Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
579/14.0T8BJA.E1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
ARQUIVAMENTO DOS AUTOS
INTERESSE DO MENOR
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:

Num processo de promoção e protecção, é prematura a prolação de despacho de arquivamento com fundamento apenas no teor do Relatório Social, no âmbito do qual a Técnica da Segurança Social que o elaborou apenas conseguiu contactar telefonicamente a menor visada, entre outras pessoas, devendo os autos prosseguir os seus termos com a audição da menor e dos seus progenitores pelo Tribunal, por forma a indagar, de forma directa e segura, qual a actual situação da menor e se a situação de perigo que deu origem aos presentes autos se mostra efectivamente ultrapassada.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

O Ministério Público requereu a abertura do processo judicial de promoção e protecção relativamente à menor BB, nascida a 5 de Dezembro de 1998, filha de CC e de DD, pedindo que lhe seja aplicada uma medida de promoção e protecção que salvaguarde os seus superiores interesses, de modo a afastar a situação de perigo em que se encontra e a garantir o mínimo apoio necessário à segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento da mesma.

Para tanto, alegou, em síntese, que a situação da menor foi sinalizada à CPCJ em 11/11/2013, através de uma denúncia anónima, dando conta que a mesma estaria a trabalhar num bar de alterne denominado “EE”, situado na zona de Cercal do Alentejo, sendo que a mãe está inserida num Programa de Inserção na Junta de Freguesia de M... e o pai não exerce qualquer actividade laboral, passando os dias em casa, consumindo álcool e tabaco em excesso.

Numa visita efectuada pela CPCJ à residência do agregado familiar da menor constatou-se que a casa onde vive encontrava-se muito desorganizada, desarrumada e com falta de higiene e que a menor frequentava/frequenta um café no Cercal do Alentejo, denominado snack-bar “FF”, que segundo o Relatório da CPCJ, seria uma casa de alterne, referindo-se, ainda, no aludido Relatório, que a menor era vista na companhia de homens mais velhos, entre os quais o proprietário do aludido bar (com cerca de 50 anos), havendo fortes suspeitas de que este poderia ser seu “namorado”.

Face à situação da menor, a CPCJ deliberou a aplicação da medida de apoio junto dos pais, tendo sido assinado Acordo de Promoção e Protecção em 17/03/2014.

Refere, ainda, que no acompanhamento da medida foram sendo verificados vários incumprimentos das cláusulas acordadas: a casa onde reside o agregado familiar da menor encontrava-se na mesma bastante desorganizada, com falta de arrumação e sobretudo desprovida de cuidados de higiene; os progenitores não conseguiam impor regras e rotinas à menor, não proporcionavam à sua filha os cuidados básicos, nomeadamente alimentação, higiene e segurança e mantinham permanentemente conflitos entre ambos.

Por despacho proferido em 10/12/2014, foi declarada aberta a instrução e determinada a elaboração pela EMAT de relatório social às condições de vida dos progenitores e da menor com concreta proposta de intervenção, bem como designada data para tomada de declarações aos pais, à menor e à Técnica da EMAT que viesse a elaborar tal relatório (fls. 74).

Em 30/01/2015 foi elaborado Relatório Social de Avaliação Diagnóstica sobre as condições de vida da menor BB e seus progenitores, no qual a Segurança Social optou por não sugerir a aplicação de nenhuma medida de promoção e protecção à menor (fls. 94 a 104).

Após a junção aos autos do dito Relatório Social, a Mª Juíza “a quo”, em 3/02/2015, proferiu o seguinte despacho:

“Em face do relatório junto aos autos dispenso a audição dos convocados e declaro encerrada a instrução – cfr. artigo 106° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Desconvoque pela via mais expedita”.

Logo de seguida, a Mª Juíza “a quo” proferiu decisão a determinar o arquivamento dos presentes autos quanto à menor BB, nos termos dos artºs 110º, al. a) e 111º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) - cfr. fls. 105 a 108.

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:

«1 - O Ministério Público, requereu a instauração de processo de promoção e protecção relativo à menor BB, nascida em 5 de Dezembro de 1998, sendo a menor, filha de DD e de CC.

2 - Tal aconteceu, na sequência da remessa do processo de promoção e protecção enviado da CPCJ de Aljustrel, nos termos do disposto no art° 68° al. b) da LPCJP, para o Ministério Público.

3 - A CPCJ de Aljustrel, teve notícia dos factos, referentes à menor BB, no dia 11 de Novembro de 2013, através de uma sinalização anónima, via telefone, dando conta que a menor BB, estaria a trabalhar num bar de alterne, na zona de Cercal do Alentejo, denominado “EE”. Citámos.

4 - Foi declarada aberta a instrução por despacho de fls. 74 e, foi no âmbito da mesma, designada data para declarações aos pais, à menor, e à Exma. Técnica da EMAT, para o dia 4 de Fevereiro de 2015.

5 - No dia 3 de Fevereiro de 2015, foi junto aos autos o Relatório Social de Avaliação Diagnóstica, elaborado pela EMAT (junto aos autos a fls. 93 e sgs) tendo o Mº Juiz, face à junção do mesmo, proferido o seguinte despacho que passamos a citar:

Em face do relatório junto aos autos dispenso a audição dos convocados e declaro encerrada a instrução – cfr. artº 106° da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Desconvoque pela via mais expedita”.

6 - E, de seguida, entendeu o Mmº Juiz proferir despacho a determinar o arquivamento dos presentes autos, quanto à menor BB, nos termos previstos nos art°s 110°, al. a) e 110° da citada LPCJP – cfr. despacho de fls. 105 e segs.

7 - Diremos de forma breve, que tal posição viola desde logo, o disposto no próprio artigo referido, onde se baseou o arquivamento do processo, ou seja, art° 110, alínea a) e 111º da LPCJP.

8 - No que tange à questão de fundo, foi no âmbito das averiguações efectuadas pela CPCJ de Aljustrel, área da residência da menor, apurado que esta frequentava/frequenta um café em Cercal do Alentejo, denominado Snack-Bar “FF”, que segundo se refere no Relatório da CPCJ, seria uma casa de alterne.

9 - Tal versão, (no que tange à frequência do café) é aliás confirmada, pela menor, nas suas declarações quando foi ouvida a tal respeito, na CPCJ de Aljustrel, sendo aliás, a própria menor, que entregou na CPCJ de Aljustrel o “CARTÃO DE VISITA” do referido café - FF - e que se encontra junto aos autos a fls. 19.

10 - A jovem esclareceu mesmo que “nunca trabalhou naquela café porque o dono do estabelecimento conhece as leis e nunca a deixaria ir para lá trabalhar;”

11 - A informação, de que a menor iria para o Cercal do Alentejo, também foi confirmada pelos próprios pais da menor, e por esta, referindo estes, que a menor ia para lá durante as férias de verão, cuidar do sobrinho, enquanto a irmã lá trabalhava (no FF).

12 - Refere-se no Relatório da CPCJ de Aljustrel, (que se encontra junto aos autos) que a menor, e, a sua mãe, iam de boleia, com um amigo da mãe, que as levava às duas, deixando a BB no “FF”, em M..., seguindo depois com a mãe da menor, para, segundo elas, a DD lhe ia fazer limpezas, na sua casa em Santiago do Cacém.

13 - Tal facto é aliás, confirmado pela jovem BB, nas suas declarações prestadas na CPCCJ de Aljustrel, e juntas aos autos.

14 - Consta ainda do Relatório da CPCJ de Aljustrel, que a menor BB, se dava com homens mais velhos, tendo sido vista em M..., com um senhor de 50 anos, que segundo ela, seria o proprietário do “FF”, tendo, inclusivamente sido o único convidado para a sua festa de aniversário de 15 anos, havendo fortes suspeitas de que este, poderia ser seu “namorado”. Citamos.

15 - Refere a S.S. que no contacto telefónico que este serviço (leia-se Segurança Social - sediada em Beja) conseguiu estabelecer com a BB, a jovem afirmou que há cerca de um ano que deixou de frequentar o café mencionado na denúncia que chegou à Comissão bem com também deixou de ter qualquer contacto com o proprietário desse estabelecimento.

16 - A jovem acrescentou ainda que e passamos a citar:

“... está cansada que a sua vida seja fiscalizada por técnicos, porque deixaram de existir motivos para isso”.

17 - Perante a factualidade supra expendida, é manifesto, que com vista a defender o SUPERIOR INTERESSE da menor BB, não poderia, sem mais, ter sido determinado o arquivamento dos autos, sem curar de saber, ou, pelo menos tentar saber, o que se passa actualmente na vida da jovem BB, face à natureza dos factos, e às pessoas alegadamente envolvidas, e sindicar o que efectivamente o que vai acontecendo na vida da jovem.

18 - Não nos podemos conformar, na verdade, apenas com o depoimento da jovem via telefone, para os SERVIÇOS DA SEGURANÇA SOCIAL, dizendo que: “há cerca de um ano que deixou de frequentar o café mencionado na denúncia que chegou à Comissão bem com também deixou de ter qualquer contacto com o proprietário desse estabelecimento”, e ainda que “... está cansada que a sua vida seja fiscalizada por técnicos, porque deixaram de existir motivos para isso”, e perante tal declaração da menor, decidir-se sem mais, a inexistência da situação de perigo, em que a jovem se encontrava.

19 - Face a toda a prova carreada para os autos, sempre seria curial, completar-se a instrução do processo, designadamente ouvindo a menor, os seus progenitores, bem como a(s) Exma(s) Técnica(s), que aliás estavam já notificadas para comparecer no Tribunal, no dia seguinte, aquele em que foi determinado o arquivamento do processo, ou seja, dia 4 de Fevereiro de 2015.

20 - Nos presentes autos, não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo, designadamente o do SUPERIOR INTERESSE DAS CRIANÇAS, segundo o artº 3º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança.

21 - Sendo que em nosso entender, é do interesse desta jovem, que a sociedade use todos os meios ao seu alcance, para ajudá-la e protegê-la, agora nesta fase da sua vida – adolescência - onde se encontra.

22 - A demarcação das situações que põem em risco grave a segurança, formação, educação ou desenvolvimento da menor, não podem basear-se em critérios subjectivos e vagos, tem de basear-se em factos concretos, claros e objectivos.

23 - Na verdade, da leitura atenta dos factos que determinaram o arquivamento do processo, verifica-se que os mesmos são compostos por factos genéricos, conclusivos, e, por conceitos indeterminados, baseados sobretudo nas próprias declarações da menor.

24 - Inexistem factos concretos e palpáveis que manifestem de forma clara, segura e inequívoca a ausência da situação de perigo, na vida actual desta menor.

25 - Face ao exposto, em nosso entender, salvo o maior respeito e consideração por opinião diversa, não poderá o processo de promoção e protecção da menor BB, ser arquivado, pelo menos, nesta fase, uma vez que com tal posição, não foi assegurado o Superior Interesse da MENOR BB.

26 - Termos em que, entendemos dever alterar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra, que ordene a continuação/conclusão da instrução do processo.

27 - O despacho recorrido viola o disposto nos artigos art°s 4º, 110º, al. a) e 111º da LPCJP.

29 - Em conformidade com o supra exposto deve, pois proceder o recurso e, alterar-se a decisão recorrida».

Não foram apresentadas apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 149.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Face às conclusões das alegações de recurso, a única questão a decidir consiste em saber se deveria ter sido completada a instrução do processo, designadamente com a audição da menor, dos seus progenitores e da Técnica da EMAT que elaborou o relatório social, antes da prolação de decisão quanto à menor BB.

Com interesse para apreciação e decisão da questão há que ter em conta a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório.


*

Apreciando e decidindo.

A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:

«Em face do relatório junto aos autos dispenso a audição dos convocados e declaro encerrada a instrução - cfr. artigo 110º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Desconvoque pela via mais expedita.


*

Arquivamento:

Os presentes autos tiveram o seu início devido a uma situação de perigo para a saúde, educação e estabilidade da menor BB, por alegadamente se encontrar entregue a si própria, frequentar um bar de alterne e ter sido vista na companhia de homens mais velhos, entre os quais o proprietário do aludido bar estando a casa onde vive sujeita a alguma desorganização e falta de cuidados.

Foi determinada a abertura da instrução e audição da menor, dos progenitores e da técnica que viesse a elaborar o relatório de avaliação diagnóstica com proposta de intervenção.

Junto o aludido relatório actualizado do mesmo consta que:

- a menor, com 16 anos de idade, está integrada numa turma PIEF na escola EB2,3 de Aljustrel, frequenta a escola com assiduidade, pontualidade, é a melhor aluna da turma e tem bom comportamento ao nível escolar.

- A progenitora acompanha a evolução e percurso escolar da jovem, mantendo com esta uma relação estreita e de protecção em relação ao progenitor que tem problemas de alcoolismo e, pese embora em tratamento, por vezes tem recaídas e torna-se conflituoso.

- Por vezes a jovem tem crises de ansiedade (relacionados inclusive com a pendência deste processo) e, pese embora não tenha apoio psicológico regular, mantém contactos informais com a psicóloga que exerce actividade profissional na escola que a jovem frequenta.

- A casa onde se insere o agregado familiar é uma casa desorganizada, em virtude do progenitor se encontrar em casa a todo o tempo, mas o quarto da BB apresenta-se organizado e limpo.

- A família vive com dificuldades financeiras, uma vez que o progenitor não trabalha e a progenitora aufere um rendimento de € 508 no âmbito de um programa ocupacional em que desempenha tarefas indiferenciadas para a Junta de Freguesia de M..., solicitando com alguma regularidade apoio económico ao serviço da segurança social que dispõe de um serviço local em Aljustrel, beneficiando a BB de refeições gratuitas na Escola.

- Por se encontrar a trabalhar na mesma localidade onde reside a menor a progenitora tem maior controlo sobre a mesma, e maior capacidade de prestar apoio à jovem.

- A menor deixou de frequentar o café referenciado como bar de alterne em Aljustrel e que frequentava para acompanhar a irmã que ali trabalhava.

- o proprietário do referido bar deixou de ser visto na localidade e não são conhecidos comportamentos negativos da BB no meio social.

Por tudo o exposto, conclui a senhora técnica da EMAT, não sugerir aplicação de qualquer medida de promoção e protecção.

Cumpre apreciar e decidir.

O art.º 1918.º do Código Civil prevê que “quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal”, o tribunal pode “decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência”.

Quanto à constatação da ocorrência de perigo, o n.º 3 do art.º 1978.º do diploma em referência estatui que “considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à protecção e à promoção dos direitos dos menores”.

O que nos remete para a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, a qual regula a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo que tem lugar “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo” (art.º 3.º n.º 1).

O conceito de criança ou jovem encontra-se plasmado no artigoº 5, alínea a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, sendo “a pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos.”

Os autos iniciaram-se com o relato de uma situação de perigo para a jovem BB, com 16 anos de idade.

Ora, in casu não chegou a ser aplicada medida de protecção à menor.

Porém, resulta dos autos, que a situação de perigo que deu origem aos presentes autos - verificada em 2012 - se mostra ultrapassada.

Na realidade segundo o relatório social a menor, actualmente com 16 anos, frequenta a escola com assiduidade, é boa aluna, tem bom comportamento, é educada e tem na progenitora pessoa interessada nas questões relacionadas com sua educação e bem-estar.

Assim e apesar dos constrangimentos familiares e económicos verifica-se que a intervenção técnica de que a família necessita tem sido concedida ao nível dos serviços mínimos da comunidade (segurança social, escola e saúde).

Torna-se desnecessária a realização de quaisquer outras diligências instrutórias porque seriam inúteis e desnecessárias face aos elementos existentes nos autos, sendo certo que é proibida por lei a prática de actos inúteis.

Pelo exposto, e de acordo com os princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade e ainda do interesse superior da criança, plasmados na Lei nº 147/99, de 1.09, determina-se o arquivamento dos presentes autos quanto à menor BB, nos termos previstos nos arts. 110º, al. a) e 111º da citada Lei.

Sem custas.

Notifique e registe.

Comunique à EMAT».

De acordo com o preceituado no artº. 3º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei nº. 147/99 de 1/09 (alterada pela Lei nº. 31/2003 de 22/8), a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.

Nesta conformidade, as medidas de promoção e protecção das crianças e jovens visam afastar o perigo em que elas se encontram e proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral (artº. 34º, als. a) e b) da LPCJP).

A intervenção e aplicação de qualquer medida deve obedecer aos princípios enumerados no artº. 4º da LPCJP, nomeadamente e desde logo, o do interesse superior da criança e do jovem, ou seja, “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (alínea a).

Deve, ainda, obedecer ao princípio da proporcionalidade e actualidade - ou seja, “a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade” (artº. 4º, al. e) da LPCJP) - da responsabilidade parental - ou seja, “a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem” (artº. 4º, al. f) da LPCJP) - e da prevalência da família - ou seja, “deve ser dada prevalência às medidas que integrem a criança e o jovem na sua família ou que promovam a sua adopção” (artº. 4º, al. g) da LPCJP).

Reportando-nos ao caso em apreço, conforme resulta dos elementos constantes dos autos, a situação da menor BB foi denunciada anonimamente à CPCJ, por telefone, dando conta que a menor estaria a trabalhar num bar de alterne denominado “EE”, sito na zona de Cercal do Alentejo.

No âmbito das averiguações efectuadas pela CPCJ de Aljustrel (área da residência da menor), foi apurado que esta frequentava um estabelecimento em Cercal do Alentejo, agora denominado Snack-Bar “FF” que, segundo se refere no Relatório da CPCJ junto aos autos, seria uma casa de alterne, o que, aliás, foi confirmado pela menor em declarações prestadas na CPCJ de Aljustrel, tendo esta referido que “nunca trabalhou naquele café porque o dono do estabelecimento conhece as leis e nunca a deixaria ir para lá trabalhar”.

Por outro lado, a informação de que a menor iria para o Cercal do Alentejo também foi confirmada pelos seus progenitores, referindo estes que a menor ia para lá durante as férias de verão, cuidar do sobrinho, enquanto a irmã trabalhava no dito café.

Consta, ainda, do Relatório da CPCJ de Aljustrel junto aos autos que os Técnicos que se deslocaram ao local onde a menor BB e seus progenitores residem, apuraram que a menor se dava com homens mais velhos, tendo sido vista em M... com um indivíduo de 50 anos que, segundo ela, seria o proprietário do “FF”, havendo fortes suspeitas de que este poderia ser seu “namorado”.

Todos estes factos denunciados por terceiros, e que foram confirmados pela menor ou pelos próprios progenitores perante a CPCJ, lançam um alerta que, como bem refere a Dª Magistrada do Ministério Público nas suas alegações de recurso, não poderá agora ser apagado como se não tivesse existido e não ser levado em conta na decisão a tomar no que respeita a esta jovem, apenas porque no Relatório agora apresentado pela EMAT se conclui que a menor deixou de estar exposta à situação de perigo que desencadeou a abertura do processo de promoção e protecção na CPCJ de Aljustrel.

Na verdade, apesar do Relatório Social elaborado pela Técnica da EMAT referir, por um lado, que a menor deixou de frequentar o café referenciado como bar de alterne, situado em Cercal do Alentejo, e por outro, que o proprietário do referido bar deixou de ser visto na localidade onde a menor reside, não sendo conhecidos comportamentos negativos daquela no meio social, teremos de concluir que tais factos apresentam alguma fragilidade, atenta a natureza dos mesmos, sendo certo que a Técnica que elaborou o Relatório, para se inteirar dos mesmos, teve necessidade de deslocar-se à vila de M... - Aljustrel, onde habitam a menor e seus progenitores, tendo visitado a residência da menor e ali falado com os seus pais.

No entanto, como é referido no Relatório Social, a Técnica não conseguiu estar pessoalmente com a menor BB, tendo apenas estabelecido contacto telefónico com a mesma, bem como com as assistentes sociais da Segurança Social de Aljustrel e da Santa Casa da Misericórdia de M... e com o Director de Turma da menor.

Refere-se no mencionado Relatório Social que “no contacto telefónico que este serviço conseguiu estabelecer com a BB, a jovem afirmou que há cerca de um ano que deixou de frequentar o café mencionado na denúncia que chegou à Comissão bem com também deixou de ter qualquer contacto com o proprietário desse estabelecimento”, tendo a mesma acrescentado ainda que “... está cansada que a sua vida seja fiscalizada por técnicos, porque deixaram de existir motivos para isso”.

Por outro lado, embora do mencionado Relatório se retirem alguns factos positivos atinentes à menor e que se encontram descritos na decisão recorrida (cfr. transcrição supra), a verdade é que no mesmo se faz referência ao facto de terem sido encontrados no agregado familiar factores de risco – o alcoolismo do pai e a conflitualidade daí resultante, a desorganização e falta de higiene existentes na casa de morada da família e as crises de ansiedade da menor que não tem apoio psicológico regular, mantendo apenas contactos informais com a psicóloga que exerce a sua actividade profissional na escola que a menor frequenta.

Perante tal quadro e a atitude da menor manifestada no contacto telefónico acima referido, no que concerne à fiscalização da sua vida que tem vindo a ser exercida pelos Técnicos da Segurança Social, consideramos que assiste razão ao recorrente ao concluir que, tendo em vista a defesa do superior interesse da menor BB, não deverá ocorrer o arquivamento dos autos sem, pelo menos, tentar saber o que se passa actualmente na vida da menor, face à natureza dos factos e às pessoas alegadamente envolvidas.

Para tanto, não obstante o teor do Relatório Social determinante no arquivamento do processo, entendemos que deveria ter-se completado a instrução do processo, designadamente com a audição da menor, dos seus progenitores e das Técnicas que já se encontravam notificadas para comparecer no Tribunal, sendo importante, neste caso, a imediação resultante da presença e audição da menor e de seus pais perante o Tribunal.

Tais diligências, em nosso entender, não seriam inúteis, contrariamente ao que se refere na decisão recorrida, porquanto face à divergência entre os relatórios da Segurança Social e da CPCJ de Aljustrel, seria de todo o interesse que o Tribunal ouvisse pessoalmente esta menor e seus pais, bem como as referidas Técnicas da Segurança Social, por forma a indagar, de forma directa e mais segura, qual a actual situação daquele agregado familiar e, em especial da menor BB, se a situação de perigo que deu origem aos presentes autos se mostra efectivamente ultrapassada, quais os factos ou fenómenos que afastaram a situação de perigo desenhada nos autos e se esta jovem adolescente de 16 anos de idade precisa de um apoio ou acompanhamento na sua vida diária.

Por tudo o que se deixou exposto, teremos de concluir que o arquivamento dos autos, nesta fase, foi prematuro, devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine o prosseguimento e conclusão da instrução do processo.

Nestes termos, terá de proceder o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido, determinando a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento e conclusão da instrução do processo.

Sem custas.



Évora, 30 de Abril de 2015
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

(Maria Cristina Cerdeira)
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
(Acácio Luís Jesus das Neves)