Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
153/06.4JAFAR.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: DIFAMAÇÃO AGRAVADA
OFENSA A PESSOA COLECTIVA
WEB BLOG
ADMINISTRADOR
AUTOR
FOTOMONTAGEM
CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
Data do Acordão: 02/14/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: 1. Quando falamos de fotomontagem, referimo-nos, como não podia deixar de ser, àquela que, pelas características, é identificável como tal por qualquer observador dotado de aptidões e conhecimentos médios e não à que é susceptível de ser tomada pelo mesmo observador por uma fotografia inalterada, pois, neste último caso, será merecedora de tratamento idêntico, para efeitos criminais, àquele que é conferido às fotografias autenticas.

2. Ao invés das fotografias inalteradas, a fotomontagem não reproduz a realidade objectiva enquanto tal, mas antes consiste numa composição que conjuga elementos retirados de diversas imagens autênticas, com a finalidade de fazer passar uma determinada mensagem, a qual pode relevar do humorismo puro e simples ou visar, como sucederá o mais das vezes, propósitos de crítica política, social ou cultural. Daí que entendamos que a fotomontagem constitui uma forma de expressão artística que não pode ser equiparada, enquanto possível meio de cometimento de crimes contra a honra, à fotografia propriamente dita ou a outros meios técnicos de reprodução visual da realidade.

3. Qualquer pessoa, por ignorante que seja, tem a noção de que é proibido e punido por lei atentar contra a honra e a consideração alheias, assim como contra a credibilidade, o prestígio e a confiança devida a uma corporação investida de autoridade pública. A factualidade provada permite definir o arguido como uma pessoa dotada de uma razoável preparação cultural e socialmente bem integrada.
O arguido tinha conhecimento do conteúdo dos comentários inscritos no seu blogue, cuja publicação permitiu, e da conotação ofensiva do mesmo. Logo, não se concebe, por um momento sequer, que possa ter escapado ao arguido a ilicitude criminal da sua actuação.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório

No Processo Comum nº 153/06.4JAFAR, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Faro, por sentença proferida em 9/4/10 foi decido julgar procedente e provada a acusação e, em consequência:

A) CONDENAR o arguido RS, como autor de um crime de difamação agravada, perpetuado na pessoa de AE, previsto e punido pelos artigos 180º, n.º 1, 182º, 183º, n.º1 alínea a) e 184º, todos do Código Penal, na pena 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 800 (oitocentos euros).

B) CONDENAR o arguido, como autor de um crime de difamação agravada, perpetuado na pessoa de GR, previsto e punido pelos artigos 180º, n.º 1, 182º, 183º, n.º1 alínea a) e 184º, todos do Código Penal, na pena 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 800 (oitocentos euros).

C) Condenar ainda o arguido da prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço que exerça autoridade pública – Guarda Nacional Republicana de ..., previsto e punido nos termos dos art.s 187º, n.ºs 1 e 2, alínea a), com referência ao art. 183º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 550 (quinhentos e cinquenta euros).

D) Condenar, em cumulo jurídico das penas parcelares supra referidas, na pena ÚNICA de 275 (duzentos e setenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz o valor de € 1.375 (mil trezentos e setenta e cinco euros).

E) Condenar o arguido/demandado no pagamento de € 1.500 (mil e quinhentos euros) ao demandante cível – AE, a título de indemnização por danos não patrimoniais peticionados em sede de pedido de indemnização cível por este formulado, julgando-o parcialmente procedente, absolvendo-o do restante peticionado.

F) Condenar o arguido/demandado no pagamento de € 1.000 (mil euros) ao demandante cível – GR, a título de indemnização por danos não patrimoniais peticionados em sede de pedido de indemnização cível por este formulado, julgando-o parcialmente procedente, absolvendo-o do restante peticionado;

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

Da acusação pública:

1. Em data não conretamente apurada do ano de 2003, o arguido criou um webblog, com a designação electrónica http://s....blogspot.com, sendo ele o único autor e gestor da correspondente página electrónica.

2. Como canal de comunicação entre os visualizadores/leitores do referido blog e a sua pessoa, o arguido recorria ao endereço de correio electrónico s....blog@sapo.pt, onde ficavam armazenados os comentários efectuados aos posts colocados no mesmo.

3. A criação e administração da referida página electrónica foi efectuada pelo arguido com recurso ao computador (CPU-unidade central de processamento) da marca HP, Compaq DC5000, com a linha ADSL, em nome da sua companheira JB, provida pelo IPS SAPO.PT, com a conta n.º AS....2@sapo e conectado com o posto chamador 289411165, instalado na residência onde o arguido residia, sito em..., em Loulé.

4. Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2006, o arguido fez constar da referida página electrónica um anúncio, tipo “post”, que continha uma montagem fotográfica, onde aparecia a cara de AE, Presidente da Câmara de ....e que o arguido intitulou “A trabalhar para a Nação”.

5. Para o efeito e sem que para tal estivesse autorizado, o arguido utilizou uma fotografia constante de um email enviado pelo AE aos Municípes, aparecendo o mesmo sentado a uma secretária. Sobre essa secretária e sobre a cabeça de AE encontrava-se uma imagem até à zona de cintura de um elemento do sexo feminino, de pé, com as pernas abertas, de roupas interiores e com pose sugestiva.

6. O arguido efectuou ainda uma hiperligação entre a fotomontagem em causa e o endereço http://wikipedia.com, nomeadamente, com os endereços http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria-da-ConspiraÃ&Ão e http://pt.wikipedia.org/wiki/CorrupÃÃo-polÃtica, onde eram apresentados, respectivamente, textos sobre o título “Teoria da Conspiração” e “Corrupção Politica”.

7. Bem sabia o arguido que a referida fotomontagem colocava em crise a honra, dignidade e seriedade pessoal, familiar e profissional do ofendido, sugerindo que o mesmo, ao invés de trabalhar, ocupava o tempo e o local de trabalho em práticas alheias à sua profissão e de profissionalismo e moralidade duvidosos.

8. Tal conduta, atentas as funções públicas desempenhadas por AE, a sua relevância a nível local e meio geograficamente pequeno em que as exerce, levaram a que o mesmo fosse alvo de comentários por parte de terceiros.

9. Ao efectuar a hiperligação da referida fotomontagem, o arguido permitiu ainda que a mesma fosse utilizada por terceiros, junto a textos que denunciavam más e desonestas práticas políticas.

10. Enquando administrador do blog e página electrónica em causa, o arguido permitiu que, no período compreendido entre os meses de Março e Junho de 2006, indivíduos de identidade desconhecida produzissem e fizessem constar da referida página, vários comentários e factos inverídicos sobre a Guarda Nacional Republicana de .... e os agentes de autoridade que ali desempenhavam funções, comentários esses que o arguido aderiu, permitindo que ali fossem feitos durante o período de tempo em causa e que fossem livremente acedidos.

11. Com efeito, nessa mesma página, a propósito de uma demolição levada a cabo pela Câmara Municipal de ..., o arguido produziu e fez constar do referido blog o seguinte comentário, no dia 13 de Março de 2006 “A GNR tem actuação paupérrima”.

12. Por sua vez, o arguido introduziu ainda no referido blog, notícias publicadas em jornais, relacionadas com furtos ocorridos na região de ...., permitindo e divulgando todos os comentários que alegadamente se relacionavam com essas notícias.

13. Assim, no referido período de tempo, o arguido permitiu que fossem efectuados naquela página e que fossem divulgados, além do mais, os seguintes comentários:

(…) “Estamos no Faroeste, não é bem a oeste de Faro mas creio se assemelha muito! (…); “(…) Então e ser autuado por um policia c um nível de alcoolémia superior ao do condutor em questão? (…) “E ainda temos o Sr Sargento c a pá na mão, tem jeito pra enterrar, até a ele próprio! (é o k acontece quando se está cego a tentar dar graxa, e se mete os pés pelas mãos!) (…) “Então mas segundo li no BLOG os nossos gnr tb andam nus a fazer rondas (o pormenor é k é com as estagiarias sentadas ao lado e no mesmo gipe) assim onde vamos parar?

A autoridade k se dê ao respeito se ker ser respeitada e cumprea o seu serviço e não outros. (…)


“Quanto a nossa gnr, tenham dó, dizer que o RATO MICKEY é um bom sargento, só se for para os amigos que lhe pagam os petiscos, de resto o que ele gosta e de dar nas vistas, os outros e ve-los de bejeca na mão ou no petisco, ou na ronda parados em sitios escuros para não serem vistos mais as meninas da guarda!!!!!!!! (...) ““Ai não sabes essa do campo da bola ?????? pois pois pois afinal e só com meia palavra te digo K os carros de serviço servem para fazer outros SERVIÇINHOS,,assim o tempo passa melhor e até os bichinhos gostam. TOMA LA (...)””E meu Deus se a SARGENTA ou as outras SOLDADINHAS (entenda-se esposa de soldados da GNR) leem este BLOG os Srs agentes da autoridade tão feitos ficam "presos" em casa. Enfim é a realidade que temos neste .... pequenino à Beira Serra Plantado ainda por sima comandado por um BINBO. PS. COITADAS DAS ESTAGIARIAS TEREM K LEVAR COM AKELES ASQUEROSOS “(...) “Eles agora se souberam destas conversas do blog vão esconder-se noutro lado. O primeiro a saber BOTA LOGO a BOCA NO TROMBONE. Dava umas reportagems giras nos jornais ja tou a ver os seguintes TITULOS: ( com fotos e tudo)
1) NO TAL & QUAL: "CENAS DE SEXO ENTRE AGENTES DA AUTORIDADE DEIXA A POPULAÇÃO DE ....DE BOCA ABERTA"(...) “Sabia que "as nossas autoridades" não eram de confiar, mas daí a chegar- mos a episodios como os do campo do alportel!!!!”
“Meus amigos, são esses senhores cheios de moral que andam na caça à multa!!!”
“Acho que era de divulgar essa reportagem do Tal & Qual

FORÇA PORQUE NÃO AFINAL NÃO DEVEMOS TER MEDO ELES gnr É K NÃO DIGNIFICAM A CLASSE. Azar o deles. sugiro tambem o 24 horas, Correio da Manhã, etc.... aí já imagino o seguintes titulos

1) 24 HORAS
" EM ...... GNR APANHADO COM A FARDA NA MÃO "

2)CORREIO DA MANHÃ
" POPULAÇÃO DE ..... INDIGNADA COM A ATITUDE POUCO MORAL DA AUTORIDADE! O HOMEM ATRAS DA FARDA! EM COMPORTAMENTO NADA MORAL OU SEJA É APANHADO EM CENAS DE SEXO EXPLICITO COM JOVEM ESTAGIARIA" (...)

(...) “Moral onde ? os exemplos vem sempre de cima. É só ver o nosso carro, sim de todos os que fazemos descontos a levar crianças às escola (os filhos do sargento) e buscar sem cinto de segurança ou qualquer cadeirinha obrigatória por lei e muitas vezes são outros soldados a faze-lo. Ou então ver a maneira facil de se fazer as compras da semana (...)”; “Cum caraças meu é toda a malta a malhar no bimbo do sargento (…)”; “SEGUNDO AS NOTICIAS NEM NO Nº DE GUARDAS FALARAM, RESTA SABER SE OUVE MESMO GUARDAS ATRAS DE GATUNOS ELES ESTAVAM ERA ATRAS DE ALGUMA MOITA COM ALGUMA ESTAGIARIA.”; “O RATO MICKEY É O SARGENTO??? ESSA ALCUNHA NÃO CONHECIA JÁ AGORA É PELO ASPECTO FISICO OU É POR ELE SER COMO OS RATOS K SE ASSUSTAM COM QUALQUER BARULHO E SE ENFIAM NOS BURACOS.

(...)”; “olha afinal a gnr já se está a defender! Ja não bastava a cena da mulher "A sargenta" trabalhar na camara se não esse binbalhão, rato mickey mandar os carros de serviço buscar os filhos a escola.....realmente k pouca vergonha.....e nós a pagar o ordenado o subsidio e principalmente o COMBUSTIVEL para tudo isso e para as noitadas..... (...) “Bem, fantastico, o sr. é do Benfica? enão ja devia saber o k é "O INFERNO VERMELHO" e não se meter em apuros, o binbo devia ir para a terrinha dele aqui ja esta a " COMER" demais.(...)”; ALGUEM SABE SE O SARGENTO & COMPANHIA ESTÃO COM BAIXA? ACHO QUE OS SENHORES AGENTES DA AUTORIDADE COMERAM QUALQUER COISA ESTRAGADA E FICARAM DOENTES ACHOS QUE MUITOS CERCA DE METADE, TANTO K HA JÁ DOIS DIAS QUE NEM SE PASSEIAM NEM SE EXIBEM MUITO PELO MENOS DURANTE O DIA (...); “Acho que tão todos de castigo,as respectivas esposas souberam dos boatos que aqui se escrevem e espetaram com os maridos de quarentena...lol...lol...nada de carne crua durante 40 dias eheheheh (...)”; “Entretanto na sexta mais um assalto em --- a fabrica da CORTIÇA e a GNR, estava onde????? com alguma estagiaria !!!!!!!!!!ja começa a ser demais.”; “estavam no campo do ---- mesmo eles dizem k kerem ver as fotos do jipe debaixo da ALFARROBEIRA, eles é K sabem onde se escondem e são isto da GNR, até um PADRE se esconde melhor (...)”

“Fotos para kê alguem duvida? passe lá porque senão eles alegam fotomontagem!” (...) “Trabalham tanto a Sexta A Noite k na passada Sexta foi mais um assalto na Fabrica da Cortiça e eles deviam estar debaixo da alfarrobeira.”; “Que cena é essa do café união com o Sargento...?”; “EU QUERO É SABER ESSA DO SARGENTO, OU MELHOR CONFIRMAR SE É O MESMO QUE EU SEI, OU SEJA.............A CENA É ENTRE ELE E A MOÇA LOIRA QUE LÁ TRABALHA (...)”; “Ainda tens dúvidas?”; “AINDA O SARGENTO SE DIVORCIA E DIZ QUE A CULPA É DO BLOG.”; “o que é que se passou com a loira e o sargento ? que fotografia é essa ?”; “e a "PILITA DE OURO " VVVVVVAAAAAAIIIIIIII para o Sargento..... Pelo seu desempenho.”(...); “ACHO K JA SÃO MUITOS A BATER NA MESMA TECLA E ESSA HISTÓRIA DO DARGENTO E OS OUTROS ANDAREM COM AS RAPARIGAS DO POSTO (ESTAGIARIAS NÃO ME SURPREENDE, NÃO É NOVIDADE E O PESSOAL SABE BEM OS RECANTOS ONDE ELES SE ESCONDEM...ISSO TAA MAIS K BATIDO (...); “o Sr. responsavel pelo posto com as suas ovelhas (soldados) com o devido respeito se as coisas são mesmo como se falam, enão o melhor é alistaren-se na Camara a pedir para varrer ruas (O QUE DIGNIFICA QUEM O FAZ) Pois sera a unica maneira de limpar a porcaria que anda por aí de outra forma não conseguem. AH AH AH”; “A mulher dele é que devia ser SARGENTA, sempre tem mais jeito para mandar do que o Sr. R... Também com aquela antipatia toda, só lhe falta a farda, talvez tivesse mais jeito para isso do que para secretaria.”; ”Vitimas somos todos nós destes palhaços desta gnr a C.M.”; ”É só escândalos se fosse ao sargento fugia para a Bimbilónia.”; “e a nossa GNR? andava por onde? no cantinho? na tasca das mealhas ou no café junto ao Bairro? ou ja estariam a dormir no posto? nem a porta do posto gaurdam as coisas? deixam asaltar carros que estao estancionados junto ao predio do lado... vergonha, é a palavra que encontro para falar desses senhores, todos os s.brasenses sabem do que falo. quando foi ai a uns tempos o assalto a vodafone ligaram para o posto, os sr. abalaram e estancionaram junto a uniao, á espera que os assaltantes acabacem o serviço... lindo nao? eles tem é medo... mas dps é ve-los a fazer a ronda num estado que se fossem fazer o teste de alcoolemia... era lindo! em horarios de serviço em petiscos e almoços aki e ali... acho que ja chega de exemplos... cada um tire as conclusoes por si! o povo nao é parvo!!!! se nao servem para defender as pessoas servem para que? andar a caça a multa!?!? mais vale encerrar o posto! sempre era uma maternidade que se poupava de fechar..(...)”; “Hoje dia de Nossa Sr. de Fatima mas nem por isso vou poupar os agentes nem o Sr. comandante do posto afinal o k estão eles a fazer aí? sim eu sei é o tal tacho e daqueles empregos bons para BINBOS e pessoal K Não tem MAIS Nada na vida do k ficar na tropa e depois tar por lá .Mas eu sou homem e agora se calhar tb keria ser GNR, pois até tem la umas moças giras se calhar é por isso k eles tavam a dormir no posto....obrigado pela oportunidade”; “..... tÁ ao RUBRO PELAS PIORES RAZÕES TUDO O K É AUTORIDADE SEJA CANARA SEJA GNR DEVIAM FUGIR PARA BEM LONGE OU ENTÃO ORGANIZAR DUAS EQUIPAS DE footbal E JOGAREM SINAL K SEMPRE SE MEXIAM E JUSTIFICAM O ORDENADO K GANHAM SIM E O COMANDANTE DO POSTO PODIA IR PARA A BALIZA NÃO É ALTO MAS É GORDO.....POIS PARA ALEM DISSO NÃO SE NOTA GRANDE COMPETENCIA SERA K ELES TEM NET PARA ACEDER AOS blogs...PODIA SER K APRENDESSEM ALGO COM O K AKI SE FALA.”;

14. No dia 10 de Janeiro de 2007, foi apreendido ao arguido o computador descrito em 2, onde constavam vários ficheiros de texto com segmentos de informação acerca dos factos descritos.

15. O arguido praticou os factos descritos na residência onde residia em Almancil.

16. Ao permitir que fossem escritos, durante cerca de três meses, e que constassem no respectivo blog os comentários, as expressões e factos inverídicos descritos relativos à Guarda Nacional Republicana e ao seu responsável GR, cujo conteúdo o arguido conhecia e aderiu, bem sabendo que os mesmos atentavam grave e seriamente contra a honra, dignidade e bom nome pessoal e profissional do referido agente de autoridade, o que quis, participando ao fazer ali constar, ele próprio, “actuação da GNR paupérrima”.

16. Sabia ainda que os referidos comentários propalavam factos inverídicos acerca da GNR e que eram susceptíveis de ofender a credibilidade, prestígio e confiança que lhes eram devidos enquanto organismo que exerce a autoridade pública.

17. Apesar do conteúdo de tais comentários e de os conhecer, o arguido enquanto gestor da referida página electrónica, tendo a opção de moderação e de eliminação dos mesmos, decidiu mantê-los on line, permitindo a sua publicação e visualização.

18. O arguido conhecia a qualidade profissional de AE e de G. sendo devido ao exercício das suas funções que agiu da forma descrita.

19. O arguido sabia igualmente que a Internet era um meio que facilitava a divulgação do conteúdo da ofensa e que o referido blog era lido/consultado por um grande número de pessoas, funcionando como uma espécie de diário de noticias da localidade de -----, local onde os AE e de G, devido às suas funções, eram pessoas conhecidas da população.

20. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei penal.

Do pedido de indemnização cível deduzido por AE:
21. Desde a publicação da fotomontagem referida em 4. o demandante foi alvo de comentários e referências jocosas entre o público em geral, sendo frequente ouvir-se nas Ruas de ---- referências ao Presidente da Câmara sustentadas pela fotomontagem referida em 6., sexualmente apelativa.

22. O demandado sabia que tal imagem publicada no blog seria conhecida o público e que era objecto de referências por parte deste.

23. Tal situação incomodou o demandante, inibindo-o até de se deslocar a certos lugares públicos em poderiam ser feitos comentários a seu respeito, deprimindo-o e angustiado-o.

24. É frequente ter de frequentar lugares públicos, atenta a sua qualidade de presidente de Câmara, pelo que o cumprimento das suas funções públicas tornou-se mais penoso, afectando a sua capacidade de trabalho e de lidar com o público.

25. A situação descrita em 4. a 6. foi do conhecimento dos familiares mais próximos do demandante, tendo tido dificuldade em lidar com tal problema, nomeadamente, em dar explicações sobre o caso.

26. AE tem filhos menores que se aperceberam dos rumores que corriam, o que lhe causou angústia.

27. O caso foi comentado na Câmara Municipal de....pelos funcionários, o que criou igualmente mal estar, desconforto e angústia ao demandante.

28. O demandante durante meses sentiu-se, e ainda se sente, vexado, angustiado e ofendido na sua honra e consideração pela circulação pública que o demandado fez da fotomontagem e respectiva legenda.

Do pedido de indemnização cível deduzido por GR:

29. O demandante G é Sargento-Ajudante da Guarda Nacional Republicana.

30. Nessa qualidade, em data não concretamente apurada, foi colocado no comando do Posto Territorial de------.

31. O demandante é casado.

32. O demandando sentiu dor, angustia, tristeza e ansiedade em consequência da publicidade dos comentários descritos em 13., quer em termos pessoais, quer em termos profissionais.

33. O demandando passou a ser alvo de referências por parte de terceiros e a sua estabilidade familiar foi afectada, sendo que a sua mulher chegou a ponderar o divórcio.

34. O demandando reside à data dos factos e actualmente em -----, donde não tinha a intenção de sair.

35. O demandado deixou de se sentir ter as condições necessárias no exercício do Comando do Posto Territorial de ---- em consequência do descrito em 12. e ss.

36. O demandado foi colocado por escolha no Comando do Destacamento Territorial de Faro, a fim de desempenhar funções de Adjunto do Comandante do referido Destacamento, por necessidade e interesse do serviço, tendo em conta as suas qualidades pessoais e as exigências da função a desempenhar, por despacho datado de 23 de Julho de 2007, deixando na mesma data de exercer funções de Comandante do Posto Territorial de ----

37. O demandado, enquanto Comandante de Posto, tinha direito aos suplementos de escala no valor de € 70,35 mensais, bem como a € 129,44 mensais como suplemento de comando, totalizando cerca de € 199,79 mensais.

38. Actualmente, no exercício de funções de Adjunto do Comandante do Destacamento territorial não aufere os suplementos descritos em 37.

Mais de provou:
39. O arguido produziu comentários e eliminou comentários efectuados pelos utilizadores do blog no espaço temporal descrito em 13 e após o mesmo.

40. O arguido, enquanto administrador do blog, auto-intitulava-se “a gerência”.

41. Nessa qualidade interveio várias vezes, algumas das quais apelando à moderação dos aludidos comentários efectuados pelos utilizadores do blog.

42. Os comentários descritos em 13. não careciam de aprovação por parte do administrador, uma vez que a moderação dos mesmos era opcional e não se encontrava accionada, mas já se encontrava disponivel à data.

43. O arguido tem a equivalência ao 12º ano de escolaridade e exerce a actividade profissional de assistente administrativo, funcionário público no Centro de Saúde de ----, auferindo cerca de € 700 mensais.

44. Reside em casa da sua mãe, com esta, contribuindo para as despesas e prestando cerca de € 200 à sua filha com 4 anos de idade, que nasceu no período temporal referido em 10.

45. O arguido vivenciou a infância numa ambiência adequada potenciadora de um processo de crescimento sustentado, não obstante os condicionalismos de ordem económica do agregado. Regista um trajecto profissional contínuo como funcionário público no sector da saúde, onde foi referenciado como um profissional competente e responsável. Apresentando um percurso politico e cívico pautado por elevada participação e empenho, tendo exercido cargos publicos ao nível local. Beneficia do apoio da familia, sobretudo da mãe, com quem reside na actualidade e que constitui importante suporte de rectaguarda.

46. O arguido não apresenta registados antecedentes criminais no seu percurso de vida;

A mesma sentença julgou não provados os seguintes factos:

Factos Não Provados:
Produzida a prova e discutida a causa, expurgadas as expressões de teor conclusivo ou de jurídicas, resultaram não provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da mesma:

Da acusação pública:

a) O blog referido em 1. designava-se ---blog@sapot.pt.
b) Os factos descritos em 4. ocorreram presumivelmente no dia 10 de Março de 2006.
c) No contexto factual descrito em 4., o arguido utilizou uma fotografia de camapnha eleitoral de AE.
d) Desconhecidos efectuaram as hiperligações descritas em 6.
e) AE e GR tiveram conhecimento dos factos praticados pelo arguido em -----.
f) O arguido fomentou os comentários descritos em 13. através da publição do “post” referido em 11.

Do pedido de indemnização deduzido por AE.
Com relevância para a decisão da causa, não existem.

Do pedido de indemização cível deduzido por GR:

g) O demandante foi colocado em 1995 a chefiar o Posto da GNR de --- que tinha, à data, 18 militares como efectivos.
h) Adquiriu uma moradia em -----onde passou a viver com a sua familia.
i) Durante os 23 anos que exerceu funções como agente da autoridade, sempre foi visto como um profissional competente, honesto e respeitador.
j) Sempre aputou a sua actuação profissional pelo brio, honestidade, competência e respeito.
k) Respeito, não só pelos cidadãos em geral, como igualmente, pelos militares com quem se relacionou profissionalmente , quer superiores, quer subordinados.
l) È casado desde há 18 anos.
m) Durante a constância do matrimónio sempre usufruiu de um ambiente familiar estável, respeitoso e carinhoso que lhe aportava o necessário equilíbrio para desenvolver a sua actividade profissional.
n) Sempre teve bom relacionamento com a generalidade da comunidade de -----.
o) Antes da deslocação, não necessitava de utilizar a viatura para se deslocar para o local de trabalho e respectivo regresso, bem como tomava referições em casa com a esposa – que trabalha na Câmara Municipal de ---- - e os dois filhos.
p) Actualmente, paga diariamente a 2ª refeição na Messe de Faro, onde paga cerca de € 4,03.
q) A diferença decorrente da deslocação para Faro e a refeição que tomava em casa e em família em ---- suporta cerca de € 1,50.
q) Deixou de auferir os subsídios descritos em 37. dos factos provados em consequência da conduta do arguido.

Da sentença proferida o arguido e demandado veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Meritíssimo Juiz a quo depositada a 28.04.2010, que condenou o arguido como autor de dois crimes de difamação agravada e um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço que exerça a autoridade pública na pena única de 275 dias de multa, à razão diária de € 5, num total de € 1375 euros; no pagamento de € 1500 euros a título de indemnização civil ao demandante cível AE e no pagamento de € 1000 ao demandante cível GR.

DO CRIME DE DIFAMAÇÃO AGRAVADA CONTRA AE

II. Os factos que estão na origem da condenação do Recorrente pela prática do crime de difamação agravada contra AE (fotomontagem) consubstanciam uma sátira política e humorística, não imputando através dessa fotomontagem a AE concretas relações de índole sexual com pessoas concretas no local de trabalho, sendo sim uma metáfora de que aquele não se estava a dedicar ao seu trabalho como autarca como deveria, não revelando uma concreta aptidão para lesar a honra e dignidade devidas a AE.

III. Os limites da crítica admissível, como corolário fundamental do direito à liberdade de expressão, são mais amplos em relação a um homem político como AE, Presidente da Câmara Municipal de ..., agindo na sua qualidade de personagem pública, que um simples particular, havendo uma redução da dignidade penal e da carência da tutela penal da honra.

IV. É do conhecimento público que são vulgares, copiosas e socialmente aceites todas as sátiras políticas através de banda desenhada, programas televisivos e fotomontagens em que se “sugere” que as figuras políticas têm comportamentos desviantes e que ocupam o tempo e local de trabalho em práticas alheias à sua profissão e de profissionalismo e moralidade duvidosas; bem como é socialmente aceite relacionar o comportamento das Figuras Políticas com a “Teoria da Conspiração” e com a “Corrupção Política”, como acontece no presente caso com a hiperligação ao endereço electrónico da página “Wikipédia”.

V. Pelo que se deverá considerar que os factos provados em causa quanto à prática do crime de difamação agravada contra AE são atípicos, não preenchendo o ilícito em causa; devendo o Recorrente ser absolvido da prática do crime de difamação agravada contra AE e, em consequência do pedido cível por aquele formulado, uma vez que consubstanciam o exercício do direito à liberdade de expressão.

VI. Ao assim não considerar, a douta sentença recorrida violou os arts. 180º nº 1. 182º, 183º nº 1 a) e 184º, todos do Código Penal, bem como o art.37º da Constituição da República Portuguesa, o art. 10º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o art. 19º nº 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o art. 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; devendo ser revogada, substituindo-se por outra decisão que absolva o Recorrente da prática do crime de difamação agravada contra AE..

DO CRIME DE DIFAMAÇÃO AGRAVADA CONTRA GR
VII. Relativamente ao “post” intitulado “GNR tem actuação paupérrima” não pode o Recorrente concordar que essa frase consubstancie um crime de difamação agravada contra GR, enquanto Comandante do Posto da GNR de ...., uma vez que essa frase é claramente acerca da GNR enquanto corporação, não preenchendo o ilícito em causa; devendo o Recorrente ser absolvido da prática do crime de difamação agravada contra GR nesta parte, em consequência do pedido cível por aquele formulado; ao assim não considerar, a douta sentença recorrida violou os arts. 180º nº 1. 182º, 183º nº 1 a) e 184º, todos do Código Penal.

VIII. Relativamente aos comentários referidos em 13 dos factos provados, resulta provado que os comentários foram feitos por outras pessoas que não o Arguido, numa conta associada ao blog, gerida através de um código base, onde são recepcionados os comentários dos visitantes, reservando-se a última palavra à administração (neste caso, ao Arguido) que os pode proibir ou eliminar a todo o tempo.

IX. O facto de o Recorrente não ter antes da ocorrência dos factos alterado as definições do blog de modo a que a sua publicação deixasse de ser automática não consubstancia per si um facto ilícito.

X. Mesmo que o Recorrente tivesse a possibilidade de eliminar os comentários, interrompendo a realização da acção típica, não foi ele quem decidiu publicar os comentários nessa conta associada mas sim os utilizadores que os produziram – que são pessoas concretas diferentes do Arguido, sendo claramente excessivo considerar que é ele o Autor desses comentários, através da teoria do domínio do facto, uma vez que ele não utilizou “mãos alheias” para cometer um “facto próprio”, não se podendo considerar de modo algum que utilizou outros para cometer o crime em causa, nem que está preenchido o elemento subjectivo sob a forma de dolo directo.

XI. Ao assim não considerar, o tribunal apreciou pois erradamente a prova que tinha à sua disposição, o que resulta do próprio texto da decisão recorrida, violando assim o art. 410º nº2 alínea c) do Código de Processo Penal, bem como os arts. 180º nº 1. 182º, 183º nº 1 a) e 184º do Código Penal, devendo o Arguido deve ser absolvido da prática do crime de difamação agravada contra GR, posto que não foi efectivamente ele mas sim desconhecidos quem produziu os comentários constantes de 13. dos factos provados.

XII. O facto de os comentários terem sido feitos numa conta associada do blog, de o Arguido os receber em sinal aberto na conta de email, e o facto de ter feito também ele comentários acerca de alguns comentários feitos pelos utilizadores não são fundamentos suficientes para considerar provado que o Arguido conhecia todos os comentários feitos pelos visitantes sobre GR constantes de 13 dos factos provados, não sendo a prova manifestamente suficiente para considerar que o Arguido conhecia especificamente cada um dos comentários sobre GR, aderindo por isso ao seu teor.

XIII. Pelo que a douta sentença de que ora se recorre violou o art. 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o art. 11º n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 6º n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o art. 127º e o os art. 410º nº2 alínea c) do Código de Processo Penal, bem como os arts. 180º nº 1. 182º, 183º nº 1 a) e 184º do Código Penal, devendo a decisão ser substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de difamação agravada contra GR.

XIV. Mesmo que assim não se considerasse, deveria ter sido ponderado, tal como consta da fundamentação da matéria de facto (pág. 16), que o Recorrente rejeitou qualquer responsabilidade quanto aos comentários efectuados pelos utilizadores, afirmando que estes apenas vinculam quem os escreveu, tanto mais que não conhecia o respectivo teor até ser notificado da acusação pública, uma vez que os comentários eram automaticamente publicados no blog e não estavam sujeitos a triagem do administrador.

XV. Uma vez que o Recorrente nunca considerou que o teor dos comentários feitos pelos utilizadores lhe podia ser imputado a qualquer título, não tendo consciência que o facto de eles constarem da conta associada ao blog o fazia incorrer na prática de um crime, deveria considerar-se que o Recorrente agiu em erro sobre a ilicitude e por isso sem culpa no presente caso, devendo por isso ser absolvido; e mesmo que se considere que este erro é censurável, a pena deveria ser sempre especialmente atenuada, ao assim não considerar, violou a douta sentença a quo o art. 17º nºs 1 e 2 180º nº 1. 182º, 183º nº 1 a) e 184º do Código Penal.

DO CRIME DE OFENSA A PESSOA COLECTIVA

XVI. Relativamente aos comentários referidos em 13 dos factos provados, resulta que os comentários foram feitos por outras pessoas que não o Arguido, numa conta associada ao blog, gerida através de um código base, onde são recepcionados os comentários dos visitantes, reservando-se a última palavra à administração (neste caso, ao Arguido) que os pode proibir ou eliminar a todo o tempo.

XVII. O facto de o Recorrente não ter antes da ocorrência dos factos alterado as definições do blog de modo a que a sua publicação deixasse de ser automática não consubstancia per si um facto ilícito.

XVIII. Mesmo que o Recorrente tivesse a possibilidade de eliminar os comentários, interrompendo a realização da acção típica, não foi ele quem decidiu publicar os comentários nessa conta associada mas sim os utilizadores que os produziram – que são pessoas concretas diferentes do Arguido, sendo claramente excessivo considerar que é ele o Autor desses comentários, através da teoria do domínio do facto, uma vez que ele não utilizou “mãos alheias” para cometer um “facto próprio”, não se podendo considerar de modo algum que utilizou outros para cometer o crime em causa, nem que está preenchido o elemento subjectivo sob a forma de dolo directo.

XIX. Ao assim não considerar, o tribunal apreciou pois erradamente a prova que tinha à sua disposição, o que resulta do próprio texto da decisão recorrida, violando assim o art. 410º nº2 alínea c) do Código de Processo Penal, bem como os arts. 187º nºs 1 e 2 a) e 183º nº 1 a) do Código Penal do Código Penal, devendo o Arguido deve ser absolvido da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva contra a GNR, posto que não foi efectivamente ele mas sim desconhecidos quem produziu os comentários constantes de 13. dos factos provados.

XX. O facto de os comentários terem sido feitos numa conta associada do blog, de o Arguido os receber em sinal aberto na conta de e-mail, e o facto de ter feito também ele comentários acerca de alguns comentários feitos pelos utilizadores não são fundamentos suficientes para considerar provado que o Arguido conhecia todos os comentários feitos pelos visitantes sobre os soldados do Posto da GNR de ---- constantes de 13 dos factos provados, não sendo a prova manifestamente suficiente para considerar que o Arguido conhecia especificamente cada um dos comentários sobre os referidos soldados da GNR, aderindo por isso ao seu teor.

XXI. Pelo que a douta sentença de que ora se recorre violou o art. 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, o art. 11º n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e o art. 6º n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o art. 127º e o os art. 410º nº2 alínea c) do Código de Processo Penal, bem como os arts. 187º nºs 1 e 2 a) e 183º nº 1 a) do Código Penal, devendo a decisão ser substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de ofensa a pessoa colectiva.

XXII. Os comentários de 13. dos factos provados, que aqui se deixam por reproduzidos, referem-se à actuação dos soldados do Posto da GNR de ----, colocando em causa a conduta concreta desses soldados e não a GNR enquanto instituição e são por isso atípicos no que se refere ao crime de ofensa a pessoa colectiva; ao assim não considerar, o Meritíssimo Juiz a quo violou os arts. 187º nºs 1 e 2 a) e 183º nº 1 a) do Código Penal; devendo esta decisão ser substituída por outra que absolva o Arguido da prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva.

XXIII. Mesmo que assim não se considerasse, deveria ter sido ponderado, tal como consta da fundamentação da matéria de facto (pág. 16), que o Recorrente rejeitou qualquer responsabilidade quanto aos comentários efectuados pelos utilizadores, afirmando que estes apenas vinculam quem os escreveu, tanto mais que não conhecia o respectivo teor até ser notificado da acusação pública, uma vez que os comentários eram automaticamente publicados no blog e não estavam sujeitos a triagem do administrador.

XXIV. Uma vez que o Recorrente nunca considerou que o teor dos comentários feitos pelos utilizadores lhe podia ser imputado a qualquer título, não tendo consciência que o facto de eles constarem da conta associada ao blog o fazia incorrer na prática de um crime, deveria considerar-se que o Recorrente agiu em erro sobre a ilicitude e por isso sem culpa no presente caso, devendo por isso ser absolvido; e mesmo que se considere que este erro é censurável, a pena deveria ser sempre especialmente atenuada, ao assim não considerar, violou a douta sentença a quo o art. 17º nºs 1 e 2, bem como os arts. 187º nºs 1 e 2 a) e 183º nº 1 a) do Código Penal.

DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
XXV. Mesmo que não se absolva o Recorrente em sede de recurso da prática de cada um dos crimes em que foi condenado (difamação agravada contra AE, difamação agravada contra GR e ofensa à GNR), a medida concreta da pena aplicada por cada um dos crimes é exagerada, por excesso, no confronto com os factos, com o seu circunstancialismo e com as condições pessoais, sociais e económicas do Recorrente.

XXVI. O quantitativo diário deveria cifrar-se no máximo no € 3 e não nos € 5 e o número de dias de multa é também claramente excessivo.

XXVII. Pelo que o douto Tribunal a quo violou o art. 71º do Código Penal, devendo a sentença ser substituída por outra que, caso não absolva o Recorrente dos crimes em causa, lhe aplique uma pena significativamente diminuída em relação à aplicada.

DOS PEDIDOS DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

XXVIII. A prática dos factos nunca poderia ter sido considerada provada como integrando a prática de crime de difamação agravada contra AE e GR, caindo por terra toda a prova feita em relação aos danos, devendo o Recorrente ser absolvido dos pedidos cíveis formulados por AE e GR.

XXIX. Mesmo que assim não se entenda, no que concerne ao pedido de indemnização de AE, a douta sentença violou o art. 483º nº 1 do Código Civil no que diz respeito ao nexo de causalidade entre os factos e os danos, devendo tal decisão ser substituída por outra que absolva o Recorrente do pedido civil ou, caso assim não se entenda, que reduza o montante da indemnização de modo a respeitar, na medida do possível, o nexo de causalidade entre a referida fotomontagem e os danos efectivamente e exclusivamente por esta provocados.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve conceder provimento ao presente recurso e em consequência revogar-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine a absolvição do Recorrente na parte crime e consequentemente na parte cível e no pagamento das custas e procuradoria.”

O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo formulado, por sua vez, as seguintes conclusões:

I. O arguido recorre da decisão por esta padecer, em seu entender, designadamente, do vício previsto no artigo 410.°, n." 2, alínea e) do Código de Processo Penal erro notório na apreciação da prova.

II. Tendo presente que o vício referido tem que resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração o recurso a quaisquer elementos externos à própria decisão, torna-se clara a manifesta improcedência do presente recurso.

III. Ao longo do recurso, o que o arguido faz é criticar o uso que o tribunal fez do referido princípio da livre apreciação da prova.

IV. No fundo, o que recorrente pretende é que se dê como provada a sua versão dos factos. Porém, perante a prova produzida em julgamento, tal pretensão se revela de todo improvável.

V. O julgamento da matéria de facto não merece, quanto a nós, qualquer reparo, uma vez que a mesma tem correcto suporte na prova pericial, documental e testemunhal carreada para os autos, no qual o tribunal recorrido muito bem se fundamentou.

VI. Não foi assim, violado o disposto nos artigos 17.°, 180.°, n.º l. 182.°, 183.°, n.º1 , alínea a), 184.°, todos do Código Penal, nem os artigos 32.°, n.º 2 e 37.° da Constituição da República Portuguesa, nem o artigo 10.° n.º l da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o artigo 19.°, n.º2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os artigos 11.°, n.º 1 e 19.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, conforme alude o recorrente.

VII. E porque, não existiram circunstâncias que o tribunal a quo, não tivesse tido em consideração no doseamento das penas aplicadas ao ora recorrente, considerámos que as penas aplicadas foram justas e adequadas.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, defendendo a sua improcedência.

Tal parecer foi notificado aos sujeitos processuais, para se pronunciarem, nada tendo respondido.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

Os factos por que o arguido responde, criminal e civilmente, no presente processo, dividem-se em dois núcleos independentes entre si, que têm em comum apenas o terem sido levados a efeito pelo mesmo agente activo, no âmbito de um mesmo webblog que o arguido criou e administrava.

O primeiro desses núcleos factuais prende-se com a criação e divulgação pelo arguido de uma fotomontagem em que figura a imagem do demandante civil AE, a propósito do exercício por parte dele do cargo de residente da Câmara Municipal de ---

O segundo núcleo factual diz respeito a ter o arguido permitido, enquanto administrador do blogue, a inscrição e a permanência neste de diversos c comentários aduzidos por pessoas não identificadas, que visavam genericamente os militares da GNR em exercício de funções no posto de .... e individualmente o respectivo comandante, o ora demandante civil GR

Por causa da primeira situação foi o arguido condenado em pena de multa pela prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos arts. 180º nº 1, 182º, 183º nº 1 al. al. a) e 184º do CP e no pagamento de indemnização ao ofendido.

Devido à segunda situação foi o arguido condenado em penas de multa (objecto de cúmulo jurídico com a que lhe foi aplicada pelo ilícito criminal anteriormente referido) pela prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos arts. 180º nº 1, 182º, 183º nº 1 al. al. a) e 184º do CP, na pessoa de GR e de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço que exerça autoridade pública p. e p. pelos arts. 187º nºs 1 e 2 e 183º nº 1 al. a) do CP, em detrimento da GNR de .... e no pagamento de indemnização ao ofendido singular.

O recorrente impugnou autonomamente, em relação a cada um dos núcleos de factos por que responde, os fundamentos da condenação contra si proferida, invocando, em cada caso, razões de facto em razões de direito.

Em consequência, iremos conhecer, separada e sucessivamente, de cada «ramo» autónomo da pretensão recursiva, começando por recapitular as disposições legais em que se fundamentou a responsabilização criminal e civil do arguido.

O tipo criminal fundamental da difamação encontra-se definido pelo nº 1 do art. 180º do CP, nos termos seguintes:

Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.

O art. 182º do CP faz equiparar a difamação e a injúria verbais às efectuadas através escrito, imagem, gesto ou outro meio de expressão.

O nº 1 do art. 183º do CP comina a elevação de um terço do limite máximo da penalidade aplicável ao crime de difamação nas hipóteses tipificadas nas suas alíneas a) e b), sendo a primeira do seguinte teor:
A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação.

O art. 184º do CP determina a agravação das penas cominadas nas disposições legais citadas em metade nos respectivos limites mínimo e máximo, quando a vítima seja uma das pessoas referidas na al. j) do nº 2 do art. 132º do CP redacção anterior à Lei nº 48/07 de 29/8, vigente ao tempo dos factos e equivalente à al. l) da redacção actual), no exercício das suas funções ou por causa delas.

A al. j) do nº 2 do art. 132º do CP, na versão em vigor ao tempo dos factos incriminados, e a alínea que lhe equivale no texto actual enumeram diversas categorias de pessoas, entre as quais podemos destacar, com interesse para o caso que nos ocupa, «membro de órgão das autarquias locais», «comandante de força pública» e «agente das forças ou serviço de segurança».

O art. 187º do CP, na redacção em vigor ao tempo dos factos, dispunha:

1. Quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidas a pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. É correspondentemente aplicável o disposto:
a) No artigo 83º; e
b) Nos nºs 1 e 2 do artigo 186º.

Na versão actualmente em vigor, o nº 1 do artigo agora transcrito reza

Quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofenderem a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidas a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.

No domínio da responsabilidade civil por facto ilícito, temos que a sede legal desta fonte das obrigações é o nº 1 do art. 483º do CC, que estatui:

Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer dis0osição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

O dever de indemnizar estende-se aos danos não patrimoniais, por força do art. 496º do CC:

1 – Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 – …
3 – O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º…

O nº 4 do art. 494º do CC, a que alude o nº 3 do art. 496º, é do seguinte teor:
Quando a responsabilidade se fundar em mera culpa poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

No que se refere ao crime de que ao crime de que foi vítima AE, o recorrente não põe em causa a veracidade da sua conduta objectiva apurada em julgamento, apenas questionando a aptidão da fotomontagem por si criada e divulgada para lesar a honra e a consideração do visado.

Antes de mais, impor-se-á uma breve tentativa de definição do bem jurídico tutelado pela norma que prevê e pena o crime de difamação.

A criminalização dos atentados à honra e consideração de outrem constitui um afloramento da protecção constitucional dispensada ao direito ao bom-nome e à reputação pelo art. 26º da Lei Fundamental.

A propósito desse direito fundamental escreve Augusto da Silva Dias («Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e de Injúrias», págs. 17 e 18, AAFDL, 1989:

«Como explicitação directa do princípio da dignidade humana integra este direito um núcleo essencial representativo da dimensão existencial do homem, pelo que, sem a sua protecção perante certas agressões, não é concebível o desenvolvimento social da pessoa. O seu conteúdo é constituído por uma pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Sem a observância social desta condição não é possível à pessoa realizar os seus planos de vida e os seus ideais de excelência na multiplicidade de contextos e relações sociais em que intervém. O bem jurídico constitucional assim delineado apresenta um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim ao cabo, uma pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade».

O bem jurídico em causa tem vindo a ser objecto das mais diversas tentativas de configuração dogmática, as quais se agrupam, por via de regra, em duas grandes correntes, a saber a concepção normativa e a concepção fáctica de honra, tendendo hoje a doutrina dominante a adoptar um ponto de vista dual em que convergem elementos dessas duas concepções.

A este respeito, expende José de Faria Costa («Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial», Tomo I, pág. 607):

«Em face destas dificuldades, não surpreende que a doutrina dominante tempere a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção dual): a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior».

E mais adiante:

«Na verdade, e ao contrário do que acontece noutras legislações, o ordenamento jurídico-penal português, na linha da tradição anterior e, sobretudo, em inteira consonância coma ordem constitucional, alarga a tutela da honra também à consideração ou reputação exteriores».

A problemática da fotomontagem como possível instrumento de comissão de crimes contra a honra não tem sido tratada, que saibamos, pela doutrina e pela jurisprudência penais portuguesas.

Atente-se, desde já, que, quando falamos de fotomontagem, referimo-nos, como não podia deixar de ser, àquela que, pelas características, é identificável como tal por qualquer observador dotado de aptidões e conhecimentos médios e não à que é susceptível de ser tomada pelo mesmo observador por uma fotografia inalterada, pois, neste último caso, será merecedora de tratamento idêntico, para efeitos criminais, àquele que é conferido às fotografias autenticas.

Conforme pode inferir-se da observação da respectiva reprodução, junta a fls. 35, a fotomontagem em causa inscreve-se indubitavelmente na primeira categoria, isto é que é identificável como montagem aos olhos de um observador médio.

De resto, a sentença recorrida não parece ter partido de outro pressuposto.

Ao invés das fotografias inalteradas, a fotomontagem não reproduz a realidade objectiva enquanto tal, mas antes consiste numa composição que conjuga elementos retirados de diversas imagens autênticas, com a finalidade de fazer passar uma determinada mensagem, a qual pode relevar do humorismo puro e simples ou visar, como sucederá o mais das vezes, propósitos de crítica política, social ou cultural.
Daí que entendamos que a fotomontagem constitui uma forma de expressão artística que não pode ser equiparada, enquanto possível meio de cometimento de crimes contra a honra, à fotografia propriamente dita ou a outros meios técnicos de reprodução visual da realidade.

Na falta de um tratamento doutrinal e jurisprudencial específico desta realidade, teremos de nos socorrer do trabalho desenvolvido pela doutrina a propósito de outras formas de arte que apresentam um certo grau de afinidade com a fotomontagem, como sejam a caricatura e a sátira.

Nesta parte, seguiremos de perto as considerações tecidas por Manuel da Costa Andrade («Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal», Coimbra 1996, pág. 240 a 245) a respeito da caricatura e da sátira procurando adaptá-las, mediante um raciocínio analógico, à realidade da fotomontagem, sem perder de vista as características específicas desta modalidade de expressão artística.

Assim, procurando sintetizar o pensamento do Autor citado sobre a aptidão da caricatura e da sátira para servirem de meio de comissão de crimes contra a honra, diremos que a ordem constitucional confere a estas formas específicas de criação uma tutela particularmente alargada e reforçada, mesmo em confronto com outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão.

No âmbito da caricatura e da sátira, importa distinguir, segundo o Autor a que nos reportamos, entre a «roupagem» exterior destas formas de expressão artística e a «mensagem» por elas veiculada, de forma a poder proceder a uma valoração diferenciada de cada um destes elementos.

Dado que a caricatura e a sátira se alimentam necessariamente do exagero, da hipérbole, da acentuação desproporcionada e deformada de aspectos do real, de marcas da imagem ou de traços do carácter, a eventual colisão da «roupagem» exterior com bens jurídicos pessoais do visado, como a honra, não deverá ser considerada típica, a não ser em casos extremados em que própria «roupagem» configure um atentado irredutível e intolerável à dignidade humana.

Como tal, em princípio, as vulnerações da honra alheia levadas a efeito através da caricatura ou da sátira apenas serão susceptíveis de relevar para o preenchimento da tipicidade do crime de difamação quando praticados por via da «mensagem» por elas veiculada.

De todo o modo, a caricatura e a sátira, como formas de expressão artísticas que são, tendem à criação de novas manifestações de realidade e de experiência que relevam do mundo poético, pelo que, mesmo quando têm como ponto de partida, pessoas ou acontecimentos reais, propendem para a tipificação e a abstracção e ao corte das referências directas às pessoas e aos factos que lhes deram origem.

Na medida em que essa tendência se concretizar, a caricatura ou a sátira será tanto menos idónea a dar origem a lesões criminalmente relevantes na esfera jurídica das pessoas a que se referenciavam, seja por via da sua «roupagem» exterior seja ao nível da «mensagem» transmitida, permanecendo aquelas como mero veículo ou paradigma da «verdade artística».

Procuremos, então, aplicar o raciocínio exposto à situação em apreço, com as adaptações requeridas pelas especificidades da forma artística (fotomontagem) aqui em causa.

Como forma de expressão artística que é, a fotomontagem encontra-se abrangida pela liberdade de criação cultural consagrada no art. 42º da CRP.

Transpondo para esta modalidade de criação artística a distinção estabelecida pelo Autor acima referenciado, diremos que, na fotomontagem, a «roupagem» exterior consiste na composição de imagens propriamente dita, enquanto a «mensagem» é a ideia-força que esta transmite.

Na fotomontagem em causa, a composição integra, ao fundo, a imagem de um homem sentado a uma secretária, que, de acordo com o contexto factual apurado nos autos, sabemos ser o demandante AE, e, em primeiro plano, uma figura feminina, de costas e visível apenas até à cintura, envergando «lingerie» e sapatos de salto alto, de pé sobre a secretária e com as pernas afastadas, pelo meio das quais é visível a figura do demandante.

Por cima da descrita composição de imagens, aparece a legenda: «A trabalhar a para a nação».

O demandante AE exercia ao tempo o cargo de Presidente da Câmara Municipal de....e a sua fotografia que figura na fotomontagem foi por ele divulgada através de uma mensagem de correio electrónico, que dirigiu aos seus munícipes.

Embora a composição de imagens que vimos analisando contenha a sugestão óbvia de um encontro sexual entre a figura masculina e a figura feminina retratadas, não vislumbramos que dela resulte vulnerada de forma flagrante a dignidade do demandado, enquanto pessoa, pois não põe em causa os valores fundamentais da personalidade do visado, tanto mais que todo o conjunto aparece marcado por uma evidente conotação humorística e jocosa.

Nesta ordem de ideias, teremos de concluir que a «roupagem» exterior da fotomontagem não é susceptível de constituir atentado criminalmente relevante contra a honra do demandante AE, de acordo com o critério anteriormente exposto e por nós perfilhado.

Relativamente à «mensagem» veiculada pela fotomontagem em apreço e ainda que sua determinação possa envolver sempre alguma subjectividade, a interpretação mais evidente seria no sentido de que os titulares dos cargos políticos os exercem em seu próprio proveito, sem que isso implique a imputação concreta ao demandante AE de factos ilícitos, desonrosos ou indignos.

Reconhecemos que o efeito de distanciação da forma de expressão artística em relação à pessoa que a motivou, a que anteriormente fizemos alusão, pode ser menos notável na fotomontagem, em comparação com o que sucede com a caricatura, já que a primeira, ao invés da segunda, envolve o uso da imagem fotográfica da pessoa visada.

Ainda assim, somos de entender que referido efeito de distanciação só poderia ficar eventualmente precludido, relativamente à fotomontagem incriminada, no caso de se ter demonstrado que a sua criação tivesse sido referenciada a qualquer situação concreta a que o demandante, com fundamento ou sem ele, tivesse sido associado.

Ora, inexistem elementos de facto que apontem nesse sentido.

Em consequência, o demandante AE surge na fotomontagem, que vimos discutindo, como um veículo ou paradigma, salvo o devido respeito, de uma mensagem de carácter mais geral.

Como tal, impõe-se concluir que a referida fotomontagem não comportou ofensa à honra e consideração do demandante AE, típica do crime de difamação por cuja prática o arguido foi condenado em primeira instância.

A valoração agora feita da mesma fotomontagem mostra-se logicamente incompatível com o ponto 7 da matéria de facto provada.

Nesta conformidade, determina-se a alteração da matéria de facto assente, no sentido da supressão do ponto 7 da mesma e a relegação do seu conteúdo para a factualidade não provada.

Visto que a fotomontagem criada e divulgada pelo arguido não era susceptível, pelas suas características, de lesar a honra e a consideração do demandante AE, necessário será concluir que a criação e divulgação de tal fotomontagem pelo arguido não preenche o tipo criminal da difamação, pelo qual o arguido foi condenado.

Consequentemente, impõe-se determinar a alteração da sentença recorrida, no sentido da absolvição do arguido do crime de difamação de que teria sido ofendido AE.

Idêntico juízo terá de ser formulado em relação ao pedido de indemnização civil formulado pelo mesmo demandante.

Se é certo que se manteve inalterado o juízo probatório afirmativo que recaiu sobre os factos alegados no articulado do referido pedido indemnizatório, que integravam, na tese do demandante, os danos não patrimoniais carentes de ressarcimento, a valoração feita no presente acórdão da conduta do arguido de que foi alvo AE terá forçosamente de reflectir-se na viabilidade de tal pretensão.

De acordo com o disposto no nº 1 do art. 483º do CC, que acima transcrevemos, um dos pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos reside justamente na ilicitude da conduta lesante, isto é na sua desconformidade ao direito.

Uma verificada a licitude da conduta em causa, necessariamente terá de soçobrar a pretensão indemnizatória deduzida por AE..

De seguida, conheceremos da pretensão recursiva, na parte relativa à responsabilidade criminal e civil do arguido e demandado emergente dos comentários inscritos por terceiros não identificados no blogue de que ele era administrador e que tiveram por alvo militares da GNR a prestar serviço no posto de... e, concretamente, o respectivo comandante, o ora demandante GR

Nesta parte, o recorrente, impugna directamente a decisão sobre a matéria de facto, alegando que não ficou provado que tivesse tomado conhecimento do conteúdo de todos os comentários inscritos no blogue que administrava, nem tivesse tido a possibilidade de eliminar os comentários de conteúdo eventualmente ofensivo.

Ao decidir diversamente, a sentença impugnada violou, para além das normas incriminadoras da lei penal substantiva, o disposto no art. 410º nº2 al. c) do CPP.

Na parte que interessa à questão suscitada pelo recorrente, o nº 2 do art. 410º do CPP dispõe:

Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) …;
b) …;
c) Erro notório na apreciação da prova.

O erro notório na apreciação da prova é aquele que é perceptível aos olhos de toda e qualquer pessoa, mesmo não dotada de conhecimentos específicos e que ocorre quando se torna evidente que a conclusão a extrair pelo julgador de determinado meio de prova ou conjunto de meios de prova não podia ser aquela que ele efectivamente extraiu.

Nesta conformidade, o vício a que nos referimos configura-se como uma verdadeira oposição lógica entre a prova e a decisão, não podendo ser confundido com a mera discordância do exame crítico da prova feito pelo julgador, no processo de formação da sua livre convicção.

Na verdade, o erro notório na apreciação da prova situa-se aquém da respectiva análise crítica, pois verifica-se quando a conclusão probatória formulada seja repelida pelo conteúdo da prova, em qualquer apreciação crítica plausível.

Qualquer dos vícios tipificados no nº 2 do art. 410º do CPP terá de ser inferido do próprio texto da sentença, por si ou conjugado com as regras de experiência comum, não podendo ser tomados em consideração elementos exteriores, nomeadamente, meios de prova cujo conteúdo não esteja de alguma forma reflectido no texto da decisão.

Para fundamentação do juízo probatório, na parte questionada pelo recorrente, expende-se na sentença recorrida (transcrição com diferente tipo de letra):

A convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada da declarações do arguido e dos diversos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, bem como dos documentos/elementos probatórios juntos aos autos, apreciados de harmonia com o príncipio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º do Código de Processo Penal, bem como nas regras da experiência comum.

O arguido que prestou declarações, confirmando ter criado uma página na internet, vulgarmente designada como “Blog” denominado ----blogspot.com (associado a todo o teor dos presentes autos permite corrigir o mero lapso de escrita constante da acusação quanto à respectiva denominação, facto que carece de ser comunicado ao arguido por ter sido pelo mesmo referenciado), após ter criado previamente um email para gerir o mesmo, onde recolhia e publicava notícias relacionadas com ----, eventos e informações das festas, por ser uma pessoa interessada na localidade, tendo inclusivamente pertencido à Comissão Politica da CDU local, bem como foi membro da Junta de Freguesia. Afirmou que geria o blog na casa onde vivia (confirmando o endereço constante do ponto 3.) como se fosse um “jornal diário” que foi ficando conhecido da população, por ser uma localidade pequena, confirmou ainda integralmente o teor da factualidade vertida em 1. e 5., esclarecendo apenas que criou o referido blog na Biblioteca ---- e não em casa. Referiu ainda que efectuou uma hiperligação à wikipédia para que ninguém “descarregasse” a referida imagem mas que a mesma apresenta temas diferentes todos os dias, seleccionados de forma aleatória, conduzindo os utilizadores para os mesmos, não controlando o seu destino. Afirmou ter produzido a referida fotomontagem no âmbito da sátira política, dando a ideia de distracção do Presidente da Câmara .... (bem como reconheceu e confirmou a autoria da fotomontagem constante de fls. 35), aquando do episódio de uma demolição de um edificio que marcou a actualidade (confirmando a factualidade descrita em 11.). Já no que se refere aos comentários efectuados pelos utilizadores e descritos em 13., rejeitou qualquer responsabilidade, afirmando que apenas vincula quem os escreveu, tanto mais que não conhecia o respectivo teor até ser notificado da acusação pública, uma vez que os comentários eram automaticamente publicados no blog e não estavam sujeitos a triagem do administrador (opção que só veio a conhecer no ano de 2007, acha) e foram produzidos de forma intensa após o referido episódio de demolição de um edificio em----(antes eram resíduais), não os tendo acompanhado, mas reconhecendo ter colocado um post com o título “a GNR teve actuação paupérrima”, que motivou os referidos comentários (que não eram encaminhados para o email associado ao blog). Referiu ainda que a partir do ano de 2007 podia eliminar comentários mas que não o fez porque teve conhecimento de que tinha sido instaurado um processo crime contra si, pretendendo manter inalterado o referido blog. Mais referiu não ler a maioria dos comentários mas que introduzia “posts” actualizados todos os dias durante o periodo temporal em causa (referido em 10.).
…………………………………………………………………………………………….
Tivemos ainda presente o teor de toda a prova documental junta aos autos (cfr. fls. 12 a 61, 63 a 143, 158, 165 a 167, 173 a 178, 212 a 219, 240 a 270), nomeadamente, o auto de apreensão de fls. 201, o relatório pericial e de exame constante de fls. 289/290 no que se refere às questões informáticas, cujo teor foi ainda complementado pelas declarações da testemunha RV.

Na verdade, esta testemunha foi determinante na concretização da factualidade vertida em 2., 3., 6., 9., 10., 12., 13., 14., 16., 17., 39., 41. e 42., porquanto esclareceu o tribunal no que se refere à dinâmica do processo informático respeitante ao “blog” criado e administrado pelo arguido. Assim, de forma objectiva, esclarecedora, consistente, sólida e reveladora de um profundo conhecimento directo das características e funcionalidades do sistema informatico que serve de suporte ao aludido blog (derivado das suas funções de perito informátidco da Policia Judiciária), o depoente afirmou que se encontra associada uma conta ao blog, gerida através de um código base, onde são recepcionados os comentários dos visitantes, reservando-se a “última palavra” à administração que os pode eliminar ou proibir a sua divulgação a todo o tempo, podendo ainda cernsurá-los porque os visualiza em código aberto na própria caixa da conta de email do administrador associada. Referiu ainda que, no ano de 2006, com toda a certeza, o arguido podia ter alterado as definições do seu blog, de modo a fazer uma restrição aos comentários dos utilizadores, deixando a sua publicação de ser automática, sendo necessário a permissão do administrador, mas que não o fez, bem como explicou ao Tribunal que a hiperligação que se associa a uma imagem ou post constante do blog é sempre voluntária e não aleatória, sendo direccionada ao destino final pelo administrador para uma outra página ou conteúdo (confirmando os conteúdos descritos no ponto 6. dos factos provados). Terminou, referindo que da análise que efectuou ao blog e à actuação do arguido enquanto administrador, constatou que o mesmo acompanhava intensamente o seu conteúdo, introduzindo 2 a 3 posts diários, respondendo aos comentários, encetando diálogos com os utilizadores, activamente. As declarações da testemunha merceram a absoluta confiança e credibilidade deste tribunal pela forma objectiva, consistente, segura e espontanea como foram prestadas, reveladoras ainda de profundo conhecimento técnico das questões informáticas abordadas nos autos.

Na verdade, as declarações da referida testemunha associadas ao teor do print junto aos autos a fls. 574 a 680, decorrente da visualização do blog criado e administrado pelo arguido em sede de audiência de julgamento (cfr. acta respectiva), demonstram, de forma clara e inequivoca, que o arguido tinha conhecimento do teor dos comentários descritos em 13., bem como de toda a dinâmica de utilização e visualização da referida página, respondendo aos aludidos comentários, em datas intercalares e posteriores aos mesmos, apelando, em alguns casos à moderação dos utilizadores, vendo o respectivo conteúdo, noutros casos, aquando de comentários mais inflamados por parte dos utilizadores, em resposta a um comentário em que um utilizador reagia contra os mesmos, o arguido, na qualidade de administrador, que se identificava no mesmo em posts como “a gerência” (cfr. fls. 574, 576, 577, 583, 587, 590, 596, 597, 608, 609/610, 630, 633, 635, 637, 638, 639, 641, 642, 649, 650, 652, 654, 656, 657, 660, 663, 665, 669, 671, 674, 676 e 678), chegou a afirmar que: “a gerência publica TUDO o que tenha a ver com ----”- cfr. em especial o teor de fls. 608, reportando-se aos aludidos comentários respeitantes à GNR e ao Sargento R. A este respeito, não colhe, por absoluta falta de consistência e verosimilhança, a ideia de que os utilizadores do blog, quem quer que fosse, se auto intitulasse “a gerência” para intervir no mesmo, quando o próprio administrador assim se intitulava nos posts que colocava (cfr. a título exemplificativo o teor de fls. 13 a 43, 243 a 270, 576) – não sendo, de todo, verosimil que o arguido permitisse que alguém, que não o próprio, interviesse nessa qualidade de gerência, no blog por si administrado, com o intuito de informar a população de....., comentar a vida da localidade, incidindo claramente sobre os aspectos e questões politicas da mesma (direccionadas na critica ao executivo camarário) no âmbito do exercicio da sua liberdade de expressão (política).

Por seu turno, em datas intercalares aos comentários descritos em 13., o arguido, na qualidade de administrador do blog eliminou comentários efectuados pelos utlizadores, sendo inclusivamente frequente a advertência aos mesmos que estavam sempre sujeitos a essa possibilidade (vide fls. 659, 661, 668, 586, 636, 646/647 e 673), estando aos seu alcance tal triagem/selecção. Por outro lado, a testemunha VG referiu ainda ter efectuado comentários no referido blog contrariando os factos nele publicitados e nunca os viu publicados.

Todos estes elementos, associados ao facto dos comentários efectuados pelos utilizadores serem sempre “depositados” na conta de email do arguido, na qualidade de administrador do blog (conta a este associada), permitem concluir, de forma segura, que o arguido conhecia o teor dos comentários descritos em 13. (bem como dos demais constantes do blog no periodo temporal em causa) porquanto acompanhava intensamente o seu desenvolvimento, a visualização do blog, um meio, onde aliás exercia a sua cidadania, expressando as suas opiniões e considerações à actuação do executivo camarário de ...., atentando com particular intensidade a um acontecimento que ocorreu na localidade naquela data, implicando tal acompanhamento uma visualização constante do referido blog, quer ao nível da colocação de posts actualizados, quer ao nível da gestão dos comentários (efectuados por si ou pelos utilizadores) e eliminação dos mesmos.

Desta forma, encontra-se assim sobejamente afastada a verosimilhança das declarações do arguido quando refere que a data altura deixou de acompanhar o blog por si criado, bem como desconhecer os comentários dos utilizadores descritos em 13., por ter sido, além do mais, um período agitado da sua vida com o nascimento de um filho e o seu trabalho no Centro de Saúde. Por seu turno, também foi afastada a possibilidade avançada pelo arguido no que se refere à autoria da hiperligação da fotomontagem referida em 4. a 6. por parte de terceiros utilizadores do blog ou de forma aleatória, porquanto a testemunha RV afastou de forma peremptória tal possibilidade, assegurando que o destino final a dar a uma hiperligação, como sucede in casu, é dada pelo administrador do blog, que conduz o utilizador a determinado conteúdo por si seleccionado previamente – cujo teor se mostra ainda corroborado pelo teor de fls. 46 e ss/declarações de AE plenamente aptos a comprovar a factualidade descrita no ponto

Antes de mais, cumpre verificar que a crítica expressa pelo recorrente em relação ao juízo probatório formulado na sentença sob recurso não radica em qualquer oposição lógica entre a decisão e a prova, susceptível de integrar o vício previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP, mas antes na discordância do exame crítico da prova feito pelo Tribunal «a quo», ao qual o recorrente contrapõe a valoração que entende ser a correcta.

Assim sendo, a oposição manifestada pelo recorrente ao juízo probatório releva da impugnação alargada da decisão sobre a matéria de facto, prevista nos nºs 3 e 4 do art. 412º do CPP e será conhecida enquanto tal.

A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.

Conforme pode inferir-se da fundamentação do juízo probatório, que deixámos transcrita, assumiu relevância decisiva na formação da convicção do Tribunal «a quo» para a prova dos factos questionados pelo recorrente o depoimento da testemunha RV que exerce as funções de perito informático junto da PJ.

Do referido depoimento testemunhal resulta claro que o arguido não pode deixar de ter tomado conhecimento do conteúdo dos comentários inscritos por terceiros não identificados no blogue de que era administrador, porquanto acompanhava diariamente o estado deste, e que estava na sua disponibilidade obstar à publicação desses comentários ou retirá-los depois de publicados.

Não vislumbramos razões para colocar em questão a credibilidade da testemunha a cujo depoimento nos reportamos e o recorrente não as indica, tal como não aponta meios de prova susceptíveis de contrariar a convicção do mesmo emergente.

Nestas condições, nada mais resta a este Tribunal fazer que confirmar o juízo probatório emitido pela primeira instância, na parte especificamente impugnada pelo recorrente.

No plano do enquadramento jurídico-criminal dos factos, o recorrente suscitou unicamente as seguintes questões:

a) Os comentários reproduzidos no ponto 13 da matéria de facto provada são da autoria de pessoas diversas de arguido, não podendo este ser responsabilizado pelo seu conteúdo;

b) Os mesmos comentários não são susceptíveis de lesar credibilidade, a confiança e o prestígio devidos à GNR, enquanto corporação, pois são referenciados exclusivamente aos militares dessa Guarda.

A primeira das questões suscitadas foi tratada na sentença recorrida, a propósito do crime de difamação de que foi ofendido GR, em termos que, se bem entendemos, valem também para o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, praticado em detrimento da GNR, e que a seguir reproduzimos (transcrição com diferente tipo de letra):

No que se refere à conduta do arguido respeitante ao ofendido GR a sua intervenção reporta-se ao facto de publicar um “post” intitulado “GNR tem actuação paupérrima” e aderir ao conteúdo dos comentários publicados pelos visitantes/utilizadores do blog por si criado e administrado.
Mais se provou que o arguido conhecia o conteúdo dos “comments” publicados – pois comentava igualmente e interagia com os visitantes nos comentários que iam sendo efectuados ao longo do tempo dirigidos à GNR e, com particular incidência na pessoa do “Sargento” ou Sargento R, que todos associam inequivocamente à pessoa do ofendido, manifestando, por vezes, intenções de moderar o respectivo teor - e que estava na sua disponibilidade eliminar os mesmos, à semelhança do que sucedeu noutras circunstâncias, não o tendo feito.

Desta forma, na qualidade de administrador do blog e tendo plena capacidade de gestão e selecção, aderiu aos comentários descritos no ponto 13. dos factos provados, tendo o pleno domínio do facto[1], cujo o teor é claramente ofensivo da honra e consideração do ofendido.

O importante não é quem causa o facto ou quem executa a acção típica mas quem domina a execução desta. E domínio do facto significa "ter nas mãos o decurso do acontecimento típico abarcado pelo dolo" (Maurach; Wessels, p. 154).

O ponto de partida da teoria do domínio do facto é o conceito restritivo de autor e a respectiva vinculação ao tipo legal. Desta forma, a autoria não pode basear-se numa qualquer contribuição para a causação do resultado mas apenas, em princípio, na realização de uma acção típica. A acção típica deve ser entendida como unidade de sentido objectivo-subjectiva — e não, somente, como uma actuação revestida de uma determinada atitude pessoal ou como mero acontecer do mundo exterior. O facto aparece assim como a obra de uma vontade dirigida ao acontecimento (die Tat erscheint damit als das Werk eines das Geschehen steuernden Willens). Para a autoria, contudo, não só é decisiva a vontade de direcção mas também o peso objectivo da parcela assumida por cada um dos intervenientes no facto.

Deste modo, só pode ser autor quem domina o curso do facto, compartilhando-o de acordo com o significado da sua contribuição objectiva. (Jescheck, p. 590).

Enquanto critério restritivo, a teoria do domínio do facto — em que o autor aparece como figura central do acontecimento típico — permite distinguir as diversas formas de autoria (imediata, mediata, co-autoria); e permite compreender a diferença entre autoria e participação. Tem domínio do facto, desde logo, o autor singular imediato que realiza o ilícito típico directamente, i. é, por si próprio, com domínio da acção[2]. Autor é também aquele que executa o facto utilizando outrem como instrumento: é o autor mediato que tem o domínio da vontade. É co-autor quem, dividindo as tarefas, realiza uma parte necessária da execução do plano conjunto, com domínio funcional do facto.

Ora, aqui chegados, não subsistindo quaisquer dúvidas que os comentários descritos no ponto 13. dos factos provados são lesivos da honra e consideração pessoais e profissionais do visado – GR, sendo a respectiva autoria, na qualidade de dominio do facto, atribuida ao arguido, preencheu o arguido o tipo legal de crime que lhe é imputado.

Antes de mais, importa referir que, conforme alega o recorrente, assistindo-lhe razão neste ponto, o comentário inscrito por ele no blogue de que era administrador é inócuo do ponto de vistas do cometimento de qualquer dos crimes por que foi condenado, praticados em detrimnto da GNR e de um militar desta corporação.

Por um lado, tal comentário não releva para o preenchimento do crime de difmsação de que foi ofendido o sargento da GNR GR, pois não é referenciado à pessoa desse militar.

Por outro lado, o mesmo comentário é ainda atípico relativamente ao crime previsto no art. 187º do CP, pois traduz um juízo de valor, quando só a imputação ou a propalação de factos é susceptível de integrar tal tipo de crime.

Como tal, só os comentários reproduzidos no ponto 13 da factualidade prova poderão relevar para fundamentar a responsabilização criminal do arguido.

A sentença recorrida tratou a questão agora em apreço de forma a concluir pela responsabilidade criminal do arguido pelos referidos comentários, não obstante terem sido inscritos por terceiros, fazendo apelo à teoria da autoria como domínio do facto, em temos que se nos afiguram de aplaudir.
O conceito de autoria em direito penal vem assim definido no art. 26º do CP:

É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou início de execução.

A doutrina dominante, que a sentença recorrida seguiu e nós igualmente subscrevemos, tem vindo a identificar como «pedra de toque» da autoria de crimes o chamado domínio do facto.

Estando em causa a prática de crimes contra a honra por meio de comentários inscritos e publicados num blogue, não podem restar dúvidas que o domínio do facto assiste a duas pessoas, cuja intervenção é imprescindível ao cometimento do crime, aquela que inscreve o comentário e aquela que disponibiliza o blogue para o efeito e consente na respectiva publicação.

Como tal, não pode o arguido deixar de ser responsabilizado pelos referidos comentários, a título de autoria, se deles resultar lesão de bens jurídicos criminalmente relevante.

Relativamente à segunda das questões suscitadas pelo recorrente em matéria de enquadramento jurídico-criminal dos factos, reconhecemos que, quando está em causa a violação de bens jurídicos imateriais, como os que são tutelados pelas normas incriminadoras dos arts. 180º e 187º do CP, a tarefa de distiguir entre a lesão da esfera jurídica das entidades colectivas, personalizadas ou não, referidas no nº 1 do segundo desses normativos, e a das pessoas individuais que em nome delas actuam ou que as representam reveste, por vezes, alguma delicadeza.

Os comentários reproduzidos no ponto 13 da matéria de facto dividem.se em duas categorias: aqueles que são referenciados à pessoa do demandante civil GR, a propósito das funções que exercia ao tempo dos factos de comandante do posto da GNR de ---- e os que visam indistintamente militares da Guarda a prestar serviço nesse posto.

Os comentários incluídos no primeiro grupo apenas serão idóneos, em princípio, a vulnerar bens jurídicos na esfera do militar concretamente em causa.

Diferentemente sucede em relação aos comentários do segundo grupo.

Com efeito, a imputação de factos a militares de uma corporação que exerce autoridade pública, sem outra identificação que não a unidade em que prestam serviço, reflete-se necessariamente na imagem global da instituição, na falta de poderem ser atribuídos a ou mais agentes individuais determinados ou determináveis.

Como tal, na medida em que sejam, como são, idóneos a vulnerar a credibilidade, a confiança e o prestígio devidos à GNR, os comentários em causa relevam para o preenchimento do tipo de crime ptrevisto no nº 1 do art. 187º do CP.

O recorrente veio ainda alegar que, ao permitir a inscrição e a publicação dos comentários do ponto 13 da matéria de facto provada, não tinha a consciência de estar a cometer um crime, pelo que a sua conduta não deve ser considerada punível ou, caso se entenda que o erro lhe é censurável, a pena que venha a ser-lhe aplicada deve ser especialmente atenuada.

Acerca do erro sobre a ilicitude dispõe o art. 17º do CP:

1 – Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censutrável .
2 – Se o erro lhe for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada.

A invocação pelo arguido da falta de consciência da ilicitude da sua conduta, no contexto factual apurado nos autos, carece da mínima credibilidade.

Qualquer pessoa, por ignorante que seja, tem a noção de que é proibido e punido por lei atentar contra a honra e a consideração alheias, assim como contra a credibilidade, o prestígio e a confiança devida a uma corporação investida de autoridade pública.

A factualidade provada permite definir o arguido como uma pessoa dotada de uma razoável preparação cultural e socialmente bem integrada.

O arguido tinha conhecimento do conteúdo dos comentários inscritos no seu blogue, cuja publicação permitiu, e da conotação ofensiva do mesmo.

Logo, não se concebe, por um momento sequer, que possa ter escapado ao arguido a ilicitude criminal da sua actuação.

Invocou o recorrente que a sentença sob recurso, ao condená-lo pela prática de um crime de difamação em detrimento de GR e de um crime previsto no art. 187º do CP, violou o disposto no art. 11º nº1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e no art. 6º nº 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

O nº 1 do art. 11º da DUDH estatui:

Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.

Por seu turno, nº 2 do art. 6º da CEDH dispoe:
Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.

O recorrente não concretiza em que é que o processo que lhe foi movido e que culminou na sentença sob recurso não lhe assegurou as devidas garantias de defesa ou violou o princípio da presunção da inocência, nem nós o vislumbramos.

Assim, a invocação da violação das disposições de direito internacional convencional agora transcritas não traduz mais, se bem entendemos, do que a convicção, por parte do recorrente, de que a sua culpabilidade não foi legalmente provada.

Contudo, não foi isso que sucedeu, relativamente aos crimes por que foi condenado em primeira instância de que foram ofendidos, respectivamente, GR e a GNR, como pensamos ter demonstrado.

O recorrente peticionou a redução das penas de multa que lhe foram aplicadas por cada um dos crimes por que foi condenado, tanto na sua duração temporal como em relação à respectiva taxa diária.
Iremos apreciar tal pretensão.

Sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», o art. 71º do CP estatui:

1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

A propósito da fixação da taxa diária da pena de multa, o nº 2 do art. 47º do CP, na redacção vigente ao tempo da factualidade «sub judice», dispõe:
Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,00, que o tribunal fixa em função da situação económica do condenado e dos seus encargos pessoais.

Em matéria de determinação da medida da pena, na parte não prejudicada pelos juízos já formulados neste acórdão, a sentença recorrida expende (transcrição com diferente tipo de letra):

Na fixação concreta da medida da pena, a culpa e a prevenção são os dois vectores fundamentais.
Efectivamente, a pena em caso algum poderá, como dispõe o artigo 40º, n.º 2 do Código Penal, ultrapassar a medida da culpa. A culpa funcionará, nesta perspectiva, não exactamente como finalidade das penas mas como limite inultrapassável das mesmas.

Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, o que significa não só que não há pena sem culpa, mas que a culpa decide da medida da pena como seu limite máximo, devendo a pena concreta ser fixada entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à culpa, prevendo os outros fins das penas dentro destes limites.

De acordo com o Professor Figueiredo Dias[3], a verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso. A culpa, enquanto categoria dogmática, não é o fundamento da pena mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável (por quaisquer exigências de prevenção que possam subsistir).

De acordo com este entendimento da Culpa, há que ponderar as circunstâncias relativas ao facto e ao agente vertidas no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal que enumera, de forma exemplificativa, os factores a considerar na dosimetria penal e que hão de dar satisfação às exigências de prevenção, tendo sempre como referência a culpa do agente.

Deste modo, relativamente ao arguido, há que ponderar as seguintes circunstâncias:

Relativamente ao crime de difamação agravada perpetuado na pessoa de GR:
Grau de ilicitude do facto: grau moderadamente elevado, tendo em consideração o elevado número de comentários respeitantes ao ofendido e a respectiva intensidade;

Modo de execução e gravidade das suas consequências: o arguido aderiu e permitiu a divulgação dos comentários e do respetivo teor, não os tendo dirigido diorectamente; no entanto, veja-se o impacto no ofendido da divulgação de tais elementos;

Intensidade do dolo: o dolo é directo ou de 1º grau;

Condições pessoais do agente e situação económica e Conduta anterior e posterior ao facto: já evidenciádos supra.

Tendo em consideração as circunstâncias supra referidas e os limites máximo e mínimo da pena aplicável ao crime que é imputado ao arguido, entendemos ser de aplicar uma pena de multa de 160 dias de multa, dada a intensidade do dolo e o grau de ilicitude da conduta, compensados pela ausência de antecedentes criminais e pelo facto (atenuante) de não terem sido redigidos directamente pelo próprio arguido.

Relativamente ao crime de ofensa pessoa colectiva – GNR de ----:

Grau de ilicitude do facto: grau moderadamente elevado, tendo em consideração o número e intensidade de comentários respeitantes à GNR de ---;

Modo de execução e gravidade das suas consequências: o arguido aderiu e permitiu a divulgação dos comentários e do respetivo teor, não os tendo dirigido diorectamente; no entanto, veja-se o impacto na comunidade da divulgação de tais elementos;

Intensidade do dolo: o dolo é directo ou de 1º grau;
Condições pessoais do agente e situação económica e Conduta anterior e posterior ao facto: já evidenciádos supra.

Tendo em consideração as circunstâncias supra referidas e os limites máximo e mínimo da pena aplicável ao crime que é imputado ao arguido, entendemos ser de aplicar uma pena de multa de 110 dias de multa, dada a intensidade do dolo e o grau de ilicitude da conduta, compensados pela ausência de antecedentes criminais e pelo facto (atenuante) de não terem sido redigidos directamente pelo próprio arguido.

Na determinação do quantitativo diário da multa pesa, nos termos do art. 47.º n.º 2 do Código Penal, a situação económica e financeira do arguido e os seus encargos pessoais.

Atendendo a este critério resulta que o quantitativo diário da multa deve importar para o arguido um sacrifício patrimonial, pois, caso contrário, não assumiria a característica de uma pena. No entanto, não pode implicar uma total privação do sustendo do arguido.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, foram introduzidas alterações significativas no âmbito do quantitativo diário da pena de multa, passando o valor mínimo a cifrar-se em € 5.

Ora, os factos em apreço foram praticados antes da entrada em vigor do referido diploma o que implica que se pondere a aplicação de ambos os regimes, o vigente à data da prática dos factos e o actualmente vigente.

Da análise de ambos, resulta claro que o regime vigente à data dos factos é objectivamente mais favorável ao arguido, uma vez que o mínimo estabelecido para a determinação do quantitativo diário é de € 1 e o estabelecido pelo regime actual é de € 5.

Assim, tal conclusão implica que seja de acordo com o anterior regime que se opere à determinação do quantitativo (art. 29 C.R.P. e art. 2º, n.º 4 do Código Penal).

Deste modo, tendo em consideração as condições sócio-económicas do arguido (cfr. pontos 43/44), o tribunal considera adequada a fixação do quantitativo diário no montante de € 5 (cinco euros).

Não estando em causa a opção feita pelo Tribunal «a quo» pela pena patrimonial em detrimento da privativa de liberdade, para ambos os crimes praticados pelo arguido, teremos de considerar para o crime de difamação agravada uma penalidade abstracta de multa de 19 a 480 dias e para o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva uma moldura punitiva de multa de 13 a 320 dias.

A determinação da pena concreta de multa desdobra-se em dois momentos distintos, com critérios orientadores diversos, a saber a fixação da duração temporal da pena, que obedece aos princípios definidos pelo art. 71º do CP, e a quantificação da respectiva taxa diária em que vigoram considerações que se prendem com a situação económica do arguido.

No segmento da sentença recorrida dedicado à determinação da medida da pena, o Tribunal «a quo» equacionou correctamente os parâmetros relevantes para a quantificação da duração temporal das penas de multa aplicadas a cada crime.

Temos assim que, ao fixar em 160 dias e em 110 dias a duração da pena de multa aplicada ao arguido pelo crime de difamação e pelo crime tipificado no art. 187º do CP, respectivamente, o Tribunal «a quo» procedeu com equilíbrio e moderação, não merecendo a solução encontrada qualquer reparo.

De igual modo, a sentença recorrida fez aplicação, em obediência ao disposto no nº 4 do art. 2º do CP, da redacção do nº 2 do art. 47º do mesmo Código vigente ao tempo dos factos por ser a mais favorável ao arguido.

No que se refere à taxa diária da multa, a sua determinação deverá ser o resultado da busca de um ponto de equilíbrio entre a necessidade de a pena patrimonial, para poder revestir um mínimo de eficácia, envolver para o arguido um sacrifício material sensível e a necessidade de não lhe impor deveres cujo cumprimento lhe seja impossível.
Tendo em atenção aquilo que se apurou sobre a situação económica do arguido e que consta dos pontos 43 e 44 da matéria de facto assente, o referido ponto de equilíbrio deverá ser encontrado a nível ligeiramente inferior ao que foi determinado na sentença sob recurso, pelo deverá merecer atendimento a pretensão do recorrente no sentido da redução da taxa diária da multa para 3 euros.

Por força do que se decidiu no sentido da absolvição do recorrente do crime de difamação praticado de que teria sido vítima AE, haverá que proceder a novo cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do CP, desta vez com consideração das penas confirmadas por este Tribunal da Relação.

Por força do disposto nº 2 do art. 77º do CP, a pena única emergente do cúmulo jurídico terá por limite mínimo a pena mais grave a cumular (160 dias de multa) e por limite máximo a soma aritmética de todas as penas envolvidas (270 dias).

Reconsiderando os factos e a personalidade do arguido, tal como foram anteriormente discutidos, entendemos por justo e equilibrado fixar em 200 dias de multa a pena única em que arguido vai condenado.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a) Conceder provimento parcial ao recurso;

b) Determinar a alteração da matéria de facto provada e não provada nos termos preconizados a fls. 39 deste acórdão;

c) Revogar a sentença recorrida nos seguintes termos:

- Absolver o recorrente do crime de difamação p. e p. pelos arts. 180º nº1, 182º, 183º nº 1 al. a) e 184º do CP, em detrimento do demandante civil AE;

- Absolver o demandado do pedido de indemnização civil contra ele deduzido por AE;

-Condenar o demandante AE nas custas do pedido de indemnização que deduziu;

d) Manter a condenação do recorrente pela prática de um crime de difamação p. e p. pelos arts. 180º nº1, 182º, 183º nº 1 al. a) e 184º do CP, em detrimento do demandante civil GR, na pena de 160 dias de multa, e de um crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva p. e p. pelos arts. 187º nºs 1 e 2 e 183º nº 1 al. a) do CP, na pena 110 dias de multa, mas reduzir para 3 euros a respectiva taxa diária;

e) Proceder ao cúmulo jurídico das penas de multa referidas na alínea anterior e condenar o recorrente na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 3 euros

f) Negar provimento ao recurso quanto ao mais.

Sem custas.

Notifique.

Évora 14/2/12 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)

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[1]  A teoria do domínio do facto limita o seu âmbito de aplicação aos crimes dolosos. Noutros casos, o elemento que define a autoria não é o domínio do facto, mas apenas a característica típica objectiva ou subjectiva que o correspondente tipo de ilícito descreve. Uma possibilidade de concretizar o conceito de domínio do facto consiste em entender que o sujeito tem o poder de deixar correr ou de interromper a realização da acção típica — a cumplicidade será em consequência relegada para os simples actos de ajuda, sem participação na decisão nem no domínio final do facto. Mas a teoria limita o seu âmbito de aplicação aos crimes dolosos, acompanhando o conceito restritivo de autor, o que se explica pelo sentido originariamente subjectivo da teoria, vinculado à ideia de finalidade.

[2]  O Prof. Eduardo Correia, por ex., in Direito Criminal, II, de 1965 (cf., ainda, a acta da 12ª sessão, Actas, p. 194), aderindo a um conceito extensivo de autoria assente na teoria da adequação considerava supérflua a instigação, pois a mesma podia e devia ser compreendida no conceito de autoria mediata, moral ou intelectual, "desde que a este se dê um sentido lato que abranja todas aquelas hipóteses em que alguém causa a realização de um crime utilizando ou fazendo actuar outrem por si.” A causalidade devia continuar a considerar-se "o verdadeiro fulcro" (Mezger: "o ponto de arranque cientifico") à volta do qual gira a teoria da participação, de modo que, se alguém determina, e por conseguinte prevê ou deve prever, actividades dolosas ou negligentes de outrem por força do seu comportamento, o resultado considera-se consequência normal, típica, não obstante entre eles se interpor uma vontade humana. Perante as novas concepções do agente que "domina" o facto, o "homem por detrás" já não é em regra considerado autor mediato quando o executor actua livre de erro e de forma plenamente culposa, intervindo aqui o princípio da responsabilidade. O critério para distinguir a instigação da autoria mediata passa, portanto, pelo domínio do facto: a autoria mediata caracteriza-se, sobretudo, como domínio da vontade. O autor mediato — diz Wessels — utiliza para cometer um "facto próprio" "mãos alheias", assumindo deste modo o papel dominante. A posição subordinada é deixada para quem pratica o crime por suas próprias mãos, sujando-as. O autor mediato domina o acontecimento total, mas fica na sombra — deixa que o outro trabalhe por si e lava daí as suas mãos (Kühl, p. 630). Todavia, não existe unanimidade no tratamento das constelações de casos que neste âmbito se podem suscitar. O chamado autor mediato tem o domínio do facto porque domina um instrumento humano, o executor, aproveitando-se de uma deficiência deste. Esta deficiência do executor é o ensejo para o domínio da vontade ou do saber do homem por detrás nos casos em que o executor actua de forma atípica ou sem dolo.

[3] In Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais; A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004.