Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
263/09.6TBCUB.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: REMIÇÃO
NOTIFICAÇÃO PRÉVIA
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O titular do direito de remição não tem de ser previamente notificado pessoalmente para exercer o respectivo direito, pois o legislador parte do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda e ser suficiente esse meio de conhecimento.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 263/09.6TBCUB.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Genérica de Cuba – J1
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente acção executiva proposta por “Banco Comercial Português, SA” contra (…) e (…), os executados e (…), (na qualidade de remidor) não se conformaram com a decisão que incidiu sobre a nulidade arguida de falta de notificação, indeferindo ainda o pedido de exercício do direito de remição por intempestividade.
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A questão colocada à Primeira Instância visava apurar da tempestividade do exercício direito de remição por parte de (…) relativamente ao prédio urbano sito na Rua (…), nº 4, freguesia de Vila Alva, concelho de Cuba, descrito no registo predial sob o n.º (…) da freguesia de Vila Alva e inscrito na matriz sob o artigo (…) e correlativamente da nulidade de falta de notificação arguida por parte do “remidor” e por parte dos executados.
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Na sua parte essencial a decisão recorrida estriba-se na seguinte argumentação «verifica-se que foram remetidas missivas para o executado a dar-lhe conhecimento da existência da proposta do Exequente e para querendo apresentar proposta superior, sob pena do bem imóvel ser adjudicado ao Exequente. É certo que não resulta qualquer outra notificação posterior, mormente quanto à decisão de adjudicação em si e à comunicação de data, local e hora de realização de escritura pública ou do acto de adjudicação.
A questão decidenda circunscreve-se, pois, nos seus termos à seguinte formulação: após a primitiva notificação da existência de uma proposta, convidando-se a parte processual para no prazo de dez apresentar proposta superior, sob pena de o imóvel ser adjudicado ao proponente, na ausência de resposta (correlativa omissão) impõe-se a notificação ao interveniente processual da decisão de adjudicação e do correlativo acto (compra e venda)?»
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Inconformados com tal decisão, os recorrentes apresentaram recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«I – As questões decidendas são pelo menos duas, a saber:
A) A de saber se os executados foram, ou não, efectivamente notificados pela encarregada de venda da existência de uma proposta (sob pena de o imóvel ser adjudicado ao proponente, na ausência de resposta);
B) Em caso afirmativo (i.e., caso se tenha verificado tal notificação), após a notificação da existência de uma proposta, na ausência de tomada de posição dos executados, impõe-se a notificação aos executados da aceitação da mesma?
II – A missiva enviada pela encarregada de venda em 20/12/2017 (a dar conhecimento da existência de uma proposta e a conceder prazo ao destinatário para se pronunciar, sob pena de aceitação da dita proposta) foi dirigida apenas ao executado (…).
III – Ora, sem prescindir da posição já assumida nos autos de que não se trata de uma verdadeira notificação, a sê-lo sempre seria apenas quanto ao executado (…) e não quanto à executada (…).
IV – De qualquer forma, não se trata de uma notificação (nem mesmo do executado …). Com efeito, a Lei é clara: “As notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais” (artigo 247º, nº 1, CPC), imposição legal que não foi cumprida.
V – Relativamente às pretensas notificações feitas pela encarregada de venda ao mandatário dos executados, alegadamente por email, deve ter-se presente que:
A) O mandatário dos executados desconhece se tais emails foram, ou não enviados, sendo certo que não foram recebidos por aquele;
B) Sem prescindir, nunca tais alegados emails poderiam ser considerados como notificação aos executados (ou ao seu mandatário); com efeito, as notificações aos mandatários das partes são feitas por via electrónica (plataforma Citius – cfr. artigos 248º e 132º, nº 1,ambos do CPC) o que não foi o caso; e no que concerne aos intervenientes acidentais (como é o caso do encarregado de venda), a modalidade de notificação legalmente prevista é a carta registada (artigo 251º, nº 1, CPC), o que também não foi o meio usado; as partes não são notificadas por email …
VI – A alegada “realidade material subjacente” (que se supõe ser a alegada certeza de notificação dos executados) não está minimamente demonstrada.
VII – Na verdade, não está demonstrado que a executada (…) tenha recebido qualquer missiva da encarregada de venda.
VIII – Igualmente não está demonstrado que o mandatário dos executados tenha recebido quaisquer emails da encarregada de venda. Tal alegada recepção foi expressamente negada, o que fez transpor para a encarregada de venda ónus de demonstrar que tais alegados emails foram enviados e efectivamente recebidos. O alegado uso do endereço de email profissional do mandatário não permite concluir pelo preenchimento de tal ónus.
IX – Sem prescindir, não pode o Tribunal a quo pura e simplesmente relegar para segundo plano – retirando relevância – ao formalismo que, na pendência de um processo judicial, as notificações devem respeitar.
Mormente as que se reportam a actos com manifesta influência no destino do processo, como sejam os de venda de bens imóveis penhorados (in casu, bem imóvel que, ademais, é a habitação dos executados).
X – Concluir que os preceitos contidos nos citados artigos 247º, 248º e 132º, nº 1, todos do CPC, devem ser entendidos como derrogados pela “realidade material subjacente” é manifestamente inconstitucional, inconstitucionalidade que expressamente se invoca.
XI – Com efeito, o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efective – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz – através de um processo equitativo (n.º 4); à luz deste princípio, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador, pese embora a margem de liberdade de que dispõe, autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.
XII – Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de "deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e outras" (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, p. 364, citado no Acórdão n.º 510/2015).
XIII – As regras do contraditório e da proibição da indefesa que lhe vai associada assumem relevo muito particular a propósito da disciplina das notificações "lato sensu", por serem os actos processuais destinados a facultar às partes o conhecimento da existência ou do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem o seu direito de defesa, face às pretensões da parte contrária, ou de exercerem os demais direitos de intervenção processual (cfr. Lopes do Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 837).
XIV – A certeza da recepção da comunicação (rectius, notificação), do seu conteúdo e do momento exacto de tal recepção são imperativos de Direito que não podem ser afastados. E mesmo quando a Lei, nesta matéria, abdica de certezas ‘absolutas’, cria regras de presunção, claras e transparentes que todos podem conhecer.
XV – As regras adjectivas impostas na Lei para a prática de actos processuais, mormente das notificações, destinam-se a fazer respeitar estes direitos possuidores de dignidade constitucional.
XVI – Não podem tais formalidades ser derrogadas em nome de uma apelidada “realidade material subjacente” (que, aliás, nem se provou existir nos moldes assumidos no Despacho recorrido).
XVII – Mesmo supondo – o que não se admite, mas apenas se refere como mera hipótese para efeitos de raciocínio – que os alegados emails da encarregada de venda teriam sido recebidos pelo mandatário dos executados, há que notar que:
A) O teor de tais alegados emails não contém a referência a nenhum prazo para os executados de pronunciarem;
B) Ali também não se faz qualquer referência a uma cominação em caso de falta de ‘informação’ dos executados sobre a proposta de compra.
XVIII – A ser assim – como, efectivamente, é – impunha-se à encarregada de venda informar que, não tendo logrado obter outras propostas, decidira proceder à venda ao proponente em causa.
XIX – Tal decisão (de aceitar a proposta), como resulta dos autos, nunca foi comunicada ao mandatário dos executados (nem mesmo na versão – que se impugna – do alegado envio dos já mencionados emails.
XX – O “encarregado de venda recebe um mandato (artigo 905º, nº 1, do CPC): a efectivação da venda dos bens penhorados, por negociação particular, diligenciando por encontrar um proponente comprador que ofereça o maior valor possível pelos bens” (o negrito é nosso) – cfr. Pereira, Joel Timóteo Ramos, Prontuário de Formulários e Trâmites, volume IV, Processo Executivo, Quid Juris, Lisboa, 2004, pp. 1043 e 1044.
XXI – O facto de a encarregada de venda ser conhecedora de uma proposta, não implica necessariamente que a aceite, tendo em vista o mandato que recebeu e a obrigação inerente de encontrar um proponente comprador que ofereça o maior valor possível pelos bens.
XXII – Não tendo encontrado – como aparentemente terá sido o caso – impunha-se que comunicasse isso mesmo aos executados (rectius, ao mandatário destes), o que não fez.
XXIII – Conclui-se, pois, que o direito de remição foi exercido tempestivamente.
XXIV – O Douto Despacho recorrido violou o disposto nos artigos 132º, nº 1, 195º, 247º, 248º, todos do CPC, bem como o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
XXV – Deve, pois, ser revogado e substituído por outro que considere procedente a nulidade invocada pelos executados e que julgue tempestivamente exercido o direito de remição, com as legais consequências.
Assim farão Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a verdadeira e costumada Justiça!».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de:
i) nulidades processuais e do impedimento do exercício do direito de remir.
ii) violação das regras do contraditório e da proibição da indefesa contidos no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
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III – Dos factos com interesse para a causa:
1. Por despacho proferido em 19/09/2017 foi determinado que a venda prosseguisse os seus termos em ordem e em função da requerida redução do valor do prédio urbano sito na Rua (…), nº 4, freguesia de Vila Alva, concelho de Cuba, descrito no registo predial sob o n.º (…) da freguesia de Vila Alva e inscrito na matriz sob o art.º (…) e proposta efectuada pelo Exequente.
2. Em 20/12/2017, a Encarregado de Venda remeteu missiva para o executado, (…), com, entre outras, as seguintes menções: “(…) Unipessoal, Lda., encarregada de venda, melhor identificada no processo supra mencionado. Vem notificar V/exa da proposta apresentada pelo Exequente – Banco Comercial Português, no valor de € 24.700,00 (…) relativa à aquisição do Prédio urbano, sito na Rua (…), n.º 4, freguesia de Vila Alva, concelho de cuba, descrito no Registro Predial sob o n.º (…) freguesia de Vila Alva e inscrito na matriz sob o artº (…). Face ao exposto, notificamos V. Exª para no prazo de 10 (…) dias contados a partir da data da receção da presente notificação querendo, apresentar proposta de valor mais elevado sob pena do imóvel ser adjudicado ao proponente. 3. Em 20/12/2017 a Encarregada de Venda remeteu e-mail para o ilustre mandatário do executado (…), com, entre outras, as seguintes menções “(…) vem notificar V/Exa, na qualidade de mandatário dos executados da notificação da proposta de compra apresentada por o exequente. Remeto a V.ª Exa. a notificação que ora se anexa, solicitando que nos informe o que tiver por conveniente”.
4. Em 27/12/2017, o ilustre mandatário do executado (…), remeteu missiva ao Encarregado de venda com, entre outras, as seguintes menções: “(…) 1. Transmitiu-se o m/constituinte (…) que V. Exªs lhe endereçaram uma missiva relacionada com o processo acima identificado, no qual a v/empresa foi nomeada encarregada de venda do imóvel ali penhorado. 2. Ora, dispõe o artigo 247º, nº 1, do Código de Processo Civil que as “notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais”. 3. Assim, a notificação que V. Exª terão pretendido fazer ao m/constituinte é ilegal e destituída de qualquer valor jurídico (…)”.
5. Em 02/01/2018, a Encarregada de Venda remeteu e-mail para o ilustre mandatário do executado (…), com, entre outras, as seguintes menções “(...) Acusamos o envio da vossa missiva datada de 27 de Dezembro de 2017, que anexamos. Mais reiteramos o nosso email enviado a V. Ex.ª a 20 de Dezembro de 2017, solicitando que na qualidade de mandatário dos executados se prenuncia-se quanto à proposta de compra”.
6. Em 28/02/2018, a Encarregada de Venda procedeu à adjudicação do prédio supra referido ao Exequente/proponente pelo montante de € 24.700,00.
7. Em 05/03/2018, o Agente de Execução proceder à notificação dos executados nos seguintes termos (…) no prazo de 10 dias, deverá: Proceder à entrega ao Agente de execução do(s) imóvel(eis) em venda nos presentes autos e adjudicado(s), livre de pessoas e bens. Informo que tal entrega deverá ser feita no prazo de 10 dias, podendo ser efectuada mediante o envio de carta com as chaves do imóvel e a indicação da entrega. Caso não proceda à entrega voluntária poderá o Adjudicante requerer a entrega coerciva do imóvel nos presentes autos, nos termos do disposto nos artigos 828.º e 861.º do Código de Processo Civil.
8. Em 27/03/2018, o Agente de Execução procedeu à notificação de (…), nos seguintes termos: “o direito de remição por este requerido já não se encontra em prazo de ser exercido, de acordo com o estipulado no nº 1, al. b) do artº 843º do Código da Processo Civil, porquanto o bem imóvel foi adjudicado ao Exequente Banco Comercial Português e a venda titulada por Documento Particular Autenticado no dia 28/02/2018.
9. (…) é filho de (…) e de (…).
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IV – Fundamentação:
As notificações são os actos processuais destinados a facultar às partes o conhecimento da existência ou do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem o seu direito de defesa, face às pretensões da parte contrária, ou de exercerem os demais direitos de intervenção processual. As notificações apresentam-se assim processualmente como uma garantia prática do correcto funcionamento das regras do contraditório e da proibição da indefesa.
Neste enquadramento, o Tribunal da Relação de Évora deve assim ser apreciar os fundamentos associados à preterição dessa eventual necessidade de contradição e das respectivas interligações com o direito de remição.
Existem dois momentos temporalmente distintos e perfeitamente distinguíveis no processamento da causa: um que está relacionado com os antecedentes históricos à venda realizada e outro atinente ao exercício do direito de remição.
Neste particular, ocorre uma concordância absoluta entre a doutrina[1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10]e a jurisprudência[11] [12] [13] [14] [15] sobre a natureza e os objectivos do direito de remição. Este direito encontra a sua origem na ideia de protecção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência.
Isto não significa que o direito da remissão se confunda com o direito de preferência mas os seus efeitos práticos são tendencialmente idênticos, o que leva a que dogmaticamente se qualifique o direito de remição como um “direito de preferência qualificado”[16] ou um “direito de preferência reforçado”.
Os recorrentes pugnam que a notificação efectuada na pessoa do advogado é nula, pois a mesma deveria ter sido realizada através de carta registada com aviso de recepção. Porém, este entendimento não se conjuga com as regras processuais do processo executivo que, nos nºs 1 e 3 do artigo 712º[17] do Código de Processo Civil, prescrevem claramente que a tramitação é efectuada electronicamente, nos termos do disposto no artigo 132º[18] e das disposições regulamentares em vigor[19].
Deste modo, mesmo que não tenha consultado os elementos enviados pelo agente de execução, ao abrigo da presunção legalmente estabelecida e dos ónus associados à mesma no artigo 248º[20] do Código de Processo Civil, a notificação efectuada é válida e de pleno efeito.
Em adição, os executados referem que a notificação foi dirigida a apenas um dos executados. Porém, uma vez que ambos se encontravam representados por advogado, mesmo que se entendesse que tal configurava uma nulidade, com a notificação ao mandatário ficou sanada a referida omissão, por força da disciplina impressa no nº 1 do artigo 199º[21] da lei adjectiva.
Resta assim apreciar a necessidade de notificação do interessado na remissão. Neste campo é particularmente impressivo um aresto do Supremo Tribunal de Justiça que assevera que «do estatuto processual do interessado na remição, como terceiro relativamente à execução, decorre que não tem o mesmo de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei que o executado – ele sim notificado nos termos gerais – lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito.
Sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele encabeçado – e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou o legislador dispensar a normal tramitação da execução da averiguação da possível existência de familiares próximos do executado, bem como de diligências tendentes à sua localização e notificação pessoal para efeitos de exercício de tal direito»[22]. Esta jurisprudência é aceite de forma indiscutível no espaço jurídico interno[23] [24].
O remidor não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa. E na sua primeira parte o despacho recorrido está devidamente fundamentado, é portador de elevada densidade axiológica-normativa e encontra-se bem estruturado formal e substantivamente. E, desse modo, na questão das notificações referidas nos pontos 2 a 5 dos factos provados a decisão da Primeira Instância não merece qualquer reparo.
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Ultrapassado este momento, aquilo que se pergunta agora é se após a primitiva notificação da existência de uma proposta, convidando-se a parte processual para no prazo de dez apresentar proposta superior, sob pena de o imóvel ser adjudicado ao proponente, na ausência de resposta (correlativa omissão) se se impõe a notificação da decisão de adjudicação e do correlativo acto (compra e venda)?
Na hipótese em apreço de venda de imóvel por negociação particular, há a considerar, como termos finais para o exercício do falado direito, dois momentos: o da assinatura do título que a documenta (a escritura pública, por se tratar de um imóvel) e o prévio despacho de adjudicação do bem, tal como ressalta do disposto nos artigos 832º e 833º, com referência ao artigo 827º[25] do Código de Processo Civil.
Com efeito, para que o direito de remição seja exercido e possa ser considerado pelo agente de execução, a venda tem de estar determinada, no sentido de que o agente de execução já tomou a decisão de aceitar a proposta mais alta oferecida, pois é sobre essa proposta concreta que o direito de remição terá de ser exercido. Assim, para que o titular do direito de remição o possa exercer e o mesmo possa ser aceite pelo agente de execução é necessário estarmos perante uma proposta concreta de aquisição feita por um terceiro, e que já foi aceite por aquele[26].
É indiscutível que, no caso da venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, face aos termos literais consagrados no artigo 843º[27] do Código de Processo Civil[28]. No entanto, tudo pressupõe que as regras adjectivas tenham sido correctamente aplicadas, a fim de garantir um processo justo e equitativo.
Neste horizonte interpretativo, apesar da previsão legal não exigir a notificação pessoal do remidor, o direito de remição apenas caduca com o decurso do prazo em que tem de ser exercido e o mesmo não estava esgotado à data em que se foram realizadas as notificações referidas nos pontos 3, 4 e 5 dos factos provados.
Na realidade, em 28/02/2018, a Encarregada de Venda procedeu à adjudicação do prédio supra referido ao proponente pelo montante de € 24.700,00. E, posteriormente, no dia 28/02/2018, o bem imóvel foi transmitido através de venda titulada por Documento Particular Autenticado no dia 28/02/2018. Todavia, as comunicações referidas em 7) e 8) foram realizadas já depois da realização da venda.
Na verdade, estes últimos actos processuais não foram comunicados aos executados. E, para que o direito de remição pudesse ser operacionalizado, os executados teriam de ser informados sobre o acto de adjudicação e igualmente transmitidas as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde seria concretizada a venda por negociação particular do imóvel em discussão.
Esse risco já era assinalado por Eurico Lopes Cardoso que sublinhava que «não sendo tornada pública a venda particular, pode suceder que o remidor não tenha conhecimento até ao momento da assinatura do título»[29].
Os executados não tiveram conhecimento desses elementos. E, por decorrência lógica, também o interessado na remição ficou injustamente privado de exercer o direito que legalmente lhe é cometido até ao termo final da assinatura do título que documenta a venda por negociação particular.
Se o remidor não tiver tido conhecimento atempado da venda executiva e pretender exercer o seu direito de remição já depois do decurso dos prazos previstos no artigo 843º, este poderá fazê-lo, desde que alegue que só teve conhecimento da venda depois do decurso desses prazos. Neste caso, cabe àqueles que aleguem que o direito do remidor foi exercido fora do prazo a prova da extemporaneidade do exercício desse direito[30] [31].
Ao contrário daquele que foi o juízo final do Tribunal «ad quo», ao não ter tido conhecimento da data e do local para a celebração da escritura pública ou de acto notarial equivalente, o remidor ficou privado de perfectibilizar a preferência qualificada na compra do imóvel e, assim sendo, o exercício pontual do direito de remição ficou irremediavelmente prejudicado[32] [33], o que constitui uma nulidade processual com influência na decisão da causa.
Neste enquadramento, julga-se procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida, com as consequências que dai advém, sem prejuízo da apreciação substantiva da validade do depósito que vier a ser realizado, se for caso disso. Por conseguinte, fica assim prejudicado o conhecimento da matéria atinente ao juízo de compatibilidade constitucional constante das alegações de recurso.
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V – Sumário:
1. O titular do direito de remição não tem de ser previamente notificado pessoalmente para exercer o respectivo direito, pois o legislador parte do princípio de que o executado lhes deu a respectiva informação necessária sobre a venda e ser suficiente esse meio de conhecimento.
2. A fim de viabilizar o exercício do direito de remissão, o agente de execução deve comunicar ao executado o despacho de adjudicação, bem como as circunstâncias de modo, tempo e lugar onde será concretizada a venda por negociação particular do imóvel em discussão.
3. Ao não ter sido dado conhecimento desses elementos aos executados, o remidor ficou privado de perfectibilizar a preferência qualificada na compra do imóvel, verificando-se assim a omissão de formalidade que tem influência na decisão da causa.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem tributação nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 18/10/2018

José Manuel Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel Maria Peixoto Imaginário

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[1] Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 477.
[2] Salvador da Costa, A venda executiva, os direitos reais de aquisição e o direito de remição, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra.
[3] Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, Coimbra.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998, pág. 381.
[5] Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 6.ª edição, Coimbra, 2004, pág. 341.
[6] José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Coimbra, 1993, pág. 272.
[7] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, Coimbra, 2003, pág. 621.
[8] J. P. Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, Porto, 1998, pág. 357.
[9] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 392-394.
[10] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva – Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 526-533.
[11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2012, in www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/03/2017, in www.dgsi.pt.
[13] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, in www.dgsi.pt.
[14] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/07/2014, in www.dgsi.pt.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014, in www.dgsi.pt.
[16] José Lebre de Freitas, A ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, pág. 388.
[17] Artigo 712.º (Tramitação eletrónica do processo):
1 - A tramitação dos processos executivos é, em regra, efetuada eletronicamente, nos termos do disposto no artigo 132.º e das disposições regulamentares em vigor.
2 - O modelo e os termos de apresentação do requerimento executivo são definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
3 - Todas as consultas a realizar pelo agente de execução com vista à efetivação da penhora, bem como quaisquer comunicações entre este e os serviços judiciais ou outros profissionais do foro são, em regra, realizadas por meios eletrónicos.
[18] Artigo 132.º (Tramitação eletrónica):
1 - A tramitação dos processos é efetuada eletronicamente em termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a atos dos magistrados, das secretarias judiciais e dos agentes de execução ser objeto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
2 - A tramitação eletrónica dos processos deve garantir a respetiva integralidade, autenticidade e inviolabilidade.
3 - A regra da tramitação eletrónica admite as exceções estabelecidas na lei.
[19] Portaria nº 280/2013, de 26/08, que regula vários aspectos da tramitação eletrónica dos processos judiciais.
[20] Artigo 248.º (Formalidades):
Os mandatários são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º, devendo o sistema informático certificar a data da elaboração da notificação, presumindo-se esta feita no 3.º dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
[21] Artigo 199.º (Regra geral sobre o prazo da arguição).
1 - Quanto às outras nulidades, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
2 - Arguida ou notada a irregularidade durante a prática de ato a que o juiz presida, deve este tomar as providências necessárias para que a lei seja cumprida.
3 - Se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo referido neste artigo, pode a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.
[22] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2012, in www.dgsi.pt.
[23] Anteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça de 10/12/2009, in www.dgsi.pt, também consignou que «cabe, deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo legitimamente depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou».
[24] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/01/2011, in www.dgsi.pt, pode ler-se que «o remidor não é parte na acção executiva, detendo, antes pelo contrário, necessariamente a posição de terceiro relativamente à execução e, enquanto titular de um «direito de preferência legal de formação processual», não é notificado para exercer tal direito, como ocorre com o preferente legal, por força do preceituado no art. 892º do CPC.
Por força deste estatuto processual de terceiro, o remidor não tem de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar - executado e, ele sim, notificado nos termos gerais, - lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito».
[25] Artigo 827.º (Adjudicação e registo):
1 - Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.
2 - Seguidamente, o agente de execução comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.
[26] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva – Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 529.
[27] Artigo 843.º (Até quando pode ser exercido o direito de remição):
1 - O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
2 - Aplica-se ao remidor, que exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias, bem como o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 825.º, devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.
[28] Não está assim em causa o sentido decisório tomado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014, com o qual concordamos inteiramente. Na posição ali expressa «quando tem lugar a venda por negociação particular, o direito de remição pode ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta, nos termos do artigo 843º, nº 1, al. b), do CPC e o preço deve ser integralmente depositado no momento da remição, sendo condição de validade do exercício do direito».
[29] Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 665 e 666.
[30] Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 394.
[31] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/11/2006, in www.dgsi.pt.
[32] Neste sentido, pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/01/2009, in www.dgsi.pt, quando adianta que «uma vez informado ou avisado pelo executado, recai sobre o remidor o ónus de comunicar ao encarregado da venda (na venda por negociação particular) que pretende exercer o direito de remição, devendo este informar o remidor da melhor oferta, da data e local para a celebração da escritura pública.
Recai sobre o remidor o ónus de comunicar que pretende exercer o direito de remição no lapso de tempo que medeia entre o momento em que o executado seu familiar é informado da modalidade de venda e o momento da assinatura do título que documenta a venda por negociação particular».
[33] O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05/06/2008, in www.dgsi.pt, aponta na mesmo direcção ao avançar que «o direito não caduca com o seu exercício, mas tão só com o decurso do prazo em que tem de ser exercido e esse prazo não estava esgotado à data em que o mesmo se apresentou novamente a exercer o seu direito com o efectivo depósito do preço».