposta a este quesito por parte do tribunal “a quo” resultou, essencialmente, da perícia efectuada por Paulo Manuel Martins Freire, mas não só, conforme resulta da própria decisão recorrida.
5.ª É certo que o tribunal “a quo” não se pronunciou especificamente acerca do resultado da perícia efectuada por HH, no entanto, fácil é perceber porque razão o tribunal se socorreu sobretudo das conclusões retiradas do relatório pericial realizado por II e não das conclusões do relatório pericial realizado por HH.
6.ª É que, se atentarmos no relatório pericial elaborado por este último (fls. 856 a 876 dos autos) facilmente constatamos que o mesmo não foi capaz de atribuir um valor de mercado efectivo aos lotes de terreno em causa nos presentes autos.
7.ª Ou seja, o perito em causa (HH), indicou um valor mínimo de mercado e um valor máximo, sem se ter pronunciado, efectivamente, sobre o valor de mercado dos lotes em causa nos presentes autos.
8.ª Daí que o tribunal “a quo” se tenha socorrido, sobretudo e efectivamente, das conclusões alcançadas pelo perito II no seu relatório pericial de fls. 827 a 840, nos esclarecimentos de fls. 894 e 895 e nas alterações à peritagem constantes de fls. 900 a 910.
9.ª Foi a perícia realizada por II a única que atribuiu, efectivamente, um valor de mercado aos lotes em causa nos presentes autos, pelo que é natural que o “tribunal a quo” se tenha socorrido, primacialmente, da perícia efectuada por II para dar resposta positiva ao quesito 1.º.
10.ª Conforme resulta da documentação junta aos autos, o PDM para o local onde se situavam os lotes apenas veio a ser aprovado em Setembro de 2008, sendo que os lotes de terreno em causa, nos anos de 2003 e 2005 não estavam (efectivamente) inseridos em “zona verde”, na medida em que, naquelas datas não existia qualquer PDM aprovado, pelo que a existência do PDM datado de 2008 não foi tida em linha de conta pela perícia efectuada por II, conforme resulta de fls. 908, pois o que se pretendia obter era a avaliação dos lotes nos anos de 2003 e 2005.
11.ª Aliás, referiu-se expressamente no relatório de fls. 907 que nem as normas provisórias do plano de urbanização da Quinta (Resolução n.º 142/98 de 15 de Dezembro) se encontravam em vigor nos anos de 2003 e 2005, por força do estatuído no artigo 84.º da Resolução n.º 142/98, de 15 de Dezembro que determinava o seguinte: “As normas provisórias entram em vigor à data da sua publicação no Diário da República e caducam com a publicação no Diário da República da Revisão do Plano Parcial de Urbanização da Quinta, ou no prazo máximo de dois anos”.
12.ª Ou seja, tais normas provisórias caducaram dois anos após a data da publicação da referida Resolução, na medida em que não foi publicada, naquele período, a Revisão do Plano Parcial de Urbanização da Quinta do Conde.
13.ª De acordo com o que resulta da perícia efectuada por Paulo Freire, resulta que, nos anos de 2003 e 2005, não existiam quaisquer normas ou regulamentos que inserissem os lotes em causa em “zonas verdes”, pelo que a perícia pelo mesmo efectuada, reportada aos aludidos anos, não poderia considerar tais lotes como não edificáveis.
14.ª A douta sentença recorrida, quanto a esta matéria, não merece censura, tendo avaliado correctamente a prova produzida em sede de julgamento e, sobretudo, os relatórios periciais juntos aos autos, pelo que não existe qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto.
15.ª Alegam as recorrentes que a douta decisão recorrida não se pronuncia quanto ao teor do relatório apresentado pelo perito HH, nem indica porque razão é que tal relatório foi desvalorizado em detrimento do relatório apresentado por II, o que, no entendimento das recorrentes, constitui a nulidade indicada no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
16.ª Também nesta matéria, não assiste qualquer razão às recorrentes.
Na verdade, o tribunal “a quo” não desvalorizou o relatório pericial de HH em detrimento do relatório de II, pois a sentença recorrida não faz qualquer tipo de comparação entre os dois relatórios periciais.
17.ª O que sucedeu foi que, efectivamente, a perícia efectuada por HH não atribuiu um valor de mercado concreto aos lotes em causa nos presentes autos para os anos de 2003 e 2005, tendo feito referência a valores situados entre um mínimo de €22,61/m2 e um máximo €83,33/m2, quando o que se pretendia era que fosse indicado um valor de mercado efectivo aos lotes em causa nos presentes autos nos anos de 2003 e 2005. Ora, tal valor efectivo foi atribuído na perícia efectuada por II.
18.ª Acresce que o tribunal “a quo” não está obrigado a pronunciar-se sobre a perícia efectuada por HH, sendo que a mesma constituía apenas um meio de prova e não qualquer “questão” de facto ou de direito que o tribunal “a quo” devesse apreciar.
19.ª Assim sendo, não se verifica a nulidade indicada na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
20.ª No que se reporta à resposta dada ao quesito 6.º da base instrutória (ampliada a 28 de Maio de 2009), não assiste, igualmente, razão às recorrentes quando alegam que tal quesito deveria ter sido dado como provado.
21.ª Tal quesito estava formulado nos seguintes termos “Há documentos atinentes à quitação dos pagamentos efectuados ou que os possam demonstrar?”.
22.ª Pretendem as recorrentes que se conclua que os documentos remetidos aos autos pelas mesmas a 02-07-2008, e que se reportam a documentos contabilísticos de entrada e lançamento das verbas referentes ao pagamento do preço na contabilidade da ré/recorrente “AA”, sejam suficientes para se demonstrar provado o aludido quesito 6.º, alegando que caso os valores tenham sido liquidados em numerário, não é, obviamente, possível demonstrar os pagamentos com recurso a cheque ou comprovativos de transferência.
23.ª Em nosso entendimento, o que não se pode pretender é que os meros movimentos contabilísticos da sociedade ré sejam equiparados a efectivos documentos comprovativos de pagamentos, alegadamente, efectuados em numerário, pois que a contabilidade não prova a existência efectiva de pagamentos, sendo que os pagamentos são provados através da existência de documentos e os documentos de quitação não provam o pagamento, sem o necessário suporte.
24.ª Ou seja, não é possível dar como provada a existência de documentos que, efectivamente, não existem.
25.ª As recorrentes discordam também da interpretação dada pelo tribunal “a quo” à expressão ínsita no artigo 55.° do Código do Imposto Municipal de Transmissões “indicação inexacta de preço”, que entendeu ser o preço exacto o preço de mercado pois que se o legislador se estivesse a referir ao preço real ou de negociação não haveria qualquer diferença com a simulação.
26.ª Dispõe o artigo ora em crise, no seu n.º 1, que se por indicação inexacta do preço, ou simulação deste, o imposto tiver sido liquidado por valor inferior ao devido, o Estado, as autarquias locais e demais pessoas colectivas de direito público, representados pelo Ministério Público, poderão preferir na venda, desde que assim o requeiram perante os tribunais comuns e provem que o valor por que o IMT deveria ter sido liquidado excede em 30% ou em €5000, pelo menos, o valor sobre que incidiu.
27.ª Defendem as recorrentes que a referida expressão se reporta ao mero erro na declaração ou negocial e só teria aplicação quando as partes se tivessem enganado ao declarar o preço na escritura de compra e venda.
28.ª Ora, se as recorrentes não acham razoável que pessoas colectivas de direito público exerçam o direito de preferência quando haja uma divergência muito acentuada entre o preço de mercado e o preço declarado na escritura, menos razoável nos parece ser que um mero erro, eventualmente não culposo, ou até mero lapso de escrita, possa dar lugar a uma acção de preferência como a destes autos.
29.ª A definição de “indicação inexacta de preço” reporta-se efectivamente ao preço normal do mercado, como se verifica pelo cotejo de outras normas constantes do CIMT, do CIMI e outras.
30.ª Da letra destes preceitos se retira que a expressão “indicação inexacta do preço” tem que ver com a divergência entre o valor constante na escritura e o valor real do bem, seja este o valor atribuído na avaliação feita pelas finanças, com utilização dos critérios do CIMI, seja, quando tal avaliação não é possível, o valor normal do mercado e haverá sempre “indicação inexacta do preço” quando tal divergência ultrapasse de forma segura os 10%.
31.ª Tal entendimento nada tem de inconstitucional, designadamente por violação do disposto no artigo 103°, da Constituição, que fixa as bases fundamentais do sistema fiscal e proíbe a cobrança de impostos que não estejam criados nos termos da constituição, que tenham natureza retroactiva e cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei.
32.ª No caso dos autos, após a celebração da escritura de compra e venda, a Ré Natália devia ter apresentado às finanças o Modelo 1, do CIMI, a fim de que estes serviços pudessem proceder à avaliação prevista na lei. Esta avaliação teria sempre lugar já que o valor pelo qual os bens foram transmitidos é, como se viu, inferior em mais de 1000 % ao valor normal de mercado.
33.ª A Ré não o fez, o que impediu aqueles serviços de proceder à mesma avaliação e à actualização do valor matricial dos bens transmitidos, base da incidência do Imposto Municipal de Imóveis.
34.ª Assim, para efeitos de avaliar se houve ou não "indicação inexacta do preço", deverá utilizar-se o critério do valor normal de mercado e compará-lo com o preço declarado na escritura de compra e venda.
35.ª Ora, como ficou dado como provado na sentença, o valor de mercado de cada um dos imóveis é superior a €25.000. Por isso, nada há a censurar, a este nível à sentença recorrida, que, neste aspecto deve ser mantida na íntegra.
36.ª Da ampliação do âmbito do recurso
Prevenindo a hipótese de procedência das questões que são suscitadas pelas recorrentes, o Ministério Público vem, ao abrigo do disposto no artigo 636.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, impugnar a decisão proferida sobre um concreto ponto da matéria de direito que é o do tribunal “a quo” ter considerado que não existiu simulação, porque não se provou que os RR tivessem transaccionado os lotes por um valor superior ao declarado na escritura.
37.ª A este respeito o tribunal “a quo” disse o seguinte:
Mas esta prova não foi feita, e cremos que nem indiciariamente tal pode ser afirmado, e nesse sentido inexiste, no caso em apreço, simulação de preço. É certo que a venda por um valor inferior ao valor de mercado, e até mesmo ao valor matricial, poderia induzir a que se considerasse existir simulação, sobretudo quanto a prova do pagamento não foi feita. Mas a verdade também é que pese embora se tivesse provado que os lotes tinham um valor superior a verdade é que não se conseguiu provar com alguma segurança que tenham declarado um valor que não tenha sido o verdadeiro (até porque nenhum pagamento se provou o que impediria essa prova).” - cfr. fundamentação da sentença em matéria de direito.
38.ª Ora, os elementos probatórios carreados para os autos demonstram que a simulação do negócio de compra e venda dos lotes ocorreu – os vendedores não queriam vender e a compradora não queria comprar e a verdade é que não compraram nem venderam, apenas deram a terceiros o aspecto de o terem feito e assim também o preço pelo qual declararam comprar e vender é simulado.
39.ª A este respeito importa aqui sublinhar que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no douto Acórdão proferido nos presentes autos a fls. 627 a 648, debruçou-se sobre esta questão e concluiu que era necessário acrescentar-se à base instrutória factos que, apesar de instrumentais, podiam constituir a base de uma presunção judicial, ou sejam que permitiriam aferir, através das regras da experiência, o facto principal.
40.ª Neste sentido, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa mandou o tribunal “a quo” indagar se “o preço declarado como sendo o da transacção de cada lote foi inferior ao valor matricial dos mesmos lotes, se o preço foi todo pago em dinheiro e no período transcorrido entre a celebração do contrato promessa e a celebração da escritura, sem que haja documentos a dar quitação dos pagamentos efectuados (exemplo: recibos) ou comprovativos dos mesmos (exemplo: cheques ou transferências bancárias) – vide 2.º parágrafo de fls. 647.
41.ª Nesta senda, foram acrescentados à base instrutória os seguintes quesitos (vide fls. 655 dos autos):
4.º - O preço declarado como sendo o da transacção de cada lote referido em A) da matéria assente foi inferior ao valor matricial dos mesmos lotes?
5.º - O preço da venda dos lotes referidos em A) da matéria assente foi todo pago em dinheiro no período que decorreu entre a celebração do contrato-promessa e a escritura pública ali mencionada?
6.º - Há documentos atinentes à quitação dos pagamentos efectuados ou que os possam demonstrar?
42.ª A douta sentença recorrida veio a dar como provados os seguintes factos:
g) O preço declarado como sendo o da transacção de cada lote referido em A) foi inferior ao valor matricial dos mesmos lotes por reporte à data da venda, embora tenha sido superior ao valor matricial à data da celebração do contrato promessa;
h) O preço dos imóveis referidos em A) foi fixado, em 2003, entre as RR, após negociação.
43.ª Para além disso, na decisão sobre a matéria de facto, o tribunal “a quo” julgou o seguinte: Não se logrou provar que o preço da venda dos lotes referidos tenha sido pago em dinheiro, ou que haja registo de efectivo pagamento, sendo que os documentos de quitação não provam o pagamento, sem o necessário suporte. Ou seja, sendo pagos em dinheiro poderia, e deveria, existir cópia de cheques, de transferências bancárias, e nada nesse tocante foi provado.
44.ª Ora, na verdade o tribunal “a quo” veio dar resposta positiva ao quesito 4.º e resposta negativa aos quesitos 5.º e 6.º da base instrutória, o que demonstra a efectiva verificação dos factos instrumentais a que se reportava o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa no douto Acórdão de 28-04-2009, proferido nos presentes autos.
45.ª Tais factos instrumentais, aliados à restante prova documental existente nos presentes autos, permite chegar a conclusão diversa daquela a que chegou o tribunal “a quo” e, designadamente, permite chegar à conclusão que os negócios celebrados entre as Rés foram, efectivamente, negócios simulados.
46.ª Resulta dos documentos juntos aos autos e da prova produzida em audiência de julgamento que os lotes em causa nestes autos foram objecto de escritura pública de compra e venda, datada de 05.09.2005, cada um pelo preço de € 2.250, preço este inferior ao próprio valor patrimonial inscrito na matriz que era de € 3.961,96 - cfr. Escritura de compra e venda junta a fls. 15 a 10, dos autos.
47.ª A mesma escritura foi ainda usada para a transmissão de outros lotes de terreno situados em Leiria e na Chamusca.
48.ª A referida escritura foi celebrada entre a Ré BB, à data já casada com MM, do lado do comprador e NN e OO, os quais outorgaram na qualidade de administradores da Sociedade "AA Imobiliários, SA", do lado do vendedor.
49.ª Conforme se alcança da certidão do teor da matrícula da AA constante de fls. 124 e segs, dos autos, à data da respectiva constituição, 08.10.2002, a referida sociedade, cujo objecto social é a compra e venda de imóveis, construção e loteamento de edifícios, tinha como fazendo parte do respectivo Conselho de Administração:
- com o cargo de presidente, MM e como vogais, NN e OO.
50.ª Estes dois últimos cessaram as suas funções de membros dos órgãos sociais, por renúncia, em 23.04.2003, facto que porém só foi levado ao registo em 21.02.2006.
51.ª Significa isto que, à data da realização da escritura de compra e venda dos autos, o único administrador da “AA” em funções era MM, nem mais nem menos do que o marido da compradora, a Ré BB, o qual não compareceu na mesma escritura, tendo a mesma sido celebrada por quem não tinha poderes para o acto, desde 2003, facto que não podia deixar de ser do conhecimento de todos os contratantes. O único que não sabia, por a renúncia à gerência não se encontrar registada era o notário que celebrou a escritura.
52.ª Perguntado na audiência de julgamento acerca destas estranhas circunstâncias que rodearam a realização da escritura de compra e venda, MM, no depoimento de parte por si efectuado, o qual se encontra na cassete 1- 1, lado A, de 0000 até 3159, declarou que a venda dos lotes foi uma decisão do Conselho de Administração da empresa e que ele não decide sozinho, que não foi à escritura porque delegou poderes para o efeito, sendo que confrontado com o facto de quem tinha intervindo na escritura pelo lado da “AA” não tinha poderes de gerência, pois a estes tinha renunciado, declarou que foi um "lapso", que as partes não levantaram problemas e que não lhes pareceu importante reparar o lapso.
53.ª Ora a forma como foi realizada a escritura, por quem não tinha poderes para o efeito, toma o negócio ineficaz em relação à “AA”, nos termos do disposto no artigo 268°, n.º 1, do Código Civil, facto que é da conveniência da “AA” e de MM, visto que este se casou, em regime de separação de bens com a Ré BB - cfr. Teor da certidão do registo dos imóveis e afirmação do próprio MM, em sede de julgamento.
54.ª Por outro lado, perguntado ao mesmo MM e a BB como é que tinha sido pago o preço, foi declarado que foi tudo pago entre a celebração do contrato-­promessa e a celebração da escritura, não houve sinal nem quitação, não foram passados cheques nem recibos e a totalidade do preço dos lotes, o qual é de €41.485 (pois que a escritura abrangeu também lotes que não são só da Quinta) foi pago aos poucos sempre em dinheiro.
55.ª Em suma, uma apreciação de todos os factos que estão patenteados nos documentos juntos aos autos, bem como dos depoimentos de parte feitos em audiência, e da prova dos factos instrumentais trazidos à colação pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, fazem concluir, contrariamente ao afirmado pelo tribunal “a quo” na fundamentação da sentença, que as Rés “AA” e BB celebraram um negócio de compra e venda simulado, que a “AA” não queria vender e que a Ré BB não queria comprar os lotes em causa nos autos e que ficcionaram um preço como se este fosse o preço pelo qual compraram e venderam.
56.ª E diga-se, a circunstância de não se ter provado qualquer pagamento efectuado pela Ré BB à Ré “AA” permite, com base nas regras da experiência comum e através da análise comparativa dos restantes elementos probatórios e factos dados como provados, concluir exactamente o oposto daquilo que o tribunal “a quo” concluiu, ou seja, de que não existiu uma verdadeira compra e venda dos lotes em causa nos presentes autos, mas antes um negócio simulado.
57.ª Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelas Rés “AA” e BBe deve ser dado provimento à ampliação do âmbito do recurso requerida pelo Ministério Público.»

Responderam os RR., concluindo pela improcedência da ampliação do recurso requerida nas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Mostrando-se reunidos os pressupostos do art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, vejamos a impugnação da matéria de facto operada pelos RR., em relação à al. f) da matéria de facto considerada provada pela primeira instância, com o seguinte teor: «O valor de mercado de cada um dos imóveis referidos em i), ii), iii) e iv) de A) é superior a € 25.000, quer no ano de 2003, quer em Setembro de 2005.»
A primeira instância fundamentou a decisão sobre este ponto da matéria de facto, nos seguintes termos: «O teor da perícia realizada veio demonstrar que o valor de mercado de cada um dos lotes, quer em 2003, quer em 2005 era superior a €25.000, tendo-se assim dado por assente por essa via o teor da alínea f). Não relevou a avaliação efectuada pela funcionária camarária FF, e constante de fls. 739, pois neste tocante a prova pericial foi soberana, não tendo o seu depoimento – aliás fundado apenas no documento que assinou - qualquer força probatória suficiente para ilidir a presunção de prova decorrente da perícia efectuada e das várias que constam dos autos.»
Existem diversos relatórios periciais nos autos, com conclusões díspares entre si – aliás, um dos peritos, II, apresentou dois relatórios, o primeiro valorizando cada um dos lotes, à data de Julho de 2014, em € 6.658,00, e o segundo valorizando-os, à data de Julho de 2003, em € 50.400,00, e à data de Setembro de 2005, em € 53.760,00, argumentando que nessas datas os lotes estavam apenas sujeitos às regras construtivas previstas no PDM, passando a estar incluídos em zona verde apenas a partir de 2008.
Para apurar o valor de mercado de cada um dos lotes, importa ponderar que todos eles se situam numa zona de loteamento clandestino, iniciada nos anos setenta do século passado, num local conhecido como Quinta III, situado na área do concelho.
Para melhor compreensão da área em causa, citemos Ricardo Tomé, in “Comércio e serviços em áreas urbanas de génese ilegal. O caso da Quinta do Conde (Sesimbra – Portugal)”, artigo publicado em Finisterra – Revista Portuguesa de Geografia, n.º 97, Maio de 2014: «A Quinta do Conde (14,4 km2) é uma das três freguesias do concelho de Sesimbra (194,98 km2) e ocupa uma posição central na Península de Setúbal, fazendo fronteira com os municípios do Seixal, Barreiro e Setúbal. O loteamento ilegal da Quinta do Conde ocorreu em 1971 por iniciativa de António Xavier de Lima, que arrasou a vegetação existente e abriu cerca de 100 km de arruamentos, segundo uma extensa malha reticular. Com uma área média de 300m2 por lote, o promotor inicial colocou no mercado 9.225 lotes, contemplando alguns espaços para equipamentos colectivos (por exemplo, escolas), ainda que não tivesse qualquer responsabilidade na sua construção. Para o rápido crescimento da Quinta do Conde contribuíram, além dos aspectos referidos, a sua localização, próximo da estrada nacional 10, dos principais pólos empregadores, das praias e de Lisboa (abertura da ponte sobre o tejo, em 1966), o modus operandis do loteador inicial (o preço era atractivo, por comparação com as áreas congéneres), a facilidade de construir as habitações faseadamente, de acordo com a disponibilidade económica de cada um e a existência de um conflito entre as autarquias de Sesimbra e do Barreiro referente à definição dos limites administrativos, que beneficiou o crescimento exponencial das construções clandestinas, sem fiscalização.»
Está em causa, pois, uma zona de loteamento clandestino, com nulas preocupações de instalação de equipamentos colectivos e de espaços verdes, que obrigou os organismos públicos a adoptar medidas com vista à regularização do espaço, vindo a Direcção-Geral do Ordenamento do Território a aprovar o Plano Parcial de Urbanização da Quinta (PPUQC), publicado no DR, II Série, de 22.11.1986. Posteriormente, a Câmara Municipal aprovou as Normas Provisórias do Plano de Urbanização da Quinta, ratificada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 142/98, de 15 de Dezembro. De acordo com o art. 84.º deste diploma, as Normas Provisórias caducavam com a publicação no DR da revisão do Plano Parcial de Urbanização da Quinta, ou no prazo máximo de dois anos.
Nesse prazo de dois anos as Normas Provisórias não foram revistas, vindo o Plano de Urbanização da Quinta (PUQC) a ser aprovado pela Assembleia Municipal em 27.07.2006 e publicado no DR, II Série, de 04.02.2008, e rectificado em 13.06.2008, conforme publicação no mesmo Diário de 02.07.2008.
No entanto, o Plano Director Municipal estava ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 15/98, publicada no DR, I Série-B, de 02.02.1998, e na alteração aos respectivos arts. 122.º n.º 1 e 123.º n.º 1, aprovada na Assembleia Municipal de 13.07.2001, publicada no DR, II Série, de 11.09.2001, foi decidido que para a área abrangida pelo PPUQC de 1986, seriam respeitados os índices urbanísticos definidos por este instrumento. Deste modo, pela sucessão destes instrumentos legais, poderá concluir-se que o PPUQC de 1986 manteve-se aplicável até à aprovação final do PUQC em Julho de 2006, por força da referida alteração ao PDM de 2001.
Deste modo, a afirmação do perito II (fs. 908), de não existir para a Quinta qualquer plano de urbanização ou de loteamento, em 2003 e em 2005, pelo que nessas datas seria possível a construção nos lotes dos autos – clandestina, note-se, o que suporia a inacção dos serviços de fiscalização do Município, que de facto foi evidente durante demasiado tempo, mas já não seria uma realidade naqueles anos – peca, no mínimo, por uma certa desatenção.
Perpassa dos autos que os lotes em discussão foram incluídos em zona verde desde o PPUQC de 1986, e como tal permaneceram no PUQC de 2006, pelo que estão privados do ius aedificandi que melhor possibilitaria a sua valorização. Como vimos, o loteador ilegal pouca ou nenhuma atenção teve no que concerne à instalação de equipamentos colectivos e à implantação de zonas verdes – a sua preocupação foi retalhar as propriedades rurais que ali existiam em 9.225 lotes e procurar maximizar o seu lucro.
A necessidade de implantação de zonas verdes em operações de loteamento decorria já do art. 2.º n.º 1 al. d) do DL 794/76, de 5 de Novembro – Lei dos Solos – manteve-se no art. 10.º n.º 1 al. f) do DL 400/84, de 31 de Dezembro, depois no art. 15.º n.º 1 do DL 448/91, de 29 de Novembro e actualmente são impostas pelo art. 43.º n.º 1 do DL 555/99, de 16 de Dezembro. Estando o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear sujeitos ao ónus de cedência gratuita das áreas destinadas a zonas verdes – arts. 42.º al. c) do DL 400/84, 16.º n.º 1 do DL 448/91 e, actualmente, 44.º n.º 1 do DL 555/99.
Finalmente, anotar-se-á que o actual PUQC, de 2006, prevê no art. 23.º n.º 1 que os espaços verdes devem ser cedidos pelos promotores ou ser objecto de permuta por lotes com capacidade construtiva, de acordo com as Regras para Implementação do Plano, constantes dos respectivos arts. 24.º a 27.º. Neste aspecto, o Plano será implantado de forma faseada, quer por iniciativa dos particulares, quer por iniciativa do Município, neste caso, de acordo com as regras constantes do art. 26.º: o Município baseia a disponibilização dos terrenos de interesse e uso público em operações de permuta com os proprietários de lotes em espaços de equipamento, zonas verdes e arruamentos, compensando os proprietários dos lotes em área de equipamento, zonas verdes e arruamentos com capacidades de construção, conforme a aquisição tenha ocorrido antes ou depois da entrada em vigor do PPUQC de 1986.
Consultando a página da Câmara Municipal, verifica-se que, procurando implementar o PUQC de 2006, nomeadamente no que respeita à realização das permutas previstas no art. 26.º, foi desenvolvido o Loteamento Municipal[2]. Ali pode-se ler o seguinte: «(…) para a densidade populacional inerente ao número de parcelas criadas pelo loteador, cerca de 10 mil, a lei obrigava já à previsão de determinadas áreas para zona verde e um adequado número de equipamentos. Ora, tendo em conta que naquela altura a grande maioria das parcelas já havia sido vendida, não restava outra opção que não fosse afectar a usos públicos, “lotes” propriedade de privados; sem que isso afectasse os direitos de propriedade dos particulares. Logo na versão do Plano publicada em 1986 foram previstas zonas de moradias em banda, que permitiam a criação de novos lotes resultantes de cedências, os quais se destinavam a permutas com os proprietários de lotes sem capacidade construtiva. Como é evidente, desde o início, este plano sempre se norteou pelos princípios da igualdade e da justiça. Sucede porém, que estes lotes em banda só iam surgindo à medida que os respectivos proprietários iam realizando as cedências, que se foram revelando no entanto insuficientes para trocar pelos lotes destinados a equipamento, que entretanto o município ia construindo. Sentiu-se então a necessidade de encontrar um terreno com vista à realização de um loteamento municipal. Por essa altura, começou a ser transmitida nos atendimentos a informação, que se enraizou no espírito dos proprietários, que a Câmara iria encontrar forma de trocar lotes de zona verde, arruamento e equipamento por outros abertos à construção. Nesta perspectiva, o Loteamento Municipal da Ribeira do Marchante concretiza uma promessa antiga e vai ao encontro das aspirações dos proprietários cujos lotes não têm capacidade construtiva. Sendo certo que, nem naquela altura nem agora existe qualquer obrigação legal para a realização dessas permutas, foi uma das formas de compensação adoptada pelo Município, baseada nos princípios da igualdade, justiça e imparcialidade. Assim, o objectivo primordial do Loteamento Municipal da Ribeira do Marchante é a criação de lotes destinados a construção para troca com outros situados na Quinta do Conde que não têm capacidade construtiva, e que são essenciais para a criação de novos equipamentos e espaços públicos.»
Finalmente, ali se refere que aos lotes adquiridos antes de 1986 corresponderá na permuta um lote com 7,5 metros de frente, enquanto aos adquiridos depois de 1986, como foi o caso dos lotes dos autos, corresponderá um com apenas 5 metros de frente. Mas os particulares pagarão, para além das taxas, ainda os encargos com as obras de urbanização. As Normas para as Permutas foram igualmente aprovadas pela Câmara, estando juntas pelos RR. com o seu requerimento de 07.03.2011 – a iniciativa da permuta será exclusivamente da Câmara, de acordo com a ordem de prioridades constante do respectivo art. 1.º, e o particular não terá direito de escolha do lote a permutar. E o valor dos encargos e taxas de urbanização será de cerca de € 11.500,00 e de € 17.500,00, conforme se trate de lotes de 5 metros ou de 7,5 metros de frente.
Feita esta breve resenha da legislação e dos regulamentos aplicáveis, logo se vê que qualquer avaliação dos lotes dos autos, que pressuponha a sua capacidade edificativa, após 1986, não tem qualquer base legal. Não tinham essa capacidade com o PPUQC de 1986, nem hoje o têm. E quanto à possibilidade de permuta com lotes na Ribeira do Marchante, uma vez que os lotes dos autos não estão ainda ocupados pela Câmara Municipal, não foram objecto de escritura de bem presente por bem futuro outorgada com a Câmara Municipal, nem estão assinalados para a instalação de espaços verdes a curto prazo, encontram-se em último lugar na lista de prioridades dos lotes a permutar.
De resto, a ausência de capacidade edificativa provocou que os lotes estivessem livres de edificações em 2003 e em 2005, mantendo-se ainda nesse estado aquando das visitas dos peritos realizadas em 2014.
Entende-se, pois, que o relatório do perito II junto aos autos em 20.03.2014, por ter sido elaborado com base em critérios sem qualquer suporte legal, pressupondo uma capacidade edificativa que os lotes não possuíam nos anos de 2003 e de 2005, e que hoje continuam a não possuir, não pode servir de base para apurar qual o valor de mercado dos imóveis naqueles anos.
Quanto ao relatório do perito HH, identifica correctamente a sujeição dos lotes ao PPUQC de 1986, ainda em vigor nos anos de 2003 e de 2005, e a sua inclusão em zona verde. Depois de afastar a aplicação dos métodos do rendimento e do custo, o perito HH utiliza o método comparativo, referindo existirem apenas quatro escrituras de compra e venda de lotes idênticos, com preços díspares – de € 22,61/m2 a € 83,33/m2. Mais nota que a Câmara Municipal fixa em cada ano o valor unitário a pagar pela obtenção de parcelas destinadas a equipamento ou zonas verdes, o qual foi de € 11,91/m2 em 2003 e de € 12,72/m2 em 2005 – logo, cada um dos lotes, tendo a área de 336m2, poderia ser adquirido pela Câmara pelo preço de € 4.001,76 em 2003 e de € 4.273,92 em 2005.
Poderia, e utilizamos o verbo no modo condicional, porque a Câmara não é obrigada a adquirir, apenas o fará se nisso tiver interesse.
De todo o modo, no caso dos lotes dos autos nada revela que a Câmara Municipal esteja interessada em adquiri-los por esses preços – em bom rigor, ao propor a acção revelou pretender adquirir pelo preço escriturado de € 2.250,00. E quanto à possibilidade de permuta com lotes situados no loteamento municipal, já vimos que não era uma realidade próxima em 2003 ou 2005, não era da iniciativa do particular e este teria de pagar, ainda, as taxas e encargos das obras de urbanização, que no caso dos autos seriam cerca de € 11.500,00 por lote.
Resulta ainda dos autos que os lotes foram avaliados pela Autoridade Tributária em Maio de 2010, com o valor de € 1.520,00, tendo em conta tratarem-se de terrenos situados dentro de um aglomerado urbano não destinados a construção – art. 6.º n.º 4 do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
Reunidos estes elementos, não se poderá manter a decisão da primeira instância, ao decidir que os lotes tinham o valor de € 25.000,00, em 2003 e em 2005 – simplesmente, não tinham qualquer capacidade edificativa naqueles anos, desde a aprovação do PPUQC de 1986, e hoje também não a possuem. Qualquer construção que ali se instalasse seria clandestina e estaria sujeita às respectivas sanções legais, entre elas a demolição – e a decisão judicial não pode ter por fundamento um acto contrário à lei.
Procurando determinar o valor de mercado dos imóveis nos anos de 2003 e de 2005, afastada a capacidade edificativa, o que retira os imóveis do mercado que os poderia valorizar, restam-nos apenas duas possibilidades: aquisição ou permuta com a Câmara Municipal. A primeira incerta, a segunda bastante dilatada no tempo, que a concretizar-se jamais será de iniciativa do particular e estará sujeita ao pagamento de taxas e encargos de urbanização, o que condiciona, naturalmente, o valor de mercado.
Atendendo a estas condicionantes, ponderando que em 2010 os lotes foram avaliados pela Autoridade Tributária em apenas € 1.520,00, ponderando também o depoimento da testemunha FF, directora do gabinete municipal da Quinta até 1994, confirmando que a ausência de capacidade edificativa desvalorizava substancialmente os lotes – “o valor urbanístico deles era zero (…), eram apenas para plantar couves” – fazendo com que a procura dos mesmos no mercado fosse nula ou muito reduzida (em especial quando não era previsível uma permuta com a Câmara num prazo razoável, como efectivamente sucedeu no caso dos autos, em que nem hoje se afigura existir tal hipótese no curto prazo), e ponderando também que o preço de mercado é formado, fundamentalmente, pela lei da oferta e da procura – o preço variará conforme o peso relativo de cada um daqueles factores – na ausência de outros critérios seguros de avaliação que permitam tomar uma decisão consciente e esclarecida, apenas nos sobra o valor escriturado, de € 2.250,00 – este é o único valor seguro que sobra nos autos, o que representa o equilíbrio possível da oferta e da nula ou reduzida procura provocada pela ausência de capacidade edificativa dos imóveis.
Concede-se, pois, provimento ao recurso dos RR. quanto à matéria de facto, alterando-se a al. f) dos factos provados como segue: «O valor de mercado de cada um dos imóveis referidos em i., ii., iii. e iv. de A) era, pelo menos, de € 2.250,00, quer no ano de 2003, quer em Setembro de 2005.»

Nas suas contra-alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público amplia o âmbito do recurso, pretendendo que se declare provado que as Rés celebraram um contrato de compra e venda simulado, que não houve vontade de vender nem vontade de comprar e que se ficcionou um preço como se este fosse o preço pelo qual compraram e venderam.
Porém, trata-se de matéria nova, que não integrava a causa de pedir descrita na petição inicial e em relação à qual não foi concedido às Rés, consequentemente, o devido exercício do direito de contraditório.
Aliás, esta posição manifestada pelo A. revela-se, inclusive, contraditória com aquela que assumiu na petição inicial – ali funda-se a causa de pedir na simulação do contrato, uma vez que o preço declarado foi de € 2.250,00 por lote, quando “as partes pagaram necessariamente, por cada uma das parcelas em causa, um preço nunca inferior a € 25.000 (…), num total de € 100.000” – art. 5.º da petição inicial. E daí que se argumente naquela peça que deveria ter sido liquidado um IMT de € 6.500,00, em vez dos € 1.030,12 pagos, o que justifica a alegação de ser devido um imposto superior em 30% ao que foi pago.
Agora, nas contra-alegações de recurso, o argumento é inverso – o negócio é simulado porque não houve contrato de compra e venda e nada se pagou!
Argumenta o A. – de novo alegando matéria nova não integrante da causa de pedir – que os administradores que representaram a Ré sociedade na escritura de compra e venda de 05.09.2005, NN e OO, cessaram as suas funções, por renúncia, em 23.04.203, facto que porém só foi levado a registo em 21.02.2006. Continua a argumentação, no sentido de que o único administrador em funções à data da escritura era MM, precisamente o marido da Ré compradora, BB, com quem é casado em separação de bens.
Mesmo que fosse lícito conhecer de uma questão que não integra a causa de pedir – e não é – sempre se diria que a renúncia ao cargo de administrador de sociedade anónima é facto obrigatoriamente sujeito a registo, produzindo efeitos em relação a terceiros apenas depois da data do respectivo registo – arts. 3.º n.º 1 al. m), 14.º n.º 1 e 15.º n.º 1 do Código do Registo Comercial. Acresce que a falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais, a quem incumbe a obrigação de o promover, nem pelos herdeiros destes – art. 14.º n.º 3 – e que o incumprimento da obrigação de registo no prazo legal de dois meses gera mera responsabilidade contra-ordenacional – art. 17.º.
Logo, a Ré sociedade não poderia opor à Ré compradora a renúncia ao cargo de um dos seus administradores, por tal facto não ter sido levado a registo.
E referimos apenas a renúncia de um dos administradores, pois ao contrário do que se afirma nas contra-alegações, não foram os dois administradores que representaram a Ré sociedade na escritura que renunciaram ao cargo em 23.04.2003 – o que o registo revela é que apenas um deles, OO, renunciou nessa data e apenas se registou esse facto em 21.02.2006. Do outro administrador que representou a Ré na escritura, NN, não existe qualquer notícia de renúncia ao cargo.
Acresce que a Ré sociedade obriga-se pela intervenção conjunta de dois administradores ou pela intervenção de um administrador, no qual o conselho de administração tenha delegado poderes bastantes. Ignora-se se tal aconteceu – o administrador MM referiu esse facto no seu depoimento, mas a falta de integração dessa matéria na causa de pedir constante da petição inicial inquina qualquer possibilidade de conhecimento da questão.
Quanto à falta de prova do efectivo pagamento em dinheiro do preço declarado na escritura, e da ausência de documentos de quitação dos pagamentos, diremos, que face à causa de pedir descrita na petição inicial, era ónus do A. efectuar a prova de que o pagamento efectivamente convencionado foi superior ao escriturado, por tal facto ser constitutivo do direito de preferência que se pretendeu exercer – art. 342.º n.º 1 do Código Civil.
Por outro lado, existe documento de quitação dos valores declarados: a declaração de quitação consta da escritura e tal constitui prova do cumprimento – art. 787.º n.º 1 do Código Civil.
Em bom rigor, o A. não conseguiu fazer prova consistente do pagamento de preço diverso do escriturado e o Tribunal não vislumbra que existam factos seguros e bastantes para estabelecer uma presunção judicial nesse sentido, motivo pelo qual se desatende à ampliação do âmbito do recurso.

A matéria de facto a ponderar é, pois, a seguinte:
A) No dia 5 de Setembro de 2005, no Primeiro Cartório, a Ré AA declarou vender à Ré BB, e esta declarou comprar, diversos imóveis, em termos e condições que resultam de fls. 15 a 17 dos autos, e de entre os quais:
i. Lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote número dois mil trezentos e noventa e oito, sito na Quinta III, inscrito na matriz sob o artigo 6.647, com o valor patrimonial de € 3.961,96, descrito na Conservat6ria do Registo Predial, sob o número quatro mil quatrocentos e três, da freguesia;
ii. Lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote número dois mil trezentos e noventa e nove, sito em Quinta III, inscrito na matriz sob o artigo 6.648, com o valor patrimonial de € 3.961,96, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número quatro mil quatrocentos e quatro, da freguesia;
iii. Lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote número dois mil trezentos e setenta e quatro, sito em Quinta III, inscrito na matriz sob o artigo 6.819, com o valor patrimonial de € 3.961,96, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número quatro mil quatrocentos e um, da freguesia;
iv. Lote de terreno destinado a construção urbana, designado por lote número dois mil trezentos e setenta e cinco, sito em Quinta III, inscrito na matriz sob o artigo 6.820, com o valor patrimonial de € 3.961,96, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o número quatro mil quatrocentos e dois, da freguesia da Quinta.
B) As Rés declararam vender cada um dos imóveis referidos em i) ii),iii) e iv) de A) pelo valor de € 2.250,00.
C) As Rés procederam à liquidação de IMT sobre a compra e venda de cada um dos lotes referidos em A), no valor de € 257,53 por cada lote.
D) As Rés não entregaram nas Finanças o modelo 1 do IMI para efeitos de avaliação de imóveis transaccionados.
E) Por documento particular designado de contrato promessa de compra e venda, outorgado em 25.07.2003, Ré AA prometeu vender à Ré BB, e esta prometeu comprar, diversos imóveis, em termos e condições que resultam de fls. 179 a 181 dos autos, e cujas assinaturas foram reconhecidas no Cartório Notarial em 24.09.2003.
F) O valor de mercado de cada um dos imóveis referidos em i., ii., iii. e iv. de A) era, pelo menos, de € 2.250,00, quer no ano de 2003, quer em Setembro de 2005.
G) O preço declarado como sendo o da transacção de cada lote referido em A) foi inferior ao valor matricial dos mesmos lotes por reporte à data da venda, embora tenha sido superior ao valor matricial à data da celebração do contrato promessa.
H) O preço dos imóveis referidos em A) foi fixado em 2003 entre as Rés, após negociação.

APLICANDO O DIREITO
Do exercício do direito de preferência por simulação fiscal no âmbito do IMT
A causa de pedir tem por fundamento o art. 55.º n.º 1 do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), o qual tem o seguinte teor: «Se, por indicação inexacta do preço, ou simulação deste, o imposto tiver sido liquidado por valor inferior ao devido, o Estado, as autarquias locais e demais pessoas colectivas de direito público, representados pelo Ministério Público, poderão preferir na venda, desde que assim o requeiram perante os tribunais comuns e provem que o valor por que o IMT deveria ter sido liquidado excede em 30% ou em € 5000, pelo menos, o valor sobre que incidiu.»
Do que se poderá depreender desta norma é que o direito de preferência é exercido porque o imposto foi “liquidado por valor inferior ao devido”, constituindo assim uma forma de sanção civil do acto simulado com intuito de redução do encargo fiscal devido. Uma vez que o art. 12.º n.º 1 prevê que “o IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior”, poderá concluir-se que o conceito de “imposto liquidado por valor inferior ao devido”, a que se refere o art. 55.º, tem o seu campo de aplicação sempre que o valor constante do acto ou do contrato for inferior ao valor realmente convencionado entre as partes.
E não quando o valor constante do acto ou do contrato for inferior ao valor de mercado, pois este valor – sempre incerto, variando de acordo com os factores imponderáveis da lei da oferta e da procura – não constitui base de incidência do IMT.
Tanto mais que são legítimos os negócios por valor inferior ao do mercado, os quais ocorrem pelos mais diversos motivos – nomeadamente, quando o vendedor tem pressa em vender (porque tem uma doença e precisa de pagar um tratamento, porque perdeu o emprego, porque tem dívidas e quer realizar capital, etc., etc., etc.), tal significa sujeitar-se a um preço inferior àquele que obteria procurando com paciência e empenho o comprador que melhor preço seria capaz de oferecer.
Para melhor compreensão do art. 55.º n.º 1 do CIMT, importa chamar à colação o art. 39.º n.º 1 da Lei Geral Tributária, dispondo que «em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.»
Pretende-se, pois, a tributação do negócio jurídico real, e esse é o que resultou do efectivo acordo das partes, e não de outros imponderáveis não totalmente controlados pela vontade das partes e não sujeitos ao controlo da Autoridade Tributária.
A primeira instância fez apelo dos conceitos civilistas da simulação absoluta e da simulação relativa, para concluir que a norma do art. 55.º n.º 1 do CIMT pretendeu incluir na segunda figura a “indicação inexacta do preço.”
No entanto, é sabido que o direito fiscal trata os conceitos jurídicos de modo pragmático e não totalmente equivalente àquele que os mesmos possuem noutros ramos de direito, pelo que não se pode carrear a figura civilista da simulação do negócio jurídico para o campo do direito fiscal, sem cuidar que este procura, acima de tudo, quantificar a obrigação fiscal. Logo, poderemos ter um negócio simulado, do ponto de vista do direito civil – porque houve pacto simulatório e intuito de enganar terceiros – mas tal ser irrelevante para efeitos fiscais, por ausência de distorção na liquidação do imposto (mormente, quando for equivalente o imposto aplicável ao negócio declarado e ao negócio realmente convencionado).
Com efeito, proibindo o art. 57.º n.º 1 da Lei Geral Tributária a prática de actos inúteis pela administração tributária, esta não poderá obter uma declaração de simulação civil, se desta não tiver resultado a distorção do imposto devido – simplesmente, o interesse em agir da administração tributária apenas existe quando o acto simulado tiver provocado a redução do imposto ou, mesmo, a ausência total de liquidação do mesmo.
Como refere Marcolino Pisão Pedreiro[3], «o conteúdo da simulação fiscal é, a nosso ver, determinado pela função do conceito neste ramo do direito. Visa prosseguir a verdade fiscal e a tributação segundo a capacidade contributiva. A área de protecção da norma (diversamente do que acontece na simulação civil) é uma relação jurídica concreta: a relação jurídico-fiscal. Esta tem sujeitos jurídicos determinados ou facilmente determináveis. É, pois, viável, verificar se ocorreu ou não prejuízo. Se ocorreu, o fingimento é, em princípio, juridicamente relevante e deve ser declarada a simulação. Se não ocorreu prejuízo para nenhum dos sujeitos da relação jurídico-fiscal, o fingimento não é relevante para o direito fiscal (podendo sê-lo para outra área do direito).»
Manuel Anselmo Torres[4], entende que «a simulação (fiscal) apenas se distingue pela redução que prossegue (a redução do encargo tributário) e pelo seu fim específico, mas não pela sua génese. Em vez de simulação fiscal, podemos falar com mais propriedade de um regime fiscal de simulação.»
Também Rui Duarte Morais[5] afirma que «a simulação fiscal é pois uma figura que se identifica com a sua matriz civilística e que assim é entendida pela generalidade dos sistemas fiscais. A sua especificidade está na causa simulationis, que consiste na intenção de evitar ou reduzir imposto doutra forma devido. Com a simulação fiscal pretende-se escapar às consequências fiscais de um acto gerador de imposto que já se produziu ou cujo surgimento se procura evitar pela operação simulada. (…) A simulação não é objecto de qualquer formulação conceptual autónoma no Direito Fiscal, apenas se autonomizando pelo fim que prossegue (redução do encargo tributário.»
Marcolino Pisão Pedreiro[6], acrescenta que «relevante para a simulação fiscal tanto pode ser a simulação inocente como a fraudulenta. Para o direito fiscal não é decisivo ter havido, da parte dos simuladores, intenção de prejudicar o fisco (ou terceiro), podendo ter ocorrido apenas intenção de enganar (o fisco ou um terceiro). O ponto decisivo é ter havido, ou não, prejuízo (distorção na liquidação do imposto), independentemente do mesmo ter sido querido. Não tendo havido esta distorção na quantificação do imposto, poderá haver simulação civil, mas não simulação fiscal. Temos, assim, a nosso ver, uma nota distintiva importante entre a simulação civil e a simulação fiscal. Enquanto na primeira basta (para além da divergência entre a vontade real e a vontade declarada e do pacto simulatório) o intuito de enganar terceiros, mas não exige a concretização dum prejuízo, na segunda exige-se um prejuízo consistente na distorção da liquidação do imposto. Enquanto na simulação civil há uma protecção avançada do bem jurídico que a norma se destina a tutelar, não sendo necessária uma lesão efectiva, já na simulação fiscal tem de ocorrer uma lesão patrimonial efectiva.»
Deste modo, quando o art. 55.º n.º 1 do CIMT se refere à simulação e à indicação inexacta do preço, não está a fazer apelo à distinção civilista da simulação absoluta e da simulação relativa. Sendo a pedra de toque do regime fiscal da simulação o combate à distorção do imposto, aquela norma pretende sancionar duas situações distintas:
1.ª divergência entre a vontade real e a vontade declarada, provocando a redução do imposto devido (ou, até, a ausência de tributação), em que ocorrem todos os demais requisitos da figura civilista da simulação (pacto simulatório e intuito de enganar terceiros) – simulação strictu sensu;
2.ª divergência entre a vontade real e a vontade declarada no que respeita ao preço, também provocando a redução do imposto devido, mas em que não ocorrem os demais requisitos da simulação – ou seja, a “indicação inexacta do preço”, a que se refere o texto da norma.
A possibilidade de exercício do direito de preferência também nesta segunda situação poderá justificar-se pela dificuldade de prova por parte da administração tributária do pacto simulatório e do intuito de enganar terceiros, mas certamente não a dispensa de provar o requisito essencial: divergência entre a vontade real e a vontade declarada no que respeita ao preço.
Marcolino Pisão Pedreiro[7] nota que a aplicação do art. 55.º n.º 1 do CIMT poderá ser simultânea com a punição por fraude fiscal, crime previsto no art. 103.º n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), implicando uma dupla sanção – civil e criminal – capaz de afrontar o princípio constitucional da proporcionalidade.
De todo o modo, não se acompanha a decisão recorrida, quando afirma que “a indicação inexacta do preço não pressupõe uma inexactidão com a vontade real e declarada, mas sim que o preço declarado, e real, esteja desconforme com o preço exacto. E cremos que o preço exacto é aquele que resulta das leis de mercado, do valor do bem em causa. Ou seja, pressupõe que não haja falsidade de declarações na escritura de compra e venda, mas que o preço declarado não seja o exacto. E o exacto apenas pode ser o preço de mercado, o preço normalmente praticado (pois não pode ser o preço real, caso contrário não existia diferença para a simulação).”
Simplesmente, a base de incidência do IMT, prevista no art. 12.º n.º 1 do respectivo Código, não é o preço de mercado, mas antes “o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.”
Note-se que a interpretação do art. 55.º n.º 1 do CIMT no sentido deste permitir o exercício do direito de preferência fiscal em todas as situações em que o preço convencionado não é o preço exacto de mercado – seja o que for esse conceito, que de facto a lei tributária não define nem tributa a nível de IMT – levaria a situações aberrantes, no mínimo violadoras do princípio constitucional da proporcionalidade, como as seguintes:
- seriam sancionados comportamentos tomados de boa fé, em que o preço declarado é coincidente com o acordado entre as partes do negócio;
- seria impossível a obtenção de preços por valor inferior ao de mercado, afectando a liberdade de acção económica dos cidadãos;
- levaria, no fundo, à intolerável intromissão da administração tributária na actividade económica, permitindo-lhe preferir em todas as compras realizadas por bom preço.
Por estes motivos, poderá concluir-se que o art. 55.º n.º 1 do CIMT, ao referir-se à “indicação inexacta do preço”, não exigindo a prova de todos os requisitos da simulação (nomeadamente do pacto simulatório e do intuito de enganar terceiros), exige no entanto a prova dos seguintes requisitos:
1.º divergência entre a vontade real e a vontade declarada no que respeita ao preço;
2.º essa divergência provoque a liquidação do imposto por valor inferior ao devido, tendo em atenção que o imposto é liquidado de acordo com “o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior;
3.º o imposto que deveria ter sido liquidado exceda em 30% ou em € 5.000, pelo menos, o valor sobre que incidiu.
Aplicando estes princípios ao caso em apreço, facilmente se conclui que o A. falhou a prova do requisito essencial da figura jurídica em análise: a divergência entre o preço declarado nas escrituras, de € 2.250,00 por cada lote, e o preço efectivamente convencionado.
Se é certo que na petição inicial se alegou que o preço acordado e pago foi necessariamente de € 25.000,00, essa prova não foi realizada.
E daí que nas alegações se tenha enveredado por um novo caminho, de nada ter sido pago. Mas se assim foi, qual o prejuízo fiscal sofrido pela administração tributária?
Nada se alega a este respeito e, em bom rigor, estaríamos perante matéria nova, não integrante da causa de pedir e não analisada pela primeira instância.
Ora, os recursos visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, pelo que o Tribunal da Relação não pode ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas perante a primeira instância.
Tudo visto, a causa não merece proceder.

DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso apresentado pelas Rés, nega-se provimento à ampliação do âmbito do recurso deduzida pelo A., e julga-se a acção totalmente improcedente, absolvendo-se aquelas do pedido.
Custas pela representada do A..
Évora, 3 de Novembro de 2016

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

Maria da Conceição Ferreira





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[1] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, como seguinte sumário: «Para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
De igual modo, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016, no Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível na mesma base de dados, decidindo que «O Tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou.»
[2] Consultar o site em http://www.cm-sesimbra.pt/pages/1524.
[3] “Regimes especiais de simulação em direito fiscal: IVA, IS e IMT”, artigo publicado na Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, 2012, ano V, n.º 2, a págs. 141 e segs..
[4] “A Simulação na Lei Geral Tributária”, artigo publicado em Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, 2000, n.º 1, pág. 35.
[5] “Imputação de Lucros de Sociedades Não Residentes Sujeitas a um Regime Fiscal Privilegiado”, Universidade Católica, 2005, pág. 227.
[6] Loc. cit.
[7] Idem.