Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
137/15.1T8BJA-A.E1
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
ENTIDADE PÚBLICA EMPRESARIAL
TRABALHADOR EM FUNÇÕES PÚBLICAS
Data do Acordão: 02/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: i. O legislador, ao dispor nos termos que se mostram consagrados no art. 2º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20-11, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 59/2008 de 11-09, definiu claramente o regime aplicável em matéria de acidentes sofridos pelos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais independentemente de beneficiarem ou não do estatuto de trabalhador em funções públicas;
ii. Decorre daí e em conjugação com o disposto no art. 126º n.º 1 al. c) da LOSJ, que a competência para a apreciação do presente litígio cabe ao Tribunal da Comarca de Beja – Beja – Instância Central – Secção do Trabalho – J1 conforme decidiu a Mma. Juíza do Tribunal a quo no despacho recorrido o qual, por isso mesmo, não mereceu censura.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 137/15.1T8BJA-A.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora.
RELATÓRIO
Nos autos de ação emergente de acidente de trabalho, com processo especial, que corre termos pela Comarca de Beja – Beja – Instância Central – Secção do Trabalho – J1, sob o n.º 137/15.1T8BJA e em que é sinistrada B… e entidade responsável a Unidade Local de Saúde…, E.P.E., com sede no Hospital…, na sequência de participação feita pela sinistrada em 23 de janeiro de 2015 e dirigida ao Exmo. Procurador da República junto da Instância do Trabalho da Comarca de Beja, dando conta de haver sido vítima de acidente de trabalho ocorrido em 17 de março de 2013 nas instalações da referida entidade responsável e de que resultara traumatismo do punho com lesões ligamentares, desenvolveu-se o processo, na sua fase conciliatória, até à realização, em 05-05-2015, da tentativa de conciliação a que se alude no art. 108º do Código de Processo do Trabalho, momento em que, por esta entidade responsável, foi apresentado requerimento dirigido ao Sr. Juiz daquele Tribunal, no qual concluiu pela incompetência absoluta do Tribunal do Trabalho para conhecimento do mérito da ação, requerendo a absolvição da instância, exceção que constituiria questão prévia, «impeditiva da consumação de um acordo no imediato» (sic).
O Ministério Público, na sequência de um tal requerimento e pronunciando-se sobre a matéria do mesmo, proferiu despacho (Ref.ª 26821840), no qual manifestando a sua dúvida quanto à competência material do Tribunal para a tramitação e decisão da ação, determinou que os autos fossem apresentados à Mma. Juíza para decisão sobre essa matéria.
Em face de um tal requerimento e da dúvida manifestada pelo Ministério Público, a Mma. Juiz daquele Tribunal, em 19 de Maio de 2015, proferiu despacho (Ref.ª 26836748) no qual declarou a competência do Tribunal do Trabalho para a apreciação e decisão de eventuais direitos emergentes do acidente em causa sofrido pela sinistrada.

Todavia, inconformada com este despacho, a Unidade Local de Saúde…, E.P.E., dele interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando as correspondentes alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
1ª – A Entidade pública empresarial, ora recorrente, foi criada pelo Decreto-Lei n.º 183/2008, de e de setembro, presentemente, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 12/2015, de 26 de janeiro;
2ª – É uma pessoa coletiva de direito público de natureza empresarial, nos termos do regime jurídico do setor público empresarial e da Lei n.º 27/2002, de 8 de novembro, integrada na administração indireta do Estado e na rede de prestação de cuidados, do Serviço Nacional de Saúde, com a função de prosseguir a tarefa atribuída ao Estado de promoção e proteção da saúde (artigo 64º da Constituição da República Portuguesa) e que no cumprimento dessa missão está sujeita à superintendência do Estado, que detém unicamente o seu capital, encontra-se sujeita à superintendência do Ministro da Saúde, a quem compete aprovar os seus objetivos e estratégias, dar orientações, recomendações e diretivas, que detém o seu capital e nomear as administrações;
3ª – A sinistrada/autora nos presentes autos, é trabalhadora em funções públicas e, à data do acidente que constitui o objeto dos presentes autos (17.03.2013), encontrava-se abrangida pelo disposto na LVCR (Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro) e no RCTFP (Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro);
4ª – À data do acidente era-lhe pois aplicável o regime contido no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, por ser o regime “(…) aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração direta e indireta do Estado” – artigo 2º, n.º 1 -.
5ª – Aos outros trabalhadores que exerciam funções nas entidades públicas empresariais – titulares de contrato individual de trabalho -, era, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo 2º, aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho;
6ª – Com a revogação expressa da LVCR e do RCTFP, pelas alíneas c) e e) do artigo 42º da lei preambular à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), passou a ser aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nas entidades públicas empresariais, “(o) regime do Código do Trabalho e legislação complementar, em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais (…)” n.º 4 do artigo 4º, com referência à previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 2º da LTFP.
7ª – Todavia, nos termos e par os efeitos do disposto no artigo 12º da LTFP, “(s)ão da competência dos tribunais administrativos e fiscais os litígios emergentes do vínculo de emprego público”;
8ª – É o caso do litígio dos presentes autos que, conforme se encontra provado por documentos, emerge de vínculo de emprego público;
9ª – Efetivamente, a atribuição legal da competência aos tribunais administrativos encontra-se ademais, prevista também, quer no n.º 3 do artigo 212º da Constituição da República Portuguesa, quer no artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2012, de 19 de fevereiro.
10ª – Com efeito, os tribunais integrados na jurisdição administrativa e fiscal exercem a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações administrativas e fiscais (n.º 1 do artigo 1º do ETAF);
11ª – “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto: a) a tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares diretamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal;” (artigo 4º); É o caso dos autos.
12ª – E, os tribunais da jurisdição administrativa, são ainda competentes para a apreciação de “(q)uestões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, (…) ou de contratos em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pública (…);” (alínea f) do artigo 4º do ETAF)
13ª – Excluída da competência dos tribunais administrativos fica a “(…) apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções públicas.”
14ª – O acidente de trabalho que motivou a propositura da presente ação foi um acidente ocorrido no decurso do cumprimento de um contrato de trabalho em funções públicas, firmado com uma pessoa coletiva de direito público e em que, portanto, as funções que a sinistrada exerce se qualificam como sendo funções públicas;
15ªOs presentes autos devem pois ser julgados e decididos pelo Tribunal administrativo territorialmente competente, no uso do “regime do Código do Trabalho e legislação complementar, em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais (…)”, nos termos conjugados dos artigos 4º, n.º 4 e 12º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em concretização da norma constitucional prevista no n.º 3 do artigo 212º da Lei Fundamental;
16ª – Os normativos legais a que nos referimos na conclusão anterior foram todos desconsiderados pela Mma. Juiz a quo na decisão que proferiu que, desta forma, se mostram violados;
17ª – Se os tivesse aplicado, a decisão teria sido, certamente diferente e legal, julgando a Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca de Beja, incompetente em razão da matéria, para apreciar a causa.
Termos em que:
Deve ser revogada a decisão proferida, substituindo-se por outra que julgue a Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca de Beja, incompetente para apreciar a causa em razão da matéria.
Assim farão V. Exas. a tão esperada e Costumada JUSTIÇA.

Respondeu o Ministério Público, concluindo que:
Para apreciação das sequelas resultantes de um acidente de trabalho de que tenham sido vítimas trabalhadores de entidades públicas empresariais, ainda que investidos em funções públicas, cujo regime seja regulado pela Lei 98/2009 de 04/09, são competentes em razão da matéria, (em necessária coerência substantiva e processual com o Código de Processo do Trabalho) as Instâncias Centrais do Trabalho.
Deve, pelo exposto, ser mantida a competência deste tribunal, declarando improcedente o recurso, como o que se fará JUSTIÇA!

Admitido o recurso como apelação, com subida imediata e em separado, com efeito devolutivo, foram os autos de recurso, em separado, remetidos para esta 2ª instância.
Mantido nos termos que constam de fls. 83, com a anuência dos Exmos Adjuntos foram dispensados os respetivos vistos.
Cabe agora apreciar e decidir do mérito do recurso.

APRECIAÇÃO
Como se sabe, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto perante o Tribunal ad quem. Tal decorre do disposto nos artigos 635º n.º 3 e 4 e 639º n.º 1, ambos do Código de Processo Civil e aqui aplicáveis por força do art. 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho.
Assim e em face das conclusões do recurso interposto pela Apelante, coloca-se à apreciação desta Relação a questão da (in)competência, em razão da matéria, da Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Beja, para a apreciação da ação emergente de acidente de trabalho que ali corre termos sob o n.º 137/15.1T8BJA.

Com relevo para a apreciação desta questão de recurso e para além das incidências processuais mencionadas no precedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas, importa ainda considerar os seguintes elementos que constam dos presentes autos:
a) Em 25-09-2014 a Caixa Geral de Aposentações dirigiu à Unidade Local de Saúde…, E.P.E. ofício com o seguinte teor:
«Assunto: Acidente em serviço – Devolução de Processo
Nome: B…
Categoria: ENFERMEIRA
Na sequência do Ofício Circular nº 3/2014, de 2014-05-09, desta Caixa, oportunamente enviado a essa Entidade, e com base nos fundamentos nele expostos, junto se devolve pedido de reparação do acidente de que foi vítima a subscritora em epígrafe em 2013-03-17, em virtude de o mesmo não se encontrar abrangido pelo regime do DL nº 503/99, de 20/11, face à redação do artigo 2º deste diploma legal, introduzida pelo artigo 9º da Lei nº 59/2008, de 11/09.
Uma vez mais se esclarece que a responsabilidade pela reparação do acidente em causa é da entidade empregadora ou da entidade seguradora para a qual tenha sido transferida a responsabilidade do risco decorrente de acidentes de trabalho, nos termos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/08.
Mais informo que, do facto, foi dado conhecimento à interessada na presente data».
b) No dia 10 de janeiro de 1990, entre o Hospital Distrital de… e B… foi celebrado um contrato em regime de tarefa para o desempenho de funções correspondentes à categoria de enfermeira, recebendo esta como contrapartida pelo exercício de tais funções, o vencimento correspondente ao fixado por lei para Letra I da referida categoria acrescida de complementos legais previstos no Decreto-Lei n.º 62/79, contrato esse considerado válido até á regularização de contrato a termo certo:
c) Em 10 de janeiro de 1990 foi celebrado entre o Hospital Distrital de… e B…um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de seis meses contados a partir da publicação em Diário da República, obrigando-se esta a exercer as funções correspondentes a categoria profissional de “Enfermeira de Grau I” mediante a remuneração acordada de 74.800$00;
d) No Diário da República – II Série – de 14-08-1990, foi publicado o despacho do Diretor do Hospital Distrital de… de 10-01-1990 (visto, TC, 9-7-90) referente ao contrato a que se alude na alínea anterior;
e) Em 18 de maio de 1991 foi celebrado entre o Hospital Distrital de… e B…, um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de doze meses, por necessidade transitória dos serviços, com a categoria de enfermeira – por urgente conveniência de serviço a partir de 14-02-91 – mediante uma remuneração ilíquida de 106.500$00.
f) No contrato referido na alínea anterior a outorgante B… reconheceu expressamente que esse contrato não lhe conferia a qualidade de agente administrativo;
g) Em 23 de março de 1993 foi celebrado entre o Hospital Distrital de... e B…um contrato administrativo de provimento – por urgente conveniência de serviço nos termos do Decreto-Lei n.º 146-C/80, de 22-05 – para o desempenho das funções inerentes à categoria profissional de enfermeira, mediante a remuneração de 121.400$00;
h) Nos termos da cláusula 3ª do contrato referido na alínea anterior, B…adquiriu o estatuto de agente administrativo, com todos os direitos e deveres daí inerentes;
i) Nos termos da cláusula 6ª do contrato referido em g), o mesmo era considerado válido pelo período de um ano a partir da publicação em Diário da República e renovado por iguais períodos se não fosse denunciado nos termos do artº 66º n.ºs 15 e 17 do DL 437/91 de 08-11;
j) Nos termos da cláusula 7ª do contrato referido em g) e depois deste ser sujeito ao regime de controlo de finanças públicas (visto do Tribunal de Contas), B…adquiria a qualidade de agente administrativo, com sujeição ao regime jurídico da função pública, apesar de não estar integrada no quadro de pessoal do Hospital e de prestar funções transitoriamente;
k) Em 1 de junho de 1993 foi feita uma adenda ao contrato referido em g) alterando as cláusulas 4ª, 5ª e 6ª do mesmo, passando tal contrato a ser válido pelo período de 3 anos a partir da entrada em vigor do DL n.º 437/91 de 08-11, prazo que poderia ser renovado por despacho conjunto dos Ministros da Saúde e das Finanças, enquanto se verificassem as carências de pessoal de enfermagem a nível nacional, estipulando-se, no entanto (cláusula 6ª), que o contrato era válido pelo período de um ano a partir do despacho do Conselho de Administração de 23-03-93 (nomeação por urgente conveniência de serviço) e era renovado por iguais períodos se não fosse denunciado nos termos do art 66º - 17 do DL 437/91 de 08-11;
l) Por despacho do Conselho de Administração do Hospital Distrital de… de 23-03-1993 (visto TC de 18-6-93) publicado no Diário da República II Série de 29-07-1993, foi autorizada a celebração do contrato administrativo de provimento a que se alude nas alíneas g) a k);
m) Na sequência da publicação do despacho a que se alude na alínea anterior, B…tomou posse do cargo de enfermeira no Hospital Distrital de … em 30-07-1993;
n) Por despacho do Conselho de Administração do Hospital… de 9 de junho de 1998 e publicado no diário da República – II Série – de 23-07-1998, B… foi nomeada enfermeira graduada do quadro de pessoal daquele Hospital, tendo precedido concurso e ficando exonerada da anterior categoria à data da aceitação do novo cargo;
o) Na sequência da publicação do despacho a que se alude na alínea anterior, B…aceitou a nomeação para o cargo de enfermeira graduada em 24-07-1998, o mesmo sucedendo também em 05-06-2000 com regime de horário acrescido de 42 horas semanais a partir de 1 de junho e pelo período de seis meses.
p) É do seguinte teor o despacho recorrido:
«Da Competência, em razão da matéria da presente secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Beja
Veio o Ministério Público, no âmbito da fase conciliatória do processo, requerer que seja apreciada a competência, do secção do Trabalho da Instância Central de Beja, em razão da matéria, por ter sido alegado, pela entidade empregadora, Unidade Local de Saúde…, IP, pertencer o conhecimento da questão ao âmbito dos Tribunais administrativos, aduzindo os fundamentos constantes do requerimento que antecede, a fls. 57 dos autos.
Cumpre apreciar e decidir, uma vez que se entende que a decisão de declaração de incompetência é uma decisão de natureza judicial, que incumbe ao Tribunal, podendo e devendo ser apreciada na fase conciliatória do processo, desde que todos os elementos necessários à decisão já estejam juntos aos autos, de acordo com o disposto nos artigos 96 nº 1, 97, 98 e 99 do Código do Processo Civil de 2013, aplicáveis, por força do disposto no artigo 1 º nº 2 alínea a) do Código do Processo do Trabalho.
Julga-se, também, ao abrigo do disposto no artigo 3º nº 3 do Código do Processo Civil, que não há necessidade de proceder à notificação do sinistrado e da empregadora, tendo em conta a natureza da presente fase conciliatória e o facto de, no âmbito da mesma, já terem os sujeitos processuais envolvidos se pronunciado sobre esta mesma questão.
Pelo que cumpre apreciar e decidir.
Tendo em conta o teor dos documentos juntos aos autos, a sinistrada trabalha para … EPE, sob o regime de relação jurídica de trabalho em funções públicas.
Ora, após as alterações operadas no regime legal das pessoas que trabalham para o Estado e pessoas colectivas públicas, após a entrada em vigor da Lei nº 59/2008 de 11 de Setembro e da Lei 12-A/2008 de 27 de Fevereiro, subsequentes alterações e demais legislação conexa, nomeadamente a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, que revogou as anteriores, Lei nº 35/2014.
De acordo com a legislação em vigor, os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente de estarem enquadrados no regime geral de segurança social - inscritos nas instituições de segurança social - ou no regime de protecção social convergente (RPSC), estão todos abrangidos especificamente pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, com excepção dos trabalhadores que exercem funções em entidades excluídas do âmbito de aplicação deste diploma, como sejam os trabalhadores com relação jurídica de emprego público que exerçam funções no sector empresarial do Estado e das Administrações Regionais e Local, aos quais se aplica o regime geral, devendo, a respectiva entidade empregadora, celebrar contratos de seguros de acidentes de trabalho.
Pelo que desde as alterações legislativas ocorridas e acima indicadas, é irrelevante apurar se o sinistrado descontava ou não para a CGA, que era, anteriormente, o critério: no primeiro caso, acidente em serviço; no segundo, acidente de trabalho.
A Lei nº 59/2008 de 11 de Setembro, deu nova redacção ao DL nº 503/99, nomeadamente ao artigo 2º, que dispunha que o disposto no presente Decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exerçam funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa e indirecta do Estado e que o disposto no diploma, em referência, é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas, nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio ao Presidente da República, dos Tribunais e do Ministério Público e respectivos órgão de gestão e de outros órgãos independentes e, ainda, aos membros dos gabinetes de apoio, quer do Governo, quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior.
Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores, é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, devendo, as respectivas entidades empregadoras, transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabal ho nos termos previstos naquele.
Assim sendo, não é a natureza do contrato que determina agora, a jurisdição competente mas a natureza do serviço para o qual o trabalhador presta o seu trabalho.
A Lei nº 59/2008 foi, expressamente, revogada pelo art. 42º da Lei nº 35/2014, de 20-6 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que entrou em vigor no dia 1-8-2014), sendo que, nos termos do artigo 5º desta Lei, se estabelece que constam de diploma próprio o regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais dos trabalhadores que exercem funções públicas", sendo certo que nº 6 do art. 2º do DL nº 503/99, de 20-11 (na redacção que lhe foi dada pelo artigo 9º da referida Lei nº 59/2008), dispõe que "as referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes de trabalho".
Pelo que, não se pode deixar de considerar que o legislador quis submeter a regulação dos contratos de trabalho do sector empresarial do Estado ao regime do contrato de trabalho, constante do Código do Trabalho, sendo inequívoco, que este código disciplina a ocorrência de acidentes de trabalho, remetendo a sua precisa regulamentação para a LAT, Lei nº 98/2009, a qual, nos termos do seu artigo 1 º, expressamente, refere que regulamenta o regime e reparação dos acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro.
Assim sendo, é inequívoco, que, no caso, dos autos, se aplica o regime do Código do Trabalho, a todos os litígios advindos da relação de trabalho, sejam eles de origem contratual ou sinistral.
Pelo que os argumentos aduzidos pela entidade empregadora não podem colher, uma vez que, de acordo com o artigo 4º, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em conjugação com o disposto nos artigos 8, 40 80, 81 nº 1 e nº 2, alínea e), 126 nº 1, alínea b), C) e F) e 144 da Lei nº 62/2013, compete a este Tribunal dirimir a situação de acidente de trabalho em apreciação.
Julga, assim, o Tribunal que a posição assumida pela Caixa Geral de Aposentações é a correcta e a legal, tendo a entidade empregadora omitido o dever de providenciar pela efectivação de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, a que estava obrigada desde a entrada em vigor da nova Lei dos Vínculos dos Trabalhadores em funções públicas, que procedeu às alterações já acima mencionadas.
Pelo que se declara o presente Tribunal de Trabalho como competente para apreciar a causa em razão da matéria e ordena-se o prosseguimento dos autos.
Notifique, devendo sê-lo o sinistrado, a entidade empregadora e o Ministério Público.
DN.
Beja, 19 de Maio de 2015»

Fundamentos de direito.
Como se referiu, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação a questão da competência, em razão da matéria, da Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Beja, para a apreciação e decisão de ação emergente de acidente de trabalho que ali corre termos sob o n.º 137/15.1T8BJA e em que é sinistrada B… e entidade responsável Unidade Local de Saúde…, E.P.E..
A ação em causa foi proposta em 23 de janeiro de 2015 mediante participação feita pela sinistrada e dirigida ao Exmo. Procurador da República junto da Instância do Trabalho da Comarca de Beja, dando conta de haver sido vítima de acidente de trabalho ocorrido em 17 de março de 2013 nas instalações da entidade responsável e de que resultara traumatismo do punho com lesões ligamentares.
Ensinava o Prof. Manuel Domingues de Andrade em «Noções Elementares de Processo Civil» pag.ª 88 e ss, que a competência dos tribunais «[é] a medida de jurisdição dos diversos tribunais; o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional» sendo que a «Competência abstracta dum tribunal. É a medida da sua jurisdição; a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída; a determinação das causas que lhe tocam» e a «Competência concreta dum tribunal. Trata-se… da sua competência para certa causa. É o seu poder de julgar (exercer actividade processual) nesse pleito; a inclusão deste na fracção de jurisdição que lhe corresponde».
Ora, a Constituição da República Portuguesa (CRP) no n.º 1 do seu art. 211º estabelece que «[o]s tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais».
Por seu turno, o Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por força do disposto no art. 1º n.º 2 al. a) do Código de Processo de Trabalho (CPT), em consonância com o mencionado preceito constitucional e depois de estipular no n.º 1 do art. 60º que «[a] competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código», prevê no art. 64º que «[s]ão da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional», sendo que a Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26-08, depois de estabelecer no n.º 1 do art. 38º que «[a] competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei», dispõe no n.º 1 do seu art. 40º que «[o]s tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».
Verifica-se, porém, que a CRP no n.º 3 do art. 212º estipula que «[c]ompete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais», limitando, portanto e desde logo, o poder jurisdicional dos Tribunais Administrativos e Fiscais à natureza administrativa e fiscal dos litígios a dirimir em juízo.
Posto isto e sabendo-se que a competência do tribunal, enquanto pressuposto processual que é, se determina pelos termos em que o autor formula o pedido (Prof. Manuel da Andrade, ob cit., pagª 91) e, acrescentamos nós, apresenta a correspondente causa de pedir, verifica-se que, no caso vertente, o processo teve o seu início mediante participação dirigida pela sinistrada B…, em 23 de janeiro de 2015, ao Exmo. Procurador da República junto da Secção do Trabalho da Instância Central da Comarca de Beja (art. 99º n.º 1 do C.P.T.), dando conta de haver sido vítima de acidente de trabalho ocorrido em 17 de março de 2013 nas instalações da sua empregadora Unidade Local de Saúde…, E.P.E. (…), entidade criada através do Decreto-Lei n.º 183/2008 de 04-09 e que integrou o Centro Hospitalar… E.P.E. e os centros de saúde do distrito de…, com exceção do centro de saúde de…, sendo que a mesma, de acordo com o estabelecido nesse diploma (artigos 1º n.º 1 e 4º n.º 1) tem a natureza jurídica de entidade pública empresarial.
Verifica-se, portanto, que os fundamentos da presente ação decorrem da ocorrência do referido acidente e da responsabilidade daí advinda para a entidade empregadora da sinistrada (ou para a seguradora para quem a mesma, eventualmente, tenha transferido essa responsabilidade), enquanto a pretensão que daquele subjaz, tem, obviamente, a ver com o almejado direito à reparação dos danos que do acidente decorreram para a sinistrada B….
Sucede que, como já se referiu, de acordo com a participação feita por esta sinistrada e que deu origem aos presentes autos, o acidente por ela sofrido ocorreu em 17 de março de 2013 nas instalações da sua entidade empregadora Unidade Local de Saúde…, E.P.E. (entidade que, ao que tudo leva a crer, sucedeu, respetivamente, aos denominados Hospital Distrital de… e Hospital…), presume-se que no desempenho das suas funções de enfermeira graduada, acidente de que terá resultado traumatismo do punho com lesões ligamentares, sendo que decorre dos factos anteriormente enunciados que a sinistrada B…, à data do sinistro, trabalhava na referida …,EPE no âmbito de uma relação jurídica de trabalho em funções públicas, ao tempo regulada pela Lei n.º 12-A/2008 de 27-02 – diploma que estabelecia os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas – e pela Lei n.º 59/2008 de 11-09 – diploma que aprovou o regime de contrato de trabalho em funções públicas e respetivo Regulamento – diplomas que foram posteriormente revogados pela Lei n.º 35/2014 de 20-06 e que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Ora, sendo a sinistrada B… funcionária pública á data em que se verificou o sinistro que constitui o objeto dos autos e quando, ao que tudo indica, laborava no desempenho das suas funções de enfermeira graduada nas instalações da sua entidade empregadora Unidade Local de Saúde… E.P.E. a questão que se coloca e, pois, a de saber se serão os Tribunais Administrativos e Fiscais os competentes para a apreciação dos direitos decorrentes da reparação dos danos por ela sofridos em consequência do referido acidente, ou se essa competência caberá aos Tribunais Judiciais.
Na resposta a esta questão teremos, desde logo, de levar em consideração o estabelecido no Decreto-Lei n.º 503/99 de 20-11, diploma que define o regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais ocorridos ao serviço da Administração Pública (art. 1º), o qual estipula no seu art. 2º, na redação que lhe foi conferida pela mencionada Lei n.º 59/2008 de 11-09 e que, como se referiu, aprovou o regime do contrato de trabalho em funções públicas, que:
«1- O disposto no presente decreto-lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, nas modalidades de nomeação ou de contrato de trabalho em funções públicas, nos serviços da administração directa ou indirecta do Estado.
2- O disposto no presente decreto-lei é também aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas nos serviços das administrações regionais e autárquicas e nos órgãos e serviços de apoio do Presidente da República, da Assembleia da República, dos tribunais e do Ministério Público e respectivos órgãos de gestão e de outros órgãos independentes.
3- O disposto no presente decreto-lei é ainda aplicável aos membros dos gabinetes de apoio quer dos membros do Governo quer dos titulares dos órgãos referidos no número anterior.
4- Aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, devendo as respectivas entidades empregadoras transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos naquele Código.
5- O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação do regime de protecção social na eventualidade de doença profissional aos trabalhadores inscritos nas instituições de segurança social.
6- As referências legais feitas a acidentes em serviço consideram-se feitas a acidentes de trabalho.».
Decorre, pois e de uma forma clara, do que se estabelece no n.º 4 deste preceito legal que aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais e que, porventura, sejam vítimas de acidente de trabalho – como tudo indica tenha sido o caso dos autos – é aplicável o regime jurídico dos acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 (e, desde 17 de fevereiro de 2009, o mesmo Código na versão aprovada pela Lei n.º 7/2009 de 12-02), devendo as respetivas entidades empregadoras transferir a sua responsabilidade pela reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho nos termos previstos nesse mesmo Código.
Ora, a propósito da aplicação do estipulado no art. 2º do referido Decreto-Lei n.º 503/99 de 20-, escreveu-se no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 23-08-2012 e que foi proferido no processo n.º 09001/12, Aresto publicado em www.dgsi.pt, que, «… da leitura e interpretação deste preceito é possível descortinar que o legislador procedeu a uma distinção de entre os titulares de contrato de trabalho em funções públicas, no tocante ao regime legal aplicável em matéria de acidentes de trabalho, consoante a natureza da entidade onde as funções são exercidas ou, por outras palavras, que é claro o propósito do legislador em conferir aos trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais, regime diferente do demais previsto.
Ao passo que para os trabalhadores das entidades a que se referem os nºs 1, 2 e 3 do artº 2º do D.L. nº 503/99, de 20/11, se aplica o regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, previsto e regulado nesse diploma, para os trabalhadores que exerçam funções em entidades públicas empresariais ou noutras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores é aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto.
Isso significa que quanto às entidades públicas empresariais ou outras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores (os nºs 1, 2 e 3 do artº 2º do D.L. nº 503/99, de 20/11), é indiferente que os seus trabalhadores exerçam ou não funções públicas, pois em quaisquer dos casos é-lhes aplicável o regime de acidentes de trabalho previsto no Código do Trabalho.
Esta é a interpretação a expender em relação ao preceito em análise, pois considerando que o legislador não caracterizou as funções como “públicas” no nº 4 do artº 2º, significa que todas as funções, seja ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas, seja ao abrigo de contrato individual de trabalho, se encontram abrangidas e que, portanto, todos os trabalhadores que exerçam funções para as entidades públicas empresariais ou outras entidades não abrangidas pelo disposto nos números anteriores, têm um regime comum no tocante aos acidentes de trabalho e doenças profissionais» acrescentando-se mais adiante que «[e]sta solução não traduz uma desigualdade de tratamento em situações materialmente idênticas, nem a violação do princípio da igualdade, pois foi intenção do legislador tratar por igual os trabalhadores que exerçam funções em entidades de natureza empresarial, independentemente da natureza do vínculo de que sejam titulares, distinguindo-os dos trabalhadores que exerçam funções públicas, em virtude da especificidade decorrente da natureza empresarial das entidades empregadoras».
Em face da aludida norma, não se pode, efetivamente, deixar de concluir que o legislador definiu claramente o regime aplicável em matéria de acidentes sofridos por trabalhadores em exercício de funções em entidades públicas empresariais, independentemente de beneficiarem ou não do estatuto de trabalhador em funções públicas.
Decorre, pois, do que acabamos de afirmar e em conjugação com o disposto no art. 126º n.º 1 al. c) da LOSJ aprovada pela Lei n.º 62/2013 de 26-08 ao estabelecer que «[c]ompete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:… c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais», que a competência para a apreciação dos litígios em matéria de acidentes sofridos por trabalhadores nas circunstâncias em que se verificou o de que foi vítima a aqui sinistrada B… pertence aos Tribunais Judiciais, sendo que no caso vertente essa competência cabe efetivamente ao Tribunal da Comarca de Beja – Beja – Instância Central – Secção do Trabalho – J1 como concluiu a Mma. Juíza do Tribunal a quo na decisão recorrida, decisão que, por isso mesmo, não merece censura e deve ser mantida.

DECISÃO
Nestes termos acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.

Évora, 11-02-2016
José António Santos Feteira (relator)
Moisés Pereira da Silva (adjunto)
João Luís Nunes (adjunto)