Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1381/19.8T8PTM-B.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: DESPACHO SANEADOR
RECURSO
VALOR DA CAUSA
ACORDO SOBRE O VALOR
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Por imposição expressa do n.º 3 do art.º 596.º do CPC, o despacho proferido sobre as reclamações apresentadas ao despacho que fixa o objeto do litígio e enuncia os temas da prova apenas pode ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão final.
2. Aceitando as partes o valor processual de € 51.000,00, correspondente ao valor pago pela celebração do contrato de cessação de exploração de estabelecimento, e tendo em conta o pedido, a causa de pedir e o disposto no art.º 301.º/1 do CPC, é de manter esse o valor da causa, por corresponder ao valor do negócio jurídico celebrado entre as partes e cuja resolução se pretende.
3. A nulidade decorrente da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir será sanável, porque a arguição não é julgada procedente, quando o réu contestar e se verificar que interpretou convenientemente a petição inicial – cfr. n.º 3 do art.º 186.º
4. Nos termos do n.º 4 do art.º 595.º, do C. P. Civil, não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.
5. A verificação da omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou a prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de qualquer formalidade que a lei prescreva, tal como a da generalidade das nulidades processuais, deve ser objeto de arguição perante o tribunal onde é cometida, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
X…, LDA., com sede na … em Albufeira, intentou a presenta ação declarativa comum contra H…, LDA, com sede na … em Albufeira, pedindo a resolução do contrato de cessação de exploração celebrado pelas partes, condenando-se a Ré na reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento antes das obras ilegais e não autorizadas.
Alegou, em síntese, que em 19 de fevereiro de 2014 celebrou com a Ré um contrato de cessão de exploração do estabelecimento, pelo período de 5 anos, sujeito a renovações. Pretendendo as partes prolongar temporalmente o referido contrato, foi celebrado Aditamento ao mencionado Contrato de cessão de exploração, no dia 22 de dezembro de 2014.
Na execução do contrato, a Ré, em meados de janeiro de 2018, procedeu à realização de obras não autorizadas e que, nos termos da Lei, não estavam isentas do controlo prévio, necessitando de licenciamento pela Câmara Municipal de Albufeira, que não existiu e que deu origem a processo contraordenacional, cuja responsabilidade é da Ré. Tais obras colocam em perigo a segurança e estabilidade do prédio, porquanto se consubstanciaram na perfuração da placa/laje que serve de base ao edifício e careceria sempre da entrega dos competentes projetos de ampliação para o subsolo.
Sendo tais obras efetuadas à revelia da Autora e extravasam a permissão concedida no aditamento ao contrato de cessão de exploração, justificam a resolução do contrato de cessão de exploração celebrado com a Ré.
Indicou o valor da ação em €51.000,00 (cinquenta e um mil euros).
Citada, a Ré contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pela Autor, invocou a exceção de caducidade do direito à resolução do contrato em causa, concluindo pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido, bem como a condenação da autora como litigante de má fé.
Por despacho de 11 de novembro de 2019, notificado às partes, foi dispensada a audiência prévia.
Neste despacho foi ainda determinado notificar a Autora para “proceder ao aperfeiçoamento da sua petição inicial no sentido de concretizar, discriminando, quais as obras que a ré realizou. Deverá, ainda, informar, se, por qualquer meio, as autorizou ou delas tinha conhecimento e desde quando. E esclarecer este Tribunal quais os critérios utilizados para a indicação do valor da ação e, sendo caso disso, proceder à correção do valor atribuído”.
Satisfazendo o convite, veio a Autora alegar que as obras efetuadas pela Ré consistem na perfuração da laje de ensoleiramento que se encontra na base do prédio, existente na zona do balcão, cortando a malha de ferro que dela faz parte integrante. A perfuração efetuada tem cerca de 1.50m de Profundidade e careciam de controlo prévio, necessitando de licenciamento por parte do Município, porque as mesmas colocam em perigo a segurança e estabilidade do prédio. Apenas autorizou obras que não colidam com a estrutura.
E quanto ao valor da causa esclareceu que fixou em €51.000,00, atendendo ao valor do contrato celebrado pelas partes e que se pretende resolver com a procedência dos presentes autos.
Em 8 de julho de 2020 foi proferido o despacho saneador, no qual foi fixado o valor da ação em €700.000,00 (setecentos mil euros), julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial, foram fixados os temas da prova e admitida toda a prova arrolada pelas partes – testemunhal e depoimento de parte. E foi ainda admitida a prova documental nos seguintes termos: “Por não se revelar impertinente para a boa decisão da causa, este Tribunal defere a requerida junção do processo contraordenacional, que se faz referência a fls. 6 verso – artigo 432º do Código de Processo Civil”.
Por despacho de 9 de outubro de 2020 exarou-se o seguinte:
“Verifica-se que o despacho-saneador é omisso quanto ao conteúdo do objeto do litigio. Por mero lapso apenas consta a respetiva epígrafe.
Tratando-se de manifesto lapso, procede-se à sua retificação, que fará parte integrante do despacho-saneador.
Objeto do litigio
Obras não autorizadas, ilegais e que comprometem a estrutura do prédio arrendado, levadas a efeito pelo arrendatário, causa de pedir do pedido de reposição do estado anterior do prédio e de resolução do contrato de arrendamento”.
De despacho saneador veio a Ré interpor o presente recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A – Por despacho proferido pelo Tribunal a quo datado de 11.11.19, a que corresponde a referência 114373532, decidiu-se pela dispensa de realização de Audiência Prévia – Cfr. Artºs 6º e 547º ambos do C.P.C.- o qual transitou em julgado.
B – Não corresponde à verdade que o Tribunal tenha decidido não realizar a Audiência Prévia face à situação excecional que se vive, quando na verdade este mesmo tribunal a quo, em data muito anterior a referida situação excecional (Pandemia de Covid 19), ou seja, em novembro de 2019 já se tinha decidido pela não realização da Audiência
Prévia.
C – Na audiência de Tentativa de Conciliação ocorrida no dia 26.02.2020 e encontrando-se presentes ambos os mandatários das aqui partes, não ficou acordado em momento algum a realização de Audiência Prévia.
D – Deveria ter sido julgado procedente o requerido pela ora recorrente a fls. 120, com as legais consequências.
E – De forma inopinada e descontextualizada invoca a Recorrida que existe uma cláusula no aditamento ao contrato de opção de compra do imóvel pelo preço de € 700.000,00, não pedindo, contudo, a apreciação desta questão, não podendo tal questão ser decidida no âmbito destes autos.
F – O pedido formulado pela Recorrida prende-se apenas com o facto de se apurar se as obras levadas a cabo pela Ré foram autorizadas e se colocam em risco a estrutura do
prédio e, em caso afirmativo, ser a Recorrente condenada a repor-se a situação como antes de ter feito tais obras.
G – A demais factualidade não deverá ser discutida porque nem foi requerido pela
Recorrida na sua P.I., pelo que o julgador não deve resolver conflitos que não lhe sejam pedidos por uma das partes – Mostra-se violado o nº 1 do artº 3º do C.P.C.
H – O valor da ação não poderá ser o valor que as partes haviam determinado e acordado para a venda do imóvel (€ 700.000,00), pois não se afigura correto que no caso sub judice o valor da ação seja o valor de um negócio que tampouco está em discussão nestes autos - Mostra-se violado o nº 1 do artº 301º do C.P.C.
I – No presente caso mostra-se violada a alínea a) do nº 2 do artº 186º do C.P.C. uma vez que a P.I. é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da
causa de pedir.
J – No presente caso, entende-se que a causa de pedir se encontra ininteligível ou em falta, o que configura essa mesma ineptidão da P.I.
L – Trata-se de uma exceção dilatória que deverá conduzir à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição da Recorrente da instância, é, pois, uma exceção do conhecimento oficioso- Cfr. Artºs 186º, nºs 1 e 2, alínea a) e 278º, nº 1, alínea b), ambos do C.P.C.,
K – Cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir que, no caso, competia à Recorrida fazê-lo em sede de P.I., momento próprio para apresentação dos factos concretos e reais que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seu direito.
M - Deveria a Recorrida ter dado cumprimento do disposto nos artºs 5º, nº 1 e 552, nº 1, al. d) do C.P.C., o que não se verifica.
N – O Despacho Saneador ora recorrido, é totalmente omisso quanto à indicação do Objeto do Litigio, pelo que se mostra violado o nº1 do artº 596º do C.P.C.
O – O Despacho Saneador ora recorrido é nulo.
P – Não se aceita como Tema da Prova o “…apurar a manutenção ou a perda objetiva de interesse na manutenção do contrato.”, pois a Recorrida, em particular no seu articulado 4º, 5º e 6º da P.I. apenas faz referência à existência de uma cláusula no aditamento ao contrato que une as aqui parte, nada peticionando quanto á mesma.
Q – O Pedido deduzido pela Recorrida centra-se numa única circunstância que é o facto de a Recorrente ter (ou não) levado a cabo obras não autorizadas, que colocam em causa a estrutura do prédio e, em caso afirmativo, então que seja decidida a resolução do contrato de cessão de exploração que une as aqui parte, ordenando-se a reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento antes dessas mesmas obras ilegais e não autorizadas.
R – A presente lide não se centra no apuramento da manutenção ou perda objetiva de interesse na manutenção do aludido contrato.
S - O que é pedido é exatamente que seja decidida a resolução do contrato de cessão de exploração que une as aqui parte por via das eventuais obras ilegais e não autorizadas levadas a cabo pela Recorrente, ordenando-se a reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento antes dessas mesmas obras ilegais e não autorizadas.
T – O apurar da manutenção ou a perda objetiva de interesse na manutenção do contrato, não se encontra peticionado, evidentemente porque não é causa de pedir na presente ação judicial, pelo que se mostra violado o disposto no art.º 3 do C.P.C.
U – O Tribunal não pode resolver conflitos de interesses sem que a resolução lhe seja pedida.
V – No caso foi pedida a resolução do contrato de cessão de exploração pela Recorrida por via das obras alegadas ilegais e não autorizadas levadas a cabo pela Recorrente, ordenando-se a reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento antes dessas mesmas obras, nada mais.
X – É omisso o despacho recorrido quanto à suscitada questão de eventual Litigância de Má fé por parte da Recorrida, cuja nulidade se invoca, com as legais consequências.
Z – O despacho recorrido pronuncia-se favoravelmente sobre o requerimento de prova apresentado pela Recorrida desde logo em sede de P.I. ao que o Tribunal a quo decidiu indevida e ilegalmente que “Por não se revelar impertinente para a boa decisão da
causa, este Tribunal defere a requerida junção ao processo contraordenacional a que faz referência a fls. 6 verso – artigo 432º do Código de Processo Civil.”
Y – Contudo, a Recorrida não cumpriu com o disposto no art.º 429.º do C.P.C., ou seja, a Recorrida não identifica quanto possível o documento cuja junção pretende.
W - A Recorrida é participante no âmbito do aludido processo contraordenacional, pelo que não ignorava, nem podia ignorar, a identificação do mesmo, considerando que é a autora da participação, elemento que não apresentou com o seu pedido.
AA – A Recorrida tinha tal informação em seu poder, a qual omitiu aos autos desde logo em sede de P.I.– Cfr. requerimento da Recorrida de 30.07.2020 com a referência 36197073,
AB - A Recorrida não especificou quais os factos que com tal documento pretendia provar – Em total violação do art.º 429.º nº 1, in fine.
AC - A Recorrida não especificou se os factos que pretendia provar, tinham ou não interesse para a decisão da causa – Mostra-se violado o art.º 429.º, n.º 2.
AD - Desconhece-se – até porque não foi invocado pela Recorrida – se o facto do documento se encontrar em poder de terceiro (C.M.A.) a impedia de lhe aceder, sabemos que não, uma vez que por requerimento de 30.07.2020 com a referência 36197073.
AE – Se a Recorrida podia obter parte do processo, por certo poderia obter a sua totalidade, ter-lhe-ia bastado para o efeito tê-lo solicitado junto da Câmara Municipal de Albufeira, tal como terá feito para obter parte do mesmo.
AF - Sem qualquer fundamentação bastante e sustentação legal, foi deferida a pretensão da ora recorrida em que deveria ser ordenado à C.M.A. que juntasse aos autos certidão do processo contraordenacional, o que deveria nos termos legais ter sido indeferido.
AG - Deverá ser revogado tal deferimento e, consequentemente, o desentranhamento do documento/processo de contraordenação junto aos autos pela Câmara Municipal de Albufeira.
AH – O despacho ora recorrido refere ainda que “Notifique as partes – artigo 593º, nº 3 do Código de Processo Civil”, quando as partes deveriam ter sido notificadas nos termos do nº 2 do art.º 596º do C.P.C., o que se mostra violado.
AI – O despacho ora recorrido refere também que “…podem, igualmente, alterar o requerimento probatório, em 10 dias.”, o que se faz sem qualquer sustentação legal e em violação do disposto nº 2 do art.º 596.º do C.P.C., o que se mostra violado, uma vez que “Notificadas as partes, se alguma pretender reclamar, pode requerer em 10 dias a realização de audiência prévia…”
AJ – Notificadas as partes do despacho ora recorrido, nenhuma veio requerer a realização de audiência prévia.
AL – Dispõe também o nº 1 do art.º 598.º do C.P.C. que “O requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia…” e proferido que foi despacho dispensando a audiência prévia, já não é admissível a alteração do requerimento
probatório – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa/ 4046/16.9T8OER-D-L1-2 de 04-10-2018.
AK – É destituída de qualquer fundamentação, quer de facto quer de direito a possibilidade dada agora às partes de alterarem o seu requerimento probatório, por violação do disposto no por violação do disposto no nº 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e nº 1 do art.º 598º do C.P.C.
AM – A Recorrente, em sede de contestação, invoca a exceção de caducidade do direito que a ora recorrida pretende exercer, a qual não se encontra apreciada e/ou decidida em sede de despacho saneador, em violação do disposto no artº 595º do C.P.C.
NA - O que gera a nulidade daquele mesmo Despacho Saneador, que se invoca nos termos e para os efeitos legais e que aqui se requer seja declarada.
Nestes termos, deve ser dado provimento à presente apelação e em consequência ser revogado o douto Despacho Saneador de que ora se recorre, decidindo-se em conformidade com o ora invocado.
***
A Autora contra-alegou, defendendo a manutenção do despacho saneador nos termos sentenciados e pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
***
II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil, constata-se que as questões essenciais a decidir são as seguintes:
a) Temas da prova.
b) Valor da causa.
c) Ineptidão da petição inicial.
d) Omissão do objeto do litigio/nulidade.
e) Nulidade por omissão de pronúncia: caducidade e litigância de má fé.
f) Admissão de prova documental: processo contraordenacional.
g) Irregularidade/nulidade processual.
***
III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. A recorrente impugna várias decisões proferidas no despacho saneador, suscitando diversas questões no seu recurso e acima elencadas, pelo que se conhecerá pela respetiva ordem de invocação.
1.1. Temas da prova.
A recorrente reclamou do despacho saneador que fixou os temas da prova, pois entendia, e entende, que não pode ser discutida nem decidida nesta ação a questão da cláusula aditada ao contrato de opção de compra do imóvel pelo preço de € 700.000,00, porque não foi requerido pela Recorrida na sua P.I., não consta do seu pedido formulado.
Assim como “não aceita como Tema da Prova o “…apurar a manutenção ou a perda objetiva de interesse na manutenção do contrato.”, pois a Recorrida, em particular no seu articulado 4º, 5º e 6º da P.I. apenas faz referência à existência de uma cláusula no aditamento ao contrato que une as aqui parte, nada peticionando quanto á mesma”.
A reclamação foi indeferida, por despacho de 7/1072020, Ref.ª 117767137, com o seguinte teor:
“Reclamação ao despacho-saneador.
A ré vem reclamar do despacho-saneador por escrito. Não requer a realização de Audiência Prévia, como lhe incumbia atento o ónus imposto pelo artigo 593.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, não se aprecia a reclamação apresentada, devendo a mesma ter-se por não escrita.
No que respeita ao cumprimento do convite, concede-se à parte o prazo de 10 dias para que faça corresponder as questões formuladas aos artigos da alegação levada a efeito”.
Ora, como flui expressamente do n.º 3 do art.º 596.º do CPC, “O despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final”.
Inconformada com essa decisão, pretende agora a recorrente que a mesma seja julgada procedente.
Ora, tratando-se, como se trata, de recurso interposto do despacho saneador, que não decidiu do mérito da causa (nos termos previstos no n.º 3, 2.ª parte, do art.º 595.º do CPC), a questão suscitada não pode ser conhecida no âmbito do presente recurso, mas apenas no recurso que vier a ser interposto da decisão final.
Isso mesmo consta expressamente do n.º3 do art.º 596.º do C. P. Civil, ao estabelecer que “o despacho proferido sobre as reclamações apenas pode ser impugnado no recurso interposto da decisão final.
Deste modo, rejeita-se o seu conhecimento, o que se decide.
1.2. Valor da causa.
A recorrente discorda do valor processual de € 700.000,00, fixado pelo Tribunal a quo, pois considera que o valor da ação não poderá corresponder ao valor acordado pelas partes para a venda do imóvel, negócio que não se discute nos autos, sendo violado o n. º 1, do art.º 301.º, do C.P.C.
No despacho saneador, a propósito do valor da causa, exarou-se o seguinte:
“A autora pede seja declarado resolvido o contrato de cessão de exploração celebrado entre as partes e seja a ré condenada à reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento antes das obras.
Além da realização das obras, invoca a existência de erro na declaração, designadamente, no que respeita à cláusula de opção de compra inserida no contrato, através da qual a cedente declara que a cessionária pode, em qualquer altura da vigência do contrato, adquirir o prédio pelo preço de € 700.000,00. As partes estipularam, ainda, que o valor das rendas seria de € 51.000,00, o qual, em caso de exercício de opção de compra, seria “abatido ao preço”.
Nos termos do disposto no artigo 301.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.
Atento o exposto, ao abrigo do citado preceito e do artigo 306.º, do mesmo diploma legal, este Tribunal fixa à ação o valor de € 700.000,00.
As partes devem ser notificadas para procederem ao pagamento do remanescente da taxa de justiça”.
Ora, como flui expressamente do art.º 296.º/1 e 2 do C. P. Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e a fixação do valor da taxa de justiça inicial (art.º 11.º do R. Custas Processuais).
E resulta do art.º 629.º/1 do CPC que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha um valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
A lei processual fixa os critérios a observar na determinação desse valor, nomeadamente no n.º1 do art.º 301.º, do CPC, cuja redação é a seguinte: “Quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”.
E cabe ao juiz, nos termos do n.º 1 do art.º 306.º, fixar o valor da causa, sem prejuízo do valor que as partes devem indicar, mas não está vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites pelas partes.
Ora, no caso concreto, a Autora/recorrida veio pedir a resolução do contrato de cessação de exploração de estabelecimento que celebrou com a Ré/recorrente, com a consequente condenação desta na reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento/imóvel antes das obras ilegais não autorizadas.
E como causa de pedir invocou ter celebrado, com a Ré, um contrato de cessão de exploração do estabelecimento, pelo período de 5 anos, sujeito a renovações, que esta não cumpriu, por ter procedido, sem a sua autorização, em meados de Janeiro de 2018, à realização de obras que não estavam isentas do controlo prévio, necessitando de licenciamento pela Câmara Municipal de Albufeira, que não existiu, e que deu origem a processo contraordenacional, obras que colocam em perigo a segurança e estabilidade do prédio.
Fundamentou a resolução do contrato na realização, pelo locatário, de obras no interior do locado não autorizadas pelo senhorio, nos termos do n.º 2 do art.º 1083.º do Código Civil.
E indicou o valor da ação em €51.000,00 (cinquenta e um mil euros), esclarecendo que esse valor foi atribuído “atendendo ao artigo 301.º do CPC e ao valor do contrato celebrado pelas partes e que se pretende resolver com a procedência dos presentes autos”.
A Ré contestou e aceitou este valor processual.
Assim, é fácil de concluir que não está em causa a aquisição do imóvel, pela Ré, pelo valor de €700.000,00, mas de simples resolução do contrato de cessão de exploração.
E como decorre da cláusula 3.ª do aludido contrato junto aos autos com a petição inicial, foi acordado pelas partes o pagamento da Ré à Autora a quantia mensal de €1.000,00 (mil euros) com IVA incluído.
E no aditamento ao contrato, celebrado em 22/12/2014, junto com a p.i., foi consignado na cláusula segunda que “Como contrapartida da extensão do prazo do contrato de cessão de exploração comercial, a Segunda Outorgante paga nesta data a quantia de € 51 000,00 (cinquenta uns mil euros) com IVA incluído, sendo certo que dos referidos € 51 000,00 (cinquenta e um mil euros), dez mil já se encontram na posse da Primeira Outorgante”.
E mais acordaram que “no período compreendido entre 19 de fevereiro de 2019 e 18 de fevereiro de 2024, a contraprestação mensal a pagar pela cessionária à cedente será de € 4 000,00 euros mensais, com IVA incluído, e que o valor agora pago, ou seja € 51 000,00 (cinquenta e um mil euros), tem a natureza de adiantamento das contraprestações contabilizadas de outubro de 2014 até dezembro de 2018”.
Assim, aceitando as partes o valor processual de € 51.000,00, correspondente ao valor pago pela contrapartida da extensão do prazo de duração do contrato e relativo ao adiantamento das rendas a suportar pela Ré, e tendo em conta o pedido, a causa de pedir e o disposto no art.º 301.º/1 do CPC, é de manter este valor, por corresponder ao valor do negócio jurídico celebrado entre as partes e cuja resolução se pretende.
Procede, pois, nesta parte, a apelação, fixando-se o valor da ação em €51.000,00.
1.3. Ineptidão da petição inicial.
Diz a recorrente que se mostra violada a alínea a) do nº 2 do art.º 186º do C.P.C. uma vez que a P.I. é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, sendo que no caso presente a causa de pedir é ininteligível ou em falta, exceção dilatória que deverá conduzir à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição da Recorrente da instância.
A decisão recorrida pronunciou-se nestes termos:
A autora pede seja declarado resolvido o contrato de cessão de exploração e que a ré seja condenada a rer o estabelecimento no estado em que se encontrava antes de realizar as obras.
Na alegação levada a efeito, inclui na causa de pedir, além da realização de obras não autorizadas que alteraram a estrutura do prédio e colocam em crise a sua segurança, a inclusão de cláusula contratual não querida por si e que respeita à opção de compra por vontade unilateral da ré (de acordo com a alegação levada a efeito pela ré, ter-lhe-á, inclusivamente, sido passada e entregue procuração com poderes para o efeito, procuração esta que não é objeto de nenhuma referência na petição inicial). Refere, ainda, que o contrato “carece de forma legal e legitimidade”, não factualizando, porém, esta questão e, de resto, nem a respetiva á falta de vontade relativamente à inclusão da referida cláusula. Pretenderá invocar o erro na formação da vontade, a que se refere o artigo 252º do Código Civil? Na verdade, a alegação em relação a estas duas matérias é genérica, não cumprido dirigir convite ao aperfeiçoamento, uma vez que nenhuma consequência se retira, em termos do que é pedido, da mesma.
A causa de pedir que serve ao pedido encontra-se factualizada e é esta que é individualizada pela autora e será considerada por este Tribunal, atento o exposto.
Nos termos do disposto no artigo 186º do Código de Processo Civil, a petição inicial diz-se inepta:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
No caso concreto, pelos fundamentos expostos, não se verifica nenhuma das situações elencadas, pelo que os autos prosseguirão para conhecimento”.
O assim decidido não merece censura.
Na verdade, na petição inicial o autor tem de “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” – alínea d), do n.º1, do art.º 552.º do C. P. Civil.
A causa de pedir, como decorre da definição legal constante do art.º 581.º/4 do C. P. Civil, traduz-se no facto jurídico concreto em que se baseia a pretensão deduzida em juízo, isto é, o facto jurídico concreto de que emerge o direito em que o autor funda o pedido (Acs. STJ de 20/01/1994, BMJ 433.º-495 e de 25/09/2012, Proc. n.º 3371/07.4TBVLG.P1.S1, www.dgsi.pt), ou como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, pág. 245, “A causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”.
Idêntico entendimento partilha o Prof.º Lebre de Freitas, “Ação Declarativa Comum, Á Luz do C. P. Civil de 2013”, pág. 41, para quem a causa de pedir “corresponde ao núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido”.
E é delimitada pelos factos jurídicos dos quais procede a pretensão que o autor formula, cumprindo a este a alegação desses factos (cf. Prof.º Remédio Marques, “Ação Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 226/227).
De acordo com o disposto no art.º 186.º/1 do C. P. Civil é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, considerando-se esta inepta “Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir – alínea a) do seu n.º 2.
Sendo também inepta a petição “quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir” – alínea b) da citada disposição legal.
Todavia, a nulidade decorrente da falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir será sanável, porque a arguição não é julgada procedente, quando, o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão, e ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial – n.º 3 do art.º 186.º
Como realça o Prof.º Lebre de Freitas, ob. cit., pág. 49, “A nulidade do processo por ineptidão inicial é sanável quando, resultando da ininteligibilidade (ou, mais dificilmente da falta) do pedido ou da causa de pedir, o réu conteste, ainda que arguindo a ineptidão, e se verifique, após audição do autor, que interpretou convenientemente a petição inicial”.
Já ensinava Alberto dos Reis, Comentários ao CPC, Vol. 2.º, 371: “Podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser inteiramente omissa quanto ao ato ou facto de que o pedido procede; b) expor o ato ou facto, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou ininteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir”.
No que respeita à ineptidão da petição inicial, com base na falta de causa de pedir, também a jurisprudência tem seguido o entendimento de que “há ineptidão da petição por falta de causa de pedir “quando a omissão se traduza em falta do núcleo essencial da causa de pedir ou de defesa por exceção” – cf. Acórdão do STJ de 21/11/2006 (Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 26/09/2013 (Lopes do Rego), disponível em www.dgsi.pt., “ A nulidade principal de ineptidão da petição inicial implica a inexistência ou ininteligibilidade de elementos essenciais para a definição do objeto do processo ( formulação inteligível do pedido e invocação de um núcleo fáctico essencial da causa de pedir) – não podendo, na aplicação prática do instituto, confundir-se tal inexistência, inidoneidade ou ininteligibilidade do objeto da causa com a simples inconsistência ou inconcludência da fundamentação jurídico normativa da ação proposta, determinante, quando muito, da improcedência desta”.
Portanto, a falta de causa de pedir consiste numa omissão de factos essenciais, podendo essa omissão ser total ou funcional.
A omissão total corresponde “à falta absoluta de indicação de factos da causa de pedir” – cf. Acórdãos do STJ de 2/7/1991 (Simões Ventura) e de 12/1/1995 (Araújo Ribeiro).
A omissão será funcional quando “o autor se limita a indicar vagamente” factos (cf. Acórdão do T. Rel. do Porto, de 29/11/2006 (Ataíde das Neves), em que não se está perante uma completa falta de factos que consubstanciam a causa de pedir, mas ocorre uma “grave insuficiência de alegação da matéria de facto que se traduza na falta de indicação da causa de pedir” - cf. Acórdão do STJ, de 6/7/2004 (Araújo Barros).
Ora, no caso concreto, a Autora tinha de alegar sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão, isto é, os factos de que afirma derivar o seu direito de resolução do contrato de cessão de exploração comercial celebrado com a ré.
E a verdade é que a Autora alega ter celebrado o contrato de cessão de exploração de estabelecimento com a ré e esta, durante a execução do contrato, realizou obras não autorizadas que colocam em perigo a estrutura do edifício, colocando em causa a sua segurança, razão pela qual considera ter havido incumprimento que justifica a sua resolução, o que peticiona. E juntou cópia desse contrato, vindo posteriormente concretizar essas obras - perfuração da laje de ensoleiramento que se encontra na base do prédio, existente na zona do balcão, cortando a malha de ferro que dela faz parte integrante, e que a perfuração efetuada tem cerca de 1.50m de profundidade e careciam de controlo prévio, necessitando de licenciamento por parte do Município.
Assim, não se pode afirmar que falte ou seja ininteligível o pedido ou causa de pedir, antes se afigurando bastante percetível, ou seja, a Autora pede a condenação da Ré a ver resolvido o contrato de cessação de exploração celebrado pelas partes, com fundamento na realização de obras não autorizadas, que colocam em perigo a segurança do edifício, e a condenação da Ré na reposição da situação em que se encontrava o estabelecimento antes das obras ilegais e não autorizadas.
Tanto assim é que a Ré, ora recorrente, compreendeu e interpretou cabalmente a petição inicial, como se pode ver da sua contestação, exercendo plenamente o contraditório quanto ao alegado na petição inicial, razão suficiente para julgar improcedente essa exceção (n.º3 do art.º 186.º).
Questão diversa é saber se a petição encerra deficiências quanto à exposição da matéria de facto, o que nos remete para improcedência da ação.
Improcede, pois, a invocada nulidade por ineptidão da petição inicial.
1.4. Omissão do objeto do litigio/nulidade.
Diz a recorrente que o saneador é totalmente omisso quanto ao objeto do litígio, violando o n.º 1 do art.º 596º do C.P.C., o que gera a nulidade do despacho saneador.
Ora, por despacho de 9 de outubro de 2020, constatando esse manifesto lapso, procedeu-se à sua retificação, fixando-se o seguinte: “Objeto do litigio: Obras não autorizadas, ilegais e que comprometem a estrutura do prédio arrendado, levadas a efeito pelo arrendatário, causa de pedir do pedido de reposição do estado anterior do prédio e de resolução do contrato de arrendamento”.
Assim, mostra-se sanda qualquer eventual irregularidade processual, nos termos do art.º 195.º/1 e 199.º/2 do C. P. Civil.
Improcede este fundamento.
1.5. Nulidade por omissão de pronúncia: caducidade e litigância de má fé.
Sustenta a recorrente que, em sede de contestação, invocou a exceção de caducidade do direito que a ora Recorrida pretende exercer, a qual não se encontra apreciada e/ou decidida em sede de despacho saneador, em violação do disposto no art.º 595.º do C.P.C., o que “gera a nulidade do mesmo despacho saneador, que se invoca nos termos e para os efeitos legais e que aqui se requer seja declarada”.
Assim como pediu a condenação da Autora como litigante de má fé, mas o despacho saneador não apreciou essa questão, “cuja nulidade se invoca, com as legais consequências”.
Ora, como flui expressamente do n.º 4 do art.º 595.º, do C. P. Civil, não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.
As invocadas questões terão de ser apreciadas e decididas na sentença de mérito a proferir, sob pena de nulidade da sentença, nos termos dos art.ºs 608.º/2 e 615.º/1, al. d), do C. P. Civil.
Portanto, a recorrente só poderá invocar essa nulidade por omissão de pronúncia aquando da interposição do recurso da decisão final de mérito, pois que o juiz não está obrigado a pronunciar-se sobre as questões invocadas no despacho saneador, desde que não disponha dos elementos necessários para o efeito.
Improcede, pois, as invocadas nulidades do despacho saneador.
1.6. Admissão de prova documental: processo contraordenacional.
A recorrente discorda do despacho saneador na parte em que se pronunciou favoravelmente sobre o requerimento de prova apresentado pela Recorrida, desde logo em sede de P.I., ao decidir: “Por não se revelar impertinente para a boa decisão da causa, este Tribunal defere a requerida junção ao processo contraordenacional a que faz referência a fls. 6 verso – artigo 432º do Código de Processo Civil.”
A recorrente considera que a recorrida “não cumpriu com o disposto no art.º 429º do C.P.C., ou seja, a Recorrida não identifica quais os factos que com tal documento pretendia provar”.
Como é consabido, os meios de prova visam trazer para o processo a realidade externa dos factos que geraram o litígio. A finalidade da prova processual é a formação da convicção do julgador quanto à existência dos factos em discussão, no caso dos factos essenciais ou factos instrumentais alegados pela autora/recorrida.
Ora, esse elemento de prova foi requerido na petição inicial, logo foi tempestivamente apresentado.
Com efeito, a recorrida, na parte final da sua petição inicial e relativa á prova documental consignou o seguinte:
Requer-se a V. Exa., nos termos do artigo 432.º do CPC, que seja notificado o Município de Albufeira, para proceder à junção do processo contraordenacional, que corre contra o imóvel identificado no artigo 1.º da P.I, por consequência das obras ilegalmente efetuadas pela Ré.
E decorre do alegado nos seus artigos 9.º e 10.º, que a Ré, “em meados de janeiro de 2018, procedeu à realização de obras não autorizadas e que, nos termos da Lei, não estavam isentas do controlo prévio, necessitando de licenciamento pela Câmara Municipal de Albufeira, que não existiu e que deu origem a processo contraordenacional cuja responsabilidade é da Ré”.
E em petição aperfeiçoada concretizou as obras que invoca.
Assim, é fácil de compreender que o processo contraordenacional, cuja junção solicitou, está relacionado com essas obras.
Donde, pretende a Autora demonstrar a existência dessas obras, sua ilegalidade e respetivo processo de contraordenação lhe foi instaurado.
Daí a pertinência desse documento e sua relevância para a decisão de mérito.
Nesse sentido, a decisão proferida não merece censura.
Improcede o invocado fundamento.
1.7. Irregularidade/nulidade processual.
Finalmente, a recorrente não aceita que no despacho saneador conste o seguinte:
“Notifique as partes – artigo 593º, nº 3 do Código de Processo Civil.
Podem, igualmente, alterar o requerimento probatório, em 10 dias”.
Entende que as partes deveriam ter sido notificadas nos termos do nº 2 do art.º 596º do C.P.C., o que se mostra violado.
Assim como não podiam ser notificadas para alterar o requerimento probatório, em 10 dias, querendo, por ausência de suporte legal.
Justifica este entendimento porque as partes foram notificadas e nenhuma veio requerer a realização de audiência prévia, sendo que essa alteração, como se prescreve no art.º 598.º/1 do CPC, só pode ser apresentada na audiência prévia, pois proferido que foi despacho dispensando a audiência prévia já não é admissível a alteração do requerimento probatório.
Por isso, adianta a recorrente, é destituída de qualquer fundamentação, quer de facto quer de direito, a possibilidade dada agora às partes de alterarem o seu requerimento probatório, por violação do disposto no por violação do disposto no nº 1 do artº 205º da Constituição da República Portuguesa e nº 1 do art.º 598.º do C.P.C.
Repare-se que a recorrente não invoca, nem coloca em causa, a apresentação extemporânea de qualquer alteração do requerimento probatório e consequente decisão que a admita ou rejeite.
Donde, inexiste qualquer decisão passível de recurso.
Na verdade, o despacho em causa, nessa parte, não se pronuncia sobre qualquer alteração do requerimento probatório e muito menos indefere ou admite qualquer alteração, antes se limita a ordenar a notificação das partes nos termos mencionados.
Não se pronuncia, pois, o tribunal, sobre qualquer questão.
Destarte, a decisão recorrida, no segmento discordante, não admite, nem rejeita, qualquer meio de prova ou alteração do requerimento probatório, como se exige na alínea d) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC, de modo a permitir o recurso autónomo.
Portanto, o recurso não tem por objeto decisão interlocutória que admita recurso autónomo.
Na realidade, o despacho em causa não tem qualquer conteúdo decisório, sendo, por isso, de mero expediente.
E como é sabido, e consabido, o meio recursório visa reapreciar decisões judiciais concretas - as decisões judiciais impugnadas por meio do recurso, reconduzidas a sentenças ou despachos específicos, de conteúdo concreto, e não formas de atuação ou de condução do processo, como no caso concreto, por se inserir no âmbito da condução do processo como conjunto de atos.
Na definição de Alberto dos Reis (C.P.C. Anotado, vol. V, 240), despachos de mero expediente são “aqueles que se destinam a regular, de harmonia com a lei, os termos do processo, e que assim não são suscetíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”. São os que “dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes”. E a página 249 refere que são despachos que não podem “pela sua própria natureza…ofender direitos processuais das partes ou de terceiros. Ou se trata de despachos banais, que não põem em causa interesses das partes, dignos de proteção, ou se trata de despachos que exprimem o exercício do livre poder jurisdicional.”
Diz-se sentença o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente estrutura de uma causa – art.º 152.º/2 do C. P. Civil.
Os despachos de mero expediente destinam-se a promover o andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes (art.º 152.º/4 do C. P. Civil) – Conselheiro Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Processo civil.
Consequentemente, o despacho saneador, nessa parte, tem de ser considerado como de mero expediente, uma vez que se limita a ordenar a notificação das partes nos termos apontados, dele não resultando qualquer ofensa ao direito processual da recorrente ou de terceiro, em particular a rejeição ou admissão de qualquer meio de prova indicado em momento processual oportuno ou inoportuno.
E ainda que se considerasse indevida tal notificação, tratar-se-ia de eventual irregularidade processual, sujeita ao regime do art.º 195.º e 199.º do C. P. Civil, devendo ser arguida no prazo legal de 10 dias após o seu conhecimento, que teve lugar com a notificação do despacho saneador (parte final do n.º1 do art.º 199.º), ou seja, a recorrente deveria tê-la invocado no prazo legal de 10 dias, perante o tribunal recorrido (salvo no caso previsto no n.º3 do art.º 199.º, que não se verifica), sob pena de se considerar sanada, como é manifestamente o caso, já que apenas foi suscitada em sede de recurso e após o referido prazo legal de 10 dias.
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, pág. 739, advertem que “não pode confundir-se a nulidade da sentença com a nulidade de processo prevista no art.º 195.º, ainda que esta acarrete, nos termos do n.º2, desse artigo, a nulidade da sentença. A arguição da nulidade processual faz-se na própria instância em que é cometida (sem prejuízo do disposto no art.º 199.º-3) e no prazo geral do art.º 149.º/1”.
Com efeito, é consabido que a verificação da omissão de uma formalidade de cumprimento obrigatório, ou a prática de ato que a lei não admita, bem como a omissão de qualquer formalidade, tal como a da generalidade das nulidades processuais deve ser objeto de arguição perante o tribunal onde é cometida, reservando-se o recurso para o despacho que sobre a mesma incidir – cf. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit. pág. 739.
Decorrentemente, improcede igualmente este fundamento.
Resumindo, procede parcialmente a apelação no que respeita à fixação do valor da ação.
Vencidos parcialmente no recurso, suportarão apelante e apelada nas custas respetivas, na proporção de 70% e 30% respetivamente – art.º 527.º/1 e 2 do CPC.
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IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, fixando o valor da causa em €51.000,00, mantendo no mais a decisão recorrida.
Custas da apelação pela apelante e apelada na proporção de 70% e 30% respetivamente.
Évora, 25 de março de 2021
Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes Desembargadores:
Tomé Ramião (Relator)
Francisco Xavier (1.º Adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2.º Adjunto)